4Processamento das ações judiciais que discutem as penalidades administrativas aplicadas pelos órgãos de fiscalização do trabalho
Consoante já abordado em tópico anterior, o inciso VII do art. 114 da Constituição Federal, ao mencionar "ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho", engloba ações declaratórias, cautelares, mandados de segurança, e, inclusive, as ações de execução fiscal.
Quando se tratar de ações de rito especial, como o próprio mandado de segurança e a ação de execução fiscal, seguirão estas ações o seu rito próprio. Em relação às ações que não possuem rito especial, parece-nos que se deve adotar a via procedimental ordinária, no formato de reclamações trabalhistas, tendo em vista o que dispõe o art. 763, que transcrevemos, in litteris:
Art. 763 O processo da Justiça do Trabalho, no que concerne aos dissídios individuais e coletivos e à aplicação de penalidades, reger-se-á, em todo o território nacional, pelas normas estabelecidas neste Título.
Ainda nesse sentido, o Tribunal Superior do Trabalho expediu a Instrução Normativa nº 27, que dispõe sobre normas procedimentais aplicáveis ao processo do trabalho em decorrência da ampliação da competência da Justiça do Trabalho pela Emenda Constitucional nº 45/2004, confirmando que, regra geral, a sistemática a ser adotada pelos órgãos da Justiça do Trabalho em razão das novas competências decorrentes da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, é a da CLT. Eis o teor dos dispositivos que, expressamente, tratam da matéria:
"Art. 1º As ações ajuizadas na Justiça do Trabalho tramitarão pelo rito ordinário ou sumaríssimo, conforme previsto na Consolidação das Leis do Trabalho, excepcionando-se, apenas, as que, por disciplina legal expressa, estejam sujeitas a rito especial, tais como o Mandado de Segurança, Habeas Corpus, Habeas Data, Ação Rescisória, Ação Cautelar e Ação de Consignação em Pagamento.
Art. 2º A sistemática recursal a ser observada é a prevista na Consolidação das Leis do Trabalho, inclusive no tocante à nomenclatura, à alçada, aos prazos e às competências. (...)"
A Instrução Normativa nº 27 do Tribunal Superior do Trabalho tem sido inquinada de inconstitucional, ao argumento de que fere o art. 22 da Constituição Federal, conforme o qual compete privativamente à União legislar sobre direito processual e sobre direito do trabalho.
Considerando-se, entretanto, que a IN ainda se mantém em vigor, continua a regulamentar a sistemática processual a ser adotada na Justiça do Trabalho em decorrência das novas ações sob sua jurisdição, orientando seja adotado (mantido), como regra geral, o rito - ordinário ou sumaríssimo - previsto na Consolidação das Leis Trabalhistas, inclusive no que se refere à sistemática recursal. A Instrução Normativa excetua, tão somente, as hipóteses das ações judiciais sujeitas a rito especial.
Vê-se que tais diretrizes coadunam-se às disposições da própria CLT, que, em seus artigos 763 e 769, estabelecem, respectivamente, que "o processo da Justiça do Trabalho, no que concerne aos dissídios individuais e coletivos e à aplicação de penalidades, reger-se-á, em todo o território nacional, pelas normas estabelecidas neste Título [Do processo judiciário do trabalho]" e que "nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título."
Todavia, é fato que, a despeito das regras acima transcritas, ecoam sonoras vozes no sentido de aplicação do Código de Processo Civil, notadamente no que se refere às recentes reformas do código adjetivo, quando este se mostrar mais eficiente que as normas celetistas, e não apenas nas hipóteses de lacunas normativas.
Restaria superada a restrita interpretação usualmente conferida ao art. 769, de que a aplicação do CPC dá-se apenas nas hipóteses de lacuna da legislação celetista? A resposta não implica a supressão/infringência ao comando legal contido no art. 769, mas a sua releitura.
É verdade que, inicialmente, o processo do trabalho propôs-se superar a complexa e lenta sistemática da processualística ordinária então vigente. Veio, assim, com a proposta de implementar uma dinâmica mais simples, rápida e de baixo custo, tendo em vista sua destinação finalística, voltada à resolução de controvérsias que envolvem o trabalhador hipossuficiente.
Tal a razão da necessidade – então existente – de uma cláusula que contivesse a aplicação automática do processo civil no âmbito da Justiça Trabalhista, reservando-o tão somente aos casos de aplicação subsidiária, quando observadas a lacuna normativa e a compatibilidade com a sistemática processual juslaboral.
Todavia, neste iter, o Código de Processo Civil, dantes considerado lento e complicado, sofreu diversas alterações que buscaram conferir maior efetividade. As modificações começaram em 1992 (primeira fase da reforma do processo civil), tornando-se, em seguida, imperativas para conformar o CPC ao mais novo compromisso constitucional - garantir a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, inserido no texto da Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004.
Com tais reformas, a verdade é que, na atual sistemática, foram introduzidas no Código de Processo Civil normas que traduzem maior efetividade na dinâmica processual. Nesse passo, a doutrina e o Poder Judiciário trabalhista dividem-se entre o apego ao art. 769 da CLT e a transposição das novas normas do processo civil para a esfera trabalhista.
PIERPAULO CRUZ, prefaciando livro de Luciano Athayde, intitulado "A recente reforma no processo comum: reflexos no direito judiciário do trabalho", desafia a comunidade justrabalhista ao dizer que:
"o apego à metafísica, aos valores absolutos, deve ceder lugar ao pragmatismo capaz de trazer justiça aos litígios reais. Sem perder de vista os princípios e diretrizes de sustentação da dogmática e do sistema jurídico, que garantem estabilidade dos critérios de julgamento e evitam a atuação tópica e casuística, o intérprete deve buscar sempre a melhor forma de resolver os problemas concretos trazidos pelas partes, e buscar seu sentido teleológico capaz de traduzir sua finalidade de integração e pacificação social [12]".
Nesse ponto, o professor CARLOS HENRIQUE BEZERRA LEITE, multicitado no presente estudo, oferece os substratos para a nova leitura do art. 769. Alerta que "urge repensar o próprio conceito de lacuna, de maneira a possibilitar a heterointegração dos subsistemas do direito processual civil e do direito processual do trabalho [13]", por meio da aplicação de normas do CPC sempre que isso implicar maior efetividade.
Nesse passo, o professor faz referencia às lições da professora civilista MARIA HELENA DINIZ, que diferencia três espécie de lacunas:
(i) lacuna normativa: quando há ausência de norma;
(ii) lacuna ontológica: "existe a norma, mas ela não corresponde aos fatos sociais";
(iii) lacuna axiológica: "há ausência de norma justa, isto é, existe um preceito normativo, mas se for aplicado, a solução do caso será insatisfatória ou injusta".
Entendendo-se que o art. 769 da Consolidação das Leis Trabalhistas, ao mencionar "omissões" da legislação processual trabalhista, considera, em essência, não apenas as lacunas normativas, mas também, e principalmente, as lacunas ontológicas e axiológicas, imperativo se fará uma revisão da sistemática processual trabalhista atual para a efetiva garantia da razoável duração do processo, como fator de promoção da justiça social.
CONCLUSÃO
O tema tratado neste breve estudo – ações judiciais relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores (e tomadores de serviços) pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho, como nova competência da Justiça do Trabalho - não obstante parecer bastante simples, encobre uma diversidade de questões sobre as quais se pode debruçar o estudioso do direito.
Verificamos, ao longo deste estudo, que a inclusão do inciso VII do art. 114 da Constituição Federal correspondeu a um pleito dos próprios integrantes do Judiciário trabalhista, no intuito de concentrar as ações que discutam matérias correlatas ao mundo do trabalho.
Todavia, ao transferir a competência da Justiça Federal à Justiça do Trabalho, a Emenda Constitucional nº 45, de 2004, também transferiu dúvidas e alguns desafios. Boa parte das indagações foi respondida. Outras questões ainda merecem um estudo mais aprofundado, como a heterointegração dos subsistemas de direito processual e sua aplicação às novas demandas da Justiça do Trabalho.
Hoje, parece-nos não haver mais espaço para dúvidas quanto à novel atribuição da Justiça do Trabalho para processar e julgar as demandas envolvendo multas aplicadas pelos órgãos de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego. Pode-se afirmar que a Justiça do Trabalho concentra a competência para apreciar e decidir todas as ações – de conhecimento, cautelares, executivas (inclusive, execução fiscal), mandamentais, etc – que conduzam pretensões envolvendo as multas e outras ações decorrentes da fiscalização da legislação trabalhista.
Contudo, ainda há espaço para maior atuação do órgão. É o que se espera com a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional que sugere a possibilidade de execução, de ofício, de multas aplicadas pelos próprios magistrados quando, no curso das ações trabalhistas, identifiquem infrações à legislação do trabalho. Assim é que chegamos ao final do presente estudo em que procuramos responder a alguns questionamentos, e oferecer uma pequena contribuição para a sistematização do estudo da matéria.
REFERÊNCIAS
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DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. 9ª edição. Salvador: Editora Jus Podium, 2008.
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SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito do Trabalho. 2ª edição. São Paulo: LTr, 2009.
Notas
- in DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. 9ª edição. Salvador: Editora Jus Podium, 2008. pg. 102.
- apud DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. 9ª edição. Salvador: Editora Jus Podium, 2008.
- BARROS, Alice Monteiro de. A NOVA COMPETÊNCIA JURISDICIONAL À LUZ DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 45, DE 2004. Primeiras manifestações concretas. Palestra proferida no IX Congresso Brasileiro de Processo Civil e Trabalhista realizado em Natal em outubro de 2005. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.41, n.71, p.69-84, jan./jun.2005. Disponível em http://www.mg.trt.gov.br/escola/download/revista/rev_71/Alice_Barros.pdf. Acesso em: 02.12.2009
- apud FELICIANO, Guilherme Guimarães. Sobre a competência da Justiça do Trabalho para causas de Direito Administrativo sancionador. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 688, 24 maio 2005. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/6755. Acesso em: 02 dez. 2009.
- in LEITE, Carlos Henrique Bezerra Leite. Curso de Direito Processual do Trabalho. 7ª edição. São Paulo: LTr, 2009. pg. 219
- in SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito do Trabalho. 2ª edição. São Paulo: LTr, 2009. pg. 223/224
- ibidem, pg. 221/222
- apud SCHIAVI, Mauro. Op. Cit. Pg. 222
- apud SCHIAVI, Mauro. Op. Cit. Pg. 222
- Ibidem. Pg. 221
- Ibidem. Pg 224
- apud LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Op cit. Pg. 96
- Ibidem. Op cit. Pg. 94/102