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Conciliar é legal?

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Agenda 24/07/2010 às 11:36

Sumário: 1. Introdução. 2. Importância da conciliação para a pacificação social dos conflitos. 3. Movimentos de conciliação na justiça brasileira. 4. Desvantagens da utilização inadequada ou excessiva da conciliação como meio pacificador dos conflitos. 5. Comportamento das partes e do magistrado na fase de conciliação. 6. Conclusão.


1. INTRODUÇÃO

A partir do movimento de acesso à justiça, observa-se, na atualidade, uma crescente utilização do instituto da conciliação como um dos principais mecanismos redutores de demandas judiciais, hábil a promover não só a prevenção como também a filtragem dos litígios levados ao conhecimento do Poder Judiciário até a última instância.

O movimento de conciliação no Brasil hoje conta com a participação do Poder Judiciário, Advogados públicos e particulares, Ministério Público, Defensorias Públicas e até da própria Administração Pública direta ou indireta de cada ente federativo (União, Estados e Municípios).

O objetivo primordial do presente trabalho é demonstrar, ao lado das melhorias e conquistas alcançadas pelo movimento conciliatório no sistema judicial brasileiro, de que forma são concretizados os princípios e garantias constitucionais do processo, e, por outro lado, como a incorreta utilização da conciliação pode ocasionar a transgressão de direitos fundamentais assegurados aos cidadãos, gerando efeitos indesejáveis na resolução dos conflitos, ora agravando a animosidade existente nas relações sociais, ora postergando o ponto final das controvérsias para um momento futuro.

O objetivo secundário é fazer uma análise crítica das deficiências encontradas pelo Poder Judiciário para o seu devido funcionamento, posicionando a conciliação como uma das principais medidas hábeis a contribuir para a melhoria da prestação jurisdicional.


2. IMPORTÂNCIA DA CONCILIAÇÃO PARA A PACIFICAÇÃO SOCIAL DOS CONFLITOS

Primeiramente, cumpre esclarecer de maneira sucinta qual conceito de conciliação é utilizado como referência ao longo do presente estudo.

A palavra conciliação, em sua acepção gramatical, refere-se ao ato ou efeito de conciliar; ajuste, acordo ou harmonização de duas pessoas em litígio.

No estudo da conciliação, apresenta-se mais adequado tomar-se como paradigma a definição de lide concebida por CARNELUTTI, segundo o qual o litígio surgiria a partir de um conflito de interesses qualificado pela pretensão de um dos interessados e pela resistência do outro.

Este conceito mais amplo de lide revela maior proximidade com o instituto da conciliação, pois no momento em que a solução do litígio partir de um consenso entre as vontades das partes envolvidas, dispensando a interferência de um terceiro no mérito da discussão, resta evidente a inadequação da definição restritiva da lide, tal como concebida por CALAMANDREI – que, ao conceituá-la, ao lado da resistência à pretensão, incorporava também em sua acepção uma limitação objetiva ao autorizar tão-somente a resolução das questões e pedidos formulados previamente ao magistrado na petição inicial.

Quando a composição da lide entra na fase de conciliação, atribui-se às partes uma maior liberdade de discussão, sendo lícito e possível que os interessados obtenham uma solução alternativa ao problema, diversa do pedido inicialmente formulado, ou que até venha a extrapolar os seus limites, abrangendo questões não ventiladas previamente na inicial, pois a idéia da negociação entre particulares requer uma maior confiança entre os litigantes, sem que se imponham alguns limites formais próprios do processo quando a resolução da lide é submetida ao conhecimento do Poder Judiciário.

Ao lado da liberdade de negociação na fase de conciliação, há que se ressaltar outra importante vantagem do sistema conciliatório: mesmo que as partes não consigam superar eventuais dúvidas quanto à titularidade ou extensão do direito posto em discussão, quando tentam chegar a uma solução negociada, vêem-se livres das limitações processuais e dos riscos de se submeterem a uma decisão proferida por um terceiro imparcial.

Significa dizer que, além de na fase de conciliação ser possível às partes estender um pouco mais a discussão sobre questões novas ou, que, mesmo relacionadas ao objeto litigioso, não tenham sido alegadas em momento oportuno (ampliação objetiva do objeto litigioso) também será viável a ponderação dos valores e dos direitos envolvidos dentro da esfera de risco pessoal de cada interessado, já se tendo um prévio conhecimento das limitações de cada envolvido para a satisfação da pretensão supostamente resistida.

Isto possibilita com maior presteza que as partes cheguem a interessantes conclusões que não poderiam ser extraídas de um julgamento completamente impessoal e imparcial proferido por um terceiro dotado de conhecimentos exclusivamente técnicos, sem qualquer envolvimento com a situação fática que deu origem ao conflito instaurado.

A exemplo disto, citem-se casos em que as partes, ao tentarem estabelecer uma negociação, expondo suas pretensões e suas posições acerca de determinada relação estabelecida, chegam à conclusão de que, de fato, não houve nenhuma violação de direitos ou deveres, e sim uma mera falha de comunicação, ou até o adimplemento voluntário de uma obrigação que até então era desconhecido por um dos interessados por razões completamente justificáveis.

Evidentemente, se as partes não conseguirem chegar a um consenso na fase conciliatória, a decisão judicial revelar-se-á imprescindível para a pacificação do conflito e para a estabilização da situação de cada indivíduo, conferindo-se àquela questão a correspondente segurança jurídica. Mas para que tal premissa seja realmente verdadeira, importante se faz oportunizar devidamente às partes um momento para discussão, com o objetivo de se extrair um acordo de vontades, ou ao menos, um melhor esclarecimento do conflito.

Por meio de uma conciliação adequadamente conduzida, os litigantes podem chegar a uma solução mais satisfatória e muito mais célere, em comparação à decisão judicial obtida após regular tramitação processual.

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Segundo COMOGLIO, "os meios alternativos de tutela são capazes de promover a solução dos litígios de forma mais célere, econômica e simplificada, evitando-se e prevenindo a utilização da via judicial, que, ao contrário, tem se revelado dispendiosa, complexa e morosa". [01]

A solução obtida judicialmente revela-se plenamente eficaz e satisfatória às partes nos casos em que o mecanismo conciliatório revelar-se inútil ou frustrado. O Poder Judiciário deve ser acionado somente em último caso, pois, sabidamente, as decisões judiciais, por melhor que sejam, não estão livres de limitações e riscos que as tornam, em grande parte dos casos, ineficazes ou insatisfatórias.

A obtenção de uma solução judicial que não seja plenamente satisfatória ora decorrerá da limitação processual dos limites processuais impostos às demandas judiciais (ex.: preclusão, prescrição, decadência, ausência de indícios de prova material etc), ora decorrerá do grau de imprevisibilidade e aleatoriedade das decisões dos magistrados, típicas de provimentos decorrentes de análises concretas (daí a necessidade de se excepcionar desta regra as questões judiciais que versem exclusivamente sobre matéria de direito).

A impossibilidade de padronização das decisões decorre da particularidade de cada caso concreto que é submetido à apreciação judicial, e também das diferenças culturais, técnicas e ideológicas de cada julgador.

Com isto conclui-se que as partes que estabelecem uma relação jurídica entre si possuem, em relação ao magistrado, larga vantagem e maiores condições de formarem uma decisão mais adequada às suas necessidades e limitações pessoais, uma vez que os interessados detêm naturalmente maior conhecimento da causa, do momento em que se estabeleceu o conflito, e das condições de cumprimento das obrigações pactuadas, dentro do espaço e do tempo.

Além disso, na atualidade, o Poder Judiciário não tem tido ao seu alcance condições operacionais adequadas para dar conta de todas as demandas judiciais levadas ao seu conhecimento. O despreparo da máquina judiciária para o volume de demandas é notório (aspecto quantitativo) mas também a falta de treinamento dos profissionais que atendem ao Poder Judiciário compromete a qualidade dos serviços prestados e, conseqüentemente, das decisões finais (aspecto qualitativo).

Em verdade, o magistrado não dispõe de tempo suficiente para analisar exaustivamente cada litígio. Logo, além de ter que fazer um julgamento distanciado da realidade das partes envolvidas, o juiz encontra outras dificuldades para emitir sua decisão, já que não pode contar com condições ideais e instrumentos adequados ao exercício de sua atividade jurisdicional.

Por isto, defende-se neste trabalho, como em muitos outros, que a resolução de conflitos perante o Poder Judiciário deve ser considerada somente em último caso, pois, quando frustrada a negociação entre os particulares, não há tanto o que se perder com os riscos e limitações processuais inerentes ao exercício da função jurisdicional, situação em que a decisão judicial terá maior probabilidade de êxito e satisfatoriedade.

Ao lado da conveniência da conciliação como melhor instrumento para a pacificação dos conflitos, ressalta-se a sua utilidade como mecanismo de filtragem das demandas que realmente merecem a tutela jurisdicional.

A partir da redução das demandas judiciais, seja por utilização da conciliação, seja pela filtragem dos conflitos mediante a utilização de outros meios alternativos, como a mediação e a arbitragem, o problema da falta de infra-estrutura e de organização do Poder Judiciário seria em grande parte minimizado, o que tornaria a atividade dos magistrados menos árdua.

Conseqüentemente, seria otimizado o tempo disponível para que o julgador conheça exaustivamente as lides, bem como para que atualize seus conhecimentos técnicos, pois diante do quadro atual, é impossível ao magistrado manter em dia seus estudos quando gasta praticamente todo o seu tempo trabalhando.

Assim, de forma reflexa, a filtragem das demandas judiciais por meio da conciliação (ao lado de outros mecanismos alternativos de pacificação e de outras inovações processuais tendentes a propiciar maior celeridade aos procedimentos judiciais) abre a possibilidade ao magistrado de proferir decisões mais próximas da realidade dos fatos e das provas carreadas nos autos, em total conformidade com as inúmeras alterações legislativas e jurisprudenciais que ocorrem com tanta freqüência em nosso ordenamento jurídico.


3. MOVIMENTOS DE CONCILIAÇÃO NA JUSTIÇA BRASILEIRA

A conciliação no ordenamento jurídico brasileiro foi incorporada pela primeira vez nas Ordenações Manuelinas, de 1514 e Ordenações Filipinas, de 1603. Assim, já previa a Constituição Imperial a conciliação como condição prévia de procedibilidade, ao estabelecer no art. 161, parágrafo primeiro, que "sem se fazer constar que se tem intentado o meio da reconciliação não se começará processo algum". [02]

Com o advento do Código de Processo Civil de 1939, observa-se um enfraquecimento do instituto da conciliação, sem que houvesse previsão específica quanto à sua utilização na legislação processual vigente. No entanto, anos depois, com a edição da Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943, a conciliação passou a ser prevista expressamente na audiência preliminar na Justiça Trabalhista.

A partir do Código de Processo Civil de 1973, a conciliação novamente foi incorporada ao sistema processual brasileiro como medida necessária à contenção de problemas estruturais e procedimentais encontrados no funcionamento do Poder Judiciário, tais como "sobrecarga dos tribunais; complexidade da estrutura da Justiça Comum, pouco ou nenhum acesso do povo à Justiça; despesas altas com os processos; solução rápida para os litígios; decisões são mais bem aceitas; alternativa de pacificação social". [03]

Em 7 de novembro de 1984, a Lei nº 7.244 passou a dispor sobre a criação e o funcionamento dos Juizados de Pequenas Causas, trazendo no art. 2º previsão expressa do instituto da conciliação como um dos critérios norteadores do processo [04].

O movimento de conciliação no Brasil se intensificou a partir da promulgação da Constituição da República de 5 de outubro de 1988 [05], que firmou em sede constitucional as suas bases por meio dos arts. 98, I (criação dos Juizados Especiais); 111, III e 112 a 116 (previsão das Juntas de Conciliação e Julgamento) [06]. A partir de então, surgiram várias leis infraconstitucionais regulamentando a conciliação.

A exemplo disto, pode-se citar a Lei n° 8.952/95, que inseriu no Código de Processo Civil brasileiro o art. 331, que prevê a fase de audiência de conciliação prévia; a Lei 9.099/95, que, ao criar os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, reproduziu em seu art. 2º a conciliação (sugestão: a menção à conciliação) da mesma forma que anteriormente prevista na Lei nº 7.244/84; a Lei nº 9.307/96, que instituiu e regulamentou o instituto da arbitragem – outro importante meio alternativo de pacificação dos conflitos; a Lei Complementar nº 59/2001, que contemplou a criação e organização dos Juízes de Paz; e, por fim, a Lei nº 10.259/2001, que, ao instituir os Juizados Especiais Federais, trouxe no art. 3º regra expressa sobre a competência dos juízos para processar e conciliar causas submetidas à alçada da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos.

Acompanhando as alterações legislativas, no plano interno, surgiram várias Resoluções do Poder Judiciário regulamentando e fomentando o movimento de conciliação em várias regiões do país.

Em 23 de agosto de 2006 teve início o Movimento pela Conciliação, por meio de uma parceria estabelecida entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e vários órgãos do Poder Judiciário, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), e representantes da Advocacia pública (Procuradorias Municipais, Estaduais e Advocacia Geral da União).

O slogan do Movimento pela Conciliação – "Conciliar é Legal" – que serve como título do presente artigo, sugere a vinculação do instituto com as alterações legislativas e, a o mesmo tempo, a utilidade e os benefícios advindos de sua utilização.

Como já asseverado por WATANABE, um dos principais obstáculos à adoção da conciliação como forma de pacificação dos conflitos está na chamada "cultura da sentença" [07], problema que também se observa em toda e qualquer utilização dos meios alternativos de pacificação dos conflitos.

De fato, evidencia-se no ordenamento jurídico brasileiro uma premente necessidade de formação acadêmica e profissional voltada para a utilização dos meios alternativos, deficiência esta que vem sendo gradualmente superada por meio de cursos de especialização oferecidos por Escolas de Formação de Magistrados, Associações de Advogados públicos e particulares, e por cursos de Graduação e Pós-graduação nas grandes Universidades, em todo o país.

A partir de 2007, o Movimento de Conciliação "Conciliar é Legal" começou a produzir efeitos concretos, com a instalação de Gabinetes de Conciliação em vários órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública Federal, e com periódicos mutirões de conciliação nas justiças de primeiro grau.

A idéia dos mutirões de conciliação nas justiças de primeiro grau é propagada com maior facilidade nos juizados especiais em razão da limitação ao valor da causa e da inexistência de condenação em honorários advocatícios na primeira instância. Por meio dos mutirões, realiza-se, basicamente, uma "triagem" dos processos em que o magistrado vislumbra uma maior chance de negociação inicial entre as partes, seja em razão da pequena complexidade das questões, seja pela existência de provas suficientes nos autos para o pronto julgamento; e, a partir daí, são marcadas audiências prévias de conciliação, reunidas em dias ou semanas específicas organizadas de acordo com os réus categorizados como "litigantes habituais", ou seja, que figuram no pólo passivo em grande parte das demandas ajuizadas, como é o caso das empresas prestadoras de serviço público, Caixa Econômica Federal e o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.

Esta reunião dos processos para audiência prévia de conciliação com um réu em comum facilita bastante a operacionalização dos procedimentos (deslocamento de patronos previamente designados sem interrupções e atrasos nas audiências), bem como possibilita um maior enfoque sobre as questões peculiares de cada caso concreto, servindo a experiência de cada tentativa de conciliação como embasamento para situações semelhantes reunidas naquele mutirão.


4. DESVANTAGENS DA UTILIZAÇÃO INADEQUADA OU EXCESSIVA DA CONCILIAÇÃO COMO MEIO PACIFICADOR DOS CONFLITOS

Até o presente capítulo foram expostas as vantagens da conciliação como uma das soluções hábeis a propiciar maior celeridade e efetividade ao andamento processual, também servindo como mecanismo de filtragem das causas levadas ao conhecimento do Poder Judiciário.

No entanto, como a experiência demonstra, a utilização inadequada da conciliação como forma de resolução dos litígios, sem a observância dos princípios e garantias constitucionalmente previstos, pode comprometer em boa parte os direitos e interesses envolvidos, gerando conseqüências indesejáveis e criando novos problemas que, um dia ou outro, serão novamente reabsorvidos pelo Poder Judiciário.

Neste ensejo, vale mencionar as ponderações de OWEN FISS sobre as desvantagens do acordo em juízo [08]. Para ele, o acordo seria uma espécie de rendição às condições da sociedade de massa que não deveria ser encorajado ou valorizado. Assim, assevera FISS que a primeira desvantagem dos acordos está na sua própria origem, já que a sua celebração, na maioria dos casos, é impulsionada por vários fatores negativos, quais sejam, a morosidade da justiça, os elevados custos processuais, a má-qualidade da prestação jurisdicional (em razão do excesso de demandas e da falta de infra-estrutura adequada ao Poder Judiciário), e, por fim, as repercussões sociais advindas ao longo do trâmite processual [09].

Como conseqüência destes fatores negativos, não raramente são constatadas celebrações de acordos lesivos a uma das partes ou até a ambas as partes. A lesividade dos acordos seria uma desvantagem pontual de grande relevância para o estudo da conciliação, pois sua incidência obsta a pacificação social, que é o objetivo da prestação jurisdicional e da utilização dos mecanismos alternativos de solução dos conflitos.

Destarte, evidencia-se que a conciliação utilizada em demasia, sem a observância das garantias processuais e sem a preocupação com a satisfação dos interesses das partes, funciona apenas como um mecanismo paliativo, que elimina grandes quantidades de demandas no presente, mas não consegue exterminar os conflitos de forma definitiva, postergando os problemas para um momento futuro.

Ora, a conciliação não se deve prestar como mero mecanismo de soluções paliativas, ou seja, de eficácia momentânea e incompleta, pois, certamente, o conflito, em momento posterior, recobrará suas forças, podendo até ser agravado, e, assim, como um "bumerangue", a demanda judicial "exterminada" pela conciliação, com nova formatação, retornará futuramente ao Poder Judiciário.

Imaginemos este efeito "bumerangue" em maiores proporções. Um movimento conciliatório aparentemente bom pode estar apenas postergando várias discussões para um momento futuro. As demandas judiciais hoje findadas por um acordo lesivo entre as partes, ou sem a devida realização das garantias processuais a elas inerentes, não serão capazes de estabilizar as relações sociais e juridicamente envolvidas, podendo provocar mais adiante a necessidade de rediscussão das questões pendentes ou mal-resolvidas.

Esta situação se assemelha ao menino que arruma o seu quarto rapidamente, colocando todos seus brinquedos, de forma desordenada, em um único armário. Quando o armário se enche, as suas portas se rompem e todos os brinquedos caem ao chão, como estavam antes, ou até provocando maior desordem.

Certamente não é este o objetivo da conciliação, ao lado de outras tutelas diferenciadas que almejem a celeridade e efetividade processual. Não podem ser ignoradas as vantagens de sua utilização – é claro que com a melhoria da gestão dos processos, maior celeridade e seletividade nas tramitações e, conseqüentemente, com o "desafogamento" do Poder Judiciário, haveria uma considerável melhoria na qualidade das decisões. Por outro lado, não podemos ignorar que todo remédio utilizado de forma excessiva ou inadequadamente acarreta efeitos indesejáveis, ao invés de solucionar os problemas.

As preocupações atuais não se voltam mais para a aceitação da conciliação como meio eficaz de pacificação social, mas sim, para a utilização adequada do instituto, de modo que se propicie a devida satisfação dos interesses envolvidos, de acordo com os princípios e garantias processuais incidentes sobre cada situação concreta.

Segundo EGIDIO CARDOSO, "não se pode olvidar que os acordos judiciais importam, como regra, renúncia de direitos, concessões mútuas e desistência de pretensões". [10] Prossegue o autor, em estudo sobre a imposição da conciliação pelo Estado como solução para a ineficiência da prestação jurisdicional, afirmando que "é fundamental que os termos conciliatórios sejam acompanhados criteriosamente pelos advogados das partes e estes, percebendo eventuais prejuízos de seus clientes diante da situação que envolve o caso concreto, tem o dever de orientá-los a recusar a avença". [11]

Na concepção de CARDOSO, o movimento de conciliação impõe-se de maneira coercitiva, na medida em que as partes se vêem, em várias situações, praticamente obrigadas a formalizar o acordo, sob pena de serem prejudicadas subjetivamente na lide "em razão das tentativas infrutíferas de acordo acompanhadas pelo Magistrado". [12]

Por fim, apresentadas as desvantagens da conciliação, imprescindível se torna adentrar no estudo do comportamento que deveria ser esperado das partes ao longo da conciliação, para que o resultado obtido seja aquele de fato almejado pelos envolvidos, ou ao menos o esperado dentro do conjunto fático e probatório apresentado em juízo.

Sobre a autora
Cristiane Rodrigues Iwakura

Procuradora Federal, Mestranda em Direito Processual - UERJ, pós-graduanda em Direito Público pela CEAD/AGU/UnB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

IWAKURA, Cristiane Rodrigues. Conciliar é legal?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2579, 24 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17035. Acesso em: 7 nov. 2024.

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