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Limites temporais do estado puerperal nos crimes de infanticídio

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Agenda 18/09/2010 às 07:52

4. O INFANTICÍDIO NO DIREITO COMPARADO

O crime de infanticídio recebe interpretações divergentes de país para país. A seguir uma abordagem perfunctória acerca deste crime nos textos legais de alguns países, vejamos:

O código penal suíço não considera a defesa da honra na tipificação do infanticídio, litteris:

"Art. 116. - A mãe que, durante o parto se encontra sobre a influência do puerpério é punida com uma pena detentiva de 1 (um) a 3 (três) anos juntamente com uma pena pecuniária a ser determinada" (grifei).

No Código Penal do Peru, traz a previsão do infanticídio preconizada no art. 110, litteris:

"Art. 110 - La madre que mata a su hijo durante el parto o bajo la influencia del estado puerperal, será reprimida con pena privativa de libertad no menor de uno ni mayor de cuatro años, o con prestación de servicio comunitario de cincuentidós a ciento cuatro jornadas." (grifei)

No Código Penal Argentino tínhamos a previsão do infanticídio no § 2º do art. 81, mas este foi derrogado pela lei 24.410 de 30 de novembro de 1994, que preconizava que:

"Se impondrá reclusión hasta tres años o prisión de seis meses a dos años a la madre que, para ocultar su deshonra, matare a su hijo durante el nacimiento o mientras se encontrara bajo la influencia del estado puerperal y a los padres, hermanos, marido e hijos que, para ocultar la deshonra de su hija, hermana, esposa o madre, cometieren el mismo delito en las circunstancias indicadas en la letra a del inciso 1º de este artículo".

Já no Código Penal de Portugal, segundo alguns autores, a pena para o mesmo crime é por demais severa e cumprida com reclusão, litteris.

"Art. 136. - A mãe que matar o filho durante ou logo após o parto e estando ainda sob a sua influência perturbadora, é punida com pena de prisão de 1 a 5 anos."


5. LIMITES TEMPORAIS DO ESTADO PUERPERAL

5.1. Noções preliminares

Abordar o assunto em tela, seja qual for a natureza da pesquisa, é de fundamental importância, uma vez que ainda não existe consenso na literatura, nem na médica nem na jurídica. Com efeito, debruçar-se sobre este tema é descobrir que o estado puerperal, como espécie de depressão que é, possui diversas nuanças e características distintas, conforme o caso. Lição importante é a que prega a distinção literal entre puerpério, psicose puerperal e estado puerperal. Vejamos: O puerpério, como já mencionamos, é o período que se segue ao parto até que os órgãos genitais e o estado geral da mulher retornem à normalidade. Destarte, tem-se por Puerpério o nome dado à fase pós-parto, em que a mulher experimenta modificações físicas e psíquicas, tendendo a voltar ao estado que a caracterizava antes da gravidez; A Psicose Puerperal é uma espécie de transtorno psicológico independente, pois é restrito às mulheres e ocorre durante ou logo após o parto e recebe tal nomenclatura devido ao fato de ocorrer dentro período do puerpério. Já o estado puerperal, como já afirmado, é o período em que ocorre a psicose puerperal, ou seja, a alteração temporária em mulher sã, com colapso do senso moral e diminuição da capacidade de entendimento seguida de liberação de instintos, culminando com a agressão ao próprio filho. 34

É importante que se observe que nem sempre o fenômeno do parto dá origem a transtornos psicóticos puerperais, não sendo, pois, uma regra. O espaço de tempo de ocorrência do estado puerperal, ocasião em que, ocorrendo a morte do filho pela mãe, esta pratica infanticídio é denominado privilegium legal. Fernando Capez 35 nos lembra que o tão-só fato de a genitora estar no período de parto ou logo após não gera uma presunção legal absoluta de que ela esteja sofrendo de transtornos psíquicos gerados pelo estado puerperal, pois, via de regra, o parto não gera tais desequilíbrios. Recomenda o autor que é necessário que se avalie o caso concreto, por meio de peritos-médicos-legais, se aquele estado puerperal acarretou ou não o desequilíbrio em voga.

Feitas essas considerações, trataremos dos limites do estado puerperal, agora sob a ótica de cada seguimento mencionado. Pelo que já foi exposto em capítulos anteriores é possível inferir-se que puerperal além de um estado, é espécie do gênero depressão. Destarte, tem-se o puerpério como aquele período compreendido entre o parto e até 12 meses depois. Mas a primeira dúvida que surge é: Qual o período de duração do parto? Quando se inicia e quando termina? Para MIRABETE, Estado Puerperal compreende "o período que vai do deslocamento e expulsão da placenta à volta do organismo materno às condições normais" 36. Para o mestre Noronha 37 "O parto inicia-se com o período de dilatação, apresentando-se as dores características e dilatando-se completamente o colo do útero; segue-se a fase de expulsão, que começa precisamente depois que a dilação se completou, sendo, então, a pessoa impelida para o exterior; esvaziado o útero, a placenta se destaca e também é expulsa: é a terceira fase. Está, então, o parto terminado". Importante salientar que esse prazo não é consenso na medicina legal, mas dentro das literaturas pesquisadas foi o prazo médio alcançado. Nesse diapasão, o limite temporal do estado puerperal para a medicina legal é incerto, variando, pois de pessoa a pessoa, conforme seja a resposta do seu organismo e, conseqüentemente, os efeitos colaterais provenientes do parto, ou seja, das seqüelas em grau mínimo ou máximo, em razão do metabolismo da parturiente.

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Com efeito, a elementar: "durante o parto ou logo após" constitui o fator tempo. É o elemento ou circunstância temporal. Sobre os limites de sua vigência não se tem hoje, nem na doutrina, nem na jurisprudência um entendimento pacífico, não sendo claro então o seu início e fim. Damásio argumenta que a melhor solução é deixar a conceituação da elementar "logo após" para análise do caso concreto, entendendo-se que há delito de infanticídio enquanto perdurar a influência do estado puerperal. Enquanto permanecer a influência desse estado, prega o mestre, vindo a mãe a matar o próprio filho, estaremos diante da expressão "logo após o parto". Nesse sentido: RT 531:318.

Mister salientar que nem sempre o Código Penal brasileiro foi permeado de indefinição quanto ao limite do estado puerperal no crime de infanticídio. O Código Criminal de 1890 preconizava no seu artigo 298, litteris:

Matar recém nascido, isto é infante, nos sete primeiros dias de seu nascimento, quer empregando meios direito e ativos, que recusando à vítima os cuidados necessários à manutenção da vida e a impedir a sua morte. (grifo nosso).

Com o advento do Código Penal de 1940 o legislador deixou de mencionar o lapso temporal mencionado no Código de 1890, deixando a cargo de peritos dizer se a mãe estava ou não sob a influência do estado puerperal e, conseqüentemente, ter direito ou não as prerrogativas do privilegium do crime de infanticídio.

5.2. Limites temporais segundo a jurisprudência pátria

De uma forma geral a jurisprudência tupiniquim privilegia a análise do caso concreto, como forma de melhor empregar o texto legal. Ante a grande dificuldade de se aferir se no momento em que ocorreu a morte do infante estava a mãe ou não sob o efeito de uma psicose puerperal, os magistrados orientam-se tão-somente pelos laudos dos peritos-médicos-legistas. Estes sim, responsáveis e competentes para, na forma da lei, depois de minuciosos estudos com a parturiente, emitir parecer indicando ao poder judiciário se a parturiente estava sofrendo transtornos psicóticos puérperos.

Tratando da cessação do estado puerperal o TJSP já se manifestou dizendo que "para a caracterização do crime de infanticídio é necessário que a mãe esteja agindo sob a influência do estado puerperal, ou seja, que o delito ocorra logo após o parto ou imediatamente após, sem intervalo, de modo que, ultrapassado tal lapso temporal e conseqüentemente o puerpério, responderá pelo crime de homicídio, no caso em sua forma tentada" (RT 757-530) 38

5.3. Limites temporais no Direito Comparado

De um modo geral não existe consenso no que diz respeito ao limite temporal do estado puerperal nos crimes de infanticídio. Tratando do assunto, NUCCI 39 ensina que o infanticídio exige que a agressão seja cometida "durante o parto ou logo após", embora sem fixar um período preciso para tal ocorrer. Segundo o mestre deve-se, pois, interpretar a expressão "logo após" com o caráter de imediatidade, pois, do contrário, poderão existir abusos.

Também na doutrina e na jurisprudência de outros países não existe consenso, bem como nos respectivos códigos penais. Na Argentina, p. ex. o infanticídio é tratado como um delito que consiste no assassinato de um ser humano antes que complete certo número de horas, geralmente 48 a 72 horas do nascimento. Por seu turno, o Código Penal brasileiro permite que se infira que a expressão "logo após" deve ser interpretada como "imediatamente". Esta interpretação é referendada pela letra do art. 578. do Código Italiano que menciona a expressão "imediatamente" no corpo do seu texto, não deixando, assim, muitas dúvidas. Nesse diapasão a doutrina e jurisprudência italiana firmam o entendimento de uma situação instantânea. Já no Chile, de forma simples e eficaz, o legislador define no art. 394. o limite temporal de 48 horas.

Tratando desse assunto, NUCCI 40 aduz que "logo após" encerra imediatidade, mas pode ser interpretada em consonância com a "influência do estado puerperal", embora sem exageros e sem a presunção de que uma mãe, por trazer consigo inafastável instinto materno, ao matar o filho estaria ainda, mesmo que muitos dias depois do parto, cometendo um infanticídio. Segundo o douto mestre, o correto é presumir o estado puerperal quando o delito é cometido imediatamente após o parto, em que pese poder haver prova em contrário, produzida pela acusação. Após o parto ter se consumado, no entanto, a presunção vai desaparecendo e o correr dos dias inverte a situação, obrigando a defesa a demonstrar, pelos meios de prova admitidos (perícia e testemunhas), que o puerpério, excepcionalmente, naquela mãe persistiu, levando-a a matar o próprio filho.


6. EXPECTATIVAS LEGISLATIVAS

6.1. Noções preliminares

Ante todas as controvérsias que se viu acerca do crime de infanticídio a mais robusta é a que preconiza que ele deve perder o status de artigo de lei e submeter-se aos ditames do artigo 121 do CP, como um homicídio privilegiado que é. Nesse sentido alguns projetos se encontram em tramitação na Casa Legislativa pátria, desde 2003, Sendo os principais: Projeto de Lei 1.262, de 2003, de autoria do Deputado Federal Alberto Fraga que, de forma radical, a nosso ver, propõe a revogação expressa do art. 123. do Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940 – Código Penal; Projeto de Lei nº 3.398, de 2004, de autoria do Deputado José Divino, que também propõe a revogação do art. 123. do Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal; Projeto de Lei nº 3.750, de 2004, de autoria do Deputado Federal Coronel Alves, que propõe a inclusão de dois parágrafos ao artigo 123 do CP, a saber:

"§ 1º Na mesma pena do caput incorre a mulher que ao invés de matar, auxilia, induz ou instiga alguém a matar.

§ 2º O terceiro que induz, instiga ou auxilia a mulher a matar, pena de 8 (oito) a 15 (quinze) anos."

Dos três projetos, o mais relevante é o de nº 3.398, de 2004 por ter sido considerado, pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, constitucional e de boa técnica legislativa. Portanto, colacionamos abaixo o inteiro teor do Projeto e do voto do relator, Dep. Aloysio Nunes Ferreira, litteris:

COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE CIDADANIA

PROJETO DE LEI Nº 1.262, DE 2003

(Apensos os PLs 3.398 e 3.750, de 2004)

Revoga o art. 123. do Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal.

Autor: Deputado José Divino

Relator: Deputado Aloysio Nunes Ferreira

I - RELATÓRIO

Através do Projeto de Lei em epígrafe enumerado, o ilustre Deputado José Divino pretende revogar o art. 123. do Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, que trata do infanticídio.

Alega, em sua Justificação, que:

"... o tipo do infanticídio acarreta vários problemas, doutrinários e práticos, seja pela dificuldade de visualização, obstaculizando a correta capitulação do fato, seja pela dúvida quanto ao enquadramento das pessoas que realizam a conduta típica, além da parturiente.

Destarte, é forçoso concluir-se que o tipo do infanticídio tornou-se como crime autônomo, e até desnecessário. É perfeitamente compreensível ao entendimento, nos tempos antigos, da importância da honoris causa; hoje, porém, diante da revolução dos costumes, mesmo no interior do país este motivo não mais encontra justificativa.

Quanto à influência do estado puerperal, a conclusão é outra. Na verdade, trata-se de um critério duvidoso de apuração da materialidade do crime, visto que pela complexa forma que se dá e pela rápida recuperação da mulher em puerpério fica difícil, ou quase impossível a detecção de tal atenuante material. Isso faz com que várias e várias vezes crimes de homicídio sejam levados ao juiz na forma de infanticídio.

Em nossa justificativa, ressaltamos os dizeres do tratadista James Tubenchlak, que em sua obra "Estudos Penais", Rio de Janeiro ed. Forense, 1986: "A verdade, sim, é que o infanticídio mais é do que um homicídio, e não atinamos o porque de sua tipificação em artigo diferente, tal como acontece, aliás com o delito de exposição ou abandono de recém-nascido, esdruxulamente destacado do crime de abandono de incapaz. Diga-se mais, não se constitui em boa técnica transmudar-se uma infração para outra tão-somente em homenagem aos motivos que a determinaram.

É válido concluir que as condições a diferenciarem o infanticídio do homicídio - influência do estado puerperal (código em vigor) e honoris causa (diploma de 1969) - não devem ser supervalorizados, inexistindo mesmo qualquer razão subjetiva ou de ordem prática para tanto.

Realmente, inexistindo o atual artigo 123 do Código Penal, o julgador disporá, ainda assim, dos dois motivos justificadores do tipo autônomo, podendo aplicá-los quanto entender conveniente..."

A este Projeto, foram apensados os de nºs 3.398, de 2004, de autoria do Sr. Alberto Fraga, e 3750, de 2004, do Sr. Coronel Alves. O primeiro quer estabelecer pena relativa ao homicídio a quem colabora, contribui, instiga, induz ou auxilia a prática do infanticídio (art. 123. do CP).

O PL 3.750, de 2004, quanto ao infanticídio, determina que:

"§ 1º Na mesma pena do caput incorre a mulher que ao invés de matar, auxilia, induz ou instiga alguém a matar.

§ 2º O terceiro que induz, instiga ou auxilia a mulher a matar, pena de 8 (oito) a 15 (quinze) anos."

A esta Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania compete analisar as propostas sob os aspectos de constitucionalidade, juridicidade, legalidade, regimentalidade e técnica legislativa, sendo a apreciação final do Plenário da Casa.

É o Relatório.

II - VOTO DO RELATOR

A matéria tratada nas Proposições é de competência da União Federal (art. 22, I), de iniciativa desta Casa (art. 61), não atentando contra quaisquer dos incisos do § 4º do art. 60, todos da Constituição Federal, não há vício de constitucionalidade.

A técnica legislativa é adequada, salvo a do PL 3.398, de 2004, que traz, em vez da expressão NR entre parênteses, um (AC) ao final do dispositivo alterado; e a do PL 3.750, de 2004 que, no acréscimo que faz ao artigo 123, não segue a linha redacional adotada pelo Código Penal.

A juridicidade dos PLs 1.262, de 2003 e 3.750, de 2004, parece-nos não se coadunar com os princípios que informam nosso ordenamento jurídico.

O PL 1.262, de 2003, traz um parágrafo único que é conseqüência lógica da pretensão de revogação do artigo 123 do Código Penal. Ora, se o crime de infanticídio deixar de ser tipificado como tal, a dedução natural é a de que a mãe, que pratica o crime no estado puerperal, passará a ter sua conduta inserta no art. 121, que tipifica o crime de homicídio. Não há, pois, necessidade jurídica de, se aprovado este PL, acrescentar um parágrafo único no mesmo sentido.

Já o PL 3.750, de 2004, nos parágrafos que acrescenta ao artigo 123 do CP, confunde as figuras da autoria imediata (ou material, autoria de quem executa o fato, ou física) e autoria mediata (indireta, ou intelectual, ou do mandante). Incide, assim, em confrontação aos cânones do Direito Penal, além de apenar o instigador, o que induz, ou auxilia a mãe a praticar o infanticídio, com pena exacerbada (embora não traga o PL qual tipo de pena, pois apenas diz que a pena é de oito a quinze anos).

Cremos haja, então, injuridicidade desses aspectos nos PLs indigitados.

No mérito, não podemos concordar com a pretensão expendidas nos Projetos 1.262, de 2003 e 3.750, de 2004.

Embora embasado o PL 1.262/04 em abalizadas doutrinas, cremos que o infanticídio, por ser executado pela mãe em estado anormal de consciência, merece figura típica apartada do homicídio simples.

Puerpério, na definição comum, é o período que se segue ao parto até que os órgãos genitais e o estado geral da mulher voltem ao normal; é o conjunto de fenômenos ocorrentes após o parto.

O infanticídio é crime próprio, da genitora, da puérpera. É doloso, de dano, material, comissivo ou omissivo e instantâneo. A ação deve ser praticada durante ou logo após o parto, pois a circunstância de tempo, por ser normativa do tipo, é elementar do tipo penal. Deve-se entender como "logo após o parto" o que ocorre em seguida, imediatamente após, prontamente, sem intervalo. Se a conduta ocorre antes do nascimento, o crime será o de aborto (arts. 124. – 128). Se ausente o elemento fisiopsicológico ou temporal, poderá haver homicídio (Celso Delmanto, in Código Penal Comentado; Ed. Renovar; 6ª ed., 2002).

"A mulher, em conseqüência das circunstâncias do parto, referentes à convulsão, emoção causada pelo choque físico, etc., pode sofrer perturbação de sua saúde mental. O Código fala, então, em influência do estado puerperal. Este é o conjunto das perturbações psicológicas e físicas sofridas pela mulher em face do fenômeno do parto. Não é suficiente que a mulher pratique a conduta durante o período do estado puerperal. É necessário que haja uma relação de causalidade entre a morte do nascente ou neonato e o estado puerperal. Essa relação causal não é meramente objetiva, mas subjetiva. O CP exige que o fato seja cometido pela mãe "sob a influência do estado puerperal".

Não há incompatibilidade entre a descrição típica do infanticídio (art. 123) e o disposto no art. 26. e seu Parágrafo único do CP, que trata da inimputabilidade e da semi-responsabilidade... (Damásio de Jesus, Direito Penal, 2º vol. Parte Especial; Ed. Saraiva)

Notáveis penalistas defendem o critério adotado pelo nosso Código Penal, como lembrado pelo ilustre Deputado Ibrahim Abi-Ackel:

"Nele (estado puerperal) se incluem os casos em que a mulher, mentalmente sã, mas abalada pela dor física do fenômeno obstetrício, fatigada, enervada, sacudida pela emoção, vem sofrer um colapso do senso moral, uma liberação de impulsos maldosos, chegando por isso a matar o próprio filho. De um lado, nem alienação mental nem semi-alienação (casos esses já regulados genericamente pelo Código). De outro, tampouco frieza de cálculo, ausência de emoção, a pura crueldade (que caracterizariam , então, o homicídio). Mas a situação intermédia, podemos dizer até "normal" da mulher que, sob o trauma da parturição e dominada por elementos psicológicos peculiares, se defronta com o produto talvez não desejado, e temido, de suas entranhas". (A. Almeida Júnior e J.B.O. Costa Jr., "Lições de Medicina Legal", pág. 382, Júlio Fabbrini Mirabete, "Manual de Direito Penal, Parte Especial". Atlas, 2000, vol. 2, p. 89).

A esses estados psicológicos anormais que podem aflorar durante o parto somam-se as psicoses denominadas puerperais, caracterizadas por alucinações agudas, ofuscamento da consciência, delírios. Mestre Hungria dá ao problema o toque insuperável de sua maestria:

" Surgem elas (as psicoses puerperais) no terreno lavrado pela tara psíquica que se agrava pelos processos metabólicos do estado puerperal ou são uma espécie do genus psicoses sintomáticas, isto é, transtornos psíquicos que se apresentam no curso de enfermidades gerais internas, de infecções agudas, de intoxicações, etc e cujas lesões não têm uma localização cerebral. Tais psicoses manifestam-se, de regra, vários dias após o parto, e nada tem a ver com elas, portanto, o art. 123, deixando a ocisão do infante de ser infanticídio, para constituir, objetivamente, o crime de homicídio, mas devendo a acusação ser tratada segundo a norma geral sobre a responsabilidade ou capacidade de direito penal (art. 22)". Nelson Hungria, "Comentários ao Código Penal", Rio, Forense, vol. 5, p. 256, 257).

O estado puerperal existe sempre, mas nem sempre ocasiona perturbações emocionais que conduzam a mulher à morte do próprio filho. Se ocorre uma perturbação psicológica de natureza patológica, que se constitua em doença mental, há de ser isenta de pena, nos termos do art. 26. do CP. Se não lhe retira a capacidade de entender e querer, responde pelo delito de infanticídio, porém com pena atenuada (art. 26, Parágrafo único).

Deste modo, se o estado puerperal ocorre com todas as parturientes, levando algumas a praticar o delito extremo de retirar a vida de seu próprio filho, há que se levar em conta esta relevantíssima escusa, e continuar-se a adotar o critério então vigente em nosso ordenamento jurídico-penal.

Pelo exposto, não há como aprovar a Proposição de nº 1.262, de 2003.

Quanto ao Projeto de Lei n.º 3.750, acreditamos inexistirem razões para a sua aprovação. De que mulher trata os §§ 1º e 2º, que quer ver acrescidos ao art. 123. do CP?

Se é a própria mãe, há desnecessidade de tal mandamento, pois a lei já disciplina o tema. Quanto à pena do terceiro, como retrodito, cremo-la por demais exacerbada. No que concerne ao terceiro que induz, instiga ou auxilia a mãe ou mesmo comete o crime de infanticídio, do mesmo modo como o faz o PL 3.398, de 2004, remetendo o agente à figura típica do homicídio, somos favoráveis à sua aprovação.

A elementar do tipo infanticídio (sob a influência do estado puerperal) não deve ser comunicada ao terceiro para que este seja beneficiado com menor dosimetria da pena, caso em que incidiria a regra dos artigos 29 (que dispõe sobre o concurso de pessoas) e 30 do CP:

Art. 29. - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

§ 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço.

§ 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.

Circunstâncias incomunicáveis

Art. 30. - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.

Ora o terceiro que participa do crime deve responder não por infanticídio, comunicando-se a elementar, mas da conduta típica do homicídio, pois no momento do fato não se encontra em estado perturbado de consciência, como a parturiente, mas está plenamente cônscio de seu comportamento delituoso, e naturalmente tendo a capacidade para entender o caráter ilícito do fato, o que, indubitavelmente, deve afastar a incidência dos artigos 26 e 30 do CP.

Pelo exposto, nosso voto é pela constitucionalidade, juridicidade, regimentalidade, boa técnica legislativa e no mérito pela aprovação do Projeto de Lei n.º 3.398, de 2004, com a emenda em anexo; e pela constitucionalidade, injuridicidade (nos aspectos retroindicados), inadequada técnica legislativa dos Projetos de Lei n.ºs 1.262, de 2003 e 3.750, de 2004, e no mérito pela rejeição de ambos.

Sala da Comissão, em ... de ... de 2004 .

Deputado Aloysio Nunes Ferreira, Relator

PROJETO DE LEI Nº 3.398, DE 2004

Altera o art. 123. do Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal.

EMENDA SUBSTITUTIVA

Substitua-se do art. 2. º do projeto a expressão (AC) por (NR).

Sala da Comissão, em ... de ... de 2004.

Deputado Aloysio Nunes Ferreira, Relator

Como se pode vislumbrar, o projeto de lei é robusto e de muita seriedade e com certeza servirá para pôr termo à grande controvérsia doutrinária acerca desta matéria. Acreditamos, assim, que em vista a ausência de projetos sérios acerca do direito penal pátrio, este é um bom exemplo de como o poder legislativo pode se antecipar à jurisprudência no sentido de fornecer os mecanismos de aplicar o direito posto de forma coesa com os costumes da sociedade.

Sobre o autor
Antonio Sólon Rudá

Antonio Sólon Rudá é um Jurista brasileiro, especialista em ciências criminais, Ph.D. student (Ciências Criminais na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra); e MSc student (Teoria do Direito pela Fac. de Direito da Universidade de Lisboa); É membro da Fundação Internacional de Ciências Penais; É membro julgador do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-DF; Autor de artigos e livros jurídicos; É Advogado cível e trabalhista; e Sócio fundador do Escritório Sanches & Sólon Advogados Associados. E-mail: antoniosolonruda@gmail.com. WhatsApp 61 9 9698-3973. Currículo: http://lattes.cnpq.br/7589396799233806. 

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RUDÁ, Antonio Sólon. Limites temporais do estado puerperal nos crimes de infanticídio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2635, 18 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17433. Acesso em: 5 nov. 2024.

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