Capa da publicação Estado puerperal no infanticídio: limites temporais
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Limites temporais do estado puerperal nos crimes de infanticídio

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18/09/2010 às 07:52
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O escopo da pesquisa foi expor a dinâmica do tratamento jurídico que é dado ao crime de infanticídio, bem como as controvérsias acerca das elementares que o permeiam.

Resumo: O presente trabalho de pesquisa tem por objetivo analisar o Estado Puerperal no crime de infanticídio, com enfoque especial à sua história, aos costumes, à legislação pertinente e à jurisprudência. Desta forma, o escopo da pesquisa foi expor a dinâmica do tratamento jurídico que é dado ao crime de infanticídio, bem como as controvérsias acerca das elementares que o permeiam, que são o "estado puerperal" e o elemento temporal "durante ou logo após o parto". Procurou-se traçar ainda um panorama geral sobre o estado puerperal e seus efeitos para o infanticídio, tanto no direito brasileiro, quanto no comparado. Nesse sentido abordaram-se aspectos gerais do puerpério e seu nexo para com o de infanticídio, bem com os limites temporais do estado puerperal nessa modalidade de crime. Por fim, tratou-se das expectativas legislativas para o infanticídio, inclusive com a exposição de projetos de lei que se encontram em tramitação.

Palavras-chave: Direito Penal, Infanticídio, Estado Puerperal, Puerpério, Limites Temporais, Crimes, Medicina Legal.

Sumário: 1. Introdução; 2. O puerpério; 2.1. Noções preliminares; 2.2. Diferenças entre puerpério e estado puerperal; 3. Infanticídio; 3.1. Escorço histórico; 3.2. Escorço histórico-jurídico brasileiro; 3.2.1. Noções preliminares; 3.2.2. Conceito; 3.2.3. Classificação; 3.3. Infanticídio como tipo penal; 3.3.1. Caracterização do tipo penal; 3.3.1.1. Matar; 3.3.1.2. O próprio filho; 3.3.1.3. Sob a influência do estado puerperal; 3.1.1.4. Durante o parto ou logo após; 3.3.2. Elementos subjetivos do crime; 3.3.3. Sujeito ativo; 3.3.4. Sujeito passivo; 3.4. Participação de terceiros no crime de infanticídio; 3.4.1. Contextualização preliminar; 3.4.2. Jurisprudências quanto à desclassificação e a presunção; 4. Limites temporais do estado puerperal; 4.1. Noções preliminares; 4.2. Limites temporais segundo a jurisprudência pátria; 4.3. Limites temporais no direito comparado; 5. Expectativas legislativas; 5.1. Noções preliminares; 6. Conclusão; 7. Referências bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO

Todos os dias no Brasil e no mundo mães são levadas a julgamento acusadas de terem matado seus filhos recém-nascidos em circunstâncias semelhantes, mas recebem tratamentos distintos, conforme o país da ocorrência do fato. A distinção começa quando da análise de quando ocorreu o crime, se durante ou logo após o parto e neste caso, até quanto tempo após. As discrepâncias quanto ao limite temporal no crime de infanticídio são muitas. Note-se que na Argentina, p. ex., a mãe terá a pena atenuada se o praticou até 72 horas após o parto. Se o crime ocorreu no Chile terá que ter sido até 48 horas após o parto, para que seja considerado infanticídio. Já no Brasil, a mãe que pratica crime de infanticídio ficará à mercê de uma hermenêutica feita de forma indireta e que somente virá à baila após a emissão de laudo técnico oriundo de peritos-médicos-legistas que deverá atestar se a autora, no ato do crime, estava ou não sob o efeito do estado puerperal, isto se o crime tiver ocorrido durante ou logo após o parto, levando-se em conta o posicionamento da majoritária doutrina, que considera este logo após, como um "imediatamente".

Com efeito, não se tem no atual Código Penal brasileiro uma precisão objetiva como se tinha no Código de 1890, para tão grave delito. O que se tem é hermenêutica permeada por parâmetros metafísicos que pode variar, conforme o caso concreto, de magistrado a magistrado, dados os elementos subjetivos da decisão.1


2. O PUERPÉRIO

2.1. Noções preliminares

Ensina-nos o dicionário Aurélio2 que puerpério é o período que se segue ao parto até que os órgãos genitais e o estado geral da mulher retornem à normalidade. Infere-se, assim, que o puerpério é o nome dado à fase pós-parto, em que a mulher experimenta modificações físicas e psíquicas, tendendo a voltar ao estado que a caracterizava antes da gravidez. A literatura médica ensina que o puerpério inicia no momento em que cessa a interação hormonal entre o ovo e o organismo materno. Fala-se ainda que tal fenômeno dá-se quando termina o descolamento da placenta, logo depois do nascimento do bebê, embora possa também ocorrer com a placenta ainda inserida, se houver morte do ovo e cessar a síntese de hormônios.

O momento do término do puerpério é impreciso, aceitando-se, em geral, que ele termina quando do retorno da ovulação e da função reprodutiva da mulher. Nas puérperas3 que não amamentam poderá ocorrer a primeira ovulação após 6 a 8 semanas do parto. Nas que estão amamentando, a ovulação retornará em momento praticamente imprevisível, podendo demorar de 6 a 8 meses, a depender da freqüência das mamadas. O puerpério é dividido, assim, em três fases, a saber: Puerpério imediato, que é o período compreendido entre o primeiro e o décimo dia4; Puerpério tardio, que é o período compreendido entre o décimo e o quadragésimo quinto dia; e o Puerpério remoto, que é o período compreendido entre o quadragésimo quinto dia, até o momento em que o organismo da mulher retorne à normalidade de sua função reprodutiva.5

2.2. Diferenças entre puerpério e estado puerperal

Parte da comunidade científica tem por puerpério o período em que ocorre a psicose puerperal que é uma espécie de transtorno psicológico independente, pois é restrito às mulheres e ocorre durante, ou logo após o parto, e recebe tal nomenclatura por ocorrer dentro do período do puerpério. De outra banda, temos que relevar o fato de que a maior parte da literatura médica considera que o puerpério é o período compreendido entre a dequitação placentária e o retorno do organismo materno às condições pré-gravídicas, tendo duração média de 6 semanas e não a psicose puerperal, que é o momento em que ocorre a crise. A este, a doutrina dá o nome de estado puerperal, que seria justamente quando acontece o trauma psicótico mencionado acima, ou seja, a alteração temporária em mulher sã, com colapso do senso moral e diminuição da capacidade de entendimento seguida de liberação de instintos, culminando com a agressão ao próprio filho.6

Mencionando seu colega Ibrahim Abi-Ackel e doutrinadores como Almeida Junior e Mirabete, o Deputado Federal Aluysio Nunes Ferreira, no Projeto de Lei 1.262, de 2003, aduz que, litteris:

"Nele (estado puerperal) se incluem os casos em que a mulher, mentalmente sã, mas abalada pela dor física do fenômeno obstetrício, fatigada, enervada, sacudida pela emoção, vem sofrer um colapso do senso moral, uma liberação de impulsos maldosos, chegando por isso a matar o próprio filho. De um lado, nem alienação mental nem semi-alienação (casos esses já regulados genericamente pelo Código). De outro, tampouco frieza de cálculo, ausência de emoção, a pura crueldade (que caracterizariam, então, o homicídio). Mas a situação intermédia, podemos dizer até "normal" da mulher que, sob o trauma da parturição e dominada por elementos psicológicos peculiares, se defronta com o produto talvez não desejado, e temido, de suas entranhas".7

Nelson Hungria, dissertando acerca das psicoses puerperais, assevera que:

"Surgem elas (as psicoses puerperais) no terreno lavrado pela tara psíquica que se agrava pelos processos metabólicos do estado puerperal ou são uma espécie do genus psicoses sintomáticas, isto é, transtornos psíquicos que se apresentam no curso de enfermidades gerais internas, de infecções agudas, de intoxicações, etc. e cujas lesões não têm uma localização cerebral. Tais psicoses manifestam-se, de regra, vários dias após o parto, e nada tem a ver com elas, portanto, o art. 123, deixando a ocisão do infante de ser infanticídio, para constituir, objetivamente, o crime de homicídio, mas devendo a acusação ser tratada segundo a norma geral sobre a responsabilidade ou capacidade de direito penal (art. 22)".8

NUCCI9, lecionando acerca da definição de estado puerperal e puerpério, aduz que este é o período que se estende do início do parto até a volta da mulher às condições de pré-gravidez. Já o estado puerperal é o que envolve a parturiente durante a expulsão da criança do ventre materno. Há profundas alterações psíquicas e físicas, que chegam a transtornar a mãe, deixando-a sem plenas condições de entender o que está fazendo. É uma hipótese de semi-imputabilidade que foi tratada pelo legislador com a criação de um tipo especial. Assevera ainda que como toda mãe passa pelo estado puerperal, algumas com graves perturbações e outras nem tanto, defende o douto doutrinador a desnecessidade da perícia médica.

Mister salientar que a definição conhecida para puerperal é eminentemente médica, ou seja, técnica. Desta forma não nos cabe fazer divagações acerca de seu significado, uma vez que este foi apregoado pela comunidade científica. Para fins didáticos fiquemos, pois, com a definição de que puerpério é o período em que ocorre a psicose puerperal, definida em nosso Código Penal, como Estado Puerperal.


3. INFANTICÍDIO

3.1. Escorço histórico

Ao longo dos tempos, a forma como o homem, principalmente os próprios pais, vêm a morte de um filho recém nascido vem sofrendo constante metamorfose o que, por conseguinte, tem proporcionado diversas alterações na forma jurídica de recepcionar fato tão danoso. De remotos tempos, têm-se relatos de que, em busca da supremacia no grupo, crianças do sexo feminino10 eram constantemente vítimas de homicídio ao nascer.

Na antiguidade tem-se o exemplo dos gregos, mais precisamente dos espartanos, onde o ritual era mais ou menos assim: A criança ao nascer era examinada pelos anciãos que sacrificavam as fracas e as do sexo masculino que tivessem algum defeito físico. A forma consistia em lançá-las para a morte do alto do monte Taigeto. Já as fortes, do sexo masculino, que poderiam tornar-se guerreiros, eram entregues às suas mães, para que com essas vivessem até os sete anos de idade, quando, finalmente, eram entregues ao Estado, de quem recebiam uma educação cívica belicosa.11

A diversidade de formas de interpretação da figura delituosa do infanticídio, ao longo dos tempos, é tão notória que José Frederico Marques, no seu Tratado de Direito Penal, critica tais mudanças afirmando que em determinadas circunstâncias de espaço e de tempo, rigorosos e até bárbaros são os castigos impostos aos que praticam esse crime. Em outras ocasiões, no entanto, o abrandamento das penas vai ao absurdo de se estender, subjetivamente, até a parentes da vítima, de forma a subtraí-lo, quando matam o infans, das normas comuns do homicídio. Lembra esse autor que o infanticídio, por épocas, é encarado com grande rigor, sob o fundamento de tratar-se da morte de ser indefeso equiparável, assim, ao parricídio. Já em outras ocasiões, vigora o entendimento oposto: o infanticídio se torna crime privilegiado, quando atende a motivos de ordem psicológica.

Ainda na antiguidade, o Direito Romano em sua gênese, impunha severas penas às mães que matassem seus recém-nascidos. Castigos brutais e a pena de morte eram bastantes comuns em tais casos. Não obstante, supedaneado pelo patria potestas12, o pai que praticasse o mesmo ato não sofria nenhuma punição. Vale ressaltar que, além do próprio império romano, também em algumas tribos bárbaras a prática do infanticídio era aceita para regular a oferta de comida à população. Pensavam eles que, eliminando as crianças, diminuía-se a população e gerava um pseudo controle administrativo por parte dos governantes, o que, sob a ótica antiga, não deixa de fazer sentido.

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Já na época Medieval não se fazia diferenciação entre o crime de infanticídio e o de homicídio, com isso, as penas daquele eram tão ou mais severas quanto às deste. MARQUES13 lembra que o Fuero Juzgo14, por exemplo, mandava que se condenasse à morte a mulher que matasse ao filho, ou então com a cegueira, penas que também se impunha ao marido que ordenasse o infanticídio15.

Como bem assinalava Von Liszt, já no começo do século XX, com o advento do iluminismo e da doutrina do direito natural, novos rumos são dados ao tratamento penal do infanticídio, ocorrendo, assim, um abrandamento e, por que não dizer, uma espécie precoce de descriminalização do tipo delituoso em tela. Segundo Liszt16, a literatura do Direito Natural apoderou-se da questão do infanticídio e assinalou a série de circunstâncias atenuantes que tornam patente a injustiça da pena de morte. Com as freqüentes cobranças e os textos dos doutrinadores naturalistas da época que, invariavelmente defendiam uma completa impunidade para o crime de infanticídio, não tardou que a legislação os ouvisse e tratasse da matéria.

Neste sentido tem-se o Edito Prussiano de 1765 que restringiu a aplicação da pena de morte, e a Theresiana de 1768, conquanto ainda prescrevesse o empalamento do cadáver, ligava, sobretudo, importância à prevenção do infanticídio. Registre-se ainda que a partir do abrandamento mencionado acima, em certo sentido, o crime de infanticídio, quando praticado honoris causa, pela mãe ou parentes próximos, passou a adquirir caráter privilegiado, destarte tem-se então a gênese do critério bio-psicológico.17.

Em nota de rodapé, MARQUES18, esclarece um pouco da evolução do crime de infanticídio no Direito Francês. Segundo o mestre, esta evolução tem sido bastante acidentada, ora com abrandamentos, ora com agravamentos. No Código de 1810, por exemplo, o crime de infanticídio vinha equiparado ao parricídio e a sanção era a pena de morte. Entretanto, uma lei de 21 de novembro de 1901, mostrou-se bastante indulgente com a mãe culpada de tal crime, e aplicou aos demais autores da morte de recém-nascido o tratamento penal do homicídio. Ainda ao tempo do governo de Vichy19, a lei de 2 de setembro de 1941 correlacionalizou o infanticídio: o responsável, fosse a mãe ou qualquer outra pessoa, passou a ficar sujeito à prisão de três a dez anos e multa de até dois milhões de francos. A finalidade de tal medida foi a de tornar mais segura a repressão, subtraindo o infanticídio do júri. Em 1954, porém, uma lei fez o infanticídio retornar à qualificação de crime, com sistema análogo ao da lei de 1901 (cf. Émile Garçon, Code Pénal Annoté, 1.956, tomo II, pg. 38; Robert Vouin, Précis de Droit Pénal Spécial, 1.953, PP. 140. e 141).

Em que pese a evolução mostrada acima, no que toca ao abrandamento das penas, não se pode conceber a idéia de que atualmente a China possua ainda um elevado índice de infanticídio. Vale salientar que naquele país é comum a prática de aborto quanto se trata de criança do sexo feminino. Tais procedimentos têm gerado grade desequilíbrio, quanto ao gênero da população da China e que fatalmente será sentido num futuro próximo.

3.2. Escorço histórico-jurídico brasileiro

3.2.1. Noções Preliminares

O ordenamento jurídico pátrio em relação ao crime de infanticídio não destoou muito do que foi preconizado em outros ordenamentos. Já no Código Criminal de 1.830, o art. 198. preceituava que "se a própria mãe matar o filho recém-nascido para ocultar sua desonra", a pena seria a de "prisão com trabalho por um a três anos". Note-se que, em relação a outros preceitos do passado europeu, já se tem um verdadeiro abrandamento da pena culminada à mãe autora de infanticídio. Também se tem no tipo ora exposto a aplicação do critério bio-psicológico: "ocultação de desonra". Não obstante já ser patente a presença de tal critério, o Código Penal promulgado em 1890 também seguiu na mesma esteira e trouxe o reconhecimento de crime privilegiado ao infanticídio, dando-lhe o tratamento de honoris causa. O que chama atenção é o fato de que ambos os códigos, segundo alguns autores, (José Frederico Marques), de forma indevida, equiparavam o delito de infanticídio ao homicídio simples, entretanto, não se aplicavam as mesmas qualificadoras dos demais crimes de homicídio, pois tinha o infanticídio o status de crime privilegiado20.

Com o advento do Código de Hungria, 1940, o ordenamento jurídico pátrio deu ao crime de infanticídio o status de espécie autônoma e privilegiada de homicídio, adotando, para tanto, o critério biopsíquico, denominado estado puerperal, como veremos adiante, afastando, assim o status honoris causa.

3.2. Infanticídio como tipo penal

É mister que se registre que a expressão "infanticídio" vem do latim 'infanticidium' e significa a morte de uma criança, especialmente do recém-nascido. Tratando-se de crime, pode ser configurado como: Próprio, visto somente pode ser cometido pela mãe ou, em circunstâncias especiais, por terceiros; Também é instantâneo, visto que sua consumação se dá com uma única conduta, não produzindo, assim, resultado prolongado no tempo; Também é um crime comissivo, pois é cometido por meio de uma ação; Também é crime material visto que somente se consuma quando surge o resultado pretendido pelo agente; É de dano, obviamente, pois se consuma com a efetiva lesão a um bem jurídico tutelado, in casu, a vida humana. Desta forma, tem-se a ocorrência de um prejuízo efetivo e perceptível pelos sentidos humanos; Também é um crime unissubjetivo, pois pode ser praticado por uma única pessoa; É plurisubsistente, pois exige vários atos que compõem a mesma ação, logo é perfeitamente admissível a modalidade tentada porque o agente ativo poderá não alcançar seu objetivo por circunstâncias alheias à sua vontade; e por fim, é um crime de forma livre, visto que pode ser praticado de qualquer modo pelo agente, não havendo, no tipo penal, qualquer vínculo com o método.

O crime de infanticídio encontra-se preceituado no Código Penal brasileiro no art. 123, litteris:

Infanticídio

Art. 123. Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após:

Pena – detenção, de dois a seis anos.

Pela leitura da letra do referido artigo tem-se de forma clara que o legislador adotou o critério biopsíquico para o tipo em estudo. Nessa esteira é importante trazer à baila o item 40 da exposição de motivos do Código Penal pátrio, litteris:

"O infanticídio é considerado um delictum exceptum quando praticado pela parturiente sob a influência do estado puerperal. Esta cláusula, como é obvio, não quer significar que o puerpério acarrete sempre uma perturbação psíquica: é preciso que fique averiguado ter esta realmente sobrevindo em conseqüência daquele, de modo a diminuir a capacidade de entendimento ou de auto-inibição da parturiente. Fora daí, não há por que (sic) distinguir entre homicídio e homicídio. Ainda quando ocorra a honoris causa (considerada pela lei vigente como razão de especial abrandamento da pena), a pena aplicável é a de homicídio". (grifo nosso).

3.2.1. Caracterização do tipo penal

Para a caracterização do crime de infanticídio, ou seja, para que haja uma subsunção entre os atos praticados, incluindo aí as circunstâncias em que foram praticados e a letra do tipo necessário se faz que estejam presentes as elementares do tipo, a saber: Ser mãe, Matar; o próprio filho; durante o parto ou logo após; e sob a influência do estado puerperal . Para uma melhor compreensão analisemos, pois, uma a uma:

3.2.1.1. Matar

O verbo matar, nesse sentido, significa eliminar a vida humana extra-uterina provocada por terceiro. Para NUCCI21 o verbo matar é o mesmo do homicídio, razão pela qual a única diferença entre o crime de infanticídio e o homicídio é a especial situação em que se encontra a agente. Matar significa eliminar a vida de outro ser humano, de modo que é preciso que o nascente esteja vivo no momento em que é agredido fatalmente.

3.2.1.2. O próprio filho

Esta elementar é de importância ímpar, uma vez que, por se tratar de descendente direto da agente do crime de infanticídio, não deve ser confundido, com outros tipos de ilícitos penais praticados contra descendentes. Nesse sentido têm-se as letras "e" e "h", do inc. II, do art. 61. do Código Penal pátrio, litteris:

Circunstâncias agravantes

Art. 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:

[...]

II – ter o agente cometido o crime:

[...]

e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge;

[...]

h) contra criança, maior de sessenta anos, enfermo ou mulher grávida;

Nesse diapasão, é salutar que se registre que in casu não pode a elementar em tela servir também para agravar a pena, pois caso contrário ter-se-ia um instituto que não é admitido em direito, qual seja o bis in idem.

3.2.1.3. Sob a influência do estado puerperal

Esta elementar, a nosso ver, é uma das mais importantes, pois trata-se linha tênue que separa o homicídio do infanticídio. Representa, assim, o estado anímico em que deve se encontrar a agente parturiente, quando do cometimento do fato típico. Note-se que, fora deste estado, a agente não pratica o infanticídio, mas o homicídio. Assim, o Estado Puerperal, num conceito uníssono, é o período que vai do deslocamento e expulsão da placenta à volta do organismo materno às condições anteriores à gravidez. Em outras palavras, é o espaço de tempo variável que vai do desprendimento da placenta até a involução total do organismo materno às suas condições anteriores ao processo de gestação, lembrando, por fim, que puerpério vem de puer (criança) e parere (parir).

Importante frisar que o puerpério não quer significar que sempre seja acarretado por uma perturbação psíquica, sendo necessário que fique averiguado se esta pertubação tem realmente sobrevindo da capacidade de entendimento ou autodeterminação da parturiente, ficando clara a seguinte decisão jurídica. Nesse sentido: "Se não se verificar que a mãe tirou a vida do filho nascente ou recém-nascido sob a influência do estado puerperal, a morte praticada se enquadrará na figura típica do homicídio (RT 491/292)". 22

Estado puerperal é, assim, um fato biológico bem estabelecido que a parturição desencadeia numa súbita queda nos níveis hormonais e alterações bioquímicas no sistema nervoso central. A disfunção ocorreria no eixo Hipotálamo-Hipófise-Ovariano, e promoveria estímulos psíquicos com subseqüente alteração emocional. Em situações especiais, como nas gestações indesejadas, conduzidas em segredo, não assistidas e com parto em condições extremas, uma resposta típica de transtorno dissociativo da personalidade e com desintegração temporária do ego poderiam ocorrer. 23

3.2.1.4. Durante o parto ou logo após.

Trata-se de cláusula temporal onde o legislador, sem definir de modo conclusivo sua limitação, tornou difícil e emblemático a hermenêutica do tipo penal em estudo. Logo, a única delimitação que se infere do Código é que o crime de infanticídio seja cometido durante ou logo após o parto. No entanto, tem-se a interrogação: Quando começa e termina o parto e, conseqüentemente, quando começa o estado puerperal durante o parto? E o que é parto? Nesse sentido, é mister que se registre o significado de parto sob a ótica jurídica. Trata-se de uma palavra de origem latina que significa partus (ação de partir), entende-se, assim, o ato pelo qual o feto, ou o produto da concepção, deixa o útero materno.

O grande mestre NORONHA24 ensinava que o parto inicia-se com o período de dilatação, apresentando-se as dores características e dilatando-se completamente o colo de útero; segue-se a fase de expulsão, que começa precisamente depois que a dilatação se completou, sendo então, a pessoa impelida para o exterior; esvaziando o útero, a placenta se destaca e também é expulsa: é a terceira fase. Está, então, o parto terminado. Assim, NUCCI25 nos lembra que se deve interpretar a expressão "logo após" com o caráter de imediatidade, pois, do contrário, poderão existir abusos. Levando-se em consideração que a expressão "logo após" encerra imediatidade, mas pode ser interpretada em consonância com a "influência do estado puerperal", embora sem exageros e sem a presunção de que uma mãe por trazer consigo inafastável instinto materno, ao matar o filho estaria ainda, mesmo que muitos dias depois do parto, cometendo o infanticídio. Para MARQUES26 durante ou depois do parto, pouco importa, sempre é necessário que a morte resulte da influência do estado puerperal. Como se verifica, não há consenso entre os doutrinadores, daí porque não se deve exigir harmonia de outros segmentos como da jurisprudência.

3.2.2. Elemento subjetivo do crime

O elemento subjetivo do crime é o próprio dolo, pois não há falar em punição para a forma culposa desse tipo de crime. A alegação de alguns doutrinadores, como Damásio, é que não se pode exigir de uma mãe puérpera o dever de cuidado que normalmente se exigiria de outra que não esteja em tal estado, logo, não se teria previsibilidade objetiva que, como se sabe, é um dos requisitos da culpa na modalidade própria.

3.2.3.Sujeito Ativo

O sujeito ativo é a mãe do recém-nascido que se encontra em estado puerperal, obviamente que, levando-se em conta o concurso de pessoas nesta matéria, conforme abordagem em momento específico infra 3.3.6.

3.2.4. Sujeito Passivo

Acerca desse assunto, sem prejuízo para o trabalho final a que nos propomos, passaremos à margem de inferências científicas sobre as diversas formas de se aferir o nascimento com vida. Basta-nos aqui deixar claro que a vítima, ou seja, o sujeito passivo do crime de infanticídio é sempre o filho da mãe em estado puerperal, muito embora receba denominações divergentes, conforme o estágio em que ocorra o crime, podendo ser chamado de "nascente" se o crime ocorrer durante o parto, ou de recém-nascido se ocorrer logo após o parto. Importante salientar que em ambos os casos é preciso que haja constatação de que estava este ou aquele vivo, quando do ato maligno.

3.2.5. Participação de terceiros no crime de infanticídio
3.2.5.1. Contextualização Preliminar

Discutir o concurso de pessoas no crime de infanticídio não é objetivo principal desta pesquisa, entretanto, diante de farta controvérsia que o presente tema ocupa no ordenamento jurídico, é inconcebível que o deixemos de lado. Vejamos: Em consonância com o que vimos anteriormente, o crime de infanticídio é composto pelas elementares "Ser mãe, Matar; o próprio filho; durante o parto ou logo após; e sob a influência do estado puerperal". Nesse sentido, o concurso de agentes, seja com a presença do partícipe ou do co-autor, traz conseqüências distintas de acordo com o fato concreto a ser analisado. Vejamos, pois, alguns exemplos:

  1. A mãe mata, sozinha, o próprio filho, logo após o parto, sob a influência do estado puerperal: Nesse caso, tem-se o crime de infanticídio em sua forma plena, pura. Logo, responderá de acordo com as penas preconizadas no art. 123. do CP: "Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: Pena – detenção, de dois a seis anos". Importante lembrar que nesta forma pura de infanticídio não há falar em controvérsia técnica de relevância, exceto para os doutrinadores não adeptos das posições jus naturalistas, conforme já mencionado;

  2. Com a ajuda de terceiro, a mãe mata o próprio filho, logo após o parto, sob a influência do estado puerperal: Nesse caso, note-se que a mãe, como autora, responde nas penas do art. 123, mencionado acima, por ter ela executado as elementares do tipo. Já o terceiro participante, que a auxiliou, responderá pelo crime de infanticídio, como partícipe, isso porque, o Estado Puerperal como vimos, não é uma circunstância, mas uma elementar do tipo;

  3. Com a ajuda da mãe que se encontra sob a influência do Estado Puerperal e no momento logo após o parto, ajuda terceira pessoa a matar o próprio filho recém-nascido: Pelos ditames do artigo 29 do CP, litteris : "Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade", logo, em análise sob ótica técnica, tem-se que a terceira pessoa praticou do crime de homicídio, pois executou o núcleo do tipo, qual seja matar alguém. Já a mãe, atuou como partícipe, logo responderá pelo crime de homicídio também. Entretanto, esta não é a regra que vige no nosso ordenamento jurídico, até porque estaríamos diante de uma espécie de insegurança jurídica, portanto, a mãe deverá responder pelo crime de infanticídio e não de homicídio, como nos conduz a comum técnica de interpretação;

  4. Terceira pessoa e a mãe puérpera matam o filho desta, recém-nascido, logo após o parto, com liame subjetivo e identidade de infrações: Nesse caso, tanto a mãe quanto a terceira pessoa deverão responder pelo crime de infanticídio, em consonância à teoria monista, adotada no Brasil, bem como com os ditames do art. 29, caput, cc art. 30. do CP.

Como vimos, é notória a divergência existente acerca do concurso de agentes no crime de infanticídio, no tocante às circunstâncias, principalmente pelas posições doutrinárias antagônicas. Duas correntes têm ocupado boa parte das discussões acerca desse assunto. Preliminarmente é importante salientar que a questão que passamos a tratar encontra-se supedaneada no artigo 30 do Código Penal pátrio, litteris:

Circunstâncias incomunicáveis

Art. 30. Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.

(grifamos)

A primeira corrente defende que as condições de caráter pessoal, como o estado puerperal, são inerentes somente às puérperas, portanto não se comunicam a terceiros. Nesse sentido tem-se que aqueles que concorrem na condição de partícipe responderão pelo delito de infanticídio, mas aquele que concorre na condição de co-autor, ou seja, executa o núcleo do tipo: "matar alguém", por exemplo, deve responder por homicídio. Nesse sentido tem-se a lição de CERNICCHIARO27 que aduz que:

"O infanticídio, portanto, é um tipo que pensa uma agente. Ela e só ela. O juízo de reprovabilidade é exclusivo à pessoa descrita no tipo. A mais ninguém. O estranho à narração do modelo quando, de qualquer modo concorre para matar alguém, amolda-se a outro tipo de culpabilidade, no caso, do homicídio".

Esta corrente é supedaneada por doutrinadores como Heleno Fragoso, Mayrink da Costa e, anteriormente, por Nelson Hungria que na 5ª edição de sua obra Comentários ao Código Penal, v. V, p. 266, mudou de opinião, preconizando que: "em face do nosso Código, mesmo os terceiros que concorrem para o infanticídio respondem pelas penas cominadas, e não pelas do homicídio". Nesse sentido, acreditamos ser bastante difícil uma mudança tão drástica de postura de alguém que, por mais de quarenta anos, relutou em aceitar tal posicionamento. Em brilhante artigo a esse respeito DAMÁSIO E. DE JESUS28, lembra que:

"Nélson Hungria dificilmente mudava de opinião, sendo conhecido pela firmeza de suas posições. Mas, por volta de 1960, como nos confiou Heleno Cláudio Fragoso num encontro que tivemos no Rio de Janeiro, Hungria, já beirando a aposentadoria, passou a "ouvir mais", alterando orientações apaixonadamente preservadas ao longo dos anos. Tanto que, membro da Comissão elaboradora do Anteprojeto de Código Penal de 1963, várias vezes surpreendeu seus pares aceitando teses contrárias ao seu pensamento ardorosamente exposto em suas obras. Foi o que aconteceu em relação ao tema do concurso de pessoas no infanticídio, em que modificou sua posição na última edição de sua obra, fato que passou despercebido da maioria da doutrina brasileira. Reconhecendo humildemente o engano e dando a mão à palmatória, adotou a tese da comunicabilidade na 5.ª edição dos Comentários: "Comentando o art. 116. do Código suíço, em que se inspirou o art. 123. do nosso, Logoz (op. cit., p. 26) e Hafter (op. cit., p. 22), repetindo o entendimento de Gautier, quando da revisão do Projeto Stoos, acentuam que um terceiro não pode ser co-partícipe de um infanticídio, desde que o privilegium concedido em razão da ‘influência do estado puerperal’ é incomunicável. Nas anteriores edições deste volume, sustentamos o mesmo ponto de vista, mas sem atentarmos no seguinte: a incomunicabilidade das qualidades e circunstâncias pessoais, seguindo o Código helvético (art. 26), é irrestrita (‘Les relations, qualités et circonstances personnelles spéciales dont l’effet est d’augmenter, de diminuer ou d’exclure la peine, n’auront cet effet qu’à l’égard de l’auteur, instigateur ou complice qu’elles concernent’), ao passo que perante o Código pátrio (também art. 26) é feita uma ressalva: ‘Salvo quando elementares do crime.’ Insere-se nesta ressalva o caso de que se trata. Assim, em face do nosso Código, mesmo os terceiros que concorrem para o infanticídio respondem pelas penas a este cominadas, e não pelas do homicídio". (grifo nosso).

A segunda corrente, esta mais moderna e, amplamente majoritária na doutrina, defendida por doutrinadores como Celso Delmanto, Fernando CAPEZ, Damásio, Magalhães Noronha, dentre outros, prega a comunicabilidade prevista na segunda parte do art. 30. do CP, também ao crime de infanticídio. Em suma, as elementares do tipo "ser mãe" e "influência do estado puerperal", comunicam-se, tanto ao co-autor, quanto aos partícipes. Nesse sentido, embora entendendo a clareza da segunda parte do art. 30. do CP, entendemos não merecer comunicação no caso do delito de infanticídio, por tratar-se de "delictum exceptum" . Destarte, comungamos o posicionamento de Heleno Fragoso que lecionava:

"Entendemos que deve ser adotada a lição de Hungria29, fundada no direito suíço, segundo a qual o concurso de agentes é inadmissível. O privilégio se funda numa diminuição da imputabilidade, que não é possível estender aos partícipes. Na hipótese de co-autoria (realização de atos de execução por parte do terceiro), parece-nos evidente que o crime deste será o de homicídio" 30.

3.2.6. Jurisprudência quanto à desclassificação e a presunção.

Para que haja desclassificação do crime de homicídio para o de infanticídio, necessário se faz a presença dos requisitos elencados no artigo 123 do Código Penal que são: Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após. Note-se que a jurisprudência é unânime em suscitar tal necessidade31.

Já a presunção, tão negada por alguns doutrinadores, se faz presente no crime de infanticídio, afinal, à notícia de que uma mãe matou seu filho recém-nascido, é natural que se presuma que esta mãe esteja fora de si, sob o efeito de algum psicotrópico ou mesmo sob efeito do estado puerperal. É relevante mencionar que mesmo com a presunção existe a necessidade de submeter a mãe autora de infanticídio a exame psiquiátrico32.

Um grande serviço foi prestado a esta matéria pelo Desembargador SERGIO BRAGA, num voto histórico no processo nº 1.0003.01.000863-3/001(1) 33. De forma clara e sucinta, o Des. Sérgio Braga traz em seu voto a necessidade de submissão do crime praticado à figura típica do infanticídio, se cometido com a presença das elementares deste, ou do de homicídio, se ausente qualquer das elementares do crime de infanticídio. É relevante mencionar que mesmo com a presunção tem-se a necessidade de submeter a mãe autora de infanticídio a exame psiquiátrico.

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Sobre o autor
Antonio Sólon Rudá

Antonio Sólon Rudá é um Jurista brasileiro, especialista em ciências criminais, Ph.D. student (Ciências Criminais na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra); e MSc student (Teoria do Direito pela Fac. de Direito da Universidade de Lisboa); É membro da Fundação Internacional de Ciências Penais; É membro julgador do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-DF; Autor de artigos e livros jurídicos; É Advogado cível e trabalhista; e Sócio fundador do Escritório Sanches & Sólon Advogados Associados. E-mail: [email protected]. WhatsApp 61 9 9698-3973. Currículo: http://lattes.cnpq.br/7589396799233806. 

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RUDÁ, Antonio Sólon. Limites temporais do estado puerperal nos crimes de infanticídio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2635, 18 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17433. Acesso em: 2 nov. 2024.

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