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Imunidade tributária

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Agenda 27/08/2010 às 17:02

CAPÍTULO 4

EXEGESE DAS IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

4.1 A unicidade do texto jurídico e os três subsistemas

Qualquer preceito legal que porventura nos depararmos para analisar os aspectos jurídicos da situação nele descrita, necessariamente, nos imporá a busca de sua interpretação.

Isto porque, a regulamentação das condutas é feita pelas normas jurídicas, as quais não se confundem com o preceito legal (enunciado prescritivo), mas estão na seara das significações, e que foi bem representado por Paulo de Barros Carvalho naquele percurso gerativo de sentido através dos três subsistemas que denominou de sistema da literalidade textual (plano conjunto de enunciados, tomados no plano da expressão), conjunto de conteúdos de significação dos enunciados prescritivos; e sistema de normas jurídicas (domínio articulado de significações normativas).

Tomando-se por base que a norma jurídica e a significação sistêmica dos preceitos contidos nos enunciados prescritivos, obtida sua significação pelo intérprete, percebe-se que a norma jurídica é obtida pela interpretação da literalidade textual.

Por sua vez, o percurso entre o documento normativo até a obtenção de seu sentido é a interpretação, obtida pelos três subsitemas mencionados na questão.

O plano da expressão coincide com o suporte físico, sendo o texto jurídico prescritivo em sua expressão primeira, ou seja, o conjunto de letras, palavras, frases, períodos e parágrafos, graficamente manifestados nos documentos produzidos pelos órgãos de criação do direito.

O plano do conteúdo ocorre após a absorção pelo intérprete dos dados obtidos no plano da expressão, passa o mesmo a atribuir valores unitários aos vários signos que encontrou justapostos, selecionando significações e compondo segmentos portadores de sentido. Há portanto, a formação das proposições jurídicas.

No plano da significação após obtidas as proposições jurídicas o exegeta promove a contextualização dos conteúdos obtidos no curso do processo, com a finalidade de produzir unidades completas de sentido para as mensagens deônticas. Através de uma interpretação sistêmica de todo o ordenamento jurídico o interprete alcança toda a amplitude significativa, obtendo assim, a norma jurídica.

4.2 Sistemas de Hermenêutica e aplicação do Direito

4.2.1 Interpretação conforme o processo.

Histórico-Evolutivo: ante a impossibilidade de alterar com intervalos breves os textos positivos, adapta-se o Direito, pela interpretação, às exigências sociais imprevistas, às variações sucessivas do meio. O intérprete não cria prescrições, nem posterga as existentes; deduz nova regra, para um caso concreto, do conjunto das disposições vigentes, consentâneas com o progresso geral;

Teleológico: processo que exige a interpretação conforme o fim estimado pelo dispositivo ou pelo Direito em geral ( Rudolf von Jhering);

Sociológico: o sistema que obriga o juiz a aplicar o texto de acordo com as necessidades da sociedade contemporânea (Josef Kohler, Alemanha; Francesco Degni e Nicolao Coviello, na Itália).

4.2.2 Interpretação conforme a origem

Interpretação Autêntica: interpretação que se origina em uma fonte jurídica, o que lhe dá força coativa; emana do próprio poder que fez ato cujo sentido e alcance ela declara;

Interpretação Doutrinal: interpretação que se apresenta como produto da livre reflexão .

4.2.3 Interpretação conforme os elementos de que se serve

Não se aceitam denominações impróprias para as interpretações. Conforme ensinado por Carlos Maximiliano "A interpretação é uma só; não se fraciona: exercita-se por vários processos, aproveita-se de elementos diversos" [104]

Subdivide-se, conforme os elementos de que se serve, em gramatical, o lógico e o sistemático.

Processo interpretativo gramatical ou filológico: atende à forma exterior do texto; preocupa-se com as várias acepções dos vocábulos; procura desvendar qual deve ou pode ser o sentido de uma frase, disposição ou norma.

Segundo Maria Helena Diniz:

Por essa técnica, que se funda sobre as regras da gramática e da lingüística, examina o aplicador ou o intérprete cada termo do texto normativo, isolada ou sintaticamente, atendendo à pontuação, colocação dos vocábulos, origem etimológica, etc. O cientista procura os sentidos literais possíveis do termo, ou seja, os significados que possa ter, marcando o limite da interpretação, e o aplicador opta ou decide por um dos diferentes sentidos admissíveis. [105]

Serão enumeradas, a seguir, algumas regras clássicas relativas à exegese literal, cuja aplicabilidade há de ser verificada.

Cada palavra pode ter mais de um sentido (e acontece também o inverso – vários vocábulos se apresentam com o mesmo significado) por isso, da interpretação puramente literal resulta ora mais, ora menos do que se pretendeu exprimir.

Contorna-se em parte, escolhido o termo, põe-se a examinar não só o vocábulo em si, mas também em conjunto, em conexão com outros, indagando-se do seu significado em mais de um trecho da mesma lei ou repositório. Em regra, SÓ DO COMPLEXO DAS PALAVRAS EMPREGADAS SE DEDUZ A VERDADEIRA ACEPÇÃO DE CADA UMA, BEM COMO A IDÉIA INSERTA NO DISPOSITIVO.

No Direito Público são usados os vocábulos no sentido técnico; no Direito Privado, em sua acepção vulgar. Em qualquer caso, entretanto, quando haja antinomia entre os dois significados, prefira-se o adotado geralmente pelo mesmo autor, ou legislador, conforme as inferências deduzidas do contexto.

Mudado, com o tempo, o sentido de uma palavra, prefere-se o da época em que o texto foi redigido em caráter definitivo, e não o da época em que é interpretado.

Vale a presunção de que a lei não contenha palavras supérfluas, devendo todas ser entendidas como escritas para influir no sentido da frase respectiva.

Na dúvida, prefere-se o sentido que generaliza o princípio concretizado numa norma, ao invés daquele que importa numa exceção.

O lapso, o engano ou a obscuridade na redação não se presume, precisa ser demonstrado claramente.

Presume-se que o legislador se esmerou em escolher expressões claras e precisas, com a preocupação mediata e firme de ser bem compreendido e fielmente obedecido. Por isso, em não havendo elementos de convicção no sentido diverso, atém-se o intérprete à letra do texto.

O preceito da precisão verbal da norma positiva, entretanto, não é absoluto, deve-se ter em vista as realidades morais, econômicas, sociais, que constituem o conteúdo efetivo da norma jurídica.

A interpretação literal é apenas um dentre os vários meios de se buscar o correto sentido e alcance da norma jurídica, sendo esse processo exegético inferior ao sistemático e ao que invoca fatores sociais.

Processo interpretativo lógico: consiste em procurar descobrir o sentido e o alcance de expressões do Direito sem o auxílio de nenhum elemento exterior, com aplicar ao dispositivo em apreço um conjunto de regras tradicionais e precisas, tomadas de empréstimo à Lógica geral. É o processo segundo o qual parte-se do simples estudo das normas jurídicas, em si, ou em conjunto, e, por meio de raciocínio dedutivo, obtém-se a interpretação correta.

O que se pretende é desvendar o sentido e o alcance da norma, estudando-a por meio de raciocínios lógicos, analisando os períodos da lei e combinando-os entre si, com o escopo de atingir perfeita compatibilidade.

Em conclusão, os extremos atribuídos à interpretação essencialmente rígida e dogmática da exegese gramatical são tão perniciosos quanto aos excessos dos contemporâneos hermeneutas lógicos que, como Maximiliano sublinha, são "arrastados pelo entusiasmo pelos elementos sociológicos, erram e resvalam ao julgamento independente dos códigos, aos arestos praeter e contra legem."

Entretanto, não podemos reduzir tudo à precisão matemática, enquadrar, em uma série de silogismos bem concatenados, todo o raciocínio do exegeta e aplicador do Direito.

Os vários processos, gramatical e lógico, completam-se reciprocamente, contribuindo todos os elementos para a maior aproximação do ideal de verdade, na escorreita interpretação da norma jurídica.

Processo interpretativo sistemático: consiste em comparar o dispositivo interpretado, com outros do mesmo repositório normativo ou de leis diversas, relativamente ao mesmo objeto.

Considera o sistema em que se insere a norma, relacionando-a com outras normas, concernentes ao mesmo objeto.

O Direito positivo não é um conglomerado caótico de preceitos, sendo uma vasta unidade de normas interdependentes, fixadas cada qual em seu lugar próprio. Dos princípios jurídicos gerais deduzem-se os corolários: uns e outros se condicionam e se restringem reciprocamente, operando, porém, em campos diversos. O exame conjunto de um dispositivo, pois, implica na análise de todos os princípios aplicáveis ao caso, na criteriosa decisão de se a adoção de um não violará outro, na apreensão do sentido dos vocábulos.

A seguir, enumeramos algumas regras gerais de interpretação clássicas e outras relativas à tributação, de forma exemplificativa, sem se ater quanto à sua aplicabilidade:

4.3 Regras Gerais de Interpretação

Se existe antinomia entre a regra geral e a peculiar, específica, esta, no caso particular tem supremacia. Em toda disposição do Direito, o gênero é derrogado pela espécie, e considera-se de importância preponderante o que respeita diretamente à espécie. Em outras palavras, lei especial prefere à lei geral.

Deve o intérprete apurar se é possível considerar um texto como afirmador de princípio ou regra geral, o outro, como dispositivo de exceção, o que estritamente não cabe neste, deixa-se para a esfera de domínio daquele.

Em disposições aparentemente contraditórias, deve-se verificar se os dispositivos antagônicos referem-se a hipóteses diversas. Se assim for, cessa o conflito, porque tem cada um sua esfera de ação especial, distinta, cujos limites o aplicador arguto fixará precisamente. Em casos de antinomia evidente, prevalecerá a Constituição Federal sobre a Estadual e esta sobre o Estatuto Orgânico do Município, a lei fundamental sobre a ordinária, e esta, por sua vez, sobre regulamentos e instruções, o Direito escrito sobre o consuetudinário.

Regras para Interpretação Tributária:

Interpretam-se estritamente as disposições que limitam a liberdade (liberdade de locomoção, trabalho, profissão, indústria e comércio, etc.). Sofrem exegese estrita as disposições que impõem limites ao exercício normal dos direitos de propriedade (uso, fruição e disposição).

Os privilégios financeiros do fisco se não estendem a pessoas, nem a casos não contemplados no texto, porém, não se interpretam de modo que resultem diminuídas as garantias do erário. Constituíram estas o fim, a razão do dispositivo excepcional.

As isenções e as simples atenuações de impostos e taxas, decretadas em proveito de determinados indivíduos ou corporações sofrem exegese estrita, e não se presumem, precisam ser amplamente provadas.

Quando um ato dispensa de praticar o estabelecido em lei, assume o caráter de exceção, interpretando-se em tom limitativo e aplicando-se às pessoas e aos casos e tempos expressos, exclusivamente.

As disposições de Direito Público não se interpretam do mesmo modo que as do Direito Privado.

Aplica-se à exegese constitucional o processo sistemático de Hermenêutica, e também o teleológico, assegurada ao último a preponderância.

É um direito soberano o de lançar impostos e taxas para custear as despesas com os serviços públicos. A sua amplitude sofre apenas as limitações expressas no estatuto básico e consagradas pelas ciências econômicas. Quanto ao poder federal, nenhuma restrição se presume.

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Pressupõe-se ter havido o maior cuidado ao redigir as disposições tributárias, designadas em linguagem clara e precisa, as pessoas e coisas alvejadas pelo tributo – ou aquelas cuja competência do Estado não atinge – e bem determinados o modo, lugar e tempo do lançamento e da arrecadação, assim como quaisquer outras circunstâncias relativas à incidência e à cobrança. Tratam-se as normas de tal espécie como se foram rigorosamente taxativas; deve, por isso, abster-se o aplicador de lhes restringir ou dilatar o sentido. Muito se aproximam das penais, quanto à exegese, porque encerram prescrições de ordem pública, imperativas ou proibitivas, e afetam o livre exercício dos direitos patrimoniais. Não suportam o recurso à analogia, nem a interpretação extensiva. As suas disposições aplicam-se no sentido rigoroso.

Assim, não se interpreta a lei tendo em vista só a defesa do contribuinte, nem tampouco a do Tesouro Público apenas. O cuidado do exegeta não pode ser unilateral, deve mostrar-se equânime o hermeneuta e conciliar os interesses em momentâneo.

O rigor é maior em se tratando de disposição excepcional, de isenções ou abrandamentos de ônus em proveito de indivíduos ou de corporações. Não se presume o intuito de abrir mão de direitos inerentes à autoridade suprema. A outorga deve ser feita em termos claros, irretorquíveis. Jamais será inferida de fatos que não indiquem irresistivelmente a existência da concessão ou de um contrato que a envolva. No caso, não tem cabimento o brocado célebre, na dúvida se decide contra as isenções totais ou parciais, e a favor do fisco, ou melhor, presume-se não haver o Estado aberto mão da sua autoridade para exigir tributos.

Prevalecem os mesmos preceitos ainda que as isenções sejam concedidas com referência a coisas, e não a pessoas. Por exemplo, quando libertam de imposto predial imóveis de institutos profissionais, igrejas, edifícios para escolas, etc., bem como a importação de máquinas agrícolas, ou o funcionamento de indústrias dignas de proteção animadora.

4.4 Interpretação econômica no Direito Tributário

Foi com Enno Becker que, na Alemanha, se introduziu a chamada "interpretação econômica do direito tributário." Combatendo o entendimento então generalizado de que o direito tributário era um mal necessário e que por isso deveria ser interpretado restritivamente, atormentado pelo exagerado formalismo predominante na matéria, o renomado jurista propôs a doutrina lastreada na preponderância do conteúdo econômico sobre a forma jurídica. Tendo em vista o princípio da capacidade contributiva do contribuinte, a doutrina afirmava, de maneira insofismável, a necessidade de se considerar na compreensão da lei tributária, o objetivo do preceito, seu alcance econômico e as suas relações com o desenvolvimento das situações da vida prática.

O Código Tributário de 1919 o dispositivo abaixo transcrito, que – lado a lado com o princípio do abuso de formas, hoje inserto no § 42 novo codex de 1977, a seguir reproduzido – revolucionando o direito tributário dentro e fora da Alemanha:

"§ 4. Na interpretação das leis tributárias devem ser considerados a sua finalidade, o seu significado econômico e o desenvolvimento das circunstâncias";

"§ 42. A lei tributária não pode ser fraudada através de abuso de formas jurídicas. Sempre que ocorrer abuso, a pretensão do imposto surgirá, como se para os fenômenos econômicos tivesse sido adotada a forma jurídica adequada".

À teoria do critério econômico conjugou-se a regra do abuso de formas, traduzida no preceito do § 5º do Código Tributário Alemão de 1919:

"Art. 5. A obrigação tributária não pode ser eludida ou reduzida mediante o emprego abusivo de formas e formulações do Direito Civil.

Haverá abuso ...:

1. quando, nos casos em que a lei submete a um imposto fenômenos, fatos e relações econômicos em sua forma jurídica correspondente, as partes contratantes escolhem formas ou negócios jurídicos inusitados para eludir o imposto, e

2. quando, segundo as circunstâncias e a forma como é ou deve ser processado, obtêm as partes contratantes, em substância, o mesmo resultado econômico que seria obtido, se escolhida fosse a forma jurídica correspondente aos fenômenos, fatos e relações econômicos."

Trata-se de um critério de interpretação das normas tributárias no qual haveria de prevalecer o significado econômico por sobre as formas jurídicas já disciplinadas. Para essa teoria, as formas jurídicas externas não são decisivas, mas antes o seu substrato econômico, uma vez que o objeto da norma do imposto são os fatos econômicos, expressão de uma presumível capacidade contributiva. Por ter um conteúdo essencialmente econômico, a lei tributária deveria ser interpretada segundo um critério próprio de interpretação, adequado para se levar em conta a realidade econômica subjacente ao fato gerador.

Sob certas críticas de opositores temerosos com a insegurança jurídica que a teoria poderia trazer, na década de 50, a interpretação econômica passou por duras objeções. Entretanto, como assinala Heinrich Beisse, a tese encontrou novas forças e ressurgiu recentemente, renovada, situando-se no campo de tensão entre a igualdade e justiça na tributação e o imperativo da segurança jurídica.

Hoje, a doutrina alemã vem reconhecendo que a "interpretação econômica’ nada mais é do que uma expressão da interpretação teleológica no direito tributário, que tem em conta os fins econômicos de tal ramo do direito. Assim, nos moldes germânicos, superando a contraposição que se colocava entre a "interpretação econômica" e "interpretação jurídica", nesses termos, a "interpretação de lastro teleológico com consideração aos critérios econômicos" passou a ser também jurídica.

A doutrina da "interpretação econômica" surgiu como reação à interpretação das normas tributárias nos moldes tradicionais. Na edificação da teoria da interpretação econômica, em seus vários enfoques e nuanças, o que se pode observar é uma reação ao normativismo e conceitualismo, que estreitava as possibilidades interpretativas o direito tributário. Entretanto, se a doutrina tradicional pendia para o privilégio excessivo da segurança, as evoluções sócio-econômicas do século XX acabaram por transformar esse apego em sacrifício da justiça, diante da superação das possibilidades dos textos legais. Por outro lado, as propostas doutrinárias "funcionais" acabaram por ser objetáveis, pelo elevado sacrifício da certeza e da segurança, que poderia conduzir a uma arbitrariedade das soluções.

Se estamos falando do "mundo do direito", o trabalho de interpretação há de ser jurídico. A interpretação econômica de uma fonte jurídica pode se dar nos domínios de outras ciências, mas não nos domínios do Direito. Em apelo à precisão terminológica, afirmamos que a interpretação econômica "jurídica" é um equívoco, pois a interpretação no campo jurídico, é sempre jurídica, embora pretenda realçar os fins do direito tributário, que repousa sobre um emaranhado de relações econômicas.

É evidente que a realidade econômica é uma variável fundamental para a lógica tributária, mas esta, em respeito ao princípio da legalidade, só pode se mostrar, se sua expressão for incorporada ao "mundo do direito", o que é decorrência da própria característica autopoiética do sistema do direito positivo. A ciência das finanças é uma disciplina rica de informações, mas é despida de critérios decisivos para a solução de problemas jurídico-tributários, exceto quando o próprio direito incorpora em seu sistema os dados ou conceitos daquela ciência, conferindo-lhes juridicidade.

A conclusão a que chegamos é que a substituição do critério jurídico, que é objetivo e seguro, pelo critério econômico do fato gerador, implica trocar o princípio da legalidade por cânones de insegurança e de arbítrio, incompatíveis com o sistema constitucional brasileiro, pois ao se levar em consideração e sem restrições o critério econômico, sem se atender à forma jurídica, atingir-se-ia conseqüências que são totalmente insusceptíveis de controle jurídico.

A prevalência do elemento econômico e a atribuição ao intérprete da faculdade de apreciar se, no caso concreto, existe ou não a possibilidade de aplicar a lei, conduz logicamente à criação livre do direito. Em 1934, a Lei de Adaptação Tributária alemã pôde tornar evidente o risco das doutrinas de interpretação que possam conduzir à livre criação do direito, ao introduzir o "princípio da prevalência da ideologia política", que determinava que as leis tributárias deveriam ser interpretadas segundo as concepções gerais do nacional-socialismo. Da mesma forma na Rússia Soviética, a partir de 1917, permitiu-se aos juízes e agentes administrativos, casuisticamente, aplicarem, ou não, as normas do direito antigo, conforme se entendesse fossem elas compatíveis, ou não, com a ditadura do proletariado.

Assim, em razão do equilíbrio pelo qual direito tributário deve ater-se, e tendo em vista a natureza estranha à dogmática do direito, a interpretação econômica, nos moldes em que foi concebida, deve ser refutada. De outro lado, não há como afastar por completo a "consideração econômica" do meio tributário, sob pela de eliminarmos do direito impositivo qualquer idéia concreta de justiça e isonomia. Porém, é certo que o direito fornece mecanismos mais adequados à interpretação.

Em síntese, no que tange às imunidades tributárias, a relação econômica só pode provocar o efeito jurídico tributário se tal relação for configurada pelas normas jurídicas, de tal modo que a obrigação tributária surja pela vontade da lei. Da mesma forma, a consideração econômica só pode afastar da moldura jurídica determinada situação, tendo-a como imune, se pudermos extrair tais regras imunizantes de elementos juridicizados, isto é, se, nos domínios de uma interpretação jurídica, pudermos entender tais dispositivos.

Para Onofre Alves Batista Júnior, a "consideração econômica", que diga-se de passagem, não se confunde com a teoria da interpretação econômica preconizada por Enno Becker, está no seio da interpretação teleológica do direito tributário. Da sua utilização, em conjunto com os elementos literal, histórico ou sistemático, é que pode resultar a conclusão de que a situação não prevista estritamente na letra da regra pode afinal ser a ela reconduzida mediante uma interpretação adequada. É exatamente nesse elemento teleológico que se poderia perceber uma relevante perspectiva econômica, mas sempre no âmbito de uma interpretação jurídica [106]

Na verdade, não há nenhuma interpretação econômica, mas somente jurídica. É na interpretação jurídica, com foco na teleológica, que há consideração do substrato econômico do fato jurígeno. Contudo, fica registrado o cuidado que tal interpretação deve ser levada a cabo, pois se, por um lado, é importante considerar os fins econômicos da norma, de outro lado, não se justifica que prevaleça no direito tributário os princípios gerais de investigação das ciências econômicas. Portanto, o substrato econômico, observado no elemento teleológico da norma tributária, assenta-se na finalidade da lei, entretanto, concorrendo diversos fins, todos eles devem ser tomados em consideração.

Isto porque, não se deve confundir a consideração econômica com concepções de economia política ou de economia financeira, pois a consideração econômica faz parte do método de interpretação jurídica segundo a sistemática da lei e a finalidade das disposições. Assim, os limites de tal interpretação teleológica são balizas intransponíveis, fixadas pela própria expressão da letra da lei, a qual delineia o limite possível das palavras e a configuração dos pressupostos de fato.

Os efeitos da exegese teleológica acarretam, como conseqüência, e segundo classificação dos resultados da interpretação, em uma interpretação declarativa, restritiva ou extensiva.

Será extensiva quanto o interprete, na construção da norma jurídica, ultrapassa o que resulta dos termos estritos de sua letra. Conduz tal resultado interpretativo a que se cogite das conseqüências que a mesma comporta e estão ínsitos no seu sentido. Todavia, na interpretação extensiva, o texto não é alterado, pois isto é tarefa do legislador e não do intérprete, mas a regra que se contém no texto é que necessita de uma formulação correta, mais ampla, e alcançada quando, iniciando-se no plano da literalidade textual, passa-se ao conteúdo e, finalmente, ao domínio das significações jurídicas, em que se percebe a necessidade de ampliação do sentido da letra da lei.

Na interpretação restritiva, ocorre o contrário, há uma limitação ao sentido da letra da lei, restringindo a abrangência de sua hipótese.

Contudo, quaisquer que sejam os resultados da interpretação nunca se poderá ultrapassar os limites do texto.

Segundo Karl Larenz, não se pode perder de vista que "o que está para além do sentido literal linguisticamente possível e é claramente excluído por ele, já não pode ser entendido, por via da interpretação." [107]

Desta forma, o intérprete, ao proceder ao trabalho hermenêutico mediante o sentido teleológico da norma, deve atentar como balizas os limites do sentido literal do texto constitucional, sob pena de inconstitucional desprezo à própria Carta Suprema.

Como assenta Karl Larenz [108], o significado estrito identifica-se com o "âmbito nuclear" do termo, e por outro lado, o significado amplo, compreende, também, fenômenos da "franja marginal", que no uso lingüístico geral, só algumas vezes se tem em conta. O que transcender à franja marginal, já não será interpretação.

Conforme expõe Onofre Alves Batista Júnior

Do ponto de vista doutrinário, porém, a interpretação extensiva se limita a escolha de um dos sentidos possíveis que se possa extrair da letra da lei, ou seja, pressupõe que determinada situação não está compreendida diretamente no texto expresso, entretanto está no seu espírito. [109]

e arremata:

Na interpretação das regaras constitucionais de imunidade, em especial porque se está perante normas exclusivas de situações do alcance da faixa mais genérica aberta pelas normas competenciais, não se pode, calcado em puras considerações econômicas, com base em meros juízos subjetivos do intérprete, decotar fatias de poder de tributar. Não se deve desconhecer que o programa normativamente estabelecido é, claramente, o de se preservar a generalidade da tributação, em atenção aos princípios da igualdade e da solidariedade social, por sobre todos os signos de capacidade econômica.

Carlos Maximiliano também acompanha esta idéia: "Não se deve ficar aquém, nem passar além do escopo referido;o espírito da norma há de ser entendido de modo que o preceito atinja completamente o objetivo para o qual a mesma foi feita, porém dentro da letra dos dispositivos." [110]

A conclusão que chegamos pelo exposto é a seguinte, a interpretação constitucional tributária, apesar de não poder ser pautada sempre pela literalidade do texto, encontra limites no próprio texto, que não podem ser ultrapassados ou desconsiderados.

São estas, em síntese, as considerações que sentimos necessidade de tecer quanto à interpretação econômica no direito tributário, com vistas ao tema do trabalho, as imunidades.

4.5 A interpretação dos preceitos imunizantes

Observa-se pelo que foi exposto, que os preceitos constitucionais que desencadeiam as imunidades também necessitam ser interpretados.

Assim, qual deve ser a interpretação das normas imunitórias, deveriam elas ser interpretadas extensivamente, literalmente, ou restritivamente???

Neste aspecto, a partir da polêmica que se estabeleceu entre doutrinadores que reivindicavam às imunidades interpretação extensiva – invocando o argumento de ser injustificável se conferir à imunidade uma interpretação amesquinhadora do princípio fundamental que a justifica – e, de outro lado, aqueles que as subordinassem à uma exegese restritiva – imputando-lhes, com questionável e duvidoso acerto, o método aplicável às isenções – tem prevalecido, nos tribunais, o entendimento de que tais comandos devem conduzir a uma exegese mais ampla de seus dispositivos.

A intenção desta breve consideração acerca da interpretação das imunidades é a de indagar como deve ser procedida a hermenêutica das imunidades. No tocante à interpretação ampliativa, questiona-se aqui se é possível determinar-se um momento - na sucessão de situações que se relacionam ao princípio a ser resguardado – a partir do qual já não se possa reclamar a imunidade; onde o valor a ser preservado seja já tão tênue de forma a não mais encontrar guarida na norma imunizante.

Por um lado, a postura "fiscalista" que conduz a uma interpretação restritiva das imunidades, motivada por sua excepcionalidade em face da universalidade da tributação, a norma imunizante há que ser relegada. Imunidades tributárias são comandos constitucionais que encerram valores e princípios a serem tutelados, merecendo uma interpretação teleológica. De outro lado, entretanto, a exegese ampliativa não deve ser absoluta, pois as imunidades tributárias são regras, não se devendo perder de vista também o seu conteúdo ontológico.

Tome-se como exemplo, para início do tema, o teor da norma imunizante descrita no artigo 150, VI, "d", da CF. Quis ali a Constituição brasileira tão-só reafirmar e reforçar o princípio da liberdade de expressão, motivo pelo qual os entes tributantes não têm competência para impor a exação a tais situações.

Por absurdo, poder-se-ia chegar, mediante uma interpretação extensiva, à situação de que operações envolvendo a semente da árvore da qual se extrai o papel destinado à publicação de livros – na hipótese do artigo 150, VI, d da Constituição Federal – fossem amparadas pela norma imunizante, apenas para citar-se um exemplo singelo. Os desdobramentos poderiam ser ainda mais desastrosos, se o raciocínio enveredasse para situações envolvendo toda a cadeia produtiva antecedente à finalização de um livro ou periódico.

Vê-se a relevância de se aplicar, pelos métodos interpretativos peculiares à Ciência do Direito, a mais adequada e cautelosa exegese à norma imunizante, que não deve albergar situações e pessoas que não as intentadas pela Constituição, pois se não se estabelecesse um critério de interpretação coerente das regras positivadas e da principiologia constitucional, correr-se-ia o risco de ver estendida ao infinito a cadeia de situações e pessoas que guardam algum nexo com o dito valor implícito no princípio que se visa a resguardar mediante a norma imunizante.

Assim, passa-se a analisar a forma como deve ser interpretado o preceito imunizante, atento aos dois pólos doutrinários, um que entende que ela deve ser extensiva, que tem afinidade com a interpretação econômica do direito tributário, e outra que protesta que deva ser restritiva, por ser uma norma de exceção.

Como afirma Carlos Maximiliano [111], o direito é uma ciência primariamente finalística, e por isso mesmo sua interpretação há de ser, na essência, teleológica. Por essa razão, a norma deverá ser interpretada de modo a melhor corresponder àquela finalidade e assegurar plenamente a tutela do interesse para a qual foi redigida.

Na compreensão das regras de imunidade, portanto, podemos igualmente verificar que é a partir da utilização do elemento teleológico que se pode concluir que uma situação aparentemente atributiva de competência, em realidade, mediante uma interpretação adequada da norma de imunidade, não pode ser tributada. É exatamente nesse elemento teleológico que se pode perceber uma relevante perspectiva econômica, mas sempre no âmbito de uma interpretação jurídica, para que não incorramos no perigo que a interpretação econômica traz para os átrios do direito (observe a crítica feita alhures, na parte em que trata-se da interpretação econômica do direito tributário).

O artigo 5°, da Lei de Introdução ao Código Civil dispõe que:

"Art. 5° Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum."

Vê-se, deste modo, positivado no ordenamento jurídico brasileiro a interpretação teleológica, com a vantagem de acentuar que toda lei se destina a cumprir uma finalidade social. A consideração desse elemento teleológico, portanto, que deriva da exigência de busca da finalidade social da lei, se faz necessária para trazer à consideração do intérprete os valores materiais básicos estabelecidos no ordenamento jurídico, que vêm veiculados normativamente, sobretudo, pelos princípios constitucionais.

Em suma, a questão da interpretação da norma imunitória refere-se aos resultados de sua interpretação, sempre tendo em vista que teve ser observado a lei, em seu sentido último. A orientação da aplicação da norma com vistas ao bem comum que permite a interpretação teleológica com o objetivo de alcançar os objetivos esculpidos na Constituição Federal, sem, contudo, ultrapassá-los ou rompê-los, de modo que não pode o intérprete, com fulcro em uma interpretação teleológica extrapolar os limites do texto legal.

A interpretação é uma regra de conjunto, na medida em que o intérprete deve levar em consideração todo o ordenamento jurídico com o objetivo de construir o sentido da norma imunitória, naquele plano que Paulo de Barros chamou de domínio das significações jurídicas.

Neste sentido, as normas imunizantes devem ser interpretadas, em princípio, nem estrita, nem extensivamente ou literalmente, mas em conjunto com todo o ordenamento jurídico. Ou seja, não podemos chegar a conclusão de que deve prevalecer este ou aquele critério, devemos ter em vista o ordenamento jurídico positivo como um todo, se o caso analisado, não se revelar, como no caso da imunidade recíproca entre os entes federados, a interpretação há de ser extensiva. Se, por outro giro, o vetor capacidade econômica encontrar reforço de outros princípios, tais como princípio da livre concorrência no desempenho de atividades econômicas, a interpretação há de ser restritiva, sempre com vistas ao princípio da unidade da constituição.

Ao desenvolver a atividade de interpretação da norma imunizadora, a natureza e as finalidades da imunidade são essenciais, de pronto, afastando a interpretação literal própria das isenções, instituto esse que, até há pouco tempo, confundia-se com a imunidade e vice-versa.

O que estamos querendo exprimir é que, em razão de sua incompetência tributária, as pessoas políticas não podem nem mesmo isentar o que já é imune. Quanto mais ignorar ou costear as situações de imunidade. Tampouco podem fazer com que, por intermédio de uma interpretação restritiva, restem atropelados os comandos constitucionais que tratam destes assuntos. [112]

Como nos ensina Ruy Barbosa Nogueira,

se a Constituição (o poder de tributar) exclui no ponto examinado, o tributo não pode existir por meio de raciocínio ou interpretação, pois nem mesmo a lei poderá criar o tributo..." (p. 22), e acrescenta, em seu Curso de Direito Tributário (4. ed. São Paulo, IBDT), "se o intérprete tiver em mente, ao examinar a tipicidade de cada tributo, a natureza e finalidade de cada um; se ao examinar cada instituto ou cada disposição tiver presente a finalidade objetiva, muito facilitará a compreensão e alcance das respectivas normas. [113]

Bernardo Ribeiro de Moraes explica: "Nas normas imunitárias devem ser interpretadas através de exegese ampliativa. Não podem ser restritivamente interpretadas, uma vez que o legislador menor ou o intérprete não podem restringir o alcance da Lei Maior" [114]

Por conseguinte, deve ser levado em conta, ao se buscar o conteúdo e o alcance das regras de imunidade, não só o sistema constitucional como um todo – método sistemático de interpretação, mas, especialmente, sua teleologia, não procurando restringi-la, e atendo aos limites do texto legal, que não admite que sejam substituídos os critérios de hermenêutica jurídica por critério da Ciência das Finanças ou da Economia.

4.6 Contribuinte de direito e de fato, a repercussão econômica dos impostos indiretos

Entendemos ser valioso nos debruçarmos sobre a questão do contribuinte de direito e contribuinte de fato, no que tange aos impostos indiretos em aposição às imunidades.

Há impostos que o encargo econômico é transferido a terceiros. Nestes casos, a repercussão econômica recai sobre uma pessoa que não é o contribuinte do imposto. Vale dizer, a pessoa que efetivamente suporta o ônus do imposto não é a colocada na condição de sujeito passivo da obrigação tributária, mas uma terceira pessoa que não participa da relação jurídica, como é o caso do ICMS, em que o contribuinte de direito é o comerciante, mas quem efetivamente acaba por suportar a carga tributária é o consumidor, denominado por alguns autores como contribuintes de fato.

Por tais motivos a doutrina elaborou a classificação dos tributos em diretos e indiretos. Diretos seriam os que não apresentam repercussão econômica, e os indiretos são aqueles cujo impacto da carga tributária a transferido a terceira pessoa que não participa da relação jurídica tributária.

Alguns autores, com vistas a estas situações erigiram as categorias de contribuintes de direito e contribuintes de fato. Os contribuintes de direito são aqueles que mediante a incidência da regra-matriz figura no pólo passivo da obrigação tributária, os contribuintes de fato são aqueles que, apesar de não integrar a relação jurídica tributária na condição de sujeito passivo, suporta definitivamente o ônus tributário.

Até a década de 60, capitaneada pelo posicionamento de Aliomar Baleeiro, a jurisprudência predominante no STF reconhecia a imunidade dos entes públicos nas situações em que estes eram "contribuintes de fato", dos impostos sobre consumo. O RE 68.215/SP reconhecia a imunidade quando a pessoa imune figurava como contribuinte de fato. Entretanto, a partir do julgamento dos Embargos de Divergência no mesmo recurso, o RE 68.215 (DJ 14.04.71), o ponto de vista de Aliomar Baleeiro se tornou minoritário, havendo decidido o Pleno que "se, na conformidade da lei, o contribuinte é o industrial ou quem a lei a ele equiparar, pouco importa para o efeito da imunidade ou isenção, a repercussão econômica do tributo."

O reconhecimento do contribuinte de fato, esposado por Aliomar Baleeiro (RE 68.215), encontrava sua justificação em uma interpretação econômica que se sobrepunha à forma jurídica.

A questão relativa ao contribuinte de fato e contribuinte de direito, encontra seu cerne, justamente, na oposição entre realidade econômica e forma jurídica.

A forma jurídica não admite o denominado "contribuinte de fato", pois legalmente o contribuinte é aquele que ocupa a posição de sujeito passivo da obrigação tributária, o que decorre da própria regra-matriz de incidência tributária. A regra-matriz não menciona aqueles que a doutrina de Aliomar Baleeiro denominou de "contribuintes de fato", sendo que construindo o mínimo irredutível do deôntico, para usar a expressão cunhada por Paulo de Barros Carvalho, através do conhecimento dos critérios material, pessoal, temporal, espacial e quantitativo, percebemos que o "contribuinte de fato" é estranho à relação jurídica tributária. Em síntese, a figura do "contribuinte de fato" é alheia à realidade do direito positivo.

É pela interpretação econômica, anteriormente explicada, que surge a figura em questão, ou seja, considerando a repercussão da exação é que constrói-se a tese segundo a qual quem, de fato, arcaria com o ônus tributário seria terceiro que não figura na relação jurídica, e isto porque, nos imposto ditos indiretos quem paga o preço pela mercadoria, no caso do ICMS, suportaria a carga tributária.

Ocorre que, a tal conclusão, não se é possível chegar pela hermenêutica jurídica, senão apenas pela "interpretação econômica", e não se trata da interpretação teleológica, posto que extravasa a possibilidade de interpretação da lei.

A partir daí, portanto, prevaleceu o entendimento de que não se pode sobrepor á forma jurídica a realidade econômica para excluir uma obrigação fiscal previamente definida na lei, isto é, o contribuinte de fato é estranho à relação jurídico-tributária e não pode alegar, a seu favor, a imunidade. A consolidação das posições, até ensejaram a súmula 591 do Supremo Tribunal Federal:

"591 - A imunidade ou a isenção tributária do Comprador não se estende ao produtor, contribuinte do Imposto sobre Produtos Industrializados."

Já mais recentemente, (REA 206.169, 2° Turma, Relatos Ministro Marco Aurélio, DJ 05.06.98), um dos motivos pelos quais se negou a um sindicato a imunidade sobre o ICMS relativo à compra de um veículo foi exatamente o fato de que o contribuinte de direito é o vendedor do veículo, e não o comprador.

Em nossa opinião, em impostos de repercussão, nos quais o encargo econômico é transferido a terceiros, como no IPI e o ICMS, razão parece ter Paulo de Barros Carvalho, que esclarece que a relação jurídica tributária se instala entre o "sujeito pretensor" e "sujeito devedor", sem a participação de terceiros. Deste modo, a formulação teórica não pode ficar conspurcada pela contingência de a entidade tributante, comparecendo como contribuinte de fato, ter de arcar com o peso da exação, pois aquilo que desembolsa não é o tributo, na lídima expressão de seu perfil jurídico.

O que ocorre nestes casos, não é o pagamento do tributo em si, mas do preço da mercadoria, quem paga o tributo (no caso do ICMS) não é o comprador, mas o vendedor, e se este não goza de imunidade, não há de se falar que o tributo não seja devido. A situação imune, de fato, nos impostos de repercussão, quando figura como compradora dos produtos ou serviços não paga tributo, mas paga o preço dos bens e serviços contratados.

O sujeito passivo da relação jurídico-tributário é aquele que a lei determina, a qual o coloca na condição de contribuinte. Deste modo, se tal pessoa não goza de imunidade, ou se a situação não se mostra imune, não estamos diante de nenhuma inconstitucionalidade. Nesta situação, a pessoa imune não faz parte da relação jurídica tributária e, por conseguinte, por ela nada é devido aos cofres públicos.

A este respeito, vale trazer as palavras de Hugo de Brito Machado:

O argumento de que o imposto sobre produtos industrializados (IPI) assim como os impostos sobre operações relativas à circulação de mercadorias (ICMS) não incidem na saída de mercadorias que o particular (industrial, comerciante ou produtor) vende ao Poder Público, porque o ônus financeiro respectivo recai sobre este, não tem qualquer fundamento jurídico. Pode ser válido no âmbito da Ciência das Finanças. Não no Direito Tributário. A relação tributária instaura-se entre o industrial, ou comerciante, que vende, e por isto assume a condição de contribuinte, e a Fazenda Pública, ou fisco, credor do tributo. Entre o Estado comprador da mercadoria e o industrial, o comerciante, que a fornece, instaura-se uma relação jurídica inteiramente diversa, de natureza contratual. O Estado comprador paga simplesmente o preço, mas neste também está incluído o salário dos empregados do industrial, ou comerciante, e nem por isto se pode dizer que há no caso pagamento de salários. Tal inclusão pode ocorrer, ou não. É circunstancial e independe de qualquer norma jurídica. Em última análise, no preço de um produto poderão estar incluídos todos os seus custos, mas isso não tem relevância para o Direito, ou pertinente à questão de saber quem paga tais custos. [115]

A realidade é que a consideração econômica pode mesmo vir embutida no elemento teleológico da interpretação, todavia, não se pode a ela dar força para transpor o jurídico, para pôr de lado toda a forma jurídica em prol de um raciocínio puramente econômico. Não pode-se desconsiderar as disposições jurídico-positivas e atermo-nos somente ao critérios da Ciência das Finanças. Imunes são os destinatários das normas de imunidade que participam da relação jurídica tributária e, ultrapassar esses limites, é exorbitar a letra da norma, pondo-se de lado todo o raciocínio jurídico.

Desta forma, a lógica de que o custo de um produto vem embutido o imposto (que deve ser afastado quando, por exemplo, a entidade estatal figura como compradora) só pode ser verdadeira em campos tais como a Contabilidade e as Finanças, mas nunca nos domínios da Dogmática Jurídica. O afastamento do imposto poderia, na prática, redundar apenas em maiores ganhos para o particular vendedor, em detrimento do Erário, pois poderia o ente público pagar o mesmo preço final.

Assim, esperamos ter abordado a questão com clareza, sendo certo que já se acha consolidado que não se pode, para afastar a obrigação tributária, a figura da imunidade do "contribuinte de fato".

Sobre o autor
Ari Timóteo dos Reis Júnior

Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Ex-Procurador do Estado de Minas Gerais. Procurador da Fazenda Nacional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS JÚNIOR, Ari Timóteo. Imunidade tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2613, 27 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17284. Acesso em: 23 nov. 2024.

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