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A implantação dos consórcios públicos instituídos pela Lei nº 11.107/2005.

Oportunidades e desafios deste instrumento de cooperação federativa

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Agenda 21/01/2010 às 00:00

VIII – Contrato de Rateio

Como o leitor mais atento já deve ter percebido, uma das questões essenciais consiste em como se formar um patrimônio próprio para o consórcio público, para que este tenha autonomia na sua gestão financeira, sem confusão com o patrimônio dos entes instituidores. Foi pensando nesta sistemática que o legislador criou a figura do contrato de rateio.

O Decreto nº 6.017, de 17.01.2007, regulamentou a Lei nº 11.107/05, e no inciso VII, do art. 2º, definiu o contrato de rateio como o "contrato por meio do qual os entes consorciados comprometem-se a fornecer recursos financeiros para a realização das despesas do consórcio público".

O contrato de rateio foi o mecanismo eleito pelo legislador como único instrumento autorizado a cuidar da sistemática de aporte de recursos necessários à sustentabilidade dos consórcios públicos pelos entes consorciados. Deste modo, nenhum aporte de recursos pode ser feito de outra forma, fazendo com que seja possível maior controle sobre a transferência de recursos dos entes públicos para o consórcio público. As duas únicas exceções são os casos de contratos dos projetos contemplados em plano plurianual de investimentos, e os de gestão associada de serviços públicos, mantidos pela receita de tarifas ou outros preços públicos, uma vez que os recursos não têm origem no orçamento dos integrantes do consórcio.

Os repasses estipulados no contrato de rateio devem ter previsão nos respectivos orçamentos dos entes participantes do consórcio, até mesmo para que seja indicada a fonte de receita, além de permitir o controle pelo Poder Legislativo correspondente, e dos respectivos Tribunais de Contas.

Este contrato de rateio tem sua validade condicionada ao prazo das dotações orçamentárias, sendo, portanto, anual, justamente para acompanhar a sistemática orçamentária, de cada ente envolvido, propiciando a constante adequação às mudanças sofridas ao longo do exercício.


IX – Financiamentos e Outras Fontes de Recursos dos Consórcios Públicos

Vamos analisar agora a possibilidade ou não do consórcio público poder contar com outras fontes de recursos, diferentes das contempladas na Lei nº 11.107/2005 e acima elencadas, como a celebração de operações de crédito com instituições financeiras, inclusive os bancos estatais que geralmente são os responsáveis pela concessão de financiamentos para projetos de longo prazo, tais como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, e a Caixa Econômica Federal – CEF.

O art. 2º, § 1º, I, da Lei nº 11.107/05, prevê que o consórcio público pode ser destinatário de auxílios, contribuições e subvenções sociais ou econômicas oriundos de outras entidades e órgãos governamentais. A definição para cada uma destas modalidades de transferências de recursos está no texto da Lei nº 4.320, de 17.03.1964, que dispõe sobre normas gerais de direito financeiro.

O que causa estranheza é a existência de afirmação na página da Presidência da República na internet, destacando que: "consórcios não podem contratar operações de crédito. Devem receber dinheiro apenas dos entes consorciados" e consigna que "a alocação de recursos nos consórcios por meio de empréstimos obtidos pelos entes da federação, deve respeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF e os limites de endividamento" [28], dando a entender que esta seria a única forma de recursos oriundos de operações de crédito chegarem ao consórcio.

Em prevalecendo este entendimento, estaremos criando realmente uma nítida classe discriminatória de pessoa jurídica, onde esta já nasce com sua capacidade reduzida (verdadeira "capitis diminutio" [29]), pois não terá condições de exercer em toda a sua plenitude os direitos que são conferidos a outras instituições que se encontram, em muitos casos, incumbidas da mesmíssima atividade desempenhada pelo consórcio. Esse entendimento nos remete à ideia de uma instituição que não terá direito a crédito, ainda que este seja o pilar de todo processo de produção e circulação de riquezas, sendo instrumento indispensável para o desempenho de qualquer atividade que demande investimentos.

Podemos chegar ao absurdo de termos um consórcio público com ótima situação econômica, mostrando-se capaz de gerir bem a prestação de serviço público que lhe foi atribuída e não poder contar com o financiamento decorrente de operações de crédito pelo fato dos Municípios que dele fazem parte estarem desajustados dos limites da LRF e/ou dos limites de endividamento. Bastaria o consórcio oferecer parte da sua receita em garantia da operação de crédito (preservando sempre uma margem prudencial suficiente de recursos livres, de modo que eventual execução não inviabilize a prestação do serviço).

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Realmente, terá andado muito mal o legislador neste aspecto, caso prevaleça este posicionamento, do qual somos obrigados a discordar. Todavia, o próprio Decreto que regulamentou a Lei de Consórcios Públicos, no seu art. 10, inciso I, expressamente prevê esta possibilidade do consórcio público contratar operações de crédito, claro que após o preenchimento dos mesmos requisitos a que qualquer outro ente da Administração está submetido para celebrar estas operações de crédito. Eis a dicção do referido art. sem negrito no original, in verbis:

Art. 10.  Para cumprimento de suas finalidades, o consórcio público poderá:

I - firmar convênios, contratos, acordos de qualquer natureza, receber auxílios, contribuições e subvenções sociais ou econômicas;

(...)

Parágrafo único.  A contratação de operação de crédito por parte do consórcio público se sujeita aos limites e condições próprios estabelecidos pelo Senado Federal, de acordo com o disposto no art. 52, inciso VII, da Constituição.

Não nos parece restar dúvida alguma quanto à possibilidade de se celebrar uma operação de crédito com um consórcio público, e por esta razão causa espanto a afirmação constante no endereço eletrônico da Presidência da República em sentido contrário.

A única vedação que existe para a realização de operações de crédito e transferências voluntárias é a destinação dos recursos fornecidos pelo ente federativo [30] por meio de contrato de rateio para a cobertura de despesas genéricas, que são aquelas em que a execução orçamentária se faz com modalidade de aplicação indefinida [31], em nada interferindo na relação do consórcio com terceiros.

Talvez em decorrência deste posicionamento aparentemente institucional adotado pela Casa Civil de não admitir que os consórcios públicos celebrem operação de crédito, a Secretaria do Tesouro Nacional ainda não tenha disciplinado por intermédio de algum ato normativo o procedimento necessário para que os consórcios públicos tenham os seus limites de endividamento verificados e consigam autorização desta Secretaria para a contratação de operações de crédito, seguindo a mesma sistemática usada para Estados e Municípios, em cumprimento aos preceitos da LRF.

Em que pese alguns equívocos na condução política [32] e outras imperfeições na metodologia de escolha dos entes destinatários dos recursos, o atual governo vem adotando uma postura de buscar manter investimentos constantes em alguns setores importantes, como habitação, urbanização de áreas e, sobretudo, em saneamento ambiental, por meio de repasse de recursos do Orçamento Geral da União – OGU e por intermédio de concessão de financiamento para Estados e Municípios (inclusive por meio de suas autarquias de saneamento), através dos bancos oficiais, notadamente BNDES e CEF.

Como admitir-se a impossibilidade deste consórcio ter acesso a esta importante fonte de captação de recursos, ficando a depender sempre do aporte de recursos por parte dos membros do consórcio?

Outra questão relevante a ser debatida por todos é a forma de garantia destes financiamentos, já que o regime jurídico adotado será o de direito público, mesmo para os consórcios que se constituírem sob a forma de associações com personalidade jurídica de direito privado, dada a natureza das atividades desempenhadas.


X – Contrato de Programa

O contrato de programa é definido no inciso XVI, do art. 2º, do Decreto nº 6.017/07, como o "instrumento pelo qual devem ser constituídas e reguladas as obrigações que um ente da Federação, inclusive sua administração indireta, tenha para com outro ente da Federação, ou para com consórcio público, no âmbito da prestação de serviços públicos por meio de cooperação federativa".

De início devemos salientar que o contrato de programa é uma das modalidades de gestão associada, da mesma forma que o consórcio público, o convênio de cooperação e outros instrumentos correlatos, e pode ser celebrado tanto no âmbito de um consórcio público ou mesmo fora deste e importa destacar que o que vai nortear a escolha do modelo a ser adotado será a possibilidade de uma melhor prestação do serviço, revertendo em proveito do cidadão, ultima ratio da atuação estatal (pelo menos em tese).

Podemos ter a associação por intermédio do contrato de programa de algumas maneiras, dependendo das partes envolvidas. Deste modo, pode-se ter um contrato de programa, pela letra da lei, entre entes federativos (Município com Estado, por exemplo), entre estes e um consórcio público (caso de Município com consórcio público) e entre um ente federativo e uma entidade da Administração Pública Indireta (Estado com uma sociedade de economia mista de um Município) e por fim, de duas pessoas de Administrações Públicas Indiretas distintas (por exemplo, fundações públicas de Municípios diferentes) [33].

Uma coisa deve ficar clara: o contrato de programa é um instrumento de cooperação federativa e por isto, envolverá sempre a figura de entidades públicas, vinculadas à Administração [34].

O contrato de programa deve atender a uma série de requisitos elencados na própria Lei [35] em comento, e que foram pormenorizados no seu Decreto regulamentar [36], em seu artigo 33.

Não podemos deixar de lembrar que o contrato de programa é mais um instrumento à disposição dos entes federativos para a cooperação entre eles, sendo admitida a celebração deste contrato inclusive com entes que não integrem o consórcio público, já que são instrumentos distintos [37].


XI – A Alteração e Extinção dos Consórcios Públicos

A extinção de um consórcio pode ocorrer por vários motivos, que vão desde o esgotamento da atividade para a qual foi originariamente criado até o eventual desinteresse por parte dos integrantes em continuar o desempenho dos objetivos do mesmo.

Podemos ainda ter a alteração da composição dos integrantes do consórcio, ou no objeto a ser por ele executado [38]. Podemos ter o ingresso de algum novo integrante, ou pela saída de algum outro participante. Se o consórcio público é formado apenas por dois entes, a saída de um deles acarreta a extinção do consórcio [39].

A retirada (ou recesso, termo utilizado pelo Decreto regulamentador no art. 25) de um ente da Federação do respectivo consórcio público dependerá de ato formal de seu representante na Assembleia Geral, na forma previamente disciplinada por lei, sendo que trata-se de um afastamento voluntário do ente consorciado, uma vez que nenhum "ente da Federação poderá ser obrigado a se consorciar ou a permanecer consorciado" [40], por ser a liberdade de associação um direito constitucionalmente assegurado.

Obviamente que a retirada causará alguma alteração na rotina de funcionamento do consórcio e por isso ela deve atender a um procedimento pré-estabelecido, onde teremos a formalização do pedido de retirada, através de ato formal, que pode ser um Decreto, Ofício ou qualquer outro documento hábil a produzir estes efeitos, emitido pelo representante legal, em Assembleia Geral do consórcio público, seguindo o que determina a lei que disciplinar a saída do ente do consórcio.

Este processo de retirada, ainda que seja voluntário, fará com que o ente retirante se mantenha responsável por obrigações contraídas anteriormente à sua efetiva saída, e por esta razão, o art. 11, § 2º, da Lei nº 11.107/05, determina que "a retirada ou a extinção do consórcio público não prejudicará as obrigações já constituídas, inclusive os contratos de programa, cuja extinção dependerá do prévio pagamento das indenizações eventualmente devidas".

Da mesma forma, teremos uma apuração de haveres, sendo que os "os bens destinados ao consórcio público pelo consorciado que se retira somente serão revertidos ou retrocedidos no caso de expressa previsão no contrato de consórcio público ou no instrumento de transferência ou de alienação" [41].

Nesta linha de raciocínio, "a alteração ou a extinção de contrato de consórcio público dependerá de instrumento aprovado pela Assembleia Geral, ratificado mediante lei por todos os entes consorciados" [42], de modo a preservar a estabilidade necessária ao pleno funcionamento do consórcio público.

Falta-nos falar ainda da exclusão de ente consorciado, que trataremos dentro deste ponto, pois a exclusão não deixa de ser uma modalidade de alteração na composição do consórcio público. Consiste no afastamento compulsório ou involuntário do ente, em virtude de fato superveniente ensejador na justa causa necessária para a sua expulsão.

Ao ingressar no consórcio público, o ente federativo consorciante assume uma série de responsabilidades perante o consórcio e os demais entes agrupados, onde o descumprimento destas obrigações faz surgir a justa causa ensejadora da medida extrema por parte dos demais integrantes, sendo uma forma de punir a inadimplência do ente em mora.

Prevendo forma de evitar eventuais perseguições no âmbito do consórcio, que poderiam ocorrer, por exemplo, com a mudança no comando político de determinado participante, o legislador fez constar que "a exclusão de ente consorciado só é admissível havendo justa causa" [43].

O legislador ordinário criou a figura do contrato de rateio como a única forma de aporte de recursos dos entes consorciados no consórcio público e estipulou que "poderá ser excluído do consórcio público, após prévia suspensão, o ente consorciado que não consignar, em sua lei orçamentária ou em créditos adicionais, as dotações suficientes para suportar as despesas assumidas por meio de contrato de rateio" [44].

A exclusão, por ser ato extremo de repreensão para com o ente inadimplente, deve ser precedida de prévia suspensão, abrindo-se assim a oportunidade para que o ente ameaçado de expulsão regularize a sua situação perante o consórcio e seus integrantes, reabilitando-se [45] e, assim, voltando a participar ativamente do consórcio. Além disto, para garantir um procedimento justo, o consorciado tem assegurado o direito à ampla defesa e ao contraditório [46].

O art. 26, § 1º, do Decreto nº 6.017/07, estipula que, "além das que sejam reconhecidas em procedimento específico, é justa causa a não inclusão, pelo ente consorciado, em sua lei orçamentária ou em créditos adicionais, de dotações suficientes para suportar as despesas que, nos termos do orçamento do consórcio público, prevê-se devam ser assumidas por meio de contrato de rateio", reforçando a importância dada ao devido aporte de recursos no consórcio público.

Ainda temos outra causa de exclusão, no caso em que, mediante previsão no contrato de consórcio público, um ente consorciado, sem autorização dos demais integrantes do consórcio, subscrever protocolo de intenções para constituição de outro consórcio com finalidades, a juízo da maioria da Assembleia Geral, iguais, assemelhadas ou incompatíveis com as desempenhadas pelo consórcio [47].

Sobre o autor
Franderlan Ferreira de Souza

Gerente Jurídico da Área de Inclusão Social do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES. Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Especialista em Direito Civil Constitucional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Franderlan Ferreira. A implantação dos consórcios públicos instituídos pela Lei nº 11.107/2005.: Oportunidades e desafios deste instrumento de cooperação federativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2395, 21 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14204. Acesso em: 23 dez. 2024.

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