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Considerações sobre a eficácia das normas constitucionais programáticas

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Agenda 28/02/2010 às 00:00

6. Eficácia das Normas Constitucionais Programáticas

Como exposto, todas as normas constitucionais produzem efeitos, até mesmo as programáticas, que são limitadas por essência. Essa espécie de normas, como nenhuma outra, demonstra os anseios da sociedade e os trilhos que deverão ser seguidos para que ocorram as transformações sociais. Além disso, vinculam o legislador e o governante, evitando que a elaboração de normas jurídicas e a execução de políticas públicas entrem em confronto com os objetivos positivados, pois tudo aquilo que estiver em dissonância será tido como inconstitucional. Ao dispor sobre as normas programáticas, Uadi Lammêgo Bulos informa que:

É engano pensar que elas não servem para nada. Em verdade, os preceitos programáticos produzem efeitos jurídicos sendo aplicáveis nos limites de sua eficácia. Eis as suas linhas gerais: (i) estabelecem o dever do legislador ordinário de os regulamentar, cirando situações jurídicas subjetivas de vantagem e desvantagem; (ii) vinculam a função legislativa, administrativa e jurisdicional (eficácia vinculante); (iii) impedem que o legislador ordinário edite normas em sentido oposto ao do direito nelas inserido, (iv)condicionam, de modo pleno e integral, a produção legislativa futura, paralisando leis que venham a vulnerá-las (eficácia de bloqueio); e (v) apontam o regime político e os fins sociais que informam a ordem jurídica. [19]

José Afonso da Silva estabelece um rol de determinações objetivas sobre o assunto. Vejamos:

(a)estabelecem um dever para o legislador ordinário; (b) condicionam a legislação futura, com a conseqüência de serem inconstitucionais as leis ou atos que as ferirem; (c) informam a concepção do Estado e da sociedade e inspiram a sua ordenação jurídica, mediante a atribuição de fins sociais, proteção dos valores da justiça social e revelação dos componentes do bem comum; (d) constituem sentido teleológico para a interpretação, integração e aplicação das normas jurídicas; (e) condicionam a atividade discricionária da Administração e do Judiciário; (f) criam situações jurídicas subjetivas, de vantagem ou de desvantagem. [20]

Segundo Canotilho essas normas-programas criam não só obrigações positivas, como também negativas:

Estas normas são todas diretivas materiais constitucionais e assumem relevo de uma tripla forma: (1) como imposições, vinculando o legislador, de forma permanente, à sua realização; (2) como directivas materiais, vinculando positivamente os órgãos concretizadores; (3) como limites negativos, justificando a possibilidade de censura em relação aos actos que a contrariam. [21]

Paulo Bonavides, citando Crisafulli, retrata os três resultados já consagrados pela experiência constitucional sobre essa espécie de normas:

1. O reconhecimento da eficácia normativa das disposições constitucionais exclusivamente programáticas, as quais enunciam verdadeiras normas jurídicas, que são por isso preceptivas, tanto quanto as demais, se bem que dirigidas tão-somente, de maneira originária e direta, aos órgãos estatais e antes de tudo, com certeza, pelo menos aos órgãos legislativos. 2. O reconhecimento, no vigente ordenamento, da natureza propriamente obrigatória do vínculo que deriva das normas constitucionais programáticas para os órgãos legislativos, como conseqüência da eficácia formal prevalente de sua fonte (a Constituição) com respeito às outras leis ordinárias. 3. O reconhecimento, por isto, da invalidade das leis subseqüentes, que estejam em contraste com as normas constitucionais programáticas e, segundo a corrente doutrinária que parece preferível, também das disposições de leis preexistentes, se contrastarem e enquanto contrastarem com tais normas. [22]

Dessa forma, não restam dúvidas, as normas constitucionais programáticas não são destituídas de juridicidade, restando superado o entendimento de que somente pertenciam ao campo da moral e da política. A doutrina contemporânea é uníssona em reconhecer a eficácia normativa de todas as normas da constituição, inclusive as programáticas.

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Por conta disso, é forçoso concluir que sendo norma suprema de um Estado, possuindo força normativa, a constituição deve irradiar seus princípios a todo ordenamento jurídico infraconstitucional, até mesmo aqueles insculpidos nas normas-programa.

E, também, não podem os juristas, legisladores e membros do poder executivo se isentarem de dar efetividade às essas normas sob o pretexto de que lhes falta regulamentação. Isso porque haveria desconfiança da sociedade no ordenamento jurídico, retirando toda a legitimidade da Constituição, tornando-a apenas uma folha de papel.

No entanto, ao contrário do que muitos doutrinadores dizem, a efetividade dessas normas não é incumbência apenas do Estado. É necessário que a população, em sua totalidade, se disponha a ajudar na luta contra a pobreza, fome e falta de dignidade humana. Essa participação pode se dá através de referendo, plebiscito e iniciativa popular; por meio das garantias jurídicas, que correspondem aos instrumentos processuais de proteção dos direitos; e pela atuação participativa da sociedade civil, representadas por associações e sindicatos.

Quando isso de fato ocorrer, terá havido a eficácia social plena e irrestrita das normas constitucionais programáticas.


7. Considerações Finais

A doutrina contemporânea consolidou o entendimento de que todas as normas contidas nas constituições escritas são dotadas de juridicidade. Até mesmo as programáticas que, por veicularem programas, tiveram sua eficácia normativa reduzida e muitas vezes negada por alguns doutrinadores.

A programaticidade e a relativa efetividade desse grupo de normas são fruto de um estágio da evolução do constitucionalismo, que procura integrar o sistema jurídico aos anseios e valores da população, sempre em busca de um Estado que reflita as transformações sociais.

Ultrapassado essa etapa evolutiva, o constitucionalismo do futuro não poderá gerar falsas esperanças, deverá prometer aquilo que sabe que poderá cumprir de forma transparente e ética.


8. Bibliografia

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

BULOS, Uadi Lammêgo. Direito Constitucional ao alcance de todos. São Paulo: Saraiva, 2009.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. Coimbra: Coimbra Editora, 1994.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 6.

OMMATI, José Emílio Medauar. Paulo Bonavides (Ed.). Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais: O Desafio posto pelos direitos Sociais no Paradigma do Estado Democrático de Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

REIS, José Carlos Vasconcellos Dos. As Normas Constitucionais Programáticas e o Controle do Estado. São Paulo: Renovar, 2003.

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 6 ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2003.


Notas

  1. BULOS, Uadi Lammêgo. Direito Constitucional ao alcance de todos. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 5.
  2. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 6.
  3. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 225.
  4. REIS, José Carlos Vasconcellos Dos. As Normas Constitucionais Programáticas e o Controle do Estado. São Paulo: Renovar, 2003. p 12.
  5. REIS, José Carlos Vasconcellos Dos. Op. Cit. p 14.
  6. REIS, José Carlos Vasconcellos Dos. Op. Cit. p 15.
  7. BONAVIDES, Paulo. Op. Cit. p. 230-231.
  8. OMMATI, José Emílio Medauar. Paulo Bonavides (Ed.). Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais: O Desafio posto pelos direitos Sociais no Paradigma do Estado Democrático de Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 475.
  9. REIS, José Carlos Vasconcellos Dos. Op. Cit. p 20-21.
  10. BONAVIDES, Paulo. Op. Cit., p. 232.
  11. BONAVIDES, Paulo. Op. Cit. p. 233.
  12. REIS, José Carlos Vasconcellos Dos. Op. Cit. p 22.
  13. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais, p.45. Apud REIS, José Carlos Vasconcellos Dos. As Normas Constitucionais Programáticas e o Controle do Estado. São Paulo: Renovar, 2003, p.23
  14. BONAVIDES, Paulo. Op. Cit. p. 246.
  15. BULOS, Uadi Lammêgo. Op. Cit, p. 90.
  16. BULOS, Uadi Lammêgo. Op. Cit, p. 90.
  17. BULOS, Uadi Lammêgo. Op. Cit, p. 91.
  18. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Op. Cit., p. 391.
  19. BULOS, Uadi Lammêgo. Op. Cit, p. 93-94
  20. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 6 ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2003. p. 164.
  21. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. Coimbra: Coimbra Editora, 1994, p. 315.
  22. BONAVIDES, Paulo. Op. Cit. p. 247.
Sobre o autor
Marcelo Henrique Matos Oliveira

Graduado em Direito pela Universidade de Uberaba. Mestrando em Direito Coletivo pela Universidade de Ribeirão Preto. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Marcelo Henrique Matos. Considerações sobre a eficácia das normas constitucionais programáticas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2433, 28 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14422. Acesso em: 24 nov. 2024.

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