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A figura do "amicus curiae" na jurisdição constitucional brasileira

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Agenda 30/04/2010 às 00:00

1.INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por objetivo abordar o amicus curiae, figura relativamente nova no ordenamento jurídico brasileiro.

Trata-se, basicamente, de um instituto que permite que um terceiro passe a figurar nos processos de controle concentrado de constitucionalidade, para discutir de forma objetiva questões jurídicas que vão afetar a sociedade como um todo.

Com efeito, o amicus curiae foi idealizado no direito norte-americano, e posteriormente difundido em vários ordenamentos jurídicos mundo afora.

A partir do advento da Lei nº 9.868/99 – legislação que passou a reger a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade –, a figura do amicus curiae passou a figurar expressamente no controle abstrato de constitucionalidade brasileiro.

Nesse sentido, analisaremos algumas questões relativas aos amicus curiae, ainda não tão bem definidas não só na doutrina, como também na jurisprudência.

Trata-se de tema incipiente, mas de notória relevância jurídica, haja vista estar nitidamente relacionado ao controle concentrado de constitucionalidade de leis ou atos normativos.

De outro lado, a presente pesquisa também buscará abordar temas polêmicos envolvendo a figura do amicus curiae, sobretudo no que tange à sua atuação nos procedimentos de controle estadual de constitucionalidade de leis e atos normativos realizado perante os Tribunais de Justiça locais.

Assim sendo, pretende-se com o presente estudo contribuir, no sentido de se firmar posições a respeito de tema relevante envolvendo a figura do amicus curiae, sobretudo no que tange à possibilidade de participação formal dessa nova figura nos processo de controle concentrado.


2.A FIGURA DO AMICUS CURIAE

O processo civil brasileiro trabalhou com o conceito puro de partes. Partes são os sujeitos interessados na relação processual, em defesa de alguma pretensão própria ou alheia. Quem não figurar como parte no processo, recebe o nome de terceiro. Cândido Rangel Dinamarco [01],citando a doutrina de Liebman, resume bem a questão:

"Terceiro é rigorosamente toda pessoa que não seja parte no processo. Todos aqueles que não são partes consideram-se, em relação àquele processo, terceiros (Liebman). Eles não são titulares das situações jurídicas ativas e passivas que na relação processual interligam os sujeitos parciais e o juiz e, enquanto terceiros, não são admitidos a realizar os atos do processo. Considerado um certo processo que se tenha em mente, são terceiros em relação a ele todos os seres humanos e todas as pessoas jurídicas existentes no planeta, menos aqueles que estejam nele como partes"

Por sua vez, o juiz, apesar de ser sujeito processual, também não é parte, já que é o agente estatal que, presidindo o contraditório, resolverá o conflito de interesse levado a juízo.

Registre-se por fim que, à margem das partes, existem os colaboradores da justiça, órgãos auxiliares que participam do processo como agentes do Estado.

Tais personagens desenvolvem atividades para as quais o juiz não seria capaz de realizar, por si próprio. São agentes que desempenham atividades destinadas a dar apoio às decisões judiciais.

Nesse sentido, surge a figura do amicus curiae consagrado expressamente no ordenamento jurídico desde Lei 9.868/99. Trata-se de colaborador do processo de controle concentrado de constitucionalidade, a fim de ampliar o debate constitucional.

O amicus curiae, ao ingressar no processo, passa a debater, de forma objetiva, questões jurídicas que vão afetar a sociedade como um todo.

Sua intervenção deve fundar-se na utilidade, de modo a proporcionar ao destinatário de sua manifestação – no caso o Supremo Tribunal Federal – meios que viabilizem uma adequada resolução do litígio constitucional. O propósito de sua atuação permite que o Supremo Tribunal Federal disponha de todas informações e dados necessários à resolução da controvérsia.

Feitas tais ponderações, cabe doravante a conceituação do amicus curiae, bem como a abordagem das questões propostas no presente trabalho tidas como relevante.


3.CONCEITO

Não há na legislação pátria um conceito de amicus curiae. Tendo em vista ser instituto relativamente novo no ordenamento jurídico, o conceito do amicus curiae ainda desperta dúvidas junto à doutrina [02].

Segundo Uadi Lammêgo Bulos [03], o amicus curiae possui várias denominações conhecidas: amici curiae, amicus partis, ou amicus causae, cujo significado ao pé da letra seria o "Amigo da Corte".

Trata-se de instituto fundado no princípio democrático, que confere legitimidade a terceiro interessado para expor à Suprema Corte o ponto de vista favorável a uma da partes [04].

Assim, o amicus curiae é um terceiro chamado ao processo para prestar informações nas ações de controle de constitucionalidade sobre temas afetas à sua natureza/atuação.

Com efeito, sua atuação se justifica, à medida que, diante de temas novos e inusitados, a corte julgadora poderia desprezar questões ou observações imprescindíveis ao julgamento da causa.

Para muitos, trata-se de uma forma de um modo de intervenção de terceiros. Para outros, seria um auxiliar especial do Juízo.

De todo modo, trata-se de figura processual cuja relevância ganha corpo junto à doutrina e jurisprudência. Nas precisas palavras de Gustavo Binenbojm [05], citando Inocêncio Mártires Coelho [06], a respeito da figura do amicus curiae:

"Trata-se de inovação bem inspirada, que se insere no contexto da abertura da interpretação constitucional no país, permitindo que os indivíduos e os grupos sociais participem ativamente das decisões do Supremo Tribunal Federal que afetem seus interesses. "

Não há consenso a respeito da ocasião precisa em que o amicus curiae passou a figurar no ordenamento jurídico brasileiro Existem vozes junto à doutrina que sustentam a previsão da figura do amicus curiae desde a década de 70 [07].

Apesar de previsões genéricas nas Leis 6.385/76 (Comissão de Valores Mobiliários), e 8.884/94 (que transformou o CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica em Autarquia), foi a partir das Leis nº 9.868/99 e 9.882/99 que a figura do amicus curiae surge com maior precisão no ordenamento jurídico.

Essas leis dispõem, respectivamente, sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade, bem como da arguição de descumprimento de preceito fundamental, perante o Supremo Tribunal Federal.

Reza a Lei 9868/99, em seu artigo 7º, § 2º o relator, nas ações de controle de constitucionalidade, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir a manifestação de outros órgãos ou entidades.

Por sua vez, a Lei 9882/99, em seu artigo 6º, § 1º prevê que o relator da ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental, se entender necessário, poderá fixar data para declarações, em audiência pública, de pessoas com experiência e autoridade na matéria.

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Outrossim, o art. 482, §3º, do Código de Processo Civil Brasileiro, ao tratar do incidente de inconstitucionalidade, dispõe que o relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá admitir, por despacho irrecorrível, a manifestação de outros órgãos ou entidades.

Por derradeiro, a Lei 10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais Federais, previu em seu artigo 14, § 7º que nos pedidos de uniformização de interpretação de lei federal "eventuais interessados, ainda que não sejam partes no processo, poderão se manifestar, no prazo de trinta dias".


4.ORIGEM

Não há maiores polêmicas a respeito da origem do presente instituto. É possível afirmar, sem receio de errar, que o amicus curiae é instituto de matiz norte-americana, inspirado no direito processual constitucional dos Estados Unidos da América.

A própria exposição de motivos do projeto de lei que ensejou a Lei nº 9.868/99 denota nítida inspiração no direito norte-americano em relação ao amicus curiae.

O festejado Adhemar Ferreira Maciel [08], ao discorrer sobre a figura do amicus curiae no direito americano, esclarece que:

"o terceiro – pessoa natural ou jurídica – que tem um ´forte interesse´ que a decisão judicial favoreça um determinado ponto de vista, sumariza um pedido (brief) ao juiz (comumente tribunal de segundo grau), trazendo, em poucas linhas, suas razões de convencimento. À evidência, não é todo arrazoado de qualquer pessoa que é admitido. As partes, como domini litis, podem recusar o ingresso do tertium em seu processo. Muitas vezes, as partes se põe de acordo, mas, ainda assim, a Corte nega o pedido de ingresso do terceiro: a matéria não é relevante, as partes já tocaram no assunto. Órgãos governamentais, associações particulares de interesse coletivo, ´grupo de pressão´, muito se utilizam do judicial iter para deduzir seus entendimentos influindo na vida de toda comunidade. Aliás, na Suprema Corte dos Estados Unidos, mais da metade dos casos de amicus curiae são ocasionados pelo solicitor general, que representa a União Federal"

Com efeito, a primeira aparição do amicus curiae, na Suprema Corte dos Estados Unidos foi no Caso Gideon [09]. Essa demanda judicial [10] discutia a necessidade de assistência de advogado quando o crime tivesse como preceito secundário pena diversa da capital.

Analisemos, pois, o fundamento político desse novo personagem judicial, atuante no controle concentrado de constitucionalidade.


5.FUNDAMENTO POLÍTICO

Conforme já observado, no aspecto legislativo, a figura do amicus curiae já estava prevista, implicitamente, no ordenamento jurídico desde 1976.

Todavia, a partir de 1999, com a edição das leis referentes ao controle de constitucionalidade, a figura do amicus curiae passou a ser tratada com maior atenção, sobretudo em decorrência de sua crescente atuação no controle abstrato de constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal Federal.

Registre-se, porém, que mesmo antes da edição de tais leis o STF já admitia informalmente a participação, no controle concentrados constitucionalidade, de colaboradores informais. [11]

No aspecto político, a justificativa para existência do amicus curiae está justamente na necessidade de se pluralizar o debate constitucional acerca de determinados temas. Nesse sentido, são precisas as palavras do Ministro Celso Melo do STF:

"O ordenamento positivo brasileiro processualizou, na regra inscrita no art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99, a figura do "amicus curiae", permitindo, em conseqüência, que terceiros, desde que investidos de representatividade adequada, sejam admitidos na relação processual, para efeito de manifestação sobre a questão de direito subjacente à própria controvérsia constitucional. A intervenção do "amicus curiae", para legitimar-se, deve apoiar-se em razões que tornem desejável e útil a sua atuação processual na causa, em ordem a proporcionar meios que viabilizem uma adequada resolução do litígio constitucional. - A idéia nuclear que anima os propósitos teleológicos que motivaram a formulação da norma legal em causa, viabilizadora da intervenção do "amicus curiae" no processo de fiscalização normativa abstrata, tem por objetivo essencial pluralizar o debate constitucional, permitindo, desse modo, que o Supremo Tribunal Federal venha a dispor de todos os elementos informativos possíveis e necessários à resolução da controvérsia, visando-se, ainda, com tal abertura procedimental, superar a grave questão pertinente à legitimidade democrática das decisões emanadas desta Suprema Corte, quando no desempenho de seu extraordinário poder de efetuar, em abstrato, o controle concentrado de constitucionalidade."(destaques acrescidos) [12]

Nota-se, portanto, que além de "pluralizar o debate constitucional", o amicus curiae promove, de certa forma, uma espécie de "legitimação democrática" das decisões do Supremo Tribunal Federal, atenuando, pois, a limitação de acesso ao controle concentrado em decorrência do reduzido número de legitimados para deflagrar tal processo.

Com efeito, o princípio republicano, consagrado em nossa Constituição Federal, exige que todo o poder emane do povo, o qual deverá ser representado por cidadãos eleitos através do voto popular (art. 1 °da Constituição Federal).

Ademais, o próprio Texto Constitucional de 1988 reza que a República Federativa do Brasil se constitui num Estado Democrático de Direito e tem como fundamento, entre outros, o pluralismo político.

Trata-se de fundamento da Republica (artigo 1°, V da Constituição Federal), veiculado na forma de principio fundamental, cuja função precípua é a de assegurar a participação plural dos diversos seguimentos sociais na distribuição do poder. [13]

O próprio preâmbulo [14] da Carta Magna de 1988 prevê que a instituição de um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício de diversos direitos como valores supremos de uma sociedade fraterna e pluralista.

Para além da mera vertente político-partidária, a noção de pluralismo político transcende a seara das agremiações dos partidos políticos para, de fato, consolidar no sistema brasileiro uma verdadeira democracia pluralista. [15]

Com efeito, em relação ao principio do pluralismo político, Uadi Lammêgo Bulos [16] pondera que:

"O estado democrático de direito, em que se constitui a própria República Federativa do Brasil, sedimenta-se no pluralismo político, isto é, na variedade de correntes sociais, políticas, econômicas, ideológicas e culturais. Admitir uma sociedade pluralista significa aceitar a diversidade de opiniões, muitas vezes conflitavas e tensas entre si"

Assim, o pluralismo político abrange diversidade de pensamentos, de opiniões, a respeito dos temas de interesse nacional, congregados em variedades de associações, de grupos, de políticos etc.

Nesse sentido, no âmbito do Poder Judiciário, mais precisamente perante o Supremo Tribunal Federal como guardião da Constituição Federal, o instituto do amicus curiae funciona como modo de atender ao primado do pluralismo político.

Através dele, permite-se que o Tribunal conheça elementos informativos e razões constitucionais daqueles que, embora não tenham legitimidade para deflagrar o procedimento de controle abstrato, serão destinatários diretos ou indiretos das decisões aplicadas. [17]


6.QUESTÕES POLÊMICAS ENVOLVENDO A FIGURA DO AMICUS CURIAE

Nesse capítulo serão abordados os aspectos polêmicos envolvendo a figura dos amicus curiae.

A primeira questão abordada diz respeito à natureza jurídica do amicus curiae. A segunda polêmica refere-se à possibilidade de atuação do amicus curiae na representação de inconstitucionalidade estadual.

Trata-se de assuntos que ainda despertam acirradas discussões junto à doutrina, razão pela qual procuraremos colaborar, através de argumentação lógica, com a definição de posição.


7.A NATUREZA JURÍDICA DO AMICUS CURIAE

No que tange à natureza jurídica do amicus curiae, há três correntes que versam sobre o assunto.

Assim, abordaremos todas essas correntes doutrinárias, analisando inclusive o aspecto jurisprudencial de cada uma dela, para só então nos posicionarmos sobre qual delas é a mais adequada. Vejamos:

A primeira corrente doutrinária sustenta que o amicus curiae teria a natureza jurídica de uma espécie de intervenção de terceiros, na modalidade de assistência.

Com efeito, o Código de Processo Civil, em seu artigo 50, reza que, pendendo uma causa entre duas ou mais pessoas, o terceiro, que tiver interesse jurídico em que a sentença seja favorável a uma delas, poderá intervir no processo para assisti-la.

Assim, a razão de ser da assistência é coadjuvar uma das partes para que ela tenha êxito no processo, para que essa decisão o favoreça.

Conquanto não admitida pela Lei 9868/99 (art. 7°, § 2°), a intervenção de terceiro seria admitida, no controle concentrado de constitucionalidade, excepcionalmente, desde que previstos os requisitos da novel legislação.

Comunga dessa opinião, Antônio Passo Cabral [18], para quem o amicus curiae tem a natureza jurídica de intervenção de terceiros:

"Aquele que atua como amicus curiae decerto não se inclui no conceito de parte, pois não formula pedido, não é demandado ou tampouco titulariza a relação jurídica objeto do litígio. Também não exterioriza pretensão, compreendida como exigência de submissão do interesse alheio ao seu próprio, pois seu interesse não conflita com aquele das partes. E dentro da conceituação puramente processual dos terceiros, devemos admitir necessariamente que o amicus curiae inclui-se nesta categoria. Sua manifestação deve ser compreendida como verdadeira modalidade de intervenção de terceiros"

Essa posição é adotada pelo Min. Marco Aurélio do STF. Abaixo colacionamos duas decisões sustentando a natureza de intervenção de terceiro do amicus curiae:

"A regra é não se admitir intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade, iniludivelmente objetivo. A exceção corre à conta de parâmetros reveladores da relevância da matéria e da representatividade do terceiro, quando, então, por decisão irrecorrível, é possível a manifestação de órgãos ou entidades — § 2º do artigo 7º da Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999. Faz-se em jogo a Lei Complementar estadual n. 106/03, sobre a igualização de vencimentos e prerrogativas entre a magistratura e o Ministério Público estaduais. Tem-se, por isso, a excepcionalidade a ditar o acolhimento do pleito da Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro - AMPERJ, cujo pronunciamento colará, ao que vier a ser decidido pela Corte, maior legitimidade." [19]

"Consoante dispõe o artigo 7º da Lei n. 9.868/99, a intervenção de terceiros no processo objetivo surge com excepcionalidade maior. Pois bem, discutida na ação direta de inconstitucionalidade a harmonia, ou não, com a Carta da República, de lei do Estado a versar sobre o afastamento de cobrança do tributo, não há como admitir, na relação processual, possíveis interessados. Visão flexível acabaria por tumultuar a tramitação do processo." [20]

Sem destoar desse posicionamento doutrinário, Edgar Silveira Bueno Filho sustenta que o amicus curiae tem a natureza jurídica de uma assistência qualificada. [21]

A crítica a essa corrente repousa no fato dela partir de uma interpretação contra legem. Nesse ponto, discorrendo sobre a interpretação contra legem, Celso Ribeiro Bastos observa:

"Isso significa que na busca de se salvar a lei não é permitido aos Tribunais fazer uma interpretação contra legem, é dizer, não é permitido ao Poder Judiciário exercer a função de legislador positivo, que é competência precípua do Poder Legislativo. Trata-se aqui de uma interpretação minunciosa que fica entre dois caminhos: o da constitucionalidade e o da inconstitucionalidade. E, por estar nessa linha limítrofe é que o Poder Judiciário pode conferir à norma em exame uma interpretação constitucional, e afastar assim os inconvenientes advindos da declaração de inconstitucionalidade e seu conseqüente banimento do ordenamento jurídico" [22]

Isso porque a própria Lei 9868/99, em seu artigo 7º, expressamente diz não ser admitida a intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade. Assim, bastaria uma interpretação literal para afastar tal entendimento.

Ademais, sabe-se que o terceiro ao ingressar no processo pretende, com essa intervenção, colaborar com uma das partes, tendo em vista seu interesse processual na solução do conflito. Trata-se de instituto nitidamente aplicável aos processos intersubjetivos.

Ocorre que o processo de controle concentrado de constitucionalidade das leis e dos atos normativos é de índole puramente objetiva. Entenda-se por objetivo, o processo em que não há pessoas disputando interesses concretos em torno de situações jurídicas de caráter individual.

Aos contrario dos processos ditos intersubjetivos, processos objetivos buscam auferir apenas a compatibilidade em tese de uma determinada lei em face de outro hierarquicamente superior [23].

Nesse passo, tendo em vista a ausência, no controle concentrado, de sujeitos disputando interesses concretos em torno de situações jurídicas, a possibilidade de um terceiro (assistente) ingressar no processo para coadjuvar uma das partes perde a razão de ser.

Aliás, a função do amicus curiae não é a de, simplesmente, favorecer umas das partes. Ao contrário, o "amigo da corte", como induz o próprio nome, por não ser parte na demanda, não tem o interesse jurídico de favorecer ninguém. Seu mister, em verdade, traduz-se na prerrogativa de trazer, aos autos, pontos que não foram observados no transcorrer do processo, de modo a fornecer suporte técnico-jurídico a respeito dos temas propostos.

Assim, contrapartida ao primeiro posicionamento, uma segunda corrente doutrinaria nega a qualidade de terceiro do Amicus Curiae. Para Cássio Scarpinella Bueno [24], o amicus curiae não se confunde com qualquer modalidade de intervenção de terceiros:

"O grande traço distintivo dessa figura com aquelas catalogadas como de intervenção de terceiros, de acordo com o Código de Processo Civil (itens 5 e s. do capítulo 6), é, fundamentalmente, mas não exclusivamente, a ausência de um ‘interesse jurídico’, entendido como aquele que decorre de uma específica relação jurídica-base entre dois ou pouco mais de dois indivíduos, que tem tudo para ser afetada, direta ou indiretamente, atual ou potencialmente, pela decisão (ou decisões) a ser (em) proferida(s) em processo em que entendem outras pessoas".

Para Fredie Souza Didier Júnior [25], a figura do amicus curiae nada mais é do que um perito em matéria de direito, ou seja, um auxiliar do juízo. Reza o festejado autor:

"É o amicus curiae verdadeiro auxiliar do juízo. Trata-se de uma intervenção provocada pelo magistrado ou requerida pelo próprio amicus curiae, cujo objetivo é de aprimorar ainda mais as decisões proferidas pelo Poder Judiciário. A sua participação consubstancia-se em apoio técnico ao magistrado"

Também comunga dessa opinião Carlos Rodrigues Del Prá [26], para quem a figura do amicus curiae traduz-se numa nova função de auxiliar do juízo.

De outro lado o Ministro Celso de Melo, ao abordar a natureza jurídica do amicus curiae, decidiu que não se trata de intervenção de terceiros e sim um colaborador informal da Corte, in verbis:

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – INTERVENÇÃO ASSISTENCIAL – IMPOSSIBILIDADE – ATO JUDICIAL QUE DETERMINA A JUNTADA, POR LINHA, DE PEÇAS DOCUMENTAIS – DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE – IRRESPONSABILIDADE – agravo regimental NÃO CONHECIDO –. O processo de controle normativo abstrato instaurado perante o Supremo Tribunal Federal não admite a intervenção assistencial de terceiros. Precedentes. Simplesmente juntada, por linha, de peças documentais apresentadas por órgão estatal que, sem integrar a relação processual, agiu, em sede de ação direta de inconstitucionalidade, como colaborador informal da Corte (amicus curiae): situação que não configura, tecnicamente, hipótese de intervenção ad coadjuvandum. – Os despachos de mero expediente – como aquele que ordenam juntada, por linha, de simples memorial expositivo -, por não se revestirem de qualquer conteúdo decisório, não são passíveis de impugnação mediante agravo regimental (CPC, art. 504)" [27]

Por derradeiro, existe corrente doutrinária comungando o entendimento de que o amicus curiae é um uma forma de participação da sociedade na jurisdição constitucional. Nesse sentido, é o que entende Anna Candida da Cunha Ferraz [28]:

"Para além de servir como "amigo da corte", no sentido de, por requisição do juiz constitucional aportar ao processo constitucional valiosos elementos, particularmente de natureza jurídica, para colaborar na solução de controvérsias constitucionais, e de se tornar figura imprescindível para maior proteção dos direitos fundamentais submetidos à jurisdição constitucional, o amicus curiae configura valioso instrumento para a pluralização do processo perante a Corte Suprema. Por seu intermédio, a sociedade em geral encontra novos caminhos para participar de decisões constitucionais sobre matérias relevantes e de enorme ressonância social,

política e econômica. Torna-se o amicus curiae verdadeiro intermediário entre o Tribunal Constitucional e a jurisdição constitucional e, tal como a ampliação do acesso à justiça, é vocacionado para a democratização e a legitimação dessa modalidade de controle de constitucionalidade no Brasil".

Filiamo-nos a esse entendimento, visto que o amicus curiae, em ultima análise, ao atuar no processo de controle concentrado de constitucionalidade, figura como um elo de ligação entre a sociedade e o Supremo Tribunal Federal. Exerce, pois, um canal de diálogo direto e imediato entre os julgadores e os destinatários últimos, no caso a sociedade.

Sobre o autor
Carlos Alexandre Domingos Gonzales

Procurador da Fazenda Nacional em Ribeirão Preto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONZALES, Carlos Alexandre Domingos. A figura do "amicus curiae" na jurisdição constitucional brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2494, 30 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14785. Acesso em: 21 nov. 2024.

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