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Da desobrigação de depósito integral nas ações consignatórias

Agenda 05/03/2010 às 00:00

Tem se revelado praxe nas lides de natureza bancária o indeferimento, por parte de alguns Magistrados, do pedido incidental de depósito judicial dos valores que a parte litigante (consumidor) entende efetivamente devido.

Um dos argumentos mais comuns utilizados pelos Magistrados é o de que "tratando-se de contrato onde as parcelas foram combinadas em valor mensal fixo (prefixado), não haveria qualquer surpresa quanto ao importe a ser pago pela parte requerente", o que afastaria qualquer risco de dano irreparável ou de difícil reparação à parte autora (fumus boni iuris).

A despeito desse posicionamento, a questão relativa à possibilidade de se depositar em Juízo o depósito dos valores que o consumidor efetivamente entende devidos está em perfeita sintonia com o melhor entendimento jurisprudencial a respeito do tema, inclusive do Colendo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, senão vejamos:

"AGRAVO DE INTRUMENTO – AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO C C REVISIONAL DE CONTRATO – DEPÓSITO JUDICIAL – QUANTIA QUE A PARTE ENTENDE DEVIDA – POSSIBILIDADE – RECURSO PROVIDO – Admissível o depósito judicial das parcelas que a parte entende devida quando se estão discutindo os encargos pactuados no contrato de financiamento. Tal pretensão é permitida com o intuito de se evitarem prejuízos à parte, como a inclusão do seu nome nos órgãos de restrição ao crédito pela falta de pagamento." (TJMS, AI nº 2005.002459-3/00000-00, 3ª Turma Cível, Presidência do Des. Rubens Bergonzi Bossay, DJ 04.05.2005, v.u.).

"AGRAVO DE INSTRUMENTO – ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL – TUTELA ANTECIPADA – CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO DAS PARCELAS VENCIDAS E VINCENDAS – ADMISSIBILIDADE – VALOR CALCULADO PELO AUTOR E NÃO O VALOR DA PRESTAÇÃO – IMPROVIDO. Admite-se consignação judicial das parcelas oriundas de contrato de alienação fiduciária, em sede de tutela antecipada, pelo valor calculado pelo autor da ação revisional de contrato. Eventual diferença deve ser apurada no curso da ação principal, não havendo prejuízo ao credor, pois receberá o valor do crédito. As cláusulas contratuais não são pétreas, admitindo revisão, principalmente nos contratos de adesão, após a vigência do Código de Defesa do Consumidor". (TJMS - Agravo nº 2003.000776-8. Rel. Des. Hamilton Carli. 3ª Turma Cível. J: 13.8.2003).

"AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO CUMULADA COM REVISÃO CONTRATUAL – POSSIBILIDADE – DISCUSSÃO DO QUANTUM DEBEATUR – PROVIDO. A ação de consignação em pagamento pode ser cumulada com a ação de revisão contratual, para que se conheça quantum debeatur, e assim, declarar a quitação, total ou parcial, do contrato". (TJMS - Agravo nº 2004.007622-3. Rel. Des. Rêmolo Letteriello. 4ª Turma Cível. J: 21.9.2004).

E do Egrégio TJRS:

"CONTRATO BANCÁRIO – EMBARGOS À EXECUÇÃO – ÂMBITO DE ABRANGÊNCIA DA DISCUSSÃO POSTA EM JUÍZO – Possibilidade da revisão, constatado o rompimento da base negocial, mas adstrita ao contrato vigente entre as partes. Alegação de consignação obrigatória de valores que o embargante entende devidos. Descabimento. Código de Defesa do Consumidor. Aplicação das regras do CDC aos contratos bancários. Juros: Taxação. Vigora a limitação constitucional e da legislação infraconstitucional. Capitalização: Anual. Comissão de Permanência. Inadmissível face ao caráter potestativo, devendo ser substituída por índice oficial de correção monetária. Correção monetária. De acordo com a variação do IGP-M, afastada a TR. Litigância de má-fé. Não-configuração. Apelo improvido. (TJRS – AC 70000296319 – 11ª C.Cív. – Rel. Des. Bayard Ney de Freitas Barcellos – J. 23.02.2000)."

A propósito, conforme se observa do Agravo de Instrumento nº 2003.3687-3, da Relatoria do Eminente Desembargador aposentado Ildeu de Souza Campos, do TJMS, "nas ações em que se discute a revisão das cláusulas do contrato celebrado, admissível o depósito das parcelas que lhe pareçam devidas a fim de se evitar que parte seja constituída em mora".

Esse entendimento tem adminículo no § 2º do art. 899 do Código de Processo Civil, o qual estabelece, em linhas gerais, que o Juiz somente poderá atestar a suficiência ou não dos depósitos ofertados pelo autor da demanda consignatória por ocasião da sentença meritória, oportunidade em que poderá utilizar-se de todos os meios efetivos que estão ao seu alcance, inclusive prova técnica, para chegar a tal conclusão.

Por outro lado, a eventual divergência de valores manifestada pelas partes está dentro da previsão legal dos art. 896, IV, §§ 1º e 2º do art. 899, todos do Código de Processo Civil, não havendo que se falar em obrigação de se efetuar os depósitos nos moldes exigidos pelo contrato, mormente quando a demanda envolve pleito de consignação cumulado com revisional de contrato, o que, aliás, é perfeitamente lícito conforme previsão inserta nos arts. 6º e 51 do CDC.

Aliás, referindo-se aos parágrafos 1º e 2º do artigo 899, escreve o Professor HUMBERTO THEODORO JÚNIOR na sua obra Código de Processo Civil Anotado, Editora Forense, 3ª edição, página 385:

"As novidades em causa atendem a reclamos de economia processual e quebraram sistemas e preconceitos antigos derivados do excessivo formalismo que sempre se manifestou na ação de consignação em pagamento, sem nenhuma justificativa plausível.

Pode-se, agora, então, cumular-se o levantamento do depósito com o prosseguimento da contestação, desde que o tema da resposta verse sobre o quantitativo apenas. E a sentença contrária ao autor, na mesma situação, deixará de ser mera declaratória negativa, para transformar-se, desde logo, em condenatória quanto à parcela não depositada.

Com essa nova feição jurídica, a consignatória, assumiu, na hipótese do art. 899, o feitio de ação dúplice, visto que o autor poderá ser condenado independentemente de manejo de reconvenção pelo réu.

A complementação do depósito visa a ampliação da consignatória (exceção ao art. 264).

É de se observar, ainda, que essa reforma do CPC (Lei 8.951 de 13.12.94) que deu nova redação a esses artigos, transformou a consignação em rito ordinário, após a ocorrência da contestação. Sendo certo que ela permanece contida no rito especial diante da circunstância especial de que existe um procedimento prévio destinado ao depósito, com abertura da possibilidade de recebimento do valor ofertado, ao invés de ser oferecida a contestação."

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O E. Superior Tribunal de Justiça, no REsp. 15.391-RJ, 4ª Turma, cujo Relator foi o Min. ATHOS CARNEIRO, julgado em 08.09.1992, publicado no DJU de 28.09.92, página 16.432, assim decidiu:

"Na ação consignatória é perfeitamente admissível, e com freqüência absolutamente necessário, conhecer da existência da dívida e de seu valor, afim de que possa o juiz decidir quanto à procedência da própria pretensão dos autores à liberação. A consignatória não é uma execução às avessas, e nela a cognição não sofre limitações outras que as pertinentes à própria finalidade da demanda."

O Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, do STJ, no julgamento do REsp. 11.140-0, em 20.10.92, publicado no DJU de 16.11.92, página 21.143, assim ensinou:

"Segundo o melhor entendimento, que veio a ser acolhido na doutrina e na jurisprudência, inclusive desta Corte, a ação consignatória nada tem de execução pelo avesso, ensejando, ao contrário, ampla discussão quanto ao débito e seu valor, bem como outras questões que eventualmente forem colocadas à apreciação."

É de se notar que esses entendimentos foram do ano de 1992, sendo certo que, em face deles, é que efetivamente se deu a reforma do Código de Processo Civil, especialmente no que diz respeito à ação consignatória (vide Lei nº 8.951 de 13.12.94).

Não fosse isso, vislumbra-se presente, em casos tais, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação consubstanciado na assertiva de que o impedimento para que seja efetuado o depósito judicial poderá ocasionar prejuízos ao consumidor, como a provável inclusão do seu nome nos órgãos de restrição ao crédito em decorrência do não pagamento.

Nesse sentido, veja-se o julgado abaixo:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE REVISÃO DE CLÁUSULAS E VALORES C/C CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA – CONTRATO – AQUISIÇÃO DE VEÍCULO – ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – DEPÓSITO DAS PRESTAÇÕES – DEFERIDA – MORA – EFEITOS AFASTADOS – INSERÇÃO NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO – IMPOSSIBILIDADE – SUSPENSÃO DE EVENTUAL PROTESTO DO TÍTULO DADO EM GARANTIA – POSSE DO VEÍCULO – MANTIDA – RECURSO IMPROVIDO. O procedimento da ação de consignação leva a uma sentença na qual, examinando-se o conteúdo da relação jurídica controvertida, declara-se à liberação do autor pelo depósito efetuado e, se insuficiente, declara-se o direito do réu pela diferença, portanto, plenamente possível o deferimento do depósito pleiteado pelo agravado. Presentes os requisitos da aparente viabilidade do direito invocado pelo autor da ação, aliado ao receio de que a demora na entrega da prestação jurisdicional possa tornar ineficaz o resultado, mostra-se aconselhável, manter a decisão que concedeu a tutela para o fim de suspender os efeitos de eventuais protestos e a inserção do nome do devedor em órgãos de proteção ao crédito, enquanto tramita ação para definir a amplitude do débito, assegurando momentaneamente a pretensão, evitando possível dano. Havendo depósito das prestações na ação consignatória cujos valores estão baseados em planilha apresentada com a inicial, afastam-se os efeitos da mora e, admite-se que o consignante fique na posse do bem alienado até que seja resolvida a ação de revisão de contrato." (TJMS - Agravo nº 2004.005959-0. Rel. Des. Rêmolo Letteriello. 4ª Turma Cível. J: 10.8.2004).

Contudo, diversamente do que se tem disseminado em vários palcos de justiça, o consumidor tem o direito de depositar a quantia que entende devida com o propósito de se liberar ou ao menos se resguardar contra eventuais prejuízos que possam advir pela falta de pagamento, o que não significa que o banco/credor esteja impedido de discutir o valor nem de efetuar o levantamento da quantia depositada, prosseguindo o processo quanto aos valores controversos.

De outro vértice, no que tange à possibilidade de se discutir a validade de cláusulas contratuais, via ação consignatória, pedimos venia para transcrever os seguintes arestos:

"CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO – MORA – VALIDADE DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS – A ação de consignação em pagamento pode ser proposta pelo devedor em mora, pois é meio de purgá-la, e nela se permite discutir a validade das cláusulas do contrato. Precedentes do STJ – Recurso conhecido e provido. (STJ – REsp 195752 – SP – 4ª T. – Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar – DJU 22.03.1999 – p. 217)"

"Conquanto meramente liberatória a pretensão deduzida na consignação em pagamento, ao judiciário impõe-se a apreciação incidental de todas as questões que se mostrem relevantes a sua solução, para aferir-se o quantum realmente devido e estabelecer correspondência com o valor depositado, restringindo-se o provimento judicial, contudo, a declaração de liberação da dívida" (R.STJ 46/282)"

"CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO – ÂMBITO – DEPÓSITO DO VALOR QUE O DEVEDOR ENTENDE DEVIDO EM DECORRÊNCIA DA INVALIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL – RECUSA DO CREDOR EM RECEBÊ-LO – NECESSIDADE DO EXAME DO TEOR DA CLÁUSULA CONTRATUAL – CABIMENTO – Possível, na ação consignatória, a discussão da legalidade de cláusulas contratuais se disto depender a admissibilidade ou não do pagamento oferecido pelo devedor, a cujo recebimento recusa-se o credor. (2º TACSP – AI 575.491-00/0 – 1ª C. – Rel. Juiz Diogo de Salles – J. 31.05.1999)."

No mesmo sentido, cite-se ainda: REsp. 195752 – SP.

Não é demais anotar que os contratos firmados com instituições financeiras enquadram-se na categoria denominada "contrato de adesão" ou "por adesão", onde indubitavelmente inexiste qualquer liberdade de convenção entre as partes, "ou seja, ou adere às condições, ou não contrata. Não pode, entretanto, modificá-las ou pretender discutí-las com o banco" [01]. Não convence, portanto, a afirmação de que "o contrato estabelece a fixação de parcelas em valor mensal fixo (prefixado)", como comumente afirmam alguns Magistrados, notadamente de primeiro grau.

Assim, é perfeitamente admissível, e encontra fundamento constitucional (arts. 5º, XXXII e 170, V, da CF) e infraconstitucional (art. 6º, V, e 51 do CDC e arts. 896, IV e §§ 1º e 2º do art. 899 do CPC), o direito de o consumidor depositar, via ação consignatória, a quantia que entende efetivamente devida, resguardando-se contra eventuais prejuízos que possam advir da falta de pagamento, como, por exemplo, a inserção de seu nome nas temidas centrais de proteção ao crédito, o que – diga-se de passagem – é igualmente vedado pela Lei Estadual n.º 2.132, de 2 de agosto de 2000.


Notas

01 SÉRGIO CARLOS COVELLO, "in" Contratos Bancários, Saraiva, São Paulo, pág. 44 e segs.

Sobre o autor
Régis Santiago de Carvalho

Advogado. Pós-graduado em Direito Constitucional. Especialista em Direito Tributário. Ex Secretário Geral da Comissão Permanente de Ensino Jurídico da OAB-MS. Atual Presidente da Comissão de Defesa do Patrimônio Público da OAB-MS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Régis Santiago. Da desobrigação de depósito integral nas ações consignatórias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2438, 5 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14455. Acesso em: 2 nov. 2024.

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