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Multa do art. 475-J do CPC e (in)segurança jurídica

Agenda 11/06/2010 às 00:00

A reforma processual efetuada pela Lei nº 11.232/2005 consolidou o processo sincrético, envolvendo as etapas de cognição e execução na mesma relação jurídica processual, deixando a segunda fase de ser realizada em um processo autônomo. O cumprimento da sentença continua com o mesmo objetivo do processo de execução, de satisfazer o direito do credor, por meio do cumprimento da obrigação pelo devedor, ou independentemente da vontade deste.

No cumprimento das obrigações de pagar quantia certa o Estado expropria bens do devedor para o pagamento da dívida, o que afasta, em princípio, a utilização de meios de execução indireta, e da fixação de multa pelo descumprimento. Porém, o art. 475-J do CPC prevê que o devedor deve satisfazer a obrigação no prazo de 15 dias, sob pena de incidência de multa no percentual de 10% do montante devido:

"Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação".

Levando em conta que o art. 475-J é omisso quanto ao termo inicial do intervalo para satisfação da obrigação, surgiu divergência na doutrina e nos tribunais, podendo ser citadas duas principais correntes distintas (cada qual com duas subdivisões): a) por um lado, defende-se não ser necessária a intimação do devedor, mas há debate sobre o início do prazo ser com o trânsito em julgado da sentença, ou a partir da decisão não sujeita a recurso com efeito suspensivo; b) por outro, afirma-se que o devedor deve ser intimado, iniciando com a prática desse ato o cômputo dos 15 dias, também dividindo-se essa corrente em duas posições: a intimação pode ser feita por meio de seu advogado, ou há necessidade de intimação pessoal do devedor para o cumprimento.

O Superior Tribunal de Justiça posicionou-se inicialmente em favor da primeira interpretação, em sua primeira subdivisão, por entender que "(...) o termo inicial do prazo de que trata o artigo 475-J, caput, do Código de Processo Civil é o próprio trânsito em julgado da sentença condenatória, não sendo necessário que a parte vencida seja intimada pessoalmente ou por seu patrono para saldar a dívida" (AgRg no REsp 1076882/RS, 3ª Turma, rel. Min. Sidnei Beneti, j. 23/09/2008, DJe 08/10/2008).

Há decisões das seis Turmas do STJ com fundamentos similares: AgRg no REsp 1074563/RS, 1ª Turma, rel. Min. Denise Arruda, j. 02/04/2009, DJe 04/05/2009; AgRg no REsp 1024631/SP, 2ª Turma, rel. Min. Castro Meira, j. 09/09/2008, DJe 10/10/2008; AgRg no Ag 1060283/RS, 3ª Turma, rel. Min. Massami Uyeda, j. 16/12/2008, DJe 05/02/2009; AgRg no Ag 1046147/RS, 4ª Turma, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 09/09/2008, DJe 06/10/2008; Ag 1116661/MG, 5ª Turma (decisão monocrática), rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 26/05/2009, DJe 03/06/2009; Ag 1013385/RS, 6ª Turma (decisão monocrática), rel. Min. Nilson Naves, j. 17/06/2008, DJe 25/06/2008.

Logo, o prazo para cumprimento da obrigação previsto no art. 475-J do CPC independe de intimação específica do devedor, que deve observá-lo a partir do trânsito em julgado, sob pena de multa [01].

Todavia, essa harmonia não se manteve por muito tempo: recentemente, a 4ª Turma do STJ passou a seguir a segunda interpretação, em sua primeira subdivisão, ou seja, de que o devedor deve ser intimado (por meio de seu advogado, e não pessoalmente), e somente a partir dessa intimação tem início o prazo de 15 dias para pagamento, sob pena do acréscimo da multa de 10%. Nesse sentido:

"(...) 2. A fase de cumprimento de sentença não se efetiva de forma automática, ou seja, logo após o trânsito em julgado da decisão. De acordo com o art. 475-J combinado com os arts. 475-B e 614, II, todos do CPC, cabe ao credor o exercício de atos para o regular cumprimento da decisão condenatória, especialmente requerer ao juízo que dê ciência ao devedor sobre o montante apurado, consoante memória de cálculo discriminada e atualizada" (EDcl no Ag 1136836/RS, 4ª Turma, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 04/08/2009, DJe 17/08/2009).

Ainda: AgRg no REsp 1052774/RS, 4ª Turma, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 05/11/2009, DJe 16/11/2009; AgRg no AgRg no Ag 1056473/RS, 4ª Turma, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 23/06/2009, DJe 30/06/2009.

Ressalta-se, contudo, que essa alteração abrangeu somente a 4ª Turma (e não todo o tribunal), mantendo-se a posição originária nas demais, como se pode ver em alguns julgados também recentes: AgRg no REsp 1080716/RJ, 1ª Turma, rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 15/10/2009, DJe 21/10/2009; AgRg no Ag 1249450/SP, 2ª Turma, rel. Min. Humberto Martins, j. 16/03/2010, DJe 24/03/2010; AgRg no Ag 1240223/RS, 3ª Turma, rel. Min. Sidnei Beneti, j. 16/03/2010, DJe 06/04/2010.

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Não é a primeira vez (e provavelmente não será a última) que o STJ, ao invés de cumprir sua principal atribuição constitucional de uniformizar a interpretação da legislação federal (art. 105, III), causa insegurança jurídica. Relembra-se que o art. 3º da LC 118/2005, teve três interpretações diferentes em um intervalo de dois anos.

A existência de controvérsia no Judiciário sobre a hermenêutica legal causa a adoção de soluções diferentes em casos concretos similares e, consequentemente, produz insegurança jurídica.

A segurança jurídica é entendida por alguns doutrinadores como inserida no valor segurança, garantia fundamental prevista no caput do art. 5º da Constituição, logo, também é uma cláusula pétrea, ao lado da coisa julgada. Pode ser compreendida como a confiança de que as normas serão cumpridas, e a estabilidade dela decorrente, em virtude da existência de um ordenamento jurídico que define o que é – e o que não é – lícito.

Entendo que a contagem do prazo para pagamento inicia automaticamente com o trânsito em julgado da sentença. Não há justificativa para nova intimação do executado sobre uma decisão da qual já teve conhecimento (espera-se o cumprimento espontâneo e voluntário, e não a procrastinação), e no cumprimento da sentença não há nova citação ou intimação do réu para o pagamento de quantia certa (decorrido o prazo é expedido mandado de penhora e avaliação, e somente depois de lavrado o respectivo auto é que o executado será intimado, por meio de seu advogado, para apresentar impugnação).

Porém, a segurança jurídica deve prevalecer sobre opiniões pessoais, e o STJ não a efetiva em algumas situações, deixando de reafirmar a confiança de que os precedentes serão observados, e a estabilidade dela decorrente.

Essa "loteria" sobre o termo inicial de contagem para a aplicação da multa do art. 475-J permaneceu (por enquanto) até a conclusão do julgamento do REsp 940274/MS pela Corte Especial do STJ, no dia 07 de abril de 2010.

O acórdão foi publicado no Diário de Justiça Eletrônico no dia 31 de maio de 2010, e, por maioria (11 x 2 votos), surpreendentemente prevaleceu o entendimento atual da 4ª Turma, de que o prazo fixado no art. 475-J do CPC começa a ser computado somente a partir da intimação do advogado do devedor (e não automaticamente a partir do trânsito em julgado).

Conforme a ementa do julgado:

"PROCESSUAL CIVIL. LEI N. 11.232, DE 23.12.2005. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA. JUÍZO COMPETENTE. ART. 475-P, INCISO II, E PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. TERMO INICIAL DO PRAZO DE 15 DIAS. INTIMAÇÃO NA PESSOA DO ADVOGADO PELA PUBLICAÇÃO NA IMPRENSA OFICIAL. ART. 475-J DO CPC. MULTA. JUROS COMPENSATÓRIOS. INEXIGIBILIDADE.

1. O cumprimento da sentença não se efetiva de forma automática, ou seja, logo após o trânsito em julgado da decisão. De acordo com o art. 475-J combinado com os arts. 475-B e 614, II, todos do CPC, cabe ao credor o exercício de atos para o regular cumprimento da decisão condenatória, especialmente requerer ao juízo que dê ciência ao devedor sobre o montante apurado, consoante memória de cálculo discriminada e atualizada.

2. Na hipótese em que o trânsito em julgado da sentença condenatória com força de executiva (sentença executiva) ocorrer em sede de instância recursal (STF, STJ, TJ E TRF), após a baixa dos autos à Comarca de origem e a aposição do ‘cumpra-se’ pelo juiz de primeiro grau, o devedor haverá de ser intimado na pessoa do seu advogado, por publicação na imprensa oficial, para efetuar o pagamento no prazo de quinze dias, a partir de quando, caso não o efetue, passará a incidir sobre o montante da condenação, a multa de 10% (dez por cento) prevista no art. 475-J, caput, do Código de Processo Civil. (...)" (REsp 940274/MS, Corte Especial, rel. p/ acórdão Min. João Otávio de Noronha, j. 07/04/2010, DJe 31/05/2010).

Extrai-se do voto do relator que "(...) concedida a oportunidade para o adimplemento voluntário do crédito exequendo, o não pagamento no prazo de quinze dias importará na incidência de multa no percentual de dez por cento sobre o montante da condenação (art. 475-J do CPC), compreendendo-se o termo inicial do referido prazo o primeiro dia útil seguinte à data da publicação de intimação do devedor na pessoa de seu advogado, na Imprensa Oficial".

Logo, apesar de cinco Turmas do STJ julgarem até então de modo contrário, na Corte Especial os Ministros decidiram (de forma quase unânime) que o cumprimento da sentença não é automático após o trânsito em julgado (depende de requerimento do exequente), e o prazo de 15 dias previsto no art. 475-J do CPC tem, como termo inicial, a intimação do advogado do devedor.

Espera-se que essa decisão seja a definitiva do STJ sobre o assunto (ao menos até a próxima alteração legislativa, ou a aprovação do novo CPC), e que as seis Turmas (e as instâncias inferiores) passem a observar esse julgado, para que a segurança jurídica seja respeitada, e pessoas em situações similares sejam tratadas pelo Judiciário de forma semelhante.


Notas

01 Sobre a discussão, ver Capítulo 13 de: CARDOSO, Oscar Valente. Juizados Especiais da Fazenda Pública (Comentários à Lei nº 12.153/2009). São Paulo: Dialética, 2010. Mais especificamente acerca das controvérsias sobre o art. 475-J: CARDOSO, Oscar Valente. Aspectos polêmicos da multa do art. 475-J do CPC: natureza jurídica, termo inicial e execução provisória. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, nº 78, pp. 81-96, set. 2009.

Sobre o autor
Oscar Valente Cardoso

Professor, Doutor em Direito, Diretor Geral da Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul, Coordenador do Comitê Gestor de Proteção de Dados do TRF da 4a Região, Palestrante, Autor de Livros e Artigos, e Juiz Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Oscar Valente. Multa do art. 475-J do CPC e (in)segurança jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2536, 11 jun. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/15004. Acesso em: 18 nov. 2024.

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