Em recente sessão plenária, o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, conheceu e deu provimento ao recurso extraordinário da empresa contribuinte para desobrigá-la à retenção e ao recolhimento da contribuição social referente ao Funrural sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural. Finalizado o julgamento da questão de fundo, o Relator, Min. Marco Aurélio, apresentou petição da União levada ao seu gabinete que pleiteava a modulação temporal dos efeitos de tal decisão (na modalidade ex nunc, isto é, valendo a partir do julgamento ou dali pra frente). O argumento então destacado com "tintas fortes" girou em torno do quanto foi arrecadado e quanto deixaria de ser.
O Min. Marco Aurélio, com entendimento doutrinário firmado sobre o tema da modulação, decidiu que essa técnica é conflitante com o regime rígido de nossa Lei Maior. As decisões do STF a respeito do juízo de constitucionalidade, explicou, possuem o caráter de orientações pedagógicas. Cuidando-se de processo subjetivo, ele decidiu no sentido de que a modulação temporal pleiteada pela Fazenda Nacional era inadequada ao caso.
A respeito da necessária mudança de jurisprudência, o Min. Eros Grau manifestou-se no sentido de que a evolução do nosso sistema processual indica que, cada vez mais, serão reduzidos os julgados em torno do mesmo tema, de modo que o pronunciamento acerca da matéria, ainda que prolatado uma única vez, tende a ser capaz de ensejar a eventual modulação dos seus efeitos.
O Min. Marco Aurélio esclareceu que a modulação dos efeitos da decisão deveria obedecer a certos limites e balizas. Cuidando-se de um conflito de interesses jurídicos específico, todos aqueles não versados no caso concreto sub judice submetem-se aos ditames da segurança jurídica, na medida em que há a prescrição da repetição do indébito.
O Min. Carlos Britto interferiu no debate posto para concordar que a eventual generalização da modulação dos efeitos em matéria tributária implicaria pura e simplesmente na abolição do instituto processual da repetição do indébito. Assim, o exagero na adoção de tal técnica decisória levaria ao ocaso de certos institutos jurídicos, como é a repetição do indébito, a prescrição, e outros. Decidiu que no caso concreto não havia qualquer razão de segurança jurídica ou relevantíssimo interesse social, enfim, nada que fosse suficiente para sustentar a modulação pretendida.
Em complemento, o Min. Ricardo Lewandowski aduziu que o Tribunal vinha sendo extremamente rigoroso quanto à modulação em matéria tributária em favor dos contribuintes, ou seja, sempre modulava apenas em favor do Fisco, citando como exemplo os casos de IPI que tiveram clara oscilação de jurisprudência do Pleno: sobre o direito ao crédito de IPI decorrente da aquisição de matéria-prima cuja entrada era não tributada ou sobre a qual incidiria à alíquota zero e acerca do Crédito-Prêmio. Além disso, acrescentou que o instrumento utilizado (petição dirigida ao gabinete do Relator) não seria apropriado. Posicionou-se contrariamente à modulação pleiteada pela Fazenda Nacional.
No mesmo sentido manifestou-se o Min. Dias Toffoli, ao argumento de que a declaração de inconstitucionalidade, por sua natureza, é apta a produzir variados efeitos no sentido de reconhecer direitos, dos quais não cabe ao STF mitigá-los ou minimizá-los.
Logo depois, a Min. Cármen Lúcia, retomando o regime rígido da Constituição, esclareceu que a modulação faz-se necessária em situações excepcionalíssimas, ou seja, quando o desfazimento ou a execução da decisão judicial tomada gerar mais problemas sociais do que realmente poderia ensejar uma prática de tal natureza. Aqui, cabe registrar que ela enfatizou que o problema focado é de caráter social, e não econômico-financeiro. A justificativa subjacente foi o cunho pedagógico para os órgãos do Estado. Deste modo, a Ministra acompanhou o Relator, no sentido de se adotar exatamente o que foi decidido (e que deveria ser executado).
Por fim, o Ministro Gilmar Mendes também acompanhou o Relator e decidiu no sentido de que não seria cabível a modulação dos efeitos de tal decisão no caso porque não foi alcançado o quorum especial previsto no art. 27 da Lei nº 9.868/99.
Verifica-se, portanto, que o resultado do julgamento em torno da modulação temporal dos efeitos da decisão que, no mérito, declarou a inconstitucionalidade do Funrural sobre a receita de comercialização de produtos rurais, foi no sentido de rejeitá-la. Ficou vencida sozinha a Ministra Ellen Gracie, para quem o pagamento do tributo já fora absorvido e incorporado ao preço cobrado pelas mercadorias em questão, entendimento a partir do qual possibilitar a recuperação de tais valores consistiria em uma hipótese de enriquecimento indevido.
No tocante à modulação temporal dos efeitos de suas decisões em matéria tributária, parece que nesse julgamento o STF retomou a sua linha de parcimônia e cautela. Uma vez retomada a aplicação da regra geral da retroatividade plena consagrada na sua (incipiente) jurisprudência, incumbe ao Tribunal examinar as questões jurídicas que lhe são postas com desassombro e sem se deixar (im)pressionar por quaisquer argumentos pragmáticos ou conseqüencialistas de cunho econômico. Com efeito, o argumento ad terrorem crescentemente suscitado pelos órgãos da Fazenda Pública não se prestam – e tampouco devem se prestar – a sustentar exclusiva ou predominantemente qualquer pronunciamento definitivo do STF, sob pena de provável ilegitimidade pela subversão e subordinação da proteção dos direitos dos contribuintes estabelecidos em elevados ditames constitucionais às necessidades transitórias e meramente arrecadatórias do Fisco.
Espera-se que no julgamento pela inconstitucionalidade da inclusão da parcela do ICMS na base de cálculo da COFINS e do PIS o STF mantenha a sua (já) tradicional orientação de cautela e parcimônia a respeito da inaplicação da modulação dos efeitos de sua decisão que será tomada nos autos da ADC nº 18 que, pelas indicações recentemente divulgadas na mídia, terá seu julgamento iniciado ainda no curso deste ano, vez que a nova prorrogação do prazo de validade da medida liminar anteriormente deferida firmou-se como a última, nas palavras do Relator, Ministro Celso de Mello.