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Os meios para a efetivação da tutela antecipada

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Agenda 16/09/2010 às 14:02

3 TUTELA ANTECIPADA

Estruturas de antecipação da tutela não são recentes no ordenamento jurídico. Desde a Roma antiga já se visualizava mecanismos semelhantes ao da tutela antecipada prevista no atual art. 273 do Código de Processo Civil que protegiam o direito do autor urgente e provisoriamente. [71]

Há registros de doze espécies de antecipação do direito tutelado pelo autor no direito romano. Tinham elas as seguintes características:

(a) tinham caráter administrativo ou de política administrativa; (b) eram condicionais porque, em caso de desobediência, obrigavam o exame mais detido dos fatos para verificação da subsistência da ordem; (c) a cognição era sumária (summaria cognitio) do pretor; d) a ordem de pretor tinha caráter provisório, podendo ser confirmada ou revogada pelo judex unus; (e) ostentavam caráter proibitório (vedação da prática de um ato), exibitório (ordem para apresentação de uma coisa) ou restituitório (para restituição). [72]

Como exemplo, a Lei das XII Tábuas previa o addictus e o nexus. Neste, o devedor ficava à disposição do credor para pagar a sua dívida com o seu trabalho e só era liberado quando prestasse serviços suficientes para saudar a débito. No addictus, o devedor era privado desde já de sua liberdade por sessenta dias, período que tinha para cumprir a obrigação. Não o fazendo nesse período, o credor estava autorizado a vendê-lo como escravo. [73]

Outros institutos do direito romano podem ser citados para melhor ilustrar este antigo meio acautelatório da prestação jurisdicional, que seria o antecedente remoto da presente tutela antecipada, como a missio in possessionem, na qual o autor era imitido na posse dos bens do devedor; a cautio damni infecti, que caracterizava medida acautelatória com a prestação de caução pelo demandado a fim de evitar possíveis danos ao requerente; a pignotis capio, que consistia na apreensão dos bens do devedor a fim de obrigá-lo ao pagamento da dívida. [74]

Na Alemanha os antigos interditos romanos eram chamados de inhibitiones e trouxeram em período remoto as noções do periculum in mora e do fumus bonus iuris, sendo comumente usado no direito alemão da época clássica. [75]

Em que pese os interditos do direito romano tenham sido os antecedentes antigos da tutela antecipada regulada pelo artigo 273 do Código de Processo Civil existem essenciais diferenças entre os institutos.

Os interditos tinham muitas vezes caráter de satisfação definitiva para o requerente, enquanto a antecipação de tutela tem em sua natureza a característica da provisoriedade, podendo ser revogada ou modificada, e dependente de confirmação na sentença. [76]

O sistema processual brasileiro já admitia desde o Código de Processo Civil de 1939 hipóteses de "prévia cognição para a prática de atos executivos em sentido lato" [77]. Não era, como hoje, regra geral que abrangia qualquer caso de cognição, mas casos específicos, como as liminares possessórias, as liminares de busca e apreensão previstas no art. 3º do Decreto-Lei 911/1969 e a imissão na posse nas desapropriações. [78]

O legislador de 1973 no novo Código de Processo Civil elencou mais possibilidades de se antecipar os efeitos da tutela jurisdicional além das já existentes, como no despejo liminar e na possibilidade de concessão de medida de caráter liminar da ação civil pública, por exemplo. [79]

O código de 1973 atribuiu ao juiz o importante poder geral de cautela ao possibilitar ao mesmo a determinação de medidas que assegurassem a tutela final quando existisse a possibilidade de lesão grave ou de difícil reparação, em seu artigo 798. [80]

Quando da introdução do poder geral de cautela no sistema processual civil a doutrina se dividiu em três vertentes. A primeira defendia a tese de que o poder atribuído ao juiz possibilitava, inclusive, antecipar a própria pretensão do autor. Em sentido contrário, encontravam-se doutrinadores que não aceitavam a antecipação da tutela em si ao autor, tendo em vista que o objetivo da norma era apenas o de proteger a prestação jurisdicional ao final do processo, tendo natureza estritamente cautelar. Entre essas duas correntes doutrinárias existiam os que aceitavam a antecipação da própria pretensão do autor quando esta fosse a única alternativa para resguardar o resultado útil do processo. [81]

No entanto, mesmo com a abrangência pouco maior do Código de Processo Civil de 1973 nas hipóteses restritas de antecipação da tutela (exceções) e com o poder geral de cautela atribuído ao magistrado, a regra geral ainda era a de se esperar o término do processo de conhecimento para que se iniciasse qualquer ato executivo. [82]

Porém, com a discussão doutrinária acerca da abrangência do poder geral de cautela a doutrina e os operadores do direito na praxe forense passaram a utilizar-se de forma inadequada do art. 798 do Código de Processo Civil. Os tribunais que, de início, filiavam-se à corrente doutrinária que não aceitava a antecipação da tutela em si ao autor, logo passaram a se filiar à doutrina mais abrangente do poder geral de cautela do juiz, com a possibilidade de antecipar a própria pretensão do autor. [83]

A demora no julgamento das lides no judiciário passou a ser contornada com o uso indiscriminado da tutela cautelar. [84] Logo surgiram os abusos nas concessões de cautelares, alcançando tutelas antecipadas não somente satisfativas, mas, pior, irreversíveis, o que fadava à pena de morte os direitos do réu ao contraditório e à ampla defesa. [85]

Diante dessa desordem na aplicação da tutela cautelar adveio a reforma processual de 1994, com a Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de 1994. A referida norma alterou o artigo 273 do Código de Processo Civil, que passou a ter a seguinte redação:

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

§ 1o Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento.

§ 2o Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.

§ 3o A execução da tutela antecipada observará, no que couber, o disposto nos incisos II e III do art. 588.

§ 4o A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada.

§ 5o Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento.

A reforma processual reorganizou a sistematização da tutela cautelar, retirando a carga abusiva que estava sendo colocada sobre este instituto, e ampliou a tutela antecipada a todo processo cognitivo, desde atendidos os requisitos impostos pelo legislador. [86]

Tutela antecipada é, assim, instituto que antecipa em favor do autor a prestação jurisdicional que só alcançaria ao final do processo, viabilizado por meio de decisão interlocutória. Não é, entretanto, o julgamento antecipado, mas sim uma medida provisória que é concedida quando preenchidos os requisitos legais. [87]

A antecipação da tutela é um adiantamento dos efeitos executivos e mandamentais decorrentes da prestação jurisdicional final, motivado pela urgência e pelo direito evidente do requerente, satisfazendo antecipadamente sua pretensão. [88]

3.1 TUTELA ANTECIPADA E TUTELA CAUTELAR

Entre a tutela antecipada e a tutela cautelar se pode verificar pontos em comum, como a provisoriedade e a revogabilidade, pois podem ser modificadas ou revogadas a qualquer momento pelo próprio prolator da decisão de concessão da medida, muito embora existam cautelares satisfativas como as de produção antecipada de provas. Há, também, diferenças extremas entre ambas, como se verá adiante. [89]

Tanto a cautelar quanto a antecipação da tutela fazem parte do gênero "tutelas de urgência" e visam a prevenção de danos possivelmente causados às partes preocupando-se com a efetividade do processo. [90]

No tocante às diferenças entre dos institutos não são poucas as divergências entre ambas. Inicialmente, quando da antecipação da tutela ocorre a precipitação dos efeitos da futura sentença de mérito, enquanto na tutela cautelar é apenas um instrumento para a futura satisfação, não admitindo a antecipação dos efeitos do julgamento do mérito. [91]

Tem a tutela cautelar o objetivo primordial de assegurar que o direito pleiteado na ação seja resguardado para futura execução da decisão de mérito, não pode realizá-lo. A prestação jurisdicional que satisfaz a pretensão da parte não é tutela cautelar. [92]

Para que exista a tutela cautelar deve haver a referência ao direito que se pretende assegurar, se é desprovida de referência a outro direito não há que se falar em tutela cautelar. [93]

Outra dessemelhança que pode ser observada nas características destas duas tutelas de urgência são os requisitos de fumus bonus iuris, exigida para a concessão da cautelar, e a verossimilhança, necessária ao deferimento da antecipação. [94]

A fumaça do bom direito exigida pela cautelar é suprida com a exposição de fatos que torne possível o convencimento sobre a plausibilidade do direito. Diferentemente, para a antecipação da tutela se exige prova inequívoca, ou seja, prova contundente, evidente, embora não alcance a certeza. [95]

As decisões de concessão da medida cautelar são calcadas em juízo superficial de probabilidade do direito invocado, ao passo que a tutela antecipada exige a probabilidade máxima. [96]

Com relação ao conteúdo das medidas ora diferenciadas, tem-se que na cautelar o pedido não precisa ser idêntico ao da tutela definitiva, à medida que o pedido da antecipação deve imperiosamente guardar relação com o direito pleiteado. [97]

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Finalmente, quanto à necessidade de requerimento das tutelas cautelar e antecipada, a primeira pode ser concedida de ofício com fundamento no poder geral de cautela concedido ao magistrado, mas o juiz está vinculado ao pedido da parte para proferir decisão que antecipe a tutela. Não pode o magistrado, portanto, conceder a antecipação de ofício, sem requerimento da parte interessada [98] (muito embora exista entendimento contrário demonstrado no momento oportuno neste trabalho).

Ante o exposto, constatam-se grandes diferenças entre os institutos da antecipação de tutela e da tutela cautelar, desde o conteúdo diverso aos seus requisitos exigidos, também sensivelmente distintos, muito embora existam semelhanças.

3.2 REQUISITOS DA TUTELA ANTECIPADA

O legislador processual estabeleceu requisitos para a concessão da tutela antecipada no artigo 273 do Código de Processo Civil. São eles: requerimento da parte; prova inequívoca; verossimilhança das alegações; fundado receio de dano irreparável ou se difícil reparação, ou, abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu. [99] Além destes, há ainda o requisito negativo da inexistência de perigo de irreversibilidade do provimento adiantado. [100]

3.2.1 Requerimento da parte

Para que seja concedida a antecipação da tutela um dos requisitos elencados no caput do art. 273 é o pedido da parte. Por parte entenda-se todo aquele que estiver no pólo ativo da relação processual, seja o autor, o reconvinte, o embargante, etc. [101]

No entendimento de Cassio Scarpinella Bueno o réu ou o pólo passivo da relação processual não pede a tutela jurisdicional, limita-se a resistir à pretensão do autor, motivo pelo qual é ilógica a concessão de tutela antecipada a requerimento do réu. [102]

Com fundamento diverso João Batista Lopes também limita o requerimento da antecipação da tutela ao pólo ativo da demanda, pois, de acordo com o autor, em que pese a expressão "requerimento da parte" disposta no art. 273 do Código de Processo Civil possa dar ensejo à interpretação ampla que inclua autor e réu, logo após a norma refere-se à "tutela pretendida na inicial", gerando a impossibilidade de antecipação para pólo passivo da demanda, eis que limita a antecipação aos pedidos da inicial. [103]

Entretanto, Paulo Afonso Brum Vaz e Luiz Guilherme Marinoni admitem que a antecipação de tutela seja deferida ante o requerimento feito pelo réu nas ações de natureza dúplice, pois nelas o pólo passivo "assume a condição de autor". [104]

Luiz Guilherme Marinoni [105], ao tratar da antecipação da tutela ao réu quando este se limita a apresentar contestação em ações que não sejam dúplices, dá exemplo de hipótese em que esta antecipação seja admissível:

Se o autor pode requerer a tutela antecipatória na pendência de ação declaratória que objetiva declarar a legitimidade de um ato, o réu também poderá, em tese, solicitar a tutela antecipatória na ação declaratória de ilegitimidade de ato se, em face do caso concreto, estiverem presentes circunstâncias que façam crer que o autor praticará atos que impedirão o réu de praticar o ato que supõe legítimo. A tutela inibirá o autor de praticar atos que poderiam impedir o réu de praticar o ato que, em caso de improcedência, será declarado legítimo.

No tocante à concessão da tutela antecipada a requerimento da parte tópico importante se desponta. Trata-se da possibilidade de concessão ex officio pelo juiz, mesmo sem qualquer requerimento da parte.

Em sua maioria a doutrina não aceita essa possibilidade, ao argumento de que seria uma afronta aos princípios do dispositivo e da inércia, vigentes no processo civil, pois a lei expressamente prevê como condição para o deferimento da medida o requerimento da parte. [106]

No sentido da inadmissibilidade de atuação de ofício pelo magistrado, José Joaquim Calmon de Passos leciona: "a lei não oferece exceção, reclamando sempre a iniciativa do interessado para que haja a antecipação da tutela". [107]

José Roberto dos Santos Bedaque, apesar de acompanhar o entendimento de que a tutela antecipada deve ser requerida pela parte, argumenta que em casos excepcionais em que corra risco de perecimento o direito a atuação de ofício do juiz pode ser autorizada. [108]

Luiz Fux, citado por Paulo Afonso Brum Vaz, ensina que "tanto a revogação quanto a modificação devem ser ‘requeridas’, vedando-se em princípio a atividade ex officio". O autor faz exceção, porém, aos direitos indisponíveis, que mereceriam tratamento diverso. [109]

3.2.2 Prova inequívoca e verossimilhança da alegação

O segundo requisito imposto pelo caput do artigo 273 para o deferimento da antecipação da tutela é a existência de prova inequívoca.

Como bem observa João Batista Lopes, nenhuma prova é inequívoca, mesmo as dotadas de valor certo por lei, as provas legais e as constituídas de fé pública. Todas elas passarão pela apreciação do julgador. [110]

Para que seja deferida a tutela antecipada, as provas apresentadas pelo autor devem ter um grande grau de convencimento, não podendo ser oposta contra ela qualquer dúvida razoável. [111]

Tratando-se de antecipação dos efeitos da sentença de mérito a prova inequívoca exigida pelo artigo 273 deve ser mais inabalável, contundente e arraigada do que a exigência feita para a caracterização do periculum in mora, sendo esta uma análise mais superficial. [112]

Por inequívocas se devem entender as provas que sejam robustas e convincentes, dando grande segurança de possibilidade de existência do direito ao magistrado. [113] Estará preenchido o requisito de prova inequívoca quando as provas constantes nos autos possam formar a convicção do juiz. [114]

Apesar da redação do caput do art. 273 do Código de Processo Civil, em uma análise superficial, aparentar contradição quando traz os termos genéricos "prova inequívoca" e "verossimilhança da alegação", esta divergência não é verdadeira.

Ao utilizar estas duas expressões o legislador quis chamar atenção ao operador do direito de que o juiz deve estar altamente convencido do direito do autor. Portanto, as expressões não são contraditórias, mas sim complementadoras uma da outra. [115]

Cassio Scarpinella [116] Bueno faz didática explicação quanto aos dois adjetivos supostamente incompatíveis:

O adjetivo "inequívoca" relaciona-se à prova; a "verossimilhança" é da alegação. Basta isso para afastar, de pronto, críticas mais apressadas ao texto do art. 273 no sentido de que o legislador teria aproximado duas situações absolutamente inconciliáveis (se é inequívoca é porque é muito mais do que verossimilhante). Não, nada disso.

O último requisito elencado pelo caput do artigo 273, a verossimilhança da alegação do autor, é também amplamente genérico. Verossímil é tudo aquilo que aparenta verdade, que possui plausibilidade. [117]

Nas palavras de Teori Albino Zavaski, "a antecipação da tutela de mérito supõe verossimilhança quando ao fundamento do direito, que decorre de (relativa) certeza quanto à verdade dos fatos". [118]

Alegação verossímil significa dizer, então, que aquilo que está sendo argumentado pelo autor e provado "parece ser verdadeiro". [119]

Perante uma alegação da parte a verossimilhança será constatada em um juízo de probabilidade que levará em consideração aspectos favoráveis e contrários ao que é argumentado pelo requerente. [120]

Paulo Afonso Brum Vaz divide em duas fases a análise da verossimilhança das alegações, sendo na primeira analisada a plausibilidade de que a realidade fática apresentada pelo autor seja verdadeira e, sendo favorável ao requerente esta primeira análise, o segundo momento refere-se à probabilidade de amparo no ordenamento jurídico para o direito perseguido pelo demandante. [121]

Tanto o requerimento da parte quanto a prova inequívoca e a verossimilhança da alegação do autor são requisitos da antecipação de tutela, os quais são impostos a qualquer caso em que se pretenda a antecipação, são os requisitos genéricos.

Mas para que a tutela seja deferida não basta sejam preenchidos os requisitos genéricos elencados no caput do artigo 273 do Código de Processo Civil. Devem também ser cumpridos os requisitos "cumulativo-alternativos", como os chama Cassio Scarpinella Bueno, dos incisos I e II. [122]

O referido autor explica a expressão utilizada:

São cumulativo-alternativos o "receio de dano irreparável ou de difícil reparação" e o "abuso de direito de defesa ou manifesto caráter protelatório do réu", de que se ocupam, respectivamente, os incisos I e II do mesmo dispositivo. Digo que são "alternativos" porque basta a situação descrita no inciso I ou no inciso II para a concessão da tutela antecipada. [123]

Passa-se, então, à análise dos pressupostos específicos da tutela antecipada de urgência e da tutela antecipada punitiva. [124]

3.2.3 Fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação

O inciso I do artigo 273 do Código de Processo Civil exige que para a concessão da tutela antecipada "haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação".

A primeira consideração que se deve ser feita é quanto à expressão "fundado" presente no dispositivo. Fundado é o receio efetivamente provado, demonstrando a real probabilidade de ocorrência do dano. [125] O risco de dano deve ser concreto, grave e iminente, não sendo admitida a antecipação se não forem vislumbradas tais características no dano alegado pelo autor no requerimento da antecipação. [126]

A irreparabilidade do dano se torna caracterizada quando ele for irreversível posteriormente. No campo do direito material qualquer dano pode ser reparado com a devida indenização em pecúnia. [127]

Acerca da irreparabilidade do dano José Joaquim Camon de Passos [128] esclarece: "se a reparação pede o ajuizamento de um processo autônomo ou se, embora ressarcível no próprio processo, isso se fará de modo demasiadamente oneroso, cabe a antecipação da tutela, satisfeitas que tenham sido as exigências do caput".

Logo, ainda que a reparação seja possível, se houver o risco de dano é aceitável a antecipação da tutela, sendo suficiente que a reparação seja difícil. [129]

O A irreparabilidade do dano caso não seja concedida a antecipação de tutela reflete a imprestabilidade da tutela jurisdicional ao final do processo caso não sejam antecipados seus efeitos aptos a impossibilitar o dano. [130]

Deve ser ressaltada a real extensão do dano autorizador do deferimento da medida. Importante a posição do autor em situação que lhe cause demasiada angustia, e não apenas um genérico prejuízo pela demora do processo. [131]

3.2.4 Abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu

O abuso do abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu, requisito previsto no inciso II do artigo 273, é alternativo ao inciso anterior. Ou seja, não é necessário que haja a existência concomitante do perigo de dano com propósito protelatório do réu. [132]

Encontra-se na doutrina dois fundamentos para a possibilidade de antecipação de tutela quando há o abuso do exercício do direito de defesa pelo réu. Em um sentido existe entendimento de que o objetivo do legislador foi o de punir o réu pela atitude desleal no trâmite processual. [133]

Em outra direção encontra-se o fundamento de que o legislador não objetivou a punição do réu pelo seu ato abusivo com a criação do inciso II do artigo 273, mas apenas antecipou a tutela àquele que, com o fato, teria seus argumentos e seu direito mais fortalecido. O sentido da norma seria o de que na medida em que o requerido passa a tumultuar o processo, abusar do seu direito de defesa e tenta protelar a demanda as alegações e o direito do autor se tornariam ainda mais robustas. [134]

Nesse sentido se manifesta J.E. Carreira Alvim [135]: "[...] o processo deixa de servir à parte que não tem razão (no caso, o réu), pondo-se a serviço daquela que provavelmente tem razão (no caso, o autor), proporcionando-lhe a obtenção da tutela jurisdicional por antecipação".

Para a caracterização do abuso do direito de defesa e propósito protelatório do réu as hipóteses previstas no artigo 17 do Código de Processo Civil podem ser utilizadas como balizadoras. [136]

Para melhor visualização de hipóteses de abuso do direito de defesa do réu colacionam-se dois exemplos citados por Hélio do Vale Pereira: 1) Quando o réu requer oitiva de testemunha por carta precatória e, com o retorno da CP, percebe-se que a suposta testemunha nada sabia sobre o fato; 2) A insistência do réu para a produção de prova pericial e, após insistentes intimações para pagamento dos honorários periciais, não se manifesta. [137]

Neyton Fantoni Júnior, citado por Paulo Afonso Brum Vaz, elenca alguns sintomas que denunciariam o abuso do direito de defesa pelo réu. São eles:

a) a deturpação dos fatos; b) a relutância frente a fatos notórios ou incontroversos; c) erro grave ou grosseiro e, portanto, inescusável, de interpretação do conteúdo de dispositivo legal; e d) a desconsideração ou a indiferença em relação a direitos e garantias constitucionais. [138]

O temo "propósito" utilizado pelo legislador é outro tópico de divergência doutrinária. Para Teori Albino Zavaski, o que justifica a antecipação da tutela não é a "mera intenção de protelar", mas sim o resultado efetivo da prática do réu, atrasando o andamento processual. [139]

Posicionamento idêntico tem José Roberto dos Santos Bedaque, de acordo com o qual a antecipação da tutela prevista no inciso II só é justificável quando houver o resultado de atraso no abuso do direito de defesa ou no propósito protelatório do réu. [140]

No entanto, há manifestação doutrinária em sentido exatamente oposto. Paulo Afonso Brum Vaz defende a tese de que na legislação não há palavras inúteis. Por este motivo, se o legislador fez constar a expressão "propósito" no inciso II do art. 273 do Código de Processo Civil o fez com objetivo, o de possibilitar antecipação da tutela quando o réu simplesmente manifestar a intenção de protelar o andamento processual. [141]

3.2.5 Reversibilidade da tutela antecipada

O primeiro tópico a ser analisado a respeito do requisito negativo (pois a tutela antecipada só poderá ser concedida se não houver risco de irreversibilidade) [142] para a concessão da tutela é interpretação à ser dada ao §2º do artigo 273.

A "irreversibilidade do provimento antecipado" que dispõe o artigo não se refere ao perigo de que seja irreversível o provimento em si, ou seja, a decisão, pois esta, em regra, será possível de ser revertida. O disposto no artigo se refere aos efeitos fáticos causados pelo deferimento da antecipação da tutela. Estes efeitos não deverão ser irreversíveis. [143]

Praticamente isolado é o entendimento de Luiz Guilherme Marinoni [144] na interpretação do aludido dispositivo legal (§2º do art. 273 do Código de Processo Civil). Veja-se:

O que o art. 273 do Código de Processo Civil veda, quando fala que a tutela não poderá ser concedida quando houver perigo de "irreversibilidade do provimento antecipado" – que nada tem a ver, repita-se, com irreversibilidade dos efeitos fáticos do provimento – são determinadas declarações e constituições provisórias. [...]    

Quando o art. 273 afirma que a tutela não poderá ser concedida quando houver perigo de irreversibilidade do provimento, ele está proibindo, por exemplo, a antecipação da constituição de uma relação de filiação ou a antecipação da desconstituição de um casamento.

No entendimento do autor, a irreversibilidade do provimento não tem relação alguma com a possível reversibilidade da decisão (o próprio provimento) ou até dos efeitos práticos decorrentes dela. Trata-se, na verdade, de vedação que tem fundamento na natureza do que se está antecipando.

Afora a discussão acerca do que se refere o artigo quanto à irreversibilidade, levando em consideração que, como mencionado acima, a maior parte da doutrina entende ser os efeitos práticos da decisão que defere a antecipação, importante a explanação no que tange a caracterização o irreversível.

Irreversibilidade não significa satisfatividade. As medidas antecipatórias têm incrustadas em si a satisfatividade, pois permitem o gozo do direito postulado. [145]

Ocorre que, levando-se em consideração a própria natureza e o objetivo da tutela antecipada, o requisito negativo de irreversibilidade deve, em algumas hipóteses ser flexibilizado. [146]

Os casos em que se admite a exceção do deferimento da antecipação da tutela mesmo com a irreversibilidade dos efeitos do provimento são os que, não sendo concedida a medida, o dano causado ao autor é maior que aquele possivelmente causado ao réu pela impossibilidade de reversão. [147]

A simples irreversibilidade, sem levar em consideração outros fatores, não pode ensejar impedimento à concessão da tutela antecipada. [148]

3.3 A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA FUNDADA EM PEDIDO INCONTROVERSO

Com o advento da Lei nº 10.444/2002 o artigo 273 do Código de Processo Civil passou a vigorar acrescido do §6º, com o seguinte teor: "A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso".

O referido parágrafo veio a dar maior efeito prático ao princípio constitucional da efetividade da prestação jurisdicional em hipótese (pedidos incontroversos) que não existe tensão com o princípio constitucional da segurança jurídica. [149]

Procurou o legislador, com a inclusão do §6º ao artigo 273, autorizar que o autor pudesse gozar de seu direito desde logo, tendo em vista a não insurgência da parte adversa contra o que foi postulado. [150]

Importante que se faça menção ao posicionamento particular de Luiz Guilherme Marinoni. De acordo com o autor o §6º do artigo 273 do Código de Processo Civil não trata da antecipação dos efeitos da tutela, como nas hipóteses dos Incisos I e II do mesmo dispositivo legal, mas é, na verdade, a antecipação da parte incontroversa, a própria prestação jurisdicional final em momento adequado e tempestivo. [151]

No entanto, o entendimento de Teori Albino Zavaski, majoritário na doutrina, vem de encontro com defendido por Luiz Guilherme Marinoni. Para aquele autor, a antecipação de tutela por pedidos incontroversos está sujeita à regra geral do artigo 273 e possui caráter provisório. [152]

Para José Roberto dos Santos Bedaque a antecipação de tutela fundada em pedido incontroverso não é verdadeiro julgamento antecipado da lide como entende Luiz Guilherme Marinoni, porém, foi uma oportunidade perdida para que o legislador permitisse o julgamento antecipado de parte da demanda com relação à parte incontroversa. [153]

Excluída a discussão doutrinária acerca de definitivo julgamento antecipado da parte incontroversa, passa-se à análise exatamente do que deve ser entendido como pedido incontroverso na interpretação do §6º do artigo 273 do Código de Processo Civil.

A primeira observação, feita por Cassio Scarpinella Bueno, é de que o que deve ser incontroverso não são os pedidos exatamente, mas sim os fatos que os fundamentam, ou seja, a causa de pedir. [154]

A controvérsia não diz respeito apenas ao mérito da demanda. Ainda que não exista resistência quanto ao direito alegado pelo autor, se o réu opuser qualquer obstáculo processual à pretensão do autor ficará caracterizada a controvérsia. Por obstáculos processuais devem ser entendidas alegações de incompetência, coisa julgada ou a qualquer pressuposto processual. [155]

Mera ausência de oposição aos pedidos não justifica, de plano, a concessão da antecipação de tutela. Pedidos que, embora não contestados, sejam inteiramente indevidos, ou aqueles que representem direitos indisponíveis, devem ser analisados com parcimônia pelo magistrado. [156]

O §6º, ora analisado, se refere a "um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles". Esta disposição não deve ser entendida em sentido literal, mas comportando interpretação extensiva mesmo que não exista a cumulação de pedidos. [157]

Na hipótese de parte de pedido único ser não ser controvertida não há impedimento para o deferimento da antecipação da tutela. Assim como, em caso de pedido único não for contestado em sua integra, em que pese a previsão de julgamento antecipado da lide, não existe óbice para que seja antecipada a tutela. [158]

Requisitos diversos daqueles exigidos para a concessão da tutela antecipada fundada nos incisos I e II do art. 273 do Código de Processo Civil são os que se impõem ao §6º do mesmo artigo.

Para que seja deferida a antecipação de tutela com fundamento no §6º do artigo 273 exige-se apenas a não oposição do réu aos fatos alegados pelo autor e o devido requerimento. [159]

Trata-se de hipótese de antecipação da tutela desvinculada dos requisitos gerais, quais sejam, verossimilhança e prova inequívoca, previstos no caput do artigo 273 do Código de Processo Civil. [160]

Quanto à vedação de deferimento da antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade (§2º do art. 273), a regra deve ser interpretada de forma atenuada, levando em consideração a natureza do instituto, que autoriza a antecipação pela grande probabilidade de certeza. [161]

No que tange a aplicação do §4º do art. 273 do Código de Processo Civil às antecipações de tutela pela ausência de controvérsia do pedido, vale citar o posicionamento de Luiz Guilherme Marinoni. Para este autor, no rumo do que já foi mencionado sobre o §6º ser verdadeiro julgamento antecipado da parte sobre a qual não há controvérsia, o §4º não é aplicável à antecipação de parte incontroversa. [162]

A justificativa para a inaplicabilidade do §4º concerne ao próprio caráter definitivo da decisão que antecipa a tutela embasada no §6º, pois, de acordo com o autor, produz a coisa julgada material. [163]

3.4 O MOMENTO DA ANTECIPAÇÃO

O adjetivo antecipada não significa dizer que a decisão que concede a antecipação será anterior a algo, mas sim que ocorrerá em momento em que normalmente não seria proferida. [164]

Não foi fixado pelo legislador processual o momento adequado à antecipação da tutela. Pode ser concedida a tutela antecipada a qualquer momento no curso do processo, desde antes da citação do réu até a fase recursal. [165]

Leciona João Batista Lopes: [166]

Com efeito, a situação de perigo a que se refere o inciso I pode ocorrer a qualquer tempo. Por igual, a hipótese do inciso II também não tem momento único para se verificar: antes da citação (se o réu agir no sentido de frustrá-la) ou após (se abusar do direito de defesa) e mesmo depois da sentença (se se valer de expedientes protelatórios).

Para Luiz Guilherme Marinoni a antecipação da tutela deve ser concedida após a contestação, salvo excepcionalidades (as quais só teria abrigo quando a ouvida do réu puder lesionar o direito do autor), mas esclarece que a norma de forma alguma poderá vedar o deferimento liminar, pois não é possível prever ou controlar todas as situações de perigo. [167]

Se o perigo for previsível, mas não for capaz de se concretizar antes da citação do réu ou da audiência, a antecipação será mais adequada após a realização desses atos. Entretanto, se o dano caracteriza perigo de lesão ao direito do autor antes que sejam perfectibilizadas a citação e a audiência, a tutela antecipatória merece ser deferida liminarmente. [168]

Para Teori Albino Zavaski o juiz deve ter em mente quando da apreciação da tutela antecipada o princípio da menor restrição possível, "o momento para o deferimento da medida não pode ser antecipado mais que o necessário". [169]

Não é empecilho o término da instrução para que seja antecipada a tutela ao autor. Se é admitida a concessão da medida sob fundamento de cognição sumária, ou seja, anteriormente à audiência ou até à própria citação, após cognição exauriente não existe motivo para que seja vedada a antecipação. [170]

Na antecipação de tutela punitiva, fundada no abuso do direito de defesa e manifesto propósito protelatório do réu, presume-se a ocorrência de fatos que impeçam o andamento natural do processo, portanto, dificilmente vislumbrados anteriormente à citação. [171] Neste ponto, cabe lembrar a citação de João Batista Lopes feita no início deste tópico que menciona atos do réu com intuito de frustração da citação.

Ponto importante a ser apreciado com cautela é a concessão da tutela antecipada na sentença. Trata-se de momento possível de concessão, mas que imperiosamente deve ser feito com cuidado, a fim de evitar problemas no âmbito recursal. [172]

Se o momento da antecipação coincidir com o momento em que a sentença está prestes a ser proferida há duas soluções possíveis, de acordo com Teori Albino Zavaski. Não se adequando ao reexame necessário nem à apelação com efeito suspensivo, a sentença será proferida e o autor promoverá a devida execução provisória, sem necessidade de medida antecipatória. [173]

Mas, se estiver-se diante de sentença sujeita à remessa ex officio ou apelação com efeito suspensivo, a tutela antecipada será definida na própria sentença. [174]

De acordo com Paulo Afonso Brum Vaz, o mais adequado com o sistema processual é que a tutela antecipada seja deferida em decisão separada da sentença, mesmo que simultaneamente. Isso porque na prática não é admitida a interposição de agravo de instrumento e apelação concomitantemente contra a sentença que defere a antecipação da tutela, ante o princípio da singularidade. Os agravos interpostos nesta situação são rejeitados liminarmente. [175]

A sentença e a antecipação da tutela podem ser proferidas na mesma decisão sem prejuízo posterior, nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni: [176]

Em outros termos, e de forma bastante esclarecedora: na mesma folha de papel, e no mesmo momento, o juiz pode proferir a decisão interlocutória, concedendo a tutela, e a sentença, que então confirmará a tutela já concedida e não poderá ser atacada através de recurso de apelação que deva ser recebido no efeito suspensivo (nesta situação, então, aplicar-se-ia o art. 520, VII do Código de Processo Civil).

[...]

No caso ora sob análise, há, materialmente, em um mesmo instrumento, uma decisão interlocutória e uma sentença, a primeira atacável por intermédio de agravo (que deve ser recebido no efeito devolutivo) e a segunda por meio de apelação (que deve ser recebida no efeito apenas devolutivo por ter confirmado a tutela antecipatória).

É perfeitamente possível, ainda, o requerimento de antecipação da tutela no tribunal, em âmbito recursal, pois a situação de urgência pode se manifestar a qualquer momento. Neste caso, o pedido será dirigido ao órgão competente para julgamento ou ao relator de acordo com regimento interno. [177]

Tendo em vista o lapso entre a publicação da sentença e a chegada do recurso ao tribunal competente para sua apreciação, em que o magistrado já esgotou a sua prestação jurisdicional mas o tribunal ainda não tomou conhecimento do recurso, no caso de necessidade de antecipação da tutela nesse período a competência para apreciação do requerimento é do tribunal competente para a apreciação do recurso. [178]

Importante mencionar também a possibilidade de deferimento da tutela antecipada já na fase de execução quando, havendo a oposição de embargos ou impugnação, os atos executivos fiquem suspensos. [179]

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HAAG, Théo Fernando Abreu. Os meios para a efetivação da tutela antecipada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2633, 16 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17414. Acesso em: 23 dez. 2024.

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