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Conciliar é legal?

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24/07/2010 às 11:36
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5. Comportamento das partes e dos magistrados na fase de conciliação.

Como já explanado no capítulo anterior, o aspecto subjetivo é muito importante para a fase de negociação entre as partes. Caso não seja obtida uma solução amigável, a subjetividade ainda persistirá na formação do convencimento do magistrado.

A conciliação pode ocorrer extrajudicialmente ou no decurso do processo judicial, em diversas fases e sob ritos diferenciados. As principais formas existentes de conciliação judicial podem ser agrupadas do seguinte modo:

  • a) Conciliação nos juizados especiais – ocorre na Audiência de Conciliação prévia à Audiência de Instrução e Julgamento, marcada notadamente pela oralidade. A audiência de conciliação prévia pode ser conduzida por conciliadores leigos, que serão nomeados pelo próprio juízo, com qualificações profissionais e requisitos objetivos previstos em Resoluções Internas do Tribunal correspondente. Na maioria dos casos, os conciliadores são selecionados, preferencialmente, entre acadêmicos do curso de Direito, bacharéis e advogados, ou, na sua falta, entre pessoas com reputação ilibada, que residam na mesma comarca e tenham disponibilidade de tempo e compatibilidade para o exercício da atividade conciliatória. Caso o acordo seja alcançado, para que tenha validade e eficácia jurídicas, o termo de conciliação deverá ser necessariamente homologado pelo magistrado competente para o julgamento da causa. Em alguns tribunais, existe a figura do Juiz Leigo, que, embora não seja um agente investido de poder jurisdicional, logo, sem garantias e prerrogativas inerentes aos magistrados (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio), poderá, além de conduzir a conciliação, dar andamento à fase de instrução probatória e decidir os incidentes que possam interferir no desenvolvimento da audiência de instrução e julgamento. De toda sorte, assevera-se que tanto os juízes leigos como os conciliadores representam a participação popular na administração da Justiça, uma das características do Estado Democrático de Direito, rompendo-se a tradicional estrutura rígida do órgão jurisdicional.

  • b) Conciliação no procedimento ordinário – Ocorre nas hipóteses previstas no art. 331 do CPC, isto é, quando não houver extinção do processo ou o julgamento antecipado da lide, e versar a causa sobre direitos que admitam transação (direitos disponíveis), o juiz designará audiência preliminar, a realizar-se no prazo de 30 (trinta) dias, para a qual as partes serão intimadas a comparecer, podendo fazer-se representar por procurador ou preposto, com poderes para transigir. Neste caso, a conciliação em regra, é conduzida por um juiz togado. Os magistrados podem nomear um conciliador dentre os servidores da justiça de sua confiança, e, seguindo a mesma sistemática da Audiência de Conciliação Prévia nos juizados especiais, em havendo acordo, sua validade e eficácia como título judicial dependerá da sua homologação pelo juiz competente para o julgamento da causa. No entanto, a prática demonstra que os acordos em processos sob o rito ordinário são mais facilmente obtidos na presença de um juiz togado, razão pela qual dificilmente se observa a presença de conciliadores nomeados pelo juiz na audiência preliminar.

  • c) Conciliação por petição – em causas de menor complexidade ou que dependam de análise exclusiva de provas documentais, é facultado às partes formularem propostas de acordo por escrito, em qualquer fase do processo, antes do trânsito em julgado da sentença ou do acórdão judicial. Não raro, são realizadas propostas de acordo em fase recursal. Aqui se destacam, por exemplo, os acordos realizados em contestação pelos advogados públicos, com base em enunciado de súmula fixada pela Chefia Superior da Procuradoria correspondente. Entre particulares, observa-se também a possibilidade de negociação durante a fase de conhecimento ou em fase recursal, impulsionada por fatores externos que tornem, no curso do processo, a solução amigável mais vantajosa, seja pela celeridade, pela economia de custos com o processo, ou até pelo encerramento da animosidade entre as partes envolvidas.

Este prévio esclarecimento sobre as espécies de conciliação é crucial, na medida em que servirá de base para a compreensão do comportamento esperado das partes e dos magistrados em cada uma das formas de negociação.

Voltando à assertiva explanada no primeiro parágrafo do presente capítulo, podemos excluir sua incidência sobre a conciliação realizada por petição, ainda no início do processo, pois a negociação nestes casos ocorre sem qualquer interferência do magistrado.

Também não há contaminação ideológica do magistrado quando a fase de conciliação prévia é conduzida por um conciliador judicial. No caso de conciliação conduzida por um juiz leigo, esta autonomia na formação do convencimento do juiz togado dependerá da existência ou não de decisão prévia sobre a instrução probatória ou sobre outros incidentes que possam interferir na Audiência de Instrução e Julgamento.

No entanto, quando a fase de conciliação se der conjuntamente com a Audiência de Instrução e Julgamento, o aspecto subjetivo do magistrado restará comprometido com a atuação das partes na fase de negociação precedente, podendo influenciar diretamente no juízo de valores que terá que ponderar caso não se chegue a um acordo preliminarmente [13]. Somados a isto, existem outros fatores externos que podem influenciar bastante o comportamento dos magistrados, como a criação de metas estipuladas por órgãos superiores sobre o número de acordos realizados em cada juízo ou a premiação de magistrados por produtividade. Neste ensejo, registra CARDOSO que "na ânsia de obter acordos judiciais para atingir metas estipuladas pelos órgãos judiciais superiores, e, assim, demonstrar vontade e competência ao seu empregador, os Juízes são colocados em situação de pressão e se tornam suscetíveis a proferirem decisões parciais e arbitrárias". [14]

Assim, observa-se, na prática, que muitos acordos celebrados, sob a influência destes fatores externos e a contaminação psicológica do magistrado só foram pactuados em razão do temor de uma das partes (ou até de ambas) de ter sua situação prejudicada com o julgamento da causa pelo juiz, a partir de sinalizações trazidas pelo próprio julgador durante a fase de negociação, que pode, por exemplo, antecipar seu julgamento para demonstrar que o acordo seria mais vantajoso, ou fazer ameaças aos litigantes para que sejam obrigados a negociar de determinada forma.

Este desvirtuamento da conciliação conduzida por um juiz togado é lastimável, já se tendo registro na história processual brasileira de magistrados que determinaram a prisão de advogados que se recusaram a celebrar acordos; juízes que se negaram a homologar acordos evidentemente razoáveis, porque a proposta não contemplava os termos que fossem de seu agrado; e por fim, juízes que ameaçaram em audiência uma das partes a fazer o acordo sob pena de sentenciar a seu desfavor.

Esta prática infelizmente se nota de forma reiterada em diversos juízos. A pressão por números favoráveis e o grande volume de demandas judiciais tornam os magistrados mais suscetíveis a atuações mais rígidas e desproporcionalmente enérgicas com as partes que se neguem a celebrar acordos, sem se preocupar com as peculiaridades de cada situação concreta e sem buscar o conhecimento sobre as razões das partes que as impeçam ou as façam negociar de determinada forma.

Certamente este problema decorre de uma política desenfreada de busca pela conciliação sem que haja uma adequada infra-estrutura para o exercício da atividade jurisdicional e o devido preparo técnico e psicológico dos magistrados para lidarem com estas diversas situações.

Por isso, é defensável que os juízes devam, antes de tudo, contar com o devido apoio dos órgãos superiores para que possam exercer sua função jurisdicional livres de pressões e cobranças fora dos limites da estrutura de trabalho que lhes é conferida, e, ao mesmo tempo, sejam submetidos necessariamente, ou compulsoriamente por um prévio treinamento em matéria de conciliação com profissionais habilitados em outras áreas (p. ex.: sociólogos, psicólogos, e outros que possam contribuir para a pacificação de conflitos) para que conduzam com maior eficiência as fases conciliatórias, e assim, consigam obter soluções amigáveis dentro dos limites e garantias processuais legalmente estatuídos, com o máximo de proveito para todas as partes envolvidas.

O despreparo técnico em matéria de conciliação não se verifica somente em relação aos magistrados, mas também com os advogados, que, em grande parte, não são adeptos da prática conciliatória por vários outros fatores.

Em muitos casos, os advogados temem que a prática da conciliação, ainda na fase extrajudicial ou no início do processo, suprima em grande parte o número de causas que poderiam patrocinar, acarretando-lhes, assim, um evidente prejuízo econômico. Esta é uma premissa totalmente equivocada, pois o advogado não é um profissional que possui ação restrita às postulações judiciais, podendo atuar de forma preventiva ou consultiva na resolução de litígios. Em qualquer relação jurídica, o conhecimento técnico sobre a legislação é sempre requisitado pelos particulares, não se restringindo a necessidade dos serviços advocatícios à chamada "zona de conflito".

O aumento do número de acordos também não acarretaria a perda da clientela ou a redução dos ganhos decorrentes da atuação judicial – pelo contrário, a conciliação bem conduzida oferece maiores condições para que se obtenha em favor do representado uma solução mais segura e menos arbitrária (reduzindo assim os riscos decorrentes da atividade advocatícia), em um curto espaço de tempo (logo, os honorários contratuais pactuados seriam revertidos a seu favor com maior celeridade) e, por fim, uma maior individualização das soluções, com a maior satisfação e melhor adequação do resultado às pretensões dos representados (desempenho da Advocacia como função essencial à Justiça).

Por fim, não se pode esquecer o que o próprio Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil estabelece em seu art. 2º, caput e parágrafo único, inciso VI:

Art. 2º, caput: O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce.

Parágrafo único. São deveres do advogado:

(...)

VI - estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios.

Uma outra razão que torna os advogados relutantes em aderir ao movimento conciliatório é conseqüência direta do problema do despreparo dos magistrados ao conduzirem as negociações. O profissional que é ameaçado em juízo a fazer acordo, ou que venha a ser alijado de seus direitos como advogado no exercício de sua função, se vê desestimulado e inseguro a realizar qualquer termo de conciliação sob tais condições.

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Por fim, vale referir as técnicas a serem observadas pelos magistrados, enumeradas por FERNANDO TAVARES HORTA em trabalho sobre mediação e conciliação. [15]

Dentre as técnicas recomendadas aos magistrados, HORTA destaca a importância da postura tomada pelo juiz nas audiências de conciliação, devendo sempre se demonstrar calmo, sereno e bastante seguro a respeito das questões versadas pelas partes na inicial e na defesa.

Outra relevante conduta a ser observada pelos julgadores consiste na urbanidade no trato das partes e dos auxiliares da justiça, pois só assim almejará a devida atenção e respeito, demonstrando dedicação e amor ao trabalho. O magistrado que atua com respeito possui mais autoridade para cobrar de terceiros um comportamento correspondente, tal como contempla a Regra de Ouro "trate os outros do modo como você mesmo gostaria de ser tratado", que vem sendo utilizada como referência moral desde a Antigüidade, assim repassada aos indivíduos por pensadores gregos e judeus, Confúcio, Jesus e outros professores de Ética que marcaram a nossa história.

Também é de extrema cautela que o magistrado utilize, durante as audiências de conciliação, uma linguagem adequada à compreensão das partes envolvidas, tornando-a mais acessível sem "cair no chulo ou na arrogância", preservando a sua tecnicidade apenas nos pronunciamentos escritos, em despachos e decisões [16].

Por fim, HORTA, citando a doutrina de Luiz Keppen, [17] enumera as condutas que devem ser evitadas a qualquer custo pelos julgadores na fase conciliatória. Segundo o autor, não pode o juiz na conciliação: coagir as partes, de modo a acordar sobre o que não desejam; redigir o acordo de forma que não expresse a real vontade das partes; entregar o termo de acordo para as partes assinarem sem que se já lido em voz alta; homologar acordos que uma das partes não possa cumprir; permitir acordos que estabeleçam clausulas leoninas (aqui entendida como abusivas ou excessivamente lesivas ao direito de uma das partes); permitir composição em processo no qual estejam as partes dele se servindo para fins escusos ou ilegais (caso da simulação de negócios jurídicos); conduzir o debate de forma atribulada, indo e voltando a pontos já discutidos; homologar acordo condicionado, germe de novas lides e sugerir, de plano, sem provocação das partes, acordo que possa ser bom para as partes (o juiz não deve, em nenhuma hipótese, interferir na negociação, limitando sua interferência à tutela dos princípios e regras previstos no ordenamento jurídico).


6. CONCLUSÃO

Pelo exposto, resta evidente que o instituto da conciliação, é, indubitavelmente, um ótimo mecanismo de aceleração e otimização da resolução de conflitos em sede judicial ou extrajudicial. No entanto, recai sobre o crescente movimento conciliatório, impulsionado por órgãos jurisdicionais superiores e organizações de classe relacionadas ao meio jurídico, uma grande preocupação com a utilização demasiada e descuidada da conciliação, sem a devida observância dos princípios e garantias processuais conferidas aos indivíduos.

Para que se alcance a função pacificadora dos conflitos, os magistrados e as partes envolvidas, incluindo-se aqui os colaboradores e serventuários do Poder Judiciário, devem adotar uma postura condizente com o mecanismo conciliador, deixando-se por um momento as relações humanas em evidência e abrindo-se mão da tecnicidade excessiva, para que se viabilize assim um resultado satisfatório e mais aproximado da realidade dos fatos e das características pessoais dos litigantes.

A partir daí, extrai-se da expressão "conciliar é legal", que serve de título para o presente trabalho, que a legalidade nela referida extravasa sua importância e utilidade para a filtragem de demandas judiciais (conciliação extrajudicial ou no início do processo) e para a concretização da efetividade processual (conciliação judicial que ocorre a partir da fase saneadora do processo), para também exigir a observância das normas e dos princípios constitucionais relacionados com o seu processamento, bem como sejam preservados os direitos envolvidos na lide, obtendo-se, desta forma, uma solução definitiva que não acarrete maiores prejuízos às partes, e seja claramente mais benéfica que a decisão que seria emanada se o litígio fosse decidido exclusivamente a partir da formação de convencimento do magistrado.

Neste ensejo, LEONARDO GRECO, ao tratar da renúncia à tutela jurisdicional afirma que:

"A renúncia ao acesso à Justiça, seja através do compromisso arbitral, seja através da desistência da ação, da renúncia ao direito de recorrer ou da desistência do recurso, pressupõe que a manifestação de vontade seja absolutamente livre e que o renunciante esteja plenamente consciente das conseqüências e dos efeitos daí decorrentes, o que normalmente ocorre apenas quando se tornou concretamente possível a prática do ato de iniciativa processual. A possibilidade de renúncia prévia deve ser admitida se a forma em que se exterioriza a manifestação de vontade assegura essa consciência, e se as circunstâncias em que se deu atestam que o ato foi espontâneo e absolutamente livre, não tendo resultado da necessidade de livrar-se de qualquer tipo de sujeição, nem como condição do acesso a quaisquer bens ou direitos. A Corte de Cassação francesa recusou-se a aceitar uma renúncia antecipada a uma ação na justiça, com motivo na ambigüidade da renúncia. A requerente havia declarado que não queria intentar qualquer ação judicial contra o patrão a serviço do qual o seu marido morreu acidentalmente. Na espécie, o patrão do marido havia se comprometido a pagar todas as despesas decorrentes do acidente.

A renúncia não pode resultar, tampouco, da resignação à perda do direito diante de um adversário poderoso, ou à imagem pouco atraente dos processos, em decorrência do custo ou da morosidade da Justiça. [18]

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Sobre a autora
Cristiane Rodrigues Iwakura

Procuradora Federal, Mestranda em Direito Processual - UERJ, pós-graduanda em Direito Público pela CEAD/AGU/UnB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

IWAKURA, Cristiane Rodrigues. Conciliar é legal?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2579, 24 jul. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17035. Acesso em: 7 nov. 2024.

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