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A questão da aposentadoria proporcional nas instituições federais de ensino superior

Agenda 27/01/1998 às 00:00

1 - A fórmula para se calcular a aposentadoria computando-se o tempo de professor e de outras atividades para aposentar-se aos trinta e cinco anos de trabalho, valorizando proporcionalmente os dois tempos, foi amplamente empregada por toda administração pública, encontrando-se diversos pareceres dos órgãos jurídicos das cinqüenta e duas instituições federais de ensino superior.

2 - Neste sentido também se pronunciou de maneira inequívoca a Procuradoria Jurídica da Universidade Federal de Ouro Preto, através de parecer do seu Procurador Geral à época, Dr. Sérgio Lellis Santiago Júnior.

No parecer o Procurador Geral da UFOP, reconhecendo que a matéria já foi objeto de estudos por outras Procuradorias, tendendo inclusive a uniformização, menciona dispositivos constitucionais que asseguram a igualdade jurídica, os direitos sociais fundamentais como a saúde, o trabalho e a educação e citando Mirtô Fraga escreve:

"Pedindo vênia ao Assessor Legislativo do Senado federal, Mirtô Fraga, transcrevemos algumas de suas palavras: ´Já dizia Rui Barbosa que a verdadeira igualdade consiste em tratar desigualmente os desiguais e na proporção dessas desigualdades. A igualdade jurídica é conseqüência da desigualdade humana.´

O que justifica a redução do tempo para aposentadoria é o perigo e o desgaste provocado pelas atividades desenvolvidas em determinados cargos ou profissões. É de observar-se as conseqüências maléficas causadas pelas atividades penosas que acompanharão o indivíduo pelo resto da vida, mesmo que troque de cargo ou profissão.

Assim, novamente usando das palavras do Parecerista retro mencionado, exemplificamos: ´ ´A´ trabalha em atividade normal e só poderá aposentar-se com 35 anos de serviço; ´B´ trabalha em atividade altamente perigosa e pode aposentar-se com 15 anos de serviço (exceção prevista em lei) ; ´C´ trabalhou na mesma atividade perigosa exercida por ´B´, mas o fez, apenas durante 13 anos e, face à sua saúde, teve que mudar de atividade. São três situações distintas que não podem ser tratadas da mesma forma. O tratamento só deve ser igual em igualdade de condições. ´A´ só poderá aposentar-se com 35 anos de serviço; ´B´ pode fazê-lo com quinze anos, porque, por permissão do inciso II do artigo 202 da Constituição, a lei (atualmente, Lei nº 8.312/91, artigo 57) previu esse tempo. A ´C´ não se podem aplicar nem as normas que regem o caso de ´A´, nem as que orientam o caso de ´B´. Por não ser igual a nenhum, o caso ´C´ deverá ter contado seu tempo de 13 anos proporcionalmente à aposentadoria de 15 anos, isto é, deve converter seu tempo de 13 anos (em atividade com aposentadoria possível com 15 anos) em tempo equivalente à aposentadoria com 35 anos:

35 anos (aposentadoria comum)   
15 anos (aposentadoria especial) = 2,33 X 13 anos de trabalho perigoso = 30,33 anos de trabalho em atividade comum

Deverá então trabalhar mais 4,67 anos para completar 35 anos. Não se pode exigir dele que trabalhe mais 22 anos (13 + 22 = 35). O tempo de 13 anos de serviço na atividade exercida por ´C´ equivale a 30,33 anos de serviço na atividade de ´A´. Só se podem somar grandezas iguais. A primeira parte do tempo de ´C´ (13 anos) deve ser contada ponderadamente (ou deve ser convertida) para saber-se quantos anos mais terá que trabalhar para completar o tempo necessário."

Entendendo a clara explicação acima, compreendemos porque a legislação trabalhista admite, assim como todas as decisões da justiça trabalhista consagram este princípio, e porque, pelo mesmo motivo, levando em consideração interpretação sistêmica da legislação federal infra constitucional e dos princípios e regras constitucionais, as procuradorias da Instituições federais de ensino superior firmaram entendimento neste sentido. Como exemplo pode-se citar o Parecer PJ nº 123/91 de 21/10/91 da Procuradoria Jurídica da UFMG e os Pareceres citados da Assessoria Legislativa do Senado Federal, datado de 30/03/92, e do Procurador Geral da Universidade Federal de Ouro Preto, Parecer PJU nº 001, de 06 de Janeiro de 1994.

3 -É necessário analisar a IN/SAF/nº8, DOU 07/07/93. Primeiramente devemos responder o que é uma Instrução Normativa da Secretaria de Administração Federal e qual o seu âmbito de aplicabilidade.

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Uma Instrução Normativa é um ato administrativo, no qual o administrador, no restrito âmbito de sua competência, e no limite da lei e da Constituição, explica ou instrui os seu administrados diretamente subordinados, como aplicar uma lei. Não pode uma mera IN substituir os pareceres jurídicos dos serviços jurídicos das entidades autônomas. Trata-se de orientação nos limites daquele ente administrativo ou de esfera administrativa. Logo uma Instrução normativa de administrador da administração direta se aplica no âmbito daquele órgão ou daquele Poder, conforme a autoridade que a emite.

Convém recuperarmos a correta compreensão do que é administração direta e indireta, ou administração descentralizada e desconcentrada, para compreendermos com clareza a inaplicabilidade desta instrução fora da administração direta do poder executivo. Aliás, de maneira desastrosa, nos últimos anos assistimos a destruição da administração indireta descentralizada, com medidas que ignoram toda a organização administrativa prevista na Constituição Federal de 1988.

4 - No Brasil, assim como em quase todo o mundo, a administração pública é composta hoje, de uma estrutura meramente desconcentrada ao lado de uma administração descentralizada. A administração pública direta é composta de órgão desconcentrados, não existindo porém autonomia de decisão mas uma mera especialização, sendo que todas as decisões tomadas nestes órgãos desconcentrados dependem da ratificação do poder central para terem validade. Como exemplo temos o Presidente da República, o Ministro da Educação, as Secretarias do Ministérios, como a Secretaria de Ensino Superior, e ainda nestas Secretarias setores especializados. A decisão deste Setor ou da Secretaria devem ter aprovação do Ministro e necessariamente do Presidente da República.

Para ganhar agilidade com a desburocratização e maior democratização dos serviços, criou-se paralela a esta estrutura centralizada desconcentrada o conceito de administração pública indireta ou administração pública descentralizada, no Brasil por força Constitucional, exercida pela autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas, as duas primeiras com personalidade de direito público e as últimas com personalidade de direito privado. A grande vantagem e principal característica da administração indireta descentralizada é que as varias entidades têm personalidade jurídica própria, respondendo por seus próprios atos, tendo portanto autonomia nos limites da lei que criou estas entidades, podendo então tomar as decisões sem que seja necessário ou possível a ratificação de seus atos pelo chefe da administração pública direta, o Presidente da República. Portanto, as entidades da administração indireta tomam decisões e respondem pelos seus atos, não sendo necessário a permanente ratificação da administração central, e como conseqüência, não sendo possível que a administração central intervenha nas competências autonômicas legais destas entidades.

5 - A Instituições Federais de Ensino Superior brasileiras, são constituídas sob a forma de autarquias ou fundações públicas, tendo autonomia na forma da lei. Para exercer esta autonomia de forma adequada, dispõem de serviços jurídicos próprios capazes de emitir pareceres sobre a correta interpretação da lei e Constituição, e para isto, são, seus procuradores, advogados e assistentes jurídicos, concursados.

6 - A administração pública indireta sofre obviamente o controle de seus atos pelo Tribunal de Contas da União, mas convém não confundir controle de contas, análise de possíveis atos que possam trazer prejuízos aos cofres públicos, com a eliminação da autonomia dos seus entes, a partir da tendência autoritária de se fazer súmulas administrativas vinculantes, instruções normativas, comunicas ou coisas semelhantes. Isto não é controle mas cerceamento ilegal de autonomia, autoritarismo e centralismo, palavras que não são admitidas em um Estado democrático de Direito.

7 - Convém ainda ressaltar o caráter especial da autonomia da Universidades Públicas, que tem sua autonomia assegurada no artigo 207 da Constituição Federal, conferindo portanto um status especial a estas entidades.

8 - Sobre este assunto existem vários estudos realizados pelo Colégio de Procuradores Gerais da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior, CPG/ANDIFES, órgão que congrega os 52 Procuradores Gerais das IFES. O CPG elaborou projeto sobre autonomia universitária que se fundamenta no conceito constitucional desta autonomia que a diferencia da autonomia de uma simples autarquia ou fundação pública, o que já era, como vimos, suficiente para caracterizar a inaplicabilidade da referida Instrução Normativa.

A autonomia das universidades é garantida pela Constituição, embora a idéia de uma Universidade autônoma nasça juntamente com as universidades no século XII. A autonomia da Universidade se equivale a autonomia concedida ao Ministério Público na Constituição Federal. Em outras palavras, são autonomias de garantia de democracia, o que garante a estas instituições a necessária desvinculação do governo para que desta forma o Ministério Público possa com independência fiscalizar os seu atos e as Universidades possam, sem interferência de governos, produzir o conhecimento de forma livre e plural, sem estar subordinado a vontade de governos.

É baseado nestes fundamentos que se constrói a autonomia universitária, e se não pode o poder central, o governo federal, intervir a qualquer tempo na autonomia das autarquias e fundações públicas, muito menos poderá intervir, como vem intervindo de maneira ilegal e inconstitucional, na autonomia especial de garantia de democracia das Universidades brasileiras.

9 - Desta forma podemos neste ponto concluir o seguinte:

  1. as universidades gozam de autonomia especial
  2. uma instrução normativa no âmbito da administração direta não alcança a administração indireta, autarquias e fundações públicas, formas de constituição da Universidades federais.
  3. se não pode o governo federal intervir na autonomia legal das autarquias e fundações públicas comuns, muitos menos na autonomia especial das universidades, segundo o artigo 207 da Constituição.
  4. desta forma é inaplicável a Instrução Normativa IN/SAF/Nº8, DOU 07/07/93, para tornar sem efeito a aposentadoria dos servidores federais.
  5. mesmo admitindo-se a mudança de interpretação da norma por parte das Procuradorias, órgão competente para construir a interpretação da lei no seu âmbito interno, isto não ocorreu, e mesmo se ocorresse não poderia ter efeito retroativo.
  6. existia na época das aposentadorias interpretação nos órgão jurídicos das Universidades autônomas sobre a possibilidade e constitucionalidade da contagem proporcional dos tempos.,

10- Importante ressaltar o aspecto da construção da norma através da interpretação dos órgãos jurídicos da administração descentralizada. Está no âmbito da competência destes órgãos a criação da norma aplicável através da leitura e interpretação sistêmica da lei face a Constituição, suas regras, princípios e valores, como foi feito neste caso pelas Procuradorias das IFES.

ILEGAL E INCONSTITUCIONAL PORTANTO O ATO QUE TORNANDO SEM EFEITO A APOSENTADORIA VOLÚNTARIA FAZ RETROAGIR A NORMA INTERPRETADA DE MANEIRA DIVERGENTE EM MOMENTO POSTERIOR.

Sobre o autor
José Luiz Quadros de Magalhães

Especialista, mestre e doutor em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais<br>Professor da UFMG, PUC-MG e Faculdades Santo Agostinho de Montes Claros.<br>Professor Visitante no mestrado na Universidad Libre de Colombia; no doutorado daUniversidad de Buenos Aires e mestrado na Universidad de la Habana. Pesquisador do Projeto PAPIIT da Universidade Nacional Autonoma do México

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAGALHÃES, José Luiz Quadros. A questão da aposentadoria proporcional nas instituições federais de ensino superior. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 23, 27 jan. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1473. Acesso em: 25 nov. 2024.

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