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Perda do mandato por infidelidade partidária

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Agenda 20/02/2010 às 00:00

6. DA FIDELIDADE PARTIDÁRIA

Como já ressaltado, a filiação partidária é uma das condições de elegibilidade, tal qual disposto no artigo 14, § 3º, inc. V da CF/88, além de previsão semelhante na Lei n.º 9.504/97 – Lei das Eleições, que exige, em seu artigo 11, III, a prova da filiação partidária para fins de inscrição de candidato, quando do registro de suas candidaturas.

A filiação induz adesão à ideologia partidária, onde determinando indivíduo, sabedor das normas estatutárias e do posicionamento de determinada agremiação no cenário político, requer seu ingresso nos quadros do partido, significando não apenas que um dos requisitos de elegibilidade foi suprido, mas, sobretudo, que aceita como sua àquela ideologia e se compromete a difundir e dar aplicação aos ideais partidários.

A fidelidade partidária é o compromisso assumido perante a agremiação de seguir o que determinada suas normas estatutárias, dar cumprimento ao conteúdo programático amplamente difundido pela propaganda partidária, e de que o público é sabedor e influenciado na hora de votar, sendo o pluripartidarismo o responsável pela grande diversidade doutrinária e política representada pelos partidos.

A infidelidade partidária pode se manifestar de duas formas básicas: pode ocorrer infidelidade partidária quando um deputado, senador ou vereador vota de forma contrária ao decidido em reuniões de sua bancada partidária, alterando seu voto por conta própria e em detrimento ao quanto decidido pelos demais integrantes do partido, podendo sofrer sanções de natureza política desde que previstas em normas intrapartidárias, matéria interna corporis e a salvo de apreciações externas em respeito ao princípio da autonomia partidária. Essa situação não importa em perda do mandato parlamentar, vez que o infrator não migra para uma outra agremiação, tão somente desrespeitando a direção assumida pelo partido sobre a matéria a ser votada.

A segunda hipótese, que realmente interessa ao presente estudo, é quando um cidadão, eleito sob uma determinada legenda partidária, migra sem justa causa para uma outra agremiação política, utilizando-se do partido tão somente para obter êxito nas eleições, mostrando-se infiel às diretrizes ideológicas do partido pelo qual se elegeu. Difunde por intermédio da propaganda partidária e eleitoral sua adesão a determinado seguimento político e, após eleito, abandona a legenda pela qual se elegeu e adere a outra.

A infidelidade manifestada na troca fortuita de partido compromete o movimento democrático, sobretudo nas eleições proporcionais, onde o partido pode ser votado independentemente dos candidatos que concorram sob sua legenda, frustando a intenção manifestada pelos cidadãos no exercício de seu voto. O Tribunal Superior Eleitoral percebeu a lesividade por ocasião da infidelidade partidária, e dessa forma vem entendendo:

não há dúvida nenhuma, quer no plano jurídico, quer no plano prático, que o vínculo de um candidato ao Partido pelo qual se registra e disputa uma eleição é o mais forte, se não o único, elemento de sua identidade política, podendo ser afirmado que o candidato não existe fora do Partido Político e nenhuma candidatura é possível fora de uma bandeira partidária . [23]

Antes de registrar sua candidatura no prazo estabelecido pela legislação eleitoral, cujo calendário é estabelecido em resolução do Tribunal Superior Eleitoral, o pré-candidato participa de convenção partidária onde sua intenção de candidatar-se é submetida ao crivo dos demais integrantes do partido, que em votação decidem sobre a possibilidade ou não do lançamento da candidatura em apreço.

No intento de lançar-se candidato, utiliza do veículo da propaganda intrapartidária [24], fazendo uso dos recursos permitidos em lei para conquistar a confiança de seus correligionários, para que receba votação suficiente no sentido de poder registrar sua candidatura. Perante os correligionários o pré-candidato reforço compromisso ideológico de manter-se fiel aos ditames partidários, vez que todos integram uma mesma agremiação e indica serem coerentes em suas convicções políticas.

A Lei 9.096/95 possui dispositivos que tratam da infidelidade partidária, in verbis:

DA FIDELIDADE E DA DISCIPLINA PARTIDÁRIAS

ART. 23.

A responsabilidade por violação dos deveres partidários deve ser apurada e punida pelo competente órgão, na conformidade do que disponha o estatuto de cada partido.

§ 1º Filiado algum pode sofrer medida disciplinar ou punição por conduta que não esteja tipificada no estatuto do partido político.

§ 2º Ao acusado é assegurado amplo direito de defesa.

Art. 24. Na Casa Legislativa, o integrante da bancada de partido deve subordinar sua ação parlamentar aos princípios doutrinários e programáticos e às diretrizes estabelecidas pelos órgãos de direção partidários, na forma do estatuto.

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Art. 25. O estatuto do partido poderá estabelecer, além das medidas disciplinares básicas de caráter partidário, normas sobre penalidades, inclusive com desligamento temporário da bancada, suspensão do direito de voto nas reuniões internas ou perda de todas as prerrogativas, cargos e funções que exerça em decorrência da representação e da proporção partidária, na respectiva Casa Legislativa, ao parlamentar que se opuser, pela atitude ou pelo voto, às diretrizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos partidários.

Art. 26. Perde automaticamente a função ou cargo que exerça, na respectiva Casa Legislativa, em virtude da proporção partidária, o parlamentar que deixar o partido sob cuja legenda tenha sido eleito." [25]

O programa partidário aproxima o eleitor do mandatário, simpatizante que é dos símbolos, prioridades e/ou filosofia política de determinada agremiação partidária, devendo o mandatário, na forma do artigo 24 da Lei 9.096/95, manter-se fiel "aos princípios doutrinários e programáticos e às diretrizes estabelecidas pelos órgãos de direção partidários, na forma do estatuto". A esta vinculação Pontes de Miranda denominou " princípio de sinceridade partidária perante o público" [26], salientando a potencialidade eleitoreira decorrente da divulgação do programa partidário.

Roberto Moreira de Almeida define a finalidade da propaganda partidária:

Com efeito, a propaganda partidária é a divulgação realizada pelo partido político, sem vinculação a qualquer prélio eleitoral, com o desiderato de propagar o programa e a ideologia político-partidária e, assim, receber da população adeptos, simpatizante e novos filiados. [27]

Paulo Henrique dos Santos Lucon, em seu artigo "O processo de perda do mandato eletivo em razão de desfiliação sem justa causa", define de forma brilhante a vinculação do mandatário ao conteúdo partidário:

Nesse contexto, imprimem as legendas certa dose de imperatividade aos mandatos: esboçam compromissos programáticos de sua atuação, aproximando o eleitor do mandatário, uma vez que este deverá - (....) – orientar-se segundo as diretrizes da agremiação (também conforme o art, 24, Lei 9.096/95). Todo partido, portanto, deve ser construído por uma base doutrinal comum, razão de ser da união dos filiados, sob pena de representar mera agregação de forças, sem força moral.(...).

Prossegue o ilustre jurista:

Vinculado o titular do mandato ao seu partido, possibilita-se, ao menos teoricamente, aquele reencontro do cidadão nos atos dos representantes, pois o sistema representativo implementado no Brasil pretende que o eleitorado identifique o candidato por meio do partido pelo qual ele é filiado (...) Ademais, é importante preservar, nos corpos eletivos, desenho partidário que seja reflexo fiel das urnas, sem prejuízo para a representação proporcional dos partidos políticos, exigência constitucional já consagrada entre nós de longa data (Constituição de 1934, art. 26; Constituição de 1967/69, art. 143; Constituição de 1988, art. 58, § 1º) e colocada em bom vernáculo na Lei n.º 9.096/95 (art. 26). (....) Tal preocupação é ainda mais coerente no sistema eleitoral proporcional, adotada entre nós para os cargos legislativos (com exceção das vagas no Senado), em que se determinam os representantes por meio da apuração do quociente partidário, á luz do quociente eleitoral, para somente então seguir a ordem de votação nominal. Neste modelo, os votos são direcionados ao partido, sendo possível que o candidato eleito por uma determinada legenda, poderia não tê-lo sido por outra, ainda que lograsse número idêntico de votos em seu próprio nome. [28]

Seria antijurídico reconhecer que fosse possível, sem justa causa, que um candidato eleito se beneficiasse da força de um determinado partido, participasse da contagem de votos do sistema proporcional com o "voto de legenda", identificasse como sua a ideologia partidária (já que aos olhos do eleitorado é isso que acontece, face ao princípio de sinceridade partidária perante o público), e depois pudesse migrar para outro partido, prejudicando o planejamento da agremiação pela qual se elegeu.

No julgamento da Consulta n.º 1.398/DF no Tribunal Superior Eleitoral, o relator, Ministro Fancisco Cezar Asfor Rocha, proferiu um voto salutar, aduzindo o que se descreve abaixo:

Por conseguinte, parece-me equivocada e mesmo injurídica a suposição de que o mandato político eletivo pertence ao indivíduo eleito, pois isso equivaleria a dizer que ele, o candidato eleito, se teria tornado senhor e possuidor de uma parcela da soberania popular, não apenas transformando-a em propriedade sua, porém mesmo sobre ela podendo exercer, à moda do exercício de uma prerrogativa privatística, todos os poderes inerentes ao seu domínio, incluindo o de dele dispor.(....) Ao meu sentir, o mandato parlamentar pertence, realmente, ao Partido Político, pois é à sua legenda que são atribuídos os votos dos eleitores, devendo-se entender como indevida ( e mesmo ilegítima) a afirmação de que o mandato pertence ao eleito, inclusive porque toda a condução ideológica, estratégica, propagandística e financeira é encargo do Partido Político (...). [29]

Na referida Consulta de n.º 1.398/DF, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu que ocorre perda do mandato parlamentar ao candidato eleito e empossado que migre, sem justa causa, para outra agremiação política, tendo sido publicadas pela corte eleitoral 02 (duas) resoluções, quais sejam as de n.º 22.610/2007 e 22.733/2007, que dispõem sobre o procedimento de perda do mandado eletivo por conta de infidelidade partidária, conforme será examinado a seguir.


7. A RESOLUÇÃO 22.610/2007 DO SUPERIOR ELEITORAL ELEITORAL

No julgamento dos Mandados de Segurança de n.º 22.602, 26.603 e 22.604, o Supremo Tribunal Federal restou assentado que a infidelidade partidária, sem justa causa, acarreta a perda do mandato eletivo, entendendo a Suprema Corte, por conseguinte, que o mandato eletivo pertence ao partido político, e não ao filiado eleito.

Os três mandados de segurança foram interpostos por partidos políticos que tiveram indeferida a pretensão de perda de mandato parlamentar em face da presidência da câmara de deputados, que se negou a declarar a vacância dos cargos de deputados que mudaram de legenda partidária. O TSE, através da consulta de n.º 1.398/SDF, já havia decidido que cabia ao partido político o direito de preservar a vaga obtida no parlamento por meio da eleição proporcional, possibilitando assim a perda do mandato parlamentar por conta da infidelidade. Sem dúvida os partidos foram estimulados pelo resultado da consulta, de forma que impetraram os writs frente ao Supremo Tribunal Federal.

O TSE respondeu de forma afirmativa à Consulta n.º 1.398/DF proposta pelo Partido da Frente Liberal (atual Democratas – DEM), como se transcreve: "CONSULTA. ELEIÇÕES PROPORCIONAIS. CANDIDATO ELEITO. CANCELAMENTO DE FILIAÇÃO. TRANSFERÊNCIA DE PARTIDO. VAGA. AGREMIAÇÃO. RESPOSTA AFIRMATIVA." [30]

A Consulta realizada pelo então Partido da Frente Liberal foi do seguinte teor, in verbis:

Considerando que o teor do art. 108 da Lei n.º 4.737/65 (Código Eleitoral), que estabelece que a eleição dos candidatos a cargos proporcionais é resultado do quociente eleitoral apurado entre os diversos partidos e coligações envolvidas no certame democrático.

Considerando que é condição constitucional de elegibilidade a filiação partidária, posta para indicar ao eleitor o vínculo político e ideológico dos candidatos.

Considerando ainda que, também o cálculo das médias, é decorrente do resultado dos votos válidos atribuídos aos partidos e coligações.

INDAGA-SE:

Os partidos e coligações têm o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional, quando houver pedido de cancelamento da filiação ou de transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda? [31]

O TSE respondeu afirmativamente à consulta realizada, declarando que sim, que perde o mandato eletivo o parlamentar que injustificadamente muda de partido, desfalcando a bancada partidária pela qual se elegeu, não sendo o mandato eletivo um direito particular do mandatário, pertencendo, no sistema proporcional, ao partido político respectivo.

Nos autos dos mandados de segurança de n.º 22.602, 22.603 e 22.604, o Supremo Tribunal Federal decidiu que ocorre perda do mandato eleitoral por conta da infidelidade partidária, bem como remeteu ao Tribunal Superior Eleitoral a regulamentação do procedimento para a verificação da justa causa ou não na migração partidária, enquanto o Congresso Nacional não edita a Lei Complementar tratando do tema.

E de fato o Tribunal Superior Eleitoral, baseado na posição do STF em determinar ser sua a competência para disciplinar a matéria enquanto ocorrente a mora legislativa, editou e publicou a Resolução 22.610/2007, cujo teor segue abaixo transcrito:

RESOLUÇÃO Nº 22.610/2007

Relator: Ministro Cezar Peluso.

O TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, no uso das atribuições que lhe confere o art. 23, XVIII, do Código Eleitoral, e na observância do que decidiu o Supremo Tribunal Federal nos Mandados de Segurança nº 26.602, 26.603 e 26.604, resolve disciplinar o processo de perda de cargo eletivo, bem como de justificação de desfiliação partidária, nos termos seguintes:

Art. 1º - O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa.

§ 1º - Considera-se justa causa:

I) incorporação ou fusão do partido;

II) criação de novo partido;

III) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;

IV) grave discriminação pessoal.

§ 2º - Quando o partido político não formular o pedido dentro de 30 (trinta) dias da desfiliação, pode fazê-lo, em nome próprio, nos 30 (trinta) subseqüentes, quem tenha interesse jurídico ou o Ministério Público eleitoral.

§ 3º - O mandatário que se desfiliou ou pretenda desfiliar-se pode pedir a declaração da existência de justa causa, fazendo citar o partido, na forma desta Resolução.

Art. 2º - O Tribunal Superior Eleitoral é competente para processar e julgar pedido relativo a mandato federal; nos demais casos, é competente o tribunal eleitoral do respectivo estado.

Art. 3º - Na inicial, expondo o fundamento do pedido, o requerente juntará prova documental da desfiliação, podendo arrolar testemunhas, até o máximo de 3 (três), e requerer, justificadamente, outras provas, inclusive requisição de documentos em poder de terceiros ou de repartições públicas.

Art. 4º - O mandatário que se desfiliou e o eventual partido em que esteja inscrito serão citados para responder no prazo de 5 (cinco) dias, contados do ato da citação.

Parágrafo único - Do mandado constará expressa advertência de que, em caso de revelia, se presumirão verdadeiros os fatos afirmados na inicial.

Art. 5º - Na resposta, o requerido juntará prova documental, podendo arrolar testemunhas, até o máximo de 3 (três), e requerer, justificadamente, outras provas, inclusive requisição de documentos em poder de terceiros ou de repartições públicas.

Art. 6º - Decorrido o prazo de resposta, o tribunal ouvirá, em 48 (quarenta e oito) horas, o representante do Ministério Público, quando não seja requerente, e, em seguida, julgará o pedido, em não havendo necessidade de dilação probatória.

Art. 7º - Havendo necessidade de provas, deferi-las-á o Relator, designando o 5º (quinto) dia útil subseqüente para, em única assentada, tomar depoimentos pessoais e inquirir testemunhas, as quais serão trazidas pela parte que as arrolou.

Parágrafo único - Declarando encerrada a instrução, o Relator intimará as partes e o representante do Ministério Público, para apresentarem, no prazo comum de 48 (quarenta e oito) horas, alegações finais por escrito.

Art. 8º - Incumbe aos requeridos o ônus da prova de fato extintivo, impeditivo ou modificativo da eficácia do pedido.

Art. 9º - Para o julgamento, antecipado ou não, o Relator preparará voto e pedirá inclusão do processo na pauta da sessão seguinte, observada a antecedência de 48 (quarenta e oito) horas. É facultada a sustentação oral por 15 (quinze) minutos.

Art. 10 - Julgando procedente o pedido, o tribunal decretará a perda do cargo, comunicando a decisão ao presidente do órgão legislativo competente para que emposse, conforme o caso, o suplente ou o vice, no prazo de 10 (dez) dias.

Art. 11 - São irrecorríveis as decisões interlocutórias do Relator, as quais poderão ser revistas no julgamento final, de cujo acórdão cabe o recurso previsto no art. 121, § 4º, da Constituição da República.

Art. 12 - O processo de que trata esta Resolução será observado pelos tribunais regionais eleitorais e terá preferência, devendo encerrar-se no prazo de 60 (sessenta) dias.

Art. 13 - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, aplicando-se apenas às desfiliações consumadas após 27 (vinte e sete) de março deste ano, quanto a mandatários eleitos pelo sistema proporcional, e, após 16 (dezesseis) de outubro corrente, quanto a eleitos pelo sistema majoritário.

Parágrafo único - Para os casos anteriores, o prazo previsto no art. 1º, § 2º, conta-se a partir do início de vigência desta Resolução.

Marco Aurélio - Presidente. Cezar Peluso - Relator. Carlos Ayres Britto. José Delgado. Ari Pargendler. Caputo Bastos. Marcelo Ribeiro.

Brasília, 25 de outubro de 2007.

Posteriormente foi editada a Resolução 22.733/2007 [32], alterando o artigo 11 da Resolução 22.610/2007 do TSE, sendo este o diploma legal regedor do procedimento de perda do mandato eletivo por conta da infidelidade partidária.

A legislação em comento trata da legitimidade ativa do partido político em promover a ação judicial de perda de mandato, assim como o rito procedimental estabelecido para o julgamento da perda do mandato eletivo por conta da infidelidade partidária, preservando-se o contraditório e a ampla defesa do mandatário que pode alegar e provar justa causa na migração de partido.

Prevê como hipóteses de justa causa para a alteração partidária do candidato eleito: incorporação ou fusão do partido, criação de novo partido, mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário e grave discriminação pessoal, todas as exceções previstas no artigo 1º, § 1º da Resolução 22.610/2007. As três primeiras hipóteses tratam justamente do dever de "fidelidade partidária", não só do mandatário em relação ao partido, mas como também do partido em relação ao seu filiado, já que invariavelmente a incorporação e fusão, bem como criação de partido novo e a alteração do programa partidário mudam o panorama inicial estabelecido quando da filiação.

Alteração nesse sentido pode significar alteração na própria base da fidelização partidária, já que o filiado (futuro candidato) simpatiza pelas bases doutrinárias estabelecidas quando do ato de ingresso àquela agremiação, podendo futuramente ser alterada de tal forma que não mais interesse ao mandatário, sem que tenha concorrido para tal alteração. Seria uma "infidelidade partidária inversa", sendo atacada a esfera jurídica do candidato eleito e não do partido. Por conta disso, segundo o § 1º [33] da resolução prevê a possibilidade de o mandatário promover uma justificação prévia das razões de seu desligamento, preservando-se assim a própria liberdade de filiação do cidadão.

Com relação ao desvio programático, comenta Paulo Henrique dos Santos Lucon:

Entretanto, parece poder-se afirmar, com segurança, que o desvio programático deverá atingir – de maneira substancial – especificamente o mandatário acusado de infidelidade pelo partido (ou, invertidos os pólos, o que pleiteia a declaração de justa causa). De início, cumpre registrar que tal mudança só será pertinente para fins de afastamento da perda do mandato se, confrontada com o comportamento particular do indivíduo, restar evidenciado contraste de posições. Vale dizer: aquele que acompanhou por longo período e sem ressalvas, com ainda maior razão, exercer papel de liderança na alteração dos rumos ideológicos do partido, não poderá valer-se da alegação para fins de justa causa. A tanto obsta o princípio da boa-fé objetiva, valendo aqui o brocardo turpitudinem suam allegans non auditur. E isso porque a razão de ser do inciso III reside exatamente na discordância do mandatário com as novas diretrizes impressas do partido, destoantes das suas convicções pessoais, que se mantiveram fiéis à anterior postura da agremiação, motivo de sua aderência. Rompendo o partido com a trajetória política traçada, não estará vinculado o mandato dissonante que, justamente por essa razão, se desfilia. [34]

Prevista ainda a justa causa quando o mandatário sofrer grave discriminação pessoal, o que , mais uma vez, visa preservar a liberdade de agremiação àquele vítima de perseguição, podendo migrar para um outro partido sem que com isso perca o mandato respectivo.

Paulo Henrique dos Santos Lucon nos informa que "no direito Português o deputado pode desligar-se da legenda pela qual se elegeu sem que ocorra perda do mandato, mas desde que não se mantenha como "candidato independente", ou seja, desde que não se filie em outra agremiação. [35]

Sobre o autor
Rodrigo Moreira Cruz

Analista judiciário do TRE/BA, pós-graduado em Direito processual civil- UESC, pós-graduado em direito tributário- UFBA, doutorando em ciências jurídicas e sociais- UMSA - BUENOS AIRES

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, Rodrigo Moreira. Perda do mandato por infidelidade partidária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2425, 20 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14390. Acesso em: 22 nov. 2024.

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