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Mandado de segurança versus Juizados Especiais Cíveis Estaduais.

Uma revisão teórica da prática

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Agenda 16/03/2010 às 00:00

2 - TURMAS RECURSAIS E O PROCESSAMENTO DE MS

A jurisdição é o poder, os limites objetivos são os critérios de identificação do órgão competente, mas nenhum deles é a competência. A competência, para nós, é justamente o que fica da incidência das normas objetivas de identificação para o exercício do poder. A competência é, portanto, efeito jurídico de normas jurídicas que especificam, no caso concreto, a atuação de um órgão judicial.

Assim, a competência é um dever-poder já conformado e hierarquizado por normas jurídicas – não a recebe o órgão julgador como imediaticidade indeterminada, muito pelo contrário –, de modo que o seu agir é sempre vinculado a ditames Constitucionais e legais. No caso do mandado de segurança, essa vinculação é muito maior, pois os efeitos definidores da competência para o seu processamento e julgamento são extraídos primeiramente da Constituição e só depois da lei.

Diante disso, donde são extraídos os efeitos definidores da competência das turmas recursais para o conhecimento de ações originariamente? A resposta chega a ser intuitiva, lógico que da Constituição Federal e da lei, em especial, a própria 9.099/95.

Optaremos, porém, por uma análise invertida. Inicialmente estudaremos a Lei dos Juizados e posteriormente as normas de hierarquia maior. Após uma leitura rápida do Art. 41 da mencionada lei, concluímos que a competência das turmas recursais é exclusivamente recursal, não gozando ela de competência originária alguma, consoante extraímos do dispositivo abaixo, in verbis:

Art. 41. Da sentença, excetuada a homologatória de conciliação ou laudo arbitral, caberá recurso para o próprio Juizado.

§ 1º O recurso será julgado por uma turma composta por três Juízes togados, em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado.

§ 2º No recurso, as partes serão obrigatoriamente representadas por advogado.

Não há, na Lei dos Juizados Cíveis, um único dispositivo normativo que fixe a competência do órgão para o processamento e julgamento de ações originárias por turmas recursais. Assim, somos remetidos à Constituição Federal, que também não prescreve nada quanto à competência das turmas recursais para o conhecimento de ações originárias, limitando expressamente a competência das turmas recursais a julgamento de recursos, in verbis:

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;

Nada obstante, é importante que investiguemos também, tal qual o professor baiano Fredie Didier Jr. [23] se há alguma norma regimental ou legal do Estado de Alagoas que especifique tal competência. Esse exame de norma estadual sobre a matéria se justifica porque, apesar de ser da competência privativa da União legislar sobre processo (art. 22, I, da CF/88), o art. 125 da CF/88 prescreve que:

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.

§ 1º - A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.

Obviamente, o signo tribunais no dispositivo supracitado tem significação muito mais ampla da que poderíamos supor. Tribunais ali está se referindo ao Judiciário Estadual e não apenas ao Tribunal em si, pois a lei será de organização judiciária, definindo os critérios objetivos de fixação de competência de seus órgãos como complemento fundamental às normas processuais gerais previstas nos diplomas legais de competência da União.

Assim, ao examinarmos a Constituição do Estado de Alagoas [24], temos que ela prescreve, em seu art. 125, I, o seguinte:

Art. 125 - O Estado criará, mediante iniciativa do Tribunal de Justiça:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;

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Disso, percebemos que às turmas recursais não foi conferida a competência de processamento e julgamento de ação originária alguma, mas apenas a competência para o julgamento de recursos.

Logo, se a competência é efeito de normas jurídicas que conferem aos órgãos judiciais dever-poder de agir legitimamente quando provocados, a ausência de normas atribuindo às turmas recursais tais efeitos definidores de atuação retira de seus atos julgadores de ações originárias a conformação com o sistema de normas, valores e princípios regentes da matéria, tornando-os ilegais e inconstitucionais, em segundo plano.

2.2 – INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA EM RAZÃO DA HIERARQUIA

O duplo grau de jurisdição, apesar de ser um princípio implícito de nosso sistema jurídico, é revelado por uma estrutura normativa escalonada em órgão de diferente posicionamento hierárquico. Deste modo, portanto, percebemos que há órgãos de hierarquia inferior, denominados de primeiro grau, e outros de hierarquia maior, chamados de segundo grau. Como bem destaca o ilustre professor baiano J. J. Calmon de Passos [25] a revisibilidade das decisões das autoridades judiciais não decorre do inconformismo das partes, mas do sistema democrático que impõe o império da lei e repele toda e qualquer arbitrariedade, pois se assim não fosse bastariam os atos das autoridades para regrarem o convívio social, e esse mesmo sistema democrático impõe que haja órgãos de cúpula capazes de uniformizar os entendimento diminuindo subjetivismos e aumentando a segurança jurídica.

E dessa ideia mesma de revisibilidade também extrai o professor supracitado o entendimento – a nosso juízo, correto – de que toda decisão de um órgão superior hierarquicamente é vinculante. É vinculante porque impõe obediência ao órgão inferior, o juiz que tiver, por exemplo, sua sentença reformada terá de executá-la nos exatos termos firmados pelo tribunal e isso é vinculação, ainda que o juiz singular entenda ser equivocado o entendimento do tribunal terá ele de obedecer.

Logo, o escalonamento hierárquico dos órgão judiciais serve para o atendimento ao duplo grau de jurisdição e ao fundamental direito à revisibilidade das decisões judiciais. Contudo, esse contexto, quando em mira os Juizados Especiais Cíveis, sofre alguns aparos, pois as turmas recursais não se constituem em órgãos de segundo grau, e sim de primeiro grau.

Ora, se são elas órgãos de mesma hierarquia como é que suas decisões são vinculantes? A turma recursal é definitivamente um órgão de primeiro grau, não há como se pensar diferente, mas as suas decisões se dotam de efeito vinculante porque elas são decorrentes de um órgão colegiado com competência exclusiva para processamento e julgamento de recursos contra as decisões singulares.

Porém, apesar de serem as turmas recursais dotadas de competência recursal e, portanto, produtora de atos judiciais vinculantes a sua colegialidade não é capaz de colocá-la em grau hierárquico distinto do de primeiro grau. Não por outro motivo que a ela não foi conferida a competência de julgar ações originárias.

Os atos judiciais objetos de mandados de segurança são atos judiciais, isto é, são atos de juízes, e nessa categoria se incluem os atos dos juízes de Juizados Especiais Cíveis Estaduais, a par do entendimento pacificado pelo STJ quanto aos conflitos entre juízos de direito e de JEC`S.

Ora, se compete constitucionalmente aos tribunais julgarem os mandados de segurança contra os atos de seus juízes e se as turmas recursais são órgãos de idêntica hierarquia ao das autoridades judiciais prolatoras dos atos impugnados, como ser a turma recursal competente para o processamento e julgamento desses mandados de segurança sem que o critério hierárquico seja violado?

Impossível, certamente, a admissão da competência das turmas recursais para controlarem a legalidade e abusividade dos atos judiciais objetos de mandados de segurança. Nesse mesmo sentido já decidiu a Turma Recursal do DFT, consoante entendemos do aresto abaixo:

MANDADO DE SEGURANÇA. NÃO-ADMISSIBILIDADE COMO SUBSTITUTIVO DE RECURSO, POR CONFLITAR COM A NATUREZA DA AÇÃO MANDAMENTAL, NEM COMO RECLAMAÇÃO, EM RAZÃO DA SUPERAÇÃO DO RESPECTIVO PRAZO. CONHECIMENTO QUE AFRONTA DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS, ENTRE ELES OS DA VEDAÇÃO DO USO DESSE REMÉDIO PELA LEI Nº 10.259/2001, QUE INSTITUIU OS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. QUEBRA DO PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO E, TAMBÉM, DA COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA CONHECER DESSA AÇÃO CONTRA ATO DE JUIZ DE 1º GRAU. NÃO-CONHECIMENTO DO ''MANDAMUS'', POR ESSES FUNDAMENTOS. 1. O instituto do mandado de segurança não serve como substitutivo de recurso nos Juizados Especiais, por se tratar de ação mandamental. Tampouco se adapta à Reclamação, salvo dentro do prazo previsto no Regimento Interno do TJDFT (artigo 184), o que na espécie dos autos não é o caso. 2. O manejo do ''writ of mandamus'' em sede de Turmas Recursais desafia todos os pressupostos e princípios constitucionais e legais alusivos à configuração e uso desse remédio extremo. Seu uso é expressamente vedado pela Lei nº 10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais Federais e se aplica, por analogia, aos parâmetros da Lei nº 9.099/95. Por último, quebra os postulados do duplo grau de jurisdição e da competência privativa dos Tribunais para conhecer de ''mandamus'' contra ato de Juiz de 1º grau. 3. Não conhecido o mandado de segurança por esses motivos, o conhecimento e abordagem do mérito resta prejudicado.(20060710276952DVJ, Relator JOSÉ GUILHERME DE SOUZA, Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F., julgado em 18/09/2007, DJ 10/12/2007 p. 142) (grifos nossos)

Nada obstante, para comprovarmos os argumentos acima delineados, pesquisaremos a competência das turmas recursais de Juizados Especiais Cíveis de Alagoas no Código de Organização Judiciária do Estado de Alagoas [26] que cuida da matéria nos arts. 94 a 95, in verbis:

Art. 94. Os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, instituídos por este Código ou pela legislação complementar que lhe for superveniente, terão organização, competência e funcionamento com guarda da disciplina específica definida pela legislação federal pertinente.

Art. 95. A Turma Recursal, órgão de primeiro grau de jurisdição, constituído de três Juízes e respectivos suplentes, todos egressos da primeira instância, na conformidade do que dispõe o art. 41, § 1.º, da Lei Federal n.º 9.099, de 26 de setembro de 1995, terá seu funcionamento na conformidade do que dispuser o Regimento Interno, aprovado mediante deliberação do Tribunal Pleno e expedido mediante Resolução.

Observamos, portanto, que apesar de a turma recursal ser um órgão dotado de competência recursal, ela é órgão de primeiro grau de jurisdição, mas de segunda instância, o que só reforça a impossibilidade de ser ela competente para o processamento e julgamento de mandado de segurança contra ato judicial de primeiro grau de jurisdição, pois tal competência já foi definida pela própria Constituição Estadual, consoante podemos inferir dos dispositivos abaixo:

Art. 133 - Compete ao Tribunal de Justiça, precipuamente, a guarda da Constituição do Estado de Alagoas, cabendo-lhe, privativamente:

...........................................................

IX - processar e julgar originariamente:

..........................................................

e) os mandados de segurança e os habeas corpus contra atos do Governador, da Assembléia Legislativa ou respectiva Mesa, do próprio Tribunal de Justiça, do Tribunal de Contas ou de seus respectivos Presidentes ou Vice-Presidentes, do Corregedor-Geral da Justiça, do Procurador-Geral do Estado, dos Juízes de Direito e do Procurador-Geral de Justiça;

Os Juízes de Juizados Especiais Estaduais são Juízes de Direito, desculpem a obviedade, e, portanto, só poderão ter seus atos impugnados via mandado de segurança no Tribunal de Justiça e jamais em turmas recursais [27]. Portanto, apesar de a prática em Alagoas ser a de admitir que as turmas recursais julguem mandados de segurança contra atos dos Juízes de Direito dos Juizados Especiais Cíveis, tal realidade pragmática é inconstitucional e ilegal, pois viola todas as normas Constitucionais e legais que regem a matéria.

Assim, pelo estudo das normas anteriormente citadas, temos que quanto à matéria e à hierarquia as turmas recursais não podem processar e julgar mandados de segurança contra atos de Juízes de Juizados, pois elas não possuem competência de conhecer originariamente de ações e nem são órgão de segundo grau, isto é, de hierarquia superior aos Juízes de Juizados, pois todos são órgãos de primeiro grau.

2.3 – INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA EM RAZÃO DA PESSOA

Como se não fosse suficiente a incompetência supramencionada, há ainda outra circunstância que retira das turmas recursais a competência para processar e julgar mandados de segurança, que é o critério em razão da pessoa. Como sabemos, o mandado de segurança é uma ação que tem sua competência estabelecida em razão da autoridade coatora, é a partir dela que se fixa a competência para o julgamento. Neste caso, como a autoridade coatora é órgão do Estado, o réu na ação é o próprio Estado.

Portanto, porque violaria o art. 8° da Lei dos Juizados Especiais, a ação de mandado de segurança não seria admitida dentro da estrutura dos Juizados, pois ela, apesar de ser especial também, faz ingressar no polo passivo da demanda a Fazenda Pública, situação esta totalmente inadmissível em sede de Juizados, mesmo nos previstos na Lei n.º 12.153/2009.

Apesar do respeito ao posicionamento da professora Lúcia Valle Figueiredo, mencionado anteriormente, quando tratamos das partes no mandado de segurança, parece-nos bem claro que é impossível excluir da constituição da relação processual a entidade pública, porque isso desnatura o mandado de segurança.

Assim, sem a legítima pessoa para compor um dos polos da demanda, a ação perde o que lhe há de mais necessário: a legitimidade das partes, condição da ação. Não há como se constituir uma ação sem esta condição.

Portanto, se para a formação e atendimento das condições da ação de mandado de segurança a presença da pessoa jurídica de direito público é fundamental, e se a Fazenda Pública não pode figurar como réu nas ações dos Juizados Especiais Cíveis concluímos ser impossível o processamento desta demanda nas turmas recursais.

Poderíamos, também, tratar da incompetência por especialidade dos procedimentos, já que tanto ações de Juizados Especiais como de mandados de seguranças constituem procedimentos especiais, de sorte que um exclui o outro, mas devido ao tratamento já exaustivo do tema em outros artigos, optamos por deixá-lo de fora, por enquanto.

Sobre o autor
Alessandro Samartin de Gouveia

Promotor de Justiça do Estado do Amazonas. Possui graduação em Direito pelo Centro de Estudos Superiores de Maceió (2004). Pós-graduado em nível de Especialização em Direito Processual pela ESAMC/ESMAL(2006). Formação complementar em política e gestão da saúde público para o MP - 2016 - pela ENSP/FIOCRUZ. Pós-graduando em prevenção e repressão à corrupção: aspectos teóricos e práticos, em nível de especialização (2017/2018), pela ESTÁCIO/CERS. Mestre em direito constitucional pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Público, atuando principalmente nos seguintes temas: súmula vinculante, separação dos poderes, mandado de segurança, controle de constitucionalidade e auto de infração de trânsito. http://orcid.org/0000-0003-2127-4935

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOUVEIA, Alessandro Samartin. Mandado de segurança versus Juizados Especiais Cíveis Estaduais.: Uma revisão teórica da prática. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2449, 16 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14524. Acesso em: 23 dez. 2024.

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