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Responsabilidade civil da genitora pelo recebimento indevido dos alimentos gravídicos

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Agenda 07/07/2010 às 12:00

Sumário: Introdução - 1. Noções Gerais sobre a Lei dos Alimentos Gravídicos - 2. Responsabilidade Civil da Genitora - 2.1. Ato ilícito - 2.2. D caracterização dos danos. 2.2.1. Danos Materiais. 2.2.2. Danos Morais - 2.3. Dever de Reparar – Considerações Finais – Referências Bibliográficas


INTRODUÇÃO

Como forma de pôr a salvo o direito dos nascituros, o legislador pátrio editou a Lei nº. 11.804/2008, conhecida como Lei dos Alimentos Gravídicos, que tem como objetivo permitir que as gestantes solteiras e sem condições financeiras para sustentarem uma gravidez digna possam pedir a tutela jurisdicional do Estado, para que o futuro pai da criança seja obrigado a auxiliá-la com os gastos inerentes aos nove meses da gestação.

Entretanto, esta lei não permitiu que fossem realizados exames de DNA para atestar a paternidade do filho indigitado, o que faz com que os juízes, para aplicarem a lei, fixem os alimentos embasados em apenas indícios da paternidade. Este fato faz com que, somente após o nascimento da criança, sejam realizadas as análises laboratoriais para se confirmar quem é o genitor. O problema é que isso pode trazer prejuízos para o indivíduo que é apontado como pai, eis que, se após o exame for descoberto que o pai é outra pessoa, ele terá auxiliado uma gravidez de um filho que não era seu, sofrendo, com isso, danos patrimoniais e morais, o que pode ensejar um dever de responsabilidade da gestante.

Neste sentido, o presente trabalho tem como objetivo fazer uma análise sistemática da responsabilidade civil da gestante que pede alimentos gravídicos para um suposto pai e que logo depois se atesta, através de exames, que a imputação da paternidade foi falsa. Serão discutidas quais condutas podem ser enquadrados como atos ilícitos, ou seja, se existe ato culposo ou doloso e se deles realmente decorrem lesão aos direitos de outrem com o consequente dever de indenizar.


1. NOÇÕES GERAIS SOBRE A LEI DOS ALIMENTOS GRAVÍDICOS

Com o advento do Código Civil de 2002, pela primeira vez no ordenamento jurídico pátrio, uma legislação defendeu explicitamente o direito dos nascituros, ou seja, daqueles que ainda não nasceram, mas têm a expectativa para tal. Neste sentido, disciplina o artigo 2º do Código Civil, in verbis:

Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

O legislador foi firme em dar guarida aos nascituros, porém, por outro lado, foi inerte quanto aos direitos que lhes foram garantidos, fazendo-se com que, a partir daí, surgissem discussões na doutrina e na jurisprudência a respeito da extensão dos direitos concedidos.

Na seara do Direito de Família, a principal controvérsia era quanto à fixação de pensão alimentícia para os nascituros, que, no caso, enquanto não nascessem, teriam que ser destinados às genitoras, que deveriam utilizá-las para suprir as diversas necessidades resultantes durante os nove meses de gravidez. A permissão ou não dos alimentos aos nascituros sempre foi muito debatido pelos juristas, havendo civilistas de peso defendendo a sua concessão, nomes como Caio Mário e também Pontes de Miranda que, ainda no antigo Código de 1916, já defendia o instituto, verbis:

A obrigação alimentar pode começar antes de nascer, pois existem despesas que tecnicamente se destinam à proteção do concebido e o direito seria inferior se acaso recusasse atendimento a tais relações inter-humanas, solidamente fundadas em exigências da pediatria. [01]

Contudo, em que pese a grandeza dos seus defensores, a jurisprudência não era uníssona quanto à concessão de alimentos aos nascituros. Isto trazia muita insegurança jurídica, pois algumas genitoras conseguiam e outras não.

Deste modo, para acabar com a confusão instaurada, foi editada a Lei nº. 11.804/2008, que veio para consagrar o direito de alimentos da mulher gestante, permitindo-a, segundo o artigo 2º, receber os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de prenhez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes à alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.

Como se vê, houve uma inovação jurídica, possibilitando-se a concessão de alimentos antes mesmo de o filho nascer, o que fez que esta norma recebesse a denominação de "Lei dos Alimentos Gravídicos" e fosse muito elogiada pela doutrina especializada, principalmente pela Professora Maria Berenice Dias [02], que entende que "em muito boa hora é preenchida uma lacuna injustificável, vindo referendar a moderna concepção das relações parentais que, cada vez com um colorido mais intenso, busca resgatar a responsabilidade paterna".

É inegável a importância desta lei, como bem comenta Douglas Philips Freitas, verbis:

Os alimentos gravídicos, sem dúvida, permitirão melhor tutela às mulheres em gestação e à futura prole que, para seu nascimento com saúde, tanto precisa do suporte financeiro do pai e de outros parentes, no caso de impossibilidade daquele não há óbice na ampliação do instituto já que este se vale, subsidiariamente das regras da pensão de alimentos. [03]

Contudo, apesar das inovações trazidas, a Lei dos Alimentos Gravídicos tem alguns dispositivos controversos, principalmente o que proibiu que o pai requisitasse o exame pericial para atestar a paternidade. O juiz não pode impor a realização de exame de DNA por meio da coleta de líquido amniótico, porque isto pode colocar em risco a vida da criança, além de procrastinar o andamento processual [04].

A partir daí ficou estabelecido que o juiz pode fixar os alimentos sempre que tiver convicção de que estão presentes os indícios da paternidade. A genitora não precisa trazer aos autos nenhuma prova cabal de que o sujeito é o pai da criança. Ela necessita apenas anexar fatos conhecidos, a partir dos quais se possa extrair que havia uma relação afetiva e de que provavelmente ele será o pai. De acordo com Flávio Monteiro de Barros, inúmeros são as possibilidades de se demonstrarem os indícios, tais como, verbis:

(...) cartas ou e-mails em que o suposto pai admite a paternidade, comprovação de hospedagem do casal em hotel ou pousada no período da concepção, inseminação artificial consentida, fotografias que comprovem o relacionamento amoroso no período da concepção etc. Se, porém, a autora não juntar, com a petição inicial, indícios consubstanciados em papel, o magistrado, para apreciar a liminar, não terá outro caminho senão a designação de audiência de justificação, onde poderá ouvir as partes e testemunhas arroladas, requisitando, se o caso, documentos que estejam em poder de terceiros. [05]

Não há, portanto, uma exigência de certeza, apenas de presunção relativa, que tem como principal característica a possibilidade de ser revertida através de outra prova em contrário, o que no caso dos alimentos gravídicos, podem trazer sérias consequências, eis que se o juiz fixar os alimentos e somente com o nascimento se constar que o devedor não era o pai, haverá prejuízos patrimoniais e extrapatrimoniais para o "pai que não era pai". Este fato poderá ensejar o dever de reparar da genitora que, sabendo que outro homem pode ser o pai da criança, preferiu ir a juízo contra outro. O pedido de alimentos ao indivíduo errado certamente causa prejuízos irreversíveis, pois, como se sabe, os alimentos são irrepetíveis. Haverá então um conflito de direitos, de um lado a dignidade e vida do nascituro e do outro a propriedade do devedor que foi indevidamente diminuída.


2. RESPONSABILIDADE CIVIL DA GENITORA

Como já esposado, a concessão dos alimentos gravídicos é embasada apenas em indícios, que, após o parto, podem ser refutados com o exame de DNA e a definição de quem é realmente o pai da criança. Caso seja atestado que o genitor não é aquele que estava provendo os alimentos do nascituro, surgirá a situação daquele que pagou indevidamente pelo nascimento do filho de outro.

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Pensando na possibilidade disso vir a ocorrer, o legislador disciplinou no artigo 10 da Lei dos Alimentos Gravídicos que, em caso de resultado negativo do exame pericial de paternidade, o autor da ação responderá, objetivamente pelos danos materiais e morais causados ao réu.

A introdução deste artigo gerou muita discussão, principalmente porque iria permitir que toda e qualquer genitora tivesse que indenizar o pai errado. Ora se a mãe já não tem dinheiro para sustentar a gravidez, imagine pagar pelo que recebeu e gastou na concepção da criança.

Ademais, o direito de ação é abstrato, o litigante pode ou não sair vitorioso. Mesmo que os pedidos sejam julgados improcedentes, não haverá dever de restituição, pois uma das características dos alimentos é que eles são irrestituíveis, ou seja, o devedor não poderá recobrar o que pagou indevidamente, já que tudo foi revertido na sobrevivência do credor.

Depois de muitos debates, o executivo resolveu retirar este artigo, preconizando nas razões do veto que "o dispositivo pressupõe que o simples exercício do direito de ação pode causar dano a terceiros, impondo ao autor o dever de indenizar, independentemente da existência de culpa, medida que atenta contra o livre exercício do direito de ação."

Entretanto, o veto a este dispositivo não significou a isenção completa das genitoras, apenas impediu-se que ocorresse a responsabilidade objetiva, o que tornaria sem eficácia o instituto dos alimentos gravídicos. Na dúvida, as mulheres iriam preferir não entrar com o pedido.

Perdura ainda, consoante lembra Sílvio Venosa, "nos casos patológicos, com pagamentos feitos com evidente erro quanto a pessoa, é evidente que o solvens terá direito a restituição" [06]. Este direito de restituição será feito através da responsabilidade civil subjetiva que está consagrada no artigo 186 e 927 do Código Civil, em que, necessariamente, deverá ser perquirida a existência do ilícito doloso ou culposo, do dano e do nexo de causalidade.

Esta mesma linha de raciocínio é seguida pela Natália Pimenta, que também entende que subsiste a responsabilidade subjetiva, verbis:

Não ficará desamparado aquele que for demandado em uma ação de alimentos gravídicos, no caso de não ser ele o pai, estando amparado pelo direito à reparação de danos morais e materiais com embasamento na regra geral da responsabilidade civil. [07]

Afastada a reparação independentemente de culpa, resta, então, analisar quais as condutas das genitoras podem ser considerados como ilícitos civis que, se causarem danos, ensejarão o dever de indenizar.

2.1. Direito de ação x ato ilícito

A Constituição Federal de 1988 consagra o princípio da Inafastabilidade do Poder Judiciário com o inciso XXXV do artigo 5º, onde está disposto que nenhuma lesão ou ameaça a lesão ficará excluída da apreciação do poder judiciário. Neste princípio está contido o direito de ação, que possui como características principais ser autônomo e abstrato.

A autonomia, segundo Humberto Teodoro Jr [08], "é o fato de que a ação é um direito subjetivo que não se vincula ao direito material discutido em juízo e a abstração é que o direito de ação é independente da existência ou inexistência do direito substancial que se pretende fazer reconhecido e executado." Resumindo, o direito de ação é autônomo porque não está ligado ao direito material e é abstrato porque o autor pode ingressar em juízo sem ficar vinculado ao resultado do litígio.

A partir dessas considerações preliminares, vê-se que, sempre que a gestante for abandonada pelo futuro genitor da criança, a mesma, se não tiver condições financeiras de sustentar a gravidez ou caso precise de ajuda posterior, estará diante de uma lesão ou ameaça de lesão aos direitos do nascituro.

Diante deste quadro, ela poderá, com fulcro na lei dos alimentos gravídicos, buscar a tutela jurisdicional para que o responsável pela prenhez fique obrigado a auxiliá-la na concepção da criança. Está em jogo à dignidade e a sobrevivência do nascituro, por isso a Constituição dá guarida para as pretensões da genitora.

Quando a futura mãe procura o Poder Judiciário, convencendo-se o juiz da paternidade, os alimentos já são imediatamente devidos, o que pode causar problemas futuros. Como já analisado, se após o nascimento se constatar que o filho não é do devedor, a mãe terá cometido um ilícito civil?

Esta pergunta tem duas respostas, ela pode ser afirmativa ou negativa. Para saber qual das duas será aplicada é preciso analisar o estado anímico da genitora, ou seja, se houve uma atuação dolosa ou culposa. O dolo é a vontade consciente e deliberada de praticar determinado ato para prejudicar alguém. A culpa é à vontade inconsciente advinda da inobservância de certas regras, pela qual o indivíduo lesa a outrem sem ter o propósito para tal.

Inicialmente, faz-se a análise da conduta com culpa em sentido estrito. É impossível configurar a conduta da mãe como negligente ou imprudente, pois como observa Flávio Monteiro [09], "se a autora tinha motivos para desconfiar que o réu fosse o pai do nascituro, à medida que manteve relações sexuais com ele no período da concepção, não há falar-se em ato ilícito." Na verdade ocorre o exercício regular do direito de ação, que, conforme o inciso I [10] do art.188 do Código Civil, não constitui um ato ilícito e afasta qualquer dever de reparação, mesmo que existam possíveis danos. Nesse sentido, manifesta-se Cezar Roberto Bitencourt, verbis:

O exercício regular de um direito, desde que regular, não pode ser, ao mesmo tempo, proibido pelo direito. Regular será o exercício que se contiver nos limites objetivos e subjetivos, formais e materiais impostos pelos próprios fins do Direito. Fora desses limites, haverá o abuso de direito e estará, portanto, excluída essa causa de justificação. O exercício regular de um direito jamais poderá ser antijurídico. [11]

Por outro lado, se a gestante postula em juízo os alimentos gravídicos contra um réu com quem manteve relações, mas tendo a certeza de que ele não é o pai da criança, somente para conseguir alguém que sustenta a sua gravidez, haverá um uso indevido do direito de ação, que se consubstanciará em um abuso de direito e, consecutivamente, será um ato ilícito.

Se a mulher manteve relações sexuais com diversos homens, ela deve ter o devido cuidado antes de ingressar com a ação de alimentos gravídicos. Não pode figurar no polo passivo o homem que se relacionou com ela após a constatação da gravidez, pois se assim agir, estará obrigando alguém indevidamente.

O uso dará lugar ao abuso do direito de ação, violando-se os limites subjetivos da lei dos alimentos gravídicos. Ademais, comete-se um ilícito processual, havendo a litigância de má-fé e ocasionando a movimentação do poder judiciário para conseguir fins ilegítimos.

Assim, as genitoras que ingressam em juízo com dolo praticam ilícitos caracterizados em abuso de direito que, de acordo o artigo 187 [12] do Código Civil, consiste em uma conduta que exceda manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos costumes.

Da leitura do texto legal, conclui-se que o Abuso de Direito está alicerçado no critério finalístico [13] defendido por Louis Josserand em sua obra "De l’esprit dês droits", verbis:

Haverá abuso do direito quando o seu titular o utiliza em desacordo com a finalidade social para a qual os direitos subjetivos foram concedidos, pois, os direitos foram conferidos ao homem para serem usados de uma forma que se acomode ao interesse coletivo, obedecendo à sua finalidade, segundo o espírito da instituição. [14]

Com fundamento no posicionamento de Josserand, entende Sílvio Rodrigues, verbis:

O abuso de direito ocorre quando o agente, atuando dentro das prerrogativas que o ordenamento jurídico lhe concede, deixa de considerar a finalidade social do direito subjetivo e, ao utilizá-lo desconsideradamente, causa dano a outrem. Aquele que exorbita no exercício do seu direito causando prejuízo a outrem, pratica ato ilícito, ficando obrigado a reparar. Ele não viola os limites objetivos da lei, mas, embora os obedeça, desvia-se dos fins sociais a que esta se destina, do espírito que norteia. [15] (grifos inexistentes no original)

A finalidade social da lei dos alimentos gravídicos é proteger a mulher que realmente necessita de cuidados e não tem condições para tal, obrigando-se que o suposto pai a ajude nos custos da gravidez. Se um filho somente pode ser gerado por duas pessoas, que as duas pessoas sejam responsáveis por arcar com os gastos do estado de prenhez.

Ao revés, as ações dolosas das mães são diametralmente opostas a qualquer função social, já que elas buscam, através da pura má-fé, conseguirem que outras pessoas, que não serão os futuros pais, fiquem obrigadas a custear a gestação, simplesmente, para prejudicá-los parente o seu meio social e também para haver a diminuição patrimonial, enquanto permite a isenção do verdadeiro pai.

A mãe que comete abuso do direito de ação, pratica o ato ilícito. Neste sentido, ensina Douglas Philips, verbis:

Além da má-fé (multa por litigância ímproba), pode a autora (gestante) ser também condenada por danos materiais e/ou morais se provado que ao invés de apenas exercitar regularmente seu direito, esta sabia que o suposto pai realmente não o era, mas se valeu do instituto para lograr um auxílio financeiro de terceiro inocente. Isto, sem dúvidas, se ocorrer, é abuso de direito (art. 187 do CC), que nada mais é, senão, o exercício irregular de um direito, que, por força do próprio artigo e do art. 927 do CC, equipara-se ao ato ilícito e torna-se fundamento para a responsabilidade civil.

Desta feita, imperando-se a má-fé, a mentira, a ocultação da verdade, haverá um ato ilícito. A gestante enganou até o próprio Poder Judiciário para conseguir fins ilícitos, abusou do direito de ação, o que demonstra a sua índole e a configuração do ato ilícito. Os interesses individuais e ilegítimos se sobrepuseram a dignidade da sobrevivência do nascituro e do suposto pai, o que configura uma ilicitude.

2.2. Da caracterização dos danos

Restando inconcussa a possibilidade do cometimento de um ato ilícito pela gestante, resta perquirir sobre os outros requisitos necessários para a existência do dever de reparar, que são os danos e o nexo de causalidade. No caso, a seguir serão estudados quais os danos mais frequentes que podem advir do ilícito praticado pela genitora.

2.2.1. Danos materiais

Os danos patrimoniais são de fácil identificação, possuem a natureza de emergente e estão ligados ao que o suposto pai despendeu para o sustento da genitora durante toda a gravidez até a descoberta da falsa paternidade. É só pegar os valores que o juiz arbitrou e multiplicar pela quantidade de meses em que eles foram pagos.

Não há muito que se discutir quanto a estes danos. A sua certeza e liquidez derivam da própria ação de alimentos gravídicos, pois o que o réu foi obrigado a pagar é o referente aos seus prejuízos por ter sido enganado pela futura mãe.

2.2.2. Danos morais

Os danos morais, ou extrapatriomoniais, também são facilmente identificados. Ora, o indivíduo que é condenado judicialmente a pagar alimentos a um filho que não é seu tem o seu âmago mais profundo afetado. A sua honra objetiva e subjetiva ficam manchadas.

A descoberta de que não é o pai de uma criança não é um mero dissabor ou um simples aborrecimento, na verdade, o indivíduo é consternado moralmente, tendo a sua honra violada.

Quanto à honra subjetiva é óbvio que houve uma violação. O individuo passou diversos meses criando a expectativa de ser pai, para depois do nascimento da criança descobrir que o genitor é outro. Isso causa um abalo enorme, sem contar, ainda, que o sujeito teve inúmeros gastos com a gestação. Às vezes, inclusive, privando-se financeiramente para suprir as necessidades do nascituro que, mais tarde, mostrou-se não ser seu filho. Certamente, isto lhe ocasionou a dor, o desconforto, a intranquilidade e o pior, o rompimento do seu equilíbrio psicológico.

No tocante aos danos à honra objetiva, ou externa, é que não há dúvidas. Todo o meio social do suposto pai fica sabendo que ele teve que pagar pelo nascimento do filho dos outros, sendo conhecido como o pai que não é mais pai. É sabido por todos que a sociedade às vezes fala demais, e em casos como estes é que a repercussão é grande. Pela rua, o indivíduo ficará conhecido inclusive por apelidos pejorativos e que atacam a honra objetiva. Ademais, se o individuo for casado, um filho fora do casamento fará com que sua honra perante a sua esposa e seus filhos legítimos fique destruída. Por conta de uma aventura judicial de uma mãe irresponsável, um seio familiar pode ficar arruinado e mais nunca ter as suas estruturas refeitas.

Como bem ensina Fernando Simas Filho, são evidentes os danos morais, verbis:

...a comunicação enviada pelo juiz ao suposto pai é pública e, só por esse fato, coloca o destinatário em má posição. Considerem-se que se for homem casado, sua família logo inquirirá a respeito do que, seu pai ou esposo, andou fazendo para ser chamado pelo juiz. Se for solteiro empregado ou funcionário, e recebe uma comunicação no emprego, poderá haver suspeitas provenientes de companheiros de trabalho e até do chefe. Notem bem que há a possibilidade de o destinatário não ser o pai da criança, contudo, a suspeita, por parte de familiares e colegas de trabalho, permanecerá. [16]

Por fim, o nexo causal é flagrante, uma vez que, os danos materiais e morais, foram causados única e exclusivamente pela conduta de má-fé da genitora que ingressou em juízo contra o sujeito errado somente para causar-lhe prejuízos, abusando-se do direito de ação.

2.3. Dever de Indenizar

Presentes os três pressupostos da responsabilidade civil, quais sejam: Conduta Dolosa emanada do abuso de direito de ação; Danos Materiais ou Morais e o nexo de causalidade entre a ação e os prejuízos, restará para a gestante o dever de indenizar o suposto pai. Entretanto, como a lei de alimentos gravídicos é recente, os tribunais pátrios ainda não apreciaram questões relativas ao fato. Porém, em casos análogos e anteriores à lei, as mães que enganaram os homens sobre a real paternidade da criança foram condenadas a indenizar pelos prejuízos morais, verbis:

Apelação - Indenização por danos morais sem decorrência de imputação de falsa paternidade - Pelo exame do conjunto probatório, evidencia-se que a ré não agiu corretamente no que se refere à atribuição da paternidade ao autor, posto que, após a separação de fato do casal, não nega que teve relações sexuais com outro homem e, portanto, no mínimo, existia dúvida - Inegavelmente, todos esses acontecimentos, notadamente ter seu nome lançado como pai de uma criança que não era sua, filha de outro homem desconhecido e demais fatos ocorridos (ajuizamento de ação de alimentos, com o pagamento de elevado montante, anotação de seu nome como avô, conhecimento do fato por seus amigos no clube), causaram extremo sofrimento, constrangimentos e tristeza ao apelante - O dano moral não pode ser recomposto, já que é imensurável em termos de equivalência econômica - A indenização a ser concedida é apenas uma justa e necessária reparação em pecúnia, como forma de atenuar o padecimento sofrido - Atento a estes requisitos, por equidade, entende-se que o montante arbitrado não é compatível, devendo ser elevado para cem salários mínimos, a fim de proporcionar satisfação ao ofendido em razão do abalo sofrido e para que a apelada tenha consciência da sua conduta ilícita - Apelação parcialmente provida e recurso adesivo desprovido.

(TJ/SP – Apelação Cível 2051294/8-00)

ACAO DE INDENIZACAO FALSA DECLARACAO DE PATERNIDADE EXAME DE D.N.A. DANO MORAL Civil. Processual Civil. Lide indenizatória na esfera moral, proposta por ex-companheiro em face da ex-companheira, acusando-a de tê-lo convencido da paternidade sobre filho que ela gerou, mas falsamente; tanto que foi afastada, pelo exame científico DNA. Sentença de procedência, fixando a pecúnia do reparo em R$ 15.000,00. Apelação apenas do pólo passivo. Provas orais e documentais, no conjunto, que positivam a união marital entre as partes, antes um "namoro profundo", mas este logo em seguida ao da ora recorrente com outro homem, em provável tangenciamento. Certeza a que foi levado o recorrido, pela genitora do infante, desde o início da gravidez, de ser ele o pai; a qual se irradiou aos familiares e amigos de ambos; quando a ré, pelo circunstanciado, deveria ter dúvida sobre a dita paternidade; cuja incerteza, em tese, remonta aos antigos tempos de Roma. Evolução do ordenamento pátrio, e comparado, na exegese, exsurgida das grandes mudanças nos costumes, e nas relações de família e afeto, que tem havido nas últimas décadas, de modo a reconhecer o amor como sujeito a volatilidades existenciais, mas, por outro tanto, a reputar indenizável, na esfera em berlinda, a conduta de um parceiro que, de per si, cause ao outro quadro de humilhação e constrangimento, em lesão ao direito de personalidade; como o verificado na espécie. Ensino doutrinário, aqui colacionado, do mestre gaúcho Vitor Ugo Oltramari. Verba decretada, proporcional e razoável. Correção monetária por acertado, do julgado para diante, por indexador oficial. Juros de mora, em 1% ao mês, também desse tempo, por equívoco, pois o certo seria a partir da citação, em não podendo a Câmara alterar, pela conformidade autoral. Sucumbência estatuída por irretocável. Sentença que se mantém. Recurso que se desprovê.

(TJ/RJ - 0008616-49.2006.8.19.0001 (2006.001.65591) – APELACAO DES. LUIZ FELIPE HADDAD - Julgamento: 13/03/2007 - TERCEIRA CAMARA CIVEL)

Nas ações anteriores à lei, os magistrados somente condenavam as mães se elas praticassem condutas dolosas, para os tribunais, quando uma gestante estivesse na dúvida e na boa-fé imputasse a paternidade ao homem com que por último manteve relações, não haveria responsabilidade civil, mas apenas o exercício regular do direito, verbis:

RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO. FALSA IMPUTAÇÃO DE PATERNIDADE. AUSÊNCIA DE PROVA CONCLUSIVA DE MÁ-FÉ. REAL POSSIBILIDADE DE PATERNIDADE ADMITIDA. INDENIZAÇÃO IMPROCEDENTE. APELAÇÃO DESPROVIDA.

(TJ/RS – Apelação Cível nº. 70005777818 – Rel. Dra. Marilene Bonzanini Bernardi - DJ 28/10/2003)

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. INFIDELIDADE. FALSA ATRIBUIÇÃO DE PATERNIDADE. ausência de provas quanto ao intuito deliberado de ofender e de prévia ciência quanto à paternidade. Não se evidenciou atitude de má-fé da demandada que, aliás, ao tempo da concepção, relacionava-se sexualmente também com o autor, o que poderia gerar dúvida sobre a paternidade.O comportamento leviano com relação à fidelidade, de outro lado, em que pese a inconformidade, não serve de abrigo à pretensão indenizatória por dano moral, em que pese não se olvide o sofrimento sempre presente em rompimentos amorosos.Mesmo que definida a responsabilidade preponderante de um dos parceiros pela extinção da união, o desencanto e o sofrimento do outro, via de regra, não são indenizáveis. E assim ocorre porque a união é livre, sendo absolutamente voluntária para os parceiros, ainda que um se pretenda, depois, induzido em erro ou vítima de má-fé. Ao encetar a relação, cada um assumiu o risco de ser mal sucedido. Apelação desprovida.

(TJ/RS – Apelação Cível nº. 70020580304 – Rel. Dra. Marilene Bonzanini Bernardi - DJ 28/10/2003)

I - APELO DO AUTOR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – Alegação de prejuízo gerado pela paternidade Imputada ao autor, através de demanda investigatória – Ação Julgada improcedente - Possibilidade – Ausência de demonstração da ocorrência do Salmo de ofensa moral do requerente – Recurso improvido. II - RECURSO ADESIVO. HONORÁRIOS - Majoração - Inadmissibllidade - Arbitramento em consonância com o disposto no artigo 20, g 3°, do Código de Processo Civil - Recurso improvido.

(TJ/SP - APELAÇÃO CÍVEL N° 91.325-4/9 - SÃO JOSÉ DO RIO PRETO -V. 10.554-00)

O Superior Tribunal de Justiça, em caso parecido, também já se reportou pelo dever de indenizar da mãe, verbis:

Um pai que, durante mais de 20 anos, foi enganado sobre a verdadeira paternidade biológica dos dois filhos nascidos durante seu casamento receberá da ex-mulher R$ 200 mil a título de indenização por danos morais, em razão da omissão referida. O caso de omissão de paternidade envolvendo o casal, residente no Rio de Janeiro e separado há mais de 17 anos, chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) em recursos especiais interpostos por ambas as partes. O ex-marido requereu, em síntese, a majoração do valor da indenização com a inclusão da prática do adultério, indenização por dano material pelos prejuízos patrimoniais sofridos e pediu também que o ex-amante e atual marido da sua ex-mulher responda solidariamente pelos danos morais. A ex-mulher queria reduzir o valor da indenização arbitrado em primeiro grau e mantido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Por 3 a 2, a Terceira Turma do STJ, acompanhando o voto da relatora, ministra Nancy Andrighi, rejeitou todos os pedidos formulados pelas partes e manteve o valor da indenização fixado pela Justiça fluminense. Segundo a relatora, o desconhecimento do fato de não ser o pai biológico dos filhos gerados durante o casamento atinge a dignidade e a honra subjetiva do cônjuge, justificando a reparação pelos danos morais suportados. Em seu voto, a ministra Nancy Andrighi destacou que a pretendida indenização por dano moral em decorrência da infidelidade conjugal foi afastada pelo Tribunal de origem ao reconhecer a ocorrência do perdão tácito, uma vez que, segundo os autos, o ex-marido na época da separação inclusive se propôs a pagar alimentos à ex-mulher. Para a ministra, a ex-mulher transgrediu o dever da lealdade e da sinceridade ao omitir do cônjuge, deliberadamente, a verdadeira paternidade biológica dos filhos gerados na constância do casamento, mantendo-o na ignorância. Sobre o pedido de reconhecimento da solidariedade, a ministra sustentou que não há como atribuir responsabilidade solidária ao então amante e atual marido, pois não existem nos autos elementos que demonstrem colaboração culposa ou conduta ilícita que a justifique. Para Nancy Andrighi, até seria possível vislumbrar descumprimento de um dever moral de sinceridade e honestidade, considerando ser fato incontroverso nos autos a amizade entre o ex-marido e o então amante. "Entretanto, a violação de um dever moral não justificaria o reconhecimento da solidariedade prevista no artigo 1.518 do CC/16", ressaltou a ministra. [17]

Portanto, não há dúvidas que o dever de indenizar é justo, uma vez que o pai foi "enrolado" e houve a movimentação do poder judiciário para se conseguir fins ilícitos e prejudicar homens que não eram realmente os pais. A mãe que abusou do seu direito de ação deve ser condenada a restituir todos os valores recebidos durante a gravidez e ainda reparar os danos morais sofridos, pois é extramente difícil não vislumbrar danos patrimoniais de um fato como esse. Dizer a quem era o pai que ele não era mais o pai gera, por mais dúvidas que o indivíduo possa ter durante a gestação, um desgosto profundo que, certamente, viola a honra e a moral, ensejando a responsabilidade civil.

Sobre o autor
Rafael Pontes Vital

Advogado, bacharel em direito pela Universidade Federal da Paraíba e especializando em direito eleitoral pelo Centro Universitário de João Pessoa.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VITAL, Rafael Pontes. Responsabilidade civil da genitora pelo recebimento indevido dos alimentos gravídicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2562, 7 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/16927. Acesso em: 23 dez. 2024.

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