Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Orçamento participativo: alternativa disponível de mudança social no contexto de uma sociedade moderna globalizada

Exibindo página 3 de 3
Agenda 24/02/2010 às 00:00

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho se propôs discutir a possibilidade do Orçamento Participativo ser considerado uma medida disponível de mudança social no contexto de uma sociedade moderna globalizada.

Assim, estabeleceu que existe a potencialidade desse instrumento ter um forte viés democrático e, dessa forma, se contrapor à racionalidade ocidental hegemônica que mantém o sistema capitalista global, ao garantir a participação popular nessa esfera pública, o que é incomum em outros espaços públicos tradicionais.

Todavia, foi ressaltado que a garantia do cunho democrático da experiência do OP está estritamente vinculado a algumas condições consideradas necessárias, tais como, (i) emprego de racionalidade que contrapõe a racionalidade ocidental hegemônica; (ii) utilização de método de deliberação adequado e democrático que assegure a participação livre e igualitária dos cidadãos; (iii) organização administrativa do ente político; (iv) capacidade técnica e financeira do ente federativo; (v) compromisso governamental; (vi) perfil dos atores, levando em consideração o gênero, a etnia, a condição socioeconômica etc.; (vii) grau de representatividade dos atores; (viii) quórum elevado da sociedade no espaço público; (ix) nível de emancipação social e política da comunidade local; etc.

Também se ressaltou que as circunstâncias sociais, econômicas, culturais, políticas e ambientais são essenciais para identificar o grau de eficácia da experiência do OP; e que em países periféricos, como o Brasil, por terem alto nível de desigualdade social, com baixo grau de escolarização e, pouca emancipação social e política, possuem maior dificuldade em concretizar o aspecto democrático do OP, sendo tais fatores limites para a sua implementação.

Todavia, em que pese a existência desses limites na sociedade brasileira, vislumbra-se que a experiência do OP não pode ser descartada, visto que pode trazer mudanças no espaço público, podendo ser tornar uma alternativa à política neoliberal, mediante a transferência de algumas demandas sociais de atores pouco influentes na sociedade para o sistema político, ainda que não alcance o ideário da democracia participativa e deliberativa.

Deste modo, acredita-se que o OP pode ser uma alternativa de mudança social, em contraposição à racionalidade do sistema capitalista global, todavia o grau da sua eficácia vai depender da análise específica de cada experiência local, considerando as suas peculiaridades sociais, culturais, ambientais, políticas e econômicas.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRUCIO, Fernando Luiz. O Longo Caminho das Reformas nos Governos Estaduais: crise, mudanças e impasses. In MELO, M. A. (Org.) Reforma do Estado e Mudança Institucional no Brasil. Recife: Massangana, 1999, p. 161-198

APPADURAI, Arjun. Disjuncture and Difference in the Global Cultural Economy. In XAVIER, Jonathan; ROSALDO, Renato. The Anthropology of Globalization. British: Blackwell Publishers, 2002.

AVRITZER, Leonardo. Instituições participativas e desenho institucional: algumas considerações sobre a variação da participação no Brasil democrático. Opinião Publica, Campinas, v. 14, n. 1, jun. 2008.

BARQUERO, Antonio Vázquez. Desenvolvimento endógeno em tempos de globalização. Porto Alegre: UFRGS, 2002.

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

DUPAS, Gilberto (coord.). América Latina no início do século XXI: perspectivas econômicas, sociais e políticas. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2005

GIACOMONI, James. Orçamento Público. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2007.

GIDDENS, Anthony. As Conseqüências da Modernidade. São Paulo: UNESP, 1991.

GERMANI, Gino. Secularizacion, Modernizacion y Desarrollo Economico. In ARBAT, Teresa Carnero (Ed.). Modernización, desarrollo político y cambio social. Madrid: Alianza Editorial, 1992.

GOULART, Jefferson O. Orçamento participativo e gestão democrática no poder local. Lua Nova, São Paulo, n. 69, 2006.

HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, vol II. 2 ed. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

_____. Teoría de la acción comunicativa. 2 vol. Trad. Manuel Jiménez Redondo. 3 ed. Madrid: Taurus Humanidades, 2001.

LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. Trad. Almir de Oliveira Aguiar e Maria Celeste da Costa e Souza. 2 ed. São Paulo: Companhia Nacional, 1976.

MALATO, Olinda Rodrigues. Democratização e gestão pública na Amazônia: do orçamento participativo ao Congresso da cidade no município de Belém-PA (1997-2004). Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2006.

MOURA, Reidy Rolim de. Compromisso governamental e orçamento participativo: estudo comparativo das experiências em Blumenau e Chapecó, Santa Catarina. Revista Katál. Florianópolis, v. 10, n. 2, p. 206-214, jul./dez. 2007.

NUNES, Antônio José Avelãs. Neoliberalismo e direitos humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

OLIVEIRA, Régis Fernandes de; HORVATH, Estevão. Manual de Direito Financeiro. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. BRASIL. Disponível em: http://www.onu-brasil.org.br. Acesso em: 10/01/2008.

PAIVA, Maria Arair Pinto. Poder Legislativo e função de controle da atividade financeira do governo. Disponível em http://www.puc-rio/direito/revista/online/rev11_maria.html. Acesso em 24/11/2004.

PELLINI, Ana Maria. Os sistemas de planejamento, execução e controle da gestão pública: uma nova proposta. Disponível em http://www.ufrgs.br/necon/sumario4.htm. Acesso em 24/11/2004.

PEREZ, Marcos Augusto. A participação da sociedade na formulação, decisão e execução das políticas públicas. In BUCCI, Maria Paula Dallari (org.). Políticas Públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006.

RAMALHO FILHO, Rodrigo. Patrimônio cultural e natural: dimensão da sustentabilidade. In FILHO, Jenner Barreto Bastos; AMORIM, Nádia Fernanda Maia de; LAGES, Vinicius Nobre (orgs.). Cultura e desenvolvimento: a sustentabilidade cultural em questão. Maceió: PRODEMA/UFAL, 1999

RECASENS, Andreu Viola. La crisis Del desarrollismo y El surgimiento de la antropologia del derrollo. In VIOLA, Andreu (comp.). Antropologia del desarrollo. Teorías y estúdios etnográficos em América Latina. Barcelona: Paidós, 2000.

RELATÓRIO PNUD. Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), 2007. Disponível em http://www.pnud.org.br. Acessado em 10/12/2008.

SANTOS, José Vidente; BAUMGARTEN, Maíra. Contribuições da Sociologia na América Latina à imaginação sociológica: análise, crítica e compromisso social. Revista Sociologia, Porto Alegre, ano 7, n. 14, jul/dez 2005, p. 178-243.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Revista Crítica de Ciências Sociais, 63, Outubro, 2002, p. 237-280.

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2000

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 17 ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

SILVA, Sandoval Alves da. Direitos Sociais: Leis Orçamentárias como instrumento de implementação. Curitiba: Juruá, 2007.

SIMONIAN, Ligia L. T. Tendências recentes quanto à sustentabilidade no uso dos recursos naturais pelas populações tradicionais amazônidas. In ARAGÓN, Luis E. População e Meio Ambiente na Pan Amazônia. Belém: UFPa/NAEA, 2007.

SOUZA, Celina. Governos locais e gestão de políticas sociais universais. Revista São Paulo em Perspectiva, vol. 18, n. 2, p. 27-41, abr-jun 2004.

_____. Construção e consolidação de instituições democráticas: papel do orçamento participativo. São Paulo Perspectiva, São Paulo, v. 15, n. 4, dez. 2001.

STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

SUSTEIN, Cass R. The partial Constitution. Massachussetts: Harvard University Press, 1994.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.


Notas

  1. Segundo Dworkin (2002), os argumentos de política "justificam uma decisão política, mostrando que a decisão fomenta ou protege algum objetivo coletivo da comunidade como um todo", enquanto os argumentos de princípios "justificam uma decisão política, mostrando que a decisão respeita ou garante um direito de um indivíduo ou de um grupo". Para o autor política "é aquele tipo de padrão que estabelece um objetivo a ser alcançado, em geral uma melhoria em algum aspecto econômico, político ou social da comunidade (ainda que certos objetivos sejam negativos pelo fato de estipularem que algum estado atual deve ser protegido contra mudanças adversas", já o princípio é "um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou eqüidade ou alguma outra dimensão da moralidade".
  2. As experiências brasileiras, em regra, possuem a mesma estrutura e procedimento do Orçamento Participativo executado pelo município de Porto Alegre, o qual possui 4 Etapas: Primeira, a Prefeitura mobiliza os diversos segmentos comunitários, tais como, associações, centros, sociedade de amigos etc., para participar de assembleias e reuniões em que são propostas as demandas; Segunda, as demandas aprovadas ao nível de cada entidade e hierarquizadas por prioridades são postas em discussão no âmbito de região; Terceira, realiza assembleia para eleger os representantes do Conselho do Orçamento Participativo e os delegados do Fórum do Orçamento Participativo, com mandato de 1 ano; Quarta, ocorre as reuniões do Conselho do Orçamento Participativo, em que há a defesa e a escolha das demandas que integrarão o orçamento municipal; Quinta, são realizadas reuniões do Fórum do Orçamento Participativo, que tem o objetivo de envolver maiores parcelas da comunidade no acompanhamento e fiscalização da execução do orçamento (GIACOMONI, 2007).
  3. A teoria da ação comunicativa, defendida por Jürgen Habermas (2001), é uma teoria social que se contrapõe à racionalidade instrumental (teleológica) e, por consequência, à ação estratégica, regida pela lógica da dominação, na qual os atores coordenam seu agir no intuito de influenciar os demais, não buscando o assentimento ou dissentimento. No intuito de afastar o "cálculo egocêntrico", isto é, a ação estratégica, o autor propõe a comunicação livre, racional e crítica entre atores, no sentido de alcançar o consenso. O agir comunicativo se propaga no discurso entre os atores e deve resultar em um entendimento. Deste modo, é essencial a garantia de participação de todos os interessados no debate, de forma livre e igualitária. A teoria tem como fundamento o mundo da vida e a comunicatividade e tem o objetivo de superar a racionalidade instrumental e evitar a arbitrariedade e a coerção na tomada de decisões da sociedade e, assim, não dar oportunidades para que se consolidem formas de governo, tais como, o totalitarismo e o autoritarismo.
  4. Tais exemplos foram comprovados na análise feita por Reidy Moura (2007) sobre as experiências de orçamento participativo em Blumenau e Chapecó.
Sobre a autora
Karla Marques Pamplona

Assessora da Casa Civil da governadoria do Estado do Pará. mestra em direitos fundamentais e relações sociais e doutoranda no programa de desenvolvimento do trópico úmido do núcleo de altos estudos da Amazônia da Universidade Federal do Pará

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAMPLONA, Karla Marques. Orçamento participativo: alternativa disponível de mudança social no contexto de uma sociedade moderna globalizada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2429, 24 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14398. Acesso em: 24 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!