RESUMO: O presente trabalho faz referência a um estudo voltado para uma análise profunda com relação ao futuro do processo cautelar, trançando um paralelo com as recentes transformações no processo de conhecimento. A fungibilidade de tutelas introduzida na sistemática processual brasileira é responsável, em parte, pela reflexão sobre a permanência do procedimento cautelar no ordenamento pátrio. Destarte, há uma preocupação com a simplificação dos instrumentos, buscando-se desburocratizar o processo civil em nosso País. O sincretismo processual é o melhor caminho a ser seguido, observado o descrédito do judiciário, assoberbado de processos intermináveis, em um mundo que clama por respostas céleres e ágeis. Ressalta-se, ainda, que não há possibilidade da completa extinção do processo cautelar, tendo em vista a existência de situações que somente poderiam ser tuteladas pelo mesmo. Nessa quadra, ocorre ainda a apresentação das vantagens de um processo simplificado, enfatizando que só há necessidade de utilização do processo cautelar em alguns casos específicos. Em tese, busca-se explicar que não há por que burocratizar a justiça, ou enaltecer o formalismo, ao contrário, deve-se buscar meios propulsores de celeridade, instrumentos capazes de driblar a morosidade processual. A vertente metodológica utilizada foi a qualitativa, já em relação ao método de abordagem, configurou-se o hipotético-dedutivo.
Palavras-chave: Processo cautelar. Processo de conhecimento. Evolução. Fungibilidade de tutelas. Processo sincrético. Vantagens.
Conceito
Por óbvias razões, mister se faz dar início a este trabalho acadêmico descrevendo o processo cautelar sob a óptica da etimologia e de diversos estudiosos.
No que tange à etimologia, processo decorre do latim "processu" e significa a atividade por meio da qual se exerce a função jurisdicional ou o pleito judicial, ou ainda o conjunto de peças, em um caso concreto, o qual comprova o exercício da jurisdição. Cautelar, por sua vez, provém de cautela, derivada do latim "cautela", e que tem por significado o cuidado, a precaução, a tentativa de evitar um mal [01].
Para Vicente Greco Filho, o processo cautelar é uma relação processual instaurada para a concessão de medidas cautelares. Trata-se de um procedimento dotado de autonomia, apesar de acessório, tendo em vista que depende do processo principal. Greco chama atenção para importante distinção entre processo cautelar e medida cautelar, frisando que, para se chegar ao último, utiliza-se como instrumento o primeiro. Afirma que a medida cautelar é o resultado e a providência que emanam da justiça com finalidade de proteger o objeto da atividade jurisdicional de conhecimento [02].
A doutrina de Misael Montenegro Filho entende ser o processo cautelar um instrumento utilizado pelo Estado para a conservação do bem ou direito, o qual tem, ao final da ação principal, condições de atender à satisfação da parte vencedora da lide [03].
Humberto Theodoro Júnior expressa que o processo cautelar tem como elemento específico a "prevenção", que se apresenta como uma nova faceta da jurisdição, porque consegue reunir, ao mesmo tempo, funções inerentes aos processos de conhecimento e de execução. O autor em questão diz ainda, compartilhando da visão de Pinto Ferreira [04], que tal processo se apresenta como um tertium genus do processo, ou seja, um terceiro gênero do processo. Explica também, baseado na lição de Calamandrei, que este tipo de processo tem uma função auxiliar e subsidiária de servir a tutela do processo dito como principal [05]. A mesma doutrina elenca a diferença entre processo e ação cautelar, discorrendo que, nesta, trata-se de um direito inerente à parte de participar ou não de um processo; naquela, é o método pelo qual a jurisdição atua.
Wambier define o processo cautelar como uma espécie de caminho, para garantir a produção efetiva de efeitos no plano dos fatos, obtidos através de um processo de conhecimento ou de execução. [06]
Já Luiz Guilherme Marinoni discorda da doutrina clássica, ao expor que a tutela cautelar não integra o rol de direitos inerentes à parte, mas sim ao Estado, indispensável para a garantia da função jurisdicional. Entende ainda que a tutela cautelar é direito da parte e que converge com o próprio direito à tutela do direito, segundo o qual, a jurisdição deve estabelecer meios de proteger, através de tutela cautelar, a parte que tem seu direito à tutela definitiva ameaçada por perigo de dano.
Expressa, com bastante clareza, que a tutela cautelar é instrumento e deve ser utilizada, para possibilitar, ao final do processo principal, a obtenção da tutela de direito material, ou ainda, para proteger, de acordo com o caso, uma situação jurídica tutelável [07].
Nessa esteira, entende-se o processo cautelar como instrumento Estatal destinado a assegurar o resultado prático de outro procedimento, ou, dependendo do caso concreto, tutelar situação jurídica em que estejam presentes seus pressupostos. Em outros termos, busca acautelar, para garantir a prestação jurisdicional eficaz.
O processo cautelar é, portanto, um processo que visa à solução de medidas urgentes, necessárias ao desenvolvimento satisfatório do processo de conhecimento. Trata-se de um processo de natureza acessória, visto que depende da existência de um outro, para continuar existindo, é, porém, autônomo no que se refere ao procedimento. Pode ser conceituado ainda como meio de garantir a satisfação pretendida no processo principal, sem exame do mérito, baseando-se no "fumus bonis iuris" e no "periculum in mora".
Caracterização
Neste tópico, faremos a apresentação e a análise das principais características das tutelas de urgência, por serem alternativas peculiares destinadas a driblar a morosidade processual.
Como já explanado anteriormente, o processo cautelar é um processo autônomo do ponto de vista procedimental, com petição inicial, instrução e sentença. Wambier entende se tratar de um incidente do processo principal [08].
Outra característica que marca o processo cautelar é o seu caráter acessório. O art. 796 do nosso diploma processual não deixa dúvidas, ao explicar que o procedimento cautelar poderá ser iniciado antes ou no curso do processo de conhecimento ou de execução e será sempre dependente destes. Marinoni explica que a ação principal deverá ser proposta em trinta dias, contados a partir do primeiro dia útil que segue a execução da medida cautelar, quando a tutela de direito assegura uma tutela de direito exigível, ou uma situação jurídica cuja tutela pode ser exigida imediatamente [09].
Carneluti procura ensinar processo cautelar diferenciando-o do definitivo, tendo em vista que o primeiro não pode ser autônomo. O autor italiano segue defendendo que o processo definitivo não pressupõe o cautelar, mas o cautelar pressupõe o definitivo [10]. Entende-se que, quando se fala em falta de autonomia, tal autor, na verdade, refere-se à acessoriedade presente na cognição cautelar, visto que é pacífico o entendimento, na doutrina processual brasileira, de que o processo cautelar é autônomo, apesar de acessório.
A doutrina de Wambier ensina que o processo cautelar é acessório, tendo em vista que existe, para servir ao processo principal. Prossegue explicando que a dependência existente entre os dois processos pode ser observada na distribuição, em que o processo cautelar terá como destino o mesmo juízo competente, para julgar a ação principal instaurada ou não [11]. Ocorre uma espécie de simbiose, no que se refere ao processo cautelar, que possui autonomia, contudo necessita do principal, para continuar existindo.
A instrumentalidade é também característica das tutelas de urgência, utilizadas para assegurar o resultado útil da demanda principal. O processo cautelar não tem um fim em si mesmo, ou seja, serve e tutela um outro processo. Vicente Greco Filho cita Calamadrei e diz se tratar de instrumentalidade hipotética a relação, baseando-se no fato de que está a serviço de outro processo e não assegura a decisão favorável à parte requerente da cautelar [12].
A prevenção é característica e função predominante das tutelas de urgência, visa a evitar que ocorra o dano irreparável ou de difícil reparação. Em outras palavras, que as atitudes desenvolvidas pelo réu, ao longo do processo, sejam capazes de prejudicar a realização do direito do autor, caso seja a parte vencedora do litígio.
É necessário elencar, ainda no rol característico das tutelas cautelares, a urgência. O caráter urgente encontrado em tais ações se deve em razão do perigo iminente gerado pelo fato de outras formas de atividade jurisdicional não terem conseguido atingir a eficácia, tanto para impedir a consumação da ofensa quanto para a reparação de modo satisfatório [13].
A última característica citada é a justificativa para a que se segue. O procedimento cautelar precisa ser sumário. A cognição sumária ocorre por dois aspectos: pelo aspecto material, em que o conhecimento do juízo é superficial, e pelo aspecto procedimental, com prazos curtos, justificados pelo perigo. Basta aqui a possibilidade de existência do direito arguido pelo requerente. Diferentemente ocorre com a tutela antecipada, em que são exigidas a prova inequívoca e a verossimilhança do direito invocado pela parte. Intuímos que se trata de processos curtos, que, uma vez preenchidos os requisitos, são capazes de produzir efeitos imediatos [14].
As tutelas de urgência têm um caráter provisório, uma vez que o Magistrado, ao concedê-las, fá-lo de modo não definitivo, limitando seus efeitos à permanência do estado de urgência, ou até que uma medida definitiva a substitua. As lições de Wambier levam a crer que o processo cautelar é dotado de eficácia provisória. Trata-se de medidas expedidas, para terem pouca durabilidade, tutelando uma situação de emergência [15]. Baseando-se nisso, os arts. 805 e 807 do Código de Processo Civil brasileiro preveem que, quando inexistirem as condições que autorizem a concessão, há possibilidade de revogação, substituição ou modificação da medida cautelar, visto que se tornou desnecessária.
A revogabilidade é característica inerente às tutelas de urgência, especificadamente a cautelar, partindo-se do pressuposto que tutelam uma situação de emergência e que devem perdurar enquanto houver o perigo de dano [16]. A maior parte da doutrina processualista entende que tanto a medida concedida em processo cautelar quanto a tutela antecipada podem ser modificadas ou revogadas, desde que as circunstâncias que as ensejaram tenham se alterado.
No que se refere à coisa julgada, o processo cautelar a produz apenas do ponto de vista formal, visto que não decide, nas lições de Wambier, sobre nem uma relação jurídica [17]. Não se poderia tornar imutável algo que foi decidido em um juízo menos aprofundado, sem que o Juiz tenha analisado cuidadosamente as provas apresentadas no processo.
Em casos de prescrição e decadência, por força do art. 810 do CPC, a sentença adquire força de coisa julgada material. A melhor doutrina traz a ideia de que a decisão envolvendo prescrição e decadência é uma decisão não cautelar proferida no processo cautelar, explicando ainda que o legislador, ao criar esta exceção, procurou priorizar a economia processual e a celeridade [18].
A cognição cautelar não declara existência de direito. Suas decisões são mandamentais, isto é, ordenam.
Vale ainda ressaltar como característica a fungibilidade, que é a possibilidade que o Magistrado tem de adaptar o pedido do requerente à medida que lhe pareça mais adequada, ainda que não corresponda ao pedido inicial, desde que presentes os pressupostos exigidos.
Poder Geral de Cautela
Para que haja a aplicação do poder cautelar geral do Juiz, basta que esteja correndo um processo ou a iminência de instauração. Tal poder atua de duas formas: através da ação inominada, quando a parte, preenchidos os pressupostos, requer a instauração, antes ou durante o processo principal, na busca de medidas não estabelecidas no campo legislativo; e de ofício, através do poder cautelar genérico, em que o julgador, mediante situação de urgência, toma providências visando à proteção do processo [19].
Cabe-nos estabelecer, neste ponto, a diferença entre poder geral de cautela e poder cautelar genérico ou medida cautelar ex oficio, prevista no art.797 [20] do CPC. Esta é a medida cautelar determinada pelo juízo, sem que houvesse provocação por qualquer das partes. Melhor explicando, é instrumento posto à disposição do juízo, para agir a contra-senso do que prega o princípio do dispositivo, em situações específicas, para garantir o resultado útil do processo [21]. O poder geral de cautela, por sua vez, existe mediante provocação e difere do último também, por não ter os casos em que devam aparecer obrigatoriamente estabelecidos na norma. Aqui o julgador decide a aplicação da medida que achar mais adequada.
É oportuno ressaltar que a restrição prevista pelo CPC é criticada por grande parte dos autores. Compartilha desse pensamento Márcio Capena, que acerta na lição, quando diz ser desnecessária a restrição imposta pelo artigo, vez que são decisões de caráter acautelatório, de segurança processual. É a manifestação de um poder de polícia judiciária disposta a verificar e proteger o processo que corre risco [22].
Tanto o processo cautelar em geral quanto o poder geral de cautela têm origem constitucional, pois agem preenchendo os espaços um do outro, para que a prestação jurisdicional não sofra prejuízos. O dispositivo da Constituição que melhor revela a preocupação com esta atividade estatal é o inciso xxxv do art. 5º, ao dispor que o Poder Judiciário pode combater toda e qualquer ameaça ou lesão ao direito.
A discrição, criada para o Juiz através do poder geral de cautela, já nasce repleta de condições e direcionamentos os quais limitam a atuação daquele no campo cautelar [23]. É preciso esclarecer que a discricionariedade encontrada no instituto se distingue da do campo administrativo, vez que o Magistrado não pode deixar de praticar o ato necessário baseado na conveniência e oportunidade. Theodoro revela que tais características são decorrentes da própria lei e que o julgador tem sua liberdade tolhida, cabendo-lhe apenas traçar a realização no mundo empírico [24]. No mesmo sentido, ostenta Carpena, ao tratar a discricionariedade como sendo a subjetividade do Magistrado de interpretar cada pretensão e cada fato, procurando adequar a uma situação jurídica que proporcione segurança ao processo e àqueles que dependem da jurisdição [25].
A tutela que provém do poder geral de cautela abrange todos os interesses ou direitos subjetivos, ainda que pertencentes à tutela específica, bastando, para isso, que requeiram alguma proteção não esmiuçada em lei, mas incluídas, através do art. 798 do CPC, na alçada dos poderes magistrais [26].
Os requisitos exigidos para concessão da medida cautelar atípica são os mesmos da medida cautelar típica. Assim sendo, devem estar presentes o fumus bonis iuris e o periculum in mora. Vale a pena salientar que as características, juntamente com os pressupostos, são importadas das medidas cautelares e que as medidas provenientes do poder geral de cautela são idênticas, no que se refere ao conteúdo e à natureza, às típicas [27].
O poder geral de cautela é amplo, mas não é ilimitado e arbitrário [28]. As medidas que dele provêm não podem ultrapassar os limites da provisoriedade, da instrumentalidade, da auxiliariedade, da mandamentalidade e da revogabilidade [29]. Podemos citar como limitação ao poder cautelar genérico a questão da necessidade, tendo em vista que o Juiz só poderá aplicar a medida cautelar, se for estritamente necessária. Anota Lopes da Costa que não se concede medida preventiva à parte que não tenha possibilidade de execução e de cumprimento da sentença ao final da atividade cognitiva principal [30].
As dimensões do poder geral de cautela têm sido fruto de divergência na doutrina processual brasileira. Alguns doutrinadores ensinam que o Juiz tem independência, para tomar decisões somente no decorrer do processo cautelar. Doutos pensam diferentes, instruindo que o julgador pode agir também no processo de conhecimento. O que também tem sido objeto de discussão entre os autores é a existência da fungibilidade entre as medidas cautelares típicas e entre as típicas e atípicas [31].
Calvosa procura restringir o poder geral de cautela, exigindo, além do fumus bonis iuris, uma série de requisitos, como por exemplo, que o objeto da ação cautelar não seja direito discutido em ação constitutiva. Em sentido contrário, seguem os pensamentos de Hugo Roco e Theodoro Júnior. Os autores entendem que não há motivo, para negar proteção àquele que detém o fumus bonis iuris do direito potestativo de desconstituir uma situação jurídica [32]. Concorda Carpena com o posicionamento, ao estabelecer três requisitos ao poder geral de cautela: o primeiro deles é a utilização da ação inominada, apenas quando esta for verdadeiramente cautelar; o segundo, a utilização de cautelar inominada, somente quando não existir cautelar típica, e, por fim, a cautelar que substitui deve ter a mesma limitação da substituída.
No que reporta o caráter das medidas atípicas, é válido esclarecer que têm natureza conservativa. Sua função é garantir o sucesso da prestação jurisdicional de mérito ao final da ação principal, não pertencendo à área das tutelas satisfativas [33].
Ao disciplinar o processo cautelar, a legislação procura dotar o Magistrado com uma maior liberdade. O poder geral de cautela consiste, portanto, na possibilidade de o julgador aplicar medidas cautelares diferentes das encontradas no corpo da lei [34], ou seja, permite que o Juiz, seu titular, tome decisões não tipificadas, visto que seria impossível para o legislador elencar todas as situações que a vida social apresenta [35], especificando, para cada uma delas, cautelares específicas.
Sincretismo entre Processo de Conhecimento, Execução e Cautelar
- Os reflexos da tutela antecipada no processo de conhecimento
Como já exposto anteriormente, inúmeras são as razões pelas quais o Poder Judiciário enfrenta crise quanto à credibilidade perante a população brasileira. O formalismo exigido pela atividade cognitiva entra em conflito com os interesses almejados na atualidade.
As metamorfoses sofridas pelo procedimento ordinário refletem a preocupação do legislador com o tempo gasto para a resolução da lide e o leva ao enfrentamento da questão de variadas maneiras.
A minirreforma pela qual o CPC passou em 94 trouxe inúmeras mudanças, entre elas, a nova redação do art. 273. Mais do que uma alteração no dispositivo do Código, a nova lei, na realidade, produziu uma aparente mudança de concepção do próprio sistema processual. As medidas antecipatórias, até então previstas apenas para determinados procedimentos especiais, passaram a constituir providência possível, de modo genérico, em qualquer processo. A intensidade da mudança se faz presente pelas implicações que acarretam não apenas no processo de conhecimento, mas também no antigo processo de execução, no cautelar e nos procedimentos especiais [36].
No que tange ao processo de conhecimento, o que ocorreu foi uma extra-ordinária valoração do princípio da efetividade da função jurisdicional, ao permitir que o Magistrado, no decorrer do processo, articule medidas típicas da execução, inclusive, através de mandados, sem que, para isso, fosse necessária a propositura de nova ação. Rompia-se, nesse momento, a clássica segmentação das atividades cognitiva e executória [37].
Nessa conjuntura, o processo cautelar teve uma aparente perda no sistema processual brasileiro, no que se refere às cautelares inominadas, previstas no art.798 do CPC, as quais eram instrumentos utilizados inadequadamente, até a reforma de 1994, para a obtenção de quaisquer medidas de urgência não previstas nos procedimentos cautelares específicos. A utilização de tal instrumento foi reduzida com a introdução da antecipação de tutela, tendo em vista que as medidas provisórias adequadas, às quais se referiam o dispositivo, tinham, em sua maioria natureza antecipatória, não mais se submetendo a processo autônomo (cautelar), podendo ser obtida no próprio processo de conhecimento [38].
A canalização do poder geral de cautela para dentro do processo de conhecimento era a grande preocupação de boa parte da doutrina, que se incomodava com a atipicidade da natureza das cautelares, as chamadas cautelares satisfativas, de natureza tipicamente antecipatória [39].
Consoante já ressaltamos, a inserção da tutela antecipada no ordenamento jurídico brasileiro foi de grande valia para a efetividade tão desejada hodiernamente. Alargou parte do processo de conhecimento, incluindo-se a possibilidade de uma execução precoce, ou melhor, provisória, provavelmente confirmada ao final da ação.
- A possibilidade de incidental cautelar e sua contribuição para dilatação do processo de conhecimento
A reforma de 1994 instituiu o novo art.273 do CPC e trouxe consigo inúmeras dúvidas, na prática forense, sobre a precisão da natureza da tutela de cognição sumária contra o perigo na demora, principalmente daquela que pode ser prestada nas ações constitutiva, desconstitutiva e declaratória. Nesse diapasão, costuma-se dizer que existe uma zona de penumbra que pode confundir aqueles que operam com o direito [40].
Por outro lado, ao Magistrado, é dada a possibilidade de prestar tutela distinta da pedida como tutela final (art.461, CPC e 84 do CDC), a qual também tenha condições de garantir a satisfação de seu direito. Em outras palavras, permite ao Juiz fugir do pedido, para tutelar o direito.
Nada obsta perceber que, se, ao final do processo, o Juiz pode determinar providência que não coincide com a solicitada, pode fazê-lo no curso do processo, conferindo medida capaz de satisfazer o direito em questão, a qual terá natureza antecipatória. Poderá, entretanto, surgir razoável dúvida sobre a natureza da tutela, se antecipatória ou cautelar, visto que o Magistrado pode conceder providência diferente da pedida como tutela final [41].
Da dificuldade de precisar, em alguns casos, da tutela antecipada inerente ao processo de conhecimento, surge o parágrafo sétimo do art. 273, o qual pronuncia que, "se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o Juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir medida cautelar em caráter incidental do processo aJuizado".
O dispositivo referido acima trata do princípio da fungibilidade, muito utilizado no que tange a recursos. O assentamento deste parágrafo ambicionou viabilizar a concessão de tutela cautelar no campo do procedimento ordinário, ou seja, havendo dúvida fundada quanto à natureza da tutela, aplica-se a fungibilidade [42].
Há de se considerar que a fungibilidade acionada aqui é a fungibilidade de pedidos, e não de procedimento, que seria a possibilidade de trocar o pedido antecipatório pelo cautelar, não abordando, portanto, a troca de procedimento, o que possibilita ganho de tempo na prestação jurisdicional.
Existindo fatos que possam ser comprovados por meio de documento, a tutela cautelar pode ser promovida no mesmo processo de conhecimento, porém, se houver necessidade de demonstrar os fundamentos da tutela cautelar, através de instrução mais aprofundada, deve ser proposta a ação cautelar [43].
A Lei nº 10.444, de 07 de maio de 2002, através da inclusão do parágrafo sétimo, trouxe a possibilidade de se conceder tutela cautelar no bojo do processo de conhecimento, causando a este uma aparente dilatação e, ao processo cautelar, um esvaziamento. Este seria indispensável apenas, quando aquele que buscasse a tutela necessitasse de um melhor esclarecimento dos fatos, carecendo produzir prova mais elaborada.
- A fase de execução convergindo para a hipertrofia do procedimento ordinário.
A Lei nº 11.232/2005, conforme ante o exposto, foi responsável pela introdução da fase executória no processo de conhecimento, concorrendo, assim, para sua hipertrofia.
Tal inovação implicou em inúmeras mudanças no procedimento ordinário e, consequentemente, no ordenamento jurídico do nosso país. A primeira importante modificação foi a do conceito de sentença. O art.1º da Lei altera os artigos 162, 267, 269 e 462 do Código de Processo Civil, adequando o conceito de sentença à nova realidade da execução. Em tempos hodiernos, não é mais o ato do Juiz que põe termo ao processo, mas o ato do Juiz que, ou resolve o mérito, ou o extingue sem resolução do mérito.
Há de se convir que a preocupação do legislador, ao substituir, no art.162, a expressão julgamento por resolução, deu-se em decorrência de que, embora a sentença seja o ato de julgar a causa, trata-se de um ato que não encerra mais o processo, pois seu cumprimento, que, antes ocorria em processo autônomo, agora ocorre no mesmo feito cognitivo, isto é, a execução passa a ser mera etapa do processo de conhecimento.
Quanto à questão recursal, permanece inalterada a redação do art. 513, sendo certo que, contra sentenças, o recurso cabível continua sendo o de apelação. O que pode surgir, mediante a nova conjuntura do conceito de sentença, é uma dúvida sobre o que venha a ser sentença ou decisão interlocutória, ou melhor, sobre qual recurso seria mais adequado: apelação ou agravo. Entra em cena aqui o princípio da adequação pertencente aos recursos.
O art. 4º da mesma Lei insere, no texto do Código de Processo Civil, os arts. 475-I, 475-J, 475-L, 475-M, 475-N, 475-O, 475-P, 475-Q e 475-R, que compõem uma série de transformações, tratando do cumprimento da sentença. Estas suscitam inúmeras dúvidas e questionamentos por parte dos operadores do direito, os quais ainda encontram muita dificuldade na aplicação da fase executória.
Tendo em vista a celeridade tão reclamada nos tempos atuais, os processos autônomos que conhecíamos — o de conhecimento, execução e cautelar — passam por uma espécie de sincretismo, desaguando em um grande procedimento ordinário capaz de decidir, proteger e executar o direito. O processo de conhecimento hoje está, portanto, hipertrofiado, para permitir uma tutela dos direitos mais efetiva.
É de grande valia percebemos que, com toda essa evolução que vislumbramos ao longo dos anos, esta tipologia processual — processo de conhecimento, processo de execução e processo cautelar — está mitigada. Não temos mais tempo para tantos tipos de processo. Entendemos que nenhum Magistrado necessita de mais de um processo, para fazer justiça.