VOTO
01. Do julgamento antecipado da lide. A LC nº 64/90 não proíbe ser a lide julgada antecipadamente. Tratando-se a questão de mérito unicamente de direito, como é o caso presente, ou, sendo de direito e de fato sem necessidade de se produzir prova em audiência, o julgador, em obséquio à celeridade processual, deve conhecer diretamente do pedido (aplicação subsidiária do CPC, art.330, I).
Na hipótese vertente, o impugnado argüiu em sua defesa questões preliminares e no mérito alegou fato impeditivo à pretensão deduzida na inicial, ensejando, por força do disposto nos artigos 326 e 327 do CPC, a concessão de réplica para o impugnante, conforme despacho de fl.81.
Portanto, recebo a última manifestação do Ministério Público Eleitoral como RÉPLICA, e, por se tratar de demanda cuja questão de mérito é unicamente de direito, indefiro nova manifestação das partes a título de alegações finais, passando a julgar o feito de maneira antecipada.
02. Da a inaplicabilidade LC nº 135/2010 ao caso concreto. Discutiu-se, por ocasião da edição da LC nº 64, de 18 de maio de 1990, ano de eleições, a eficácia imediata da referida lei frente ao disposto no art. 16 da Constituição Federal. Naquela época, o Egrégio TSE, através da Consulta nº 11.173-DF, rel. Min. Octávio Gallotti, respondeu que a lei sobre as inelegibilidades não configurava alteração do processo eleitoral, e, portanto, tinha eficácia imediata.
Fato semelhante se repete nos dias atuais em relação LC nº 135/2010, também em ano de eleições. Novamente, a Excelsa Corte Eleitoral decidiu, por maioria, pela aplicabilidade imediata da nova lei na Consulta nº 1.120-26/DF, rel. Min. Hamilton Carvalhido, apesar da ressalva de pensamento dos Ministros Arnaldo Versiani e Marcelo Ribeiro e do voto contrário do Ministro Marco Aurélio (Informativo TSE nº 19).
Na consulta nº 1147-9, rel. Min. Arnaldo Versiani, o TSE decidiu que "a nova lei de inelegibilidade se aplica aos processos em tramitação ou mesmo já encerrados antes da sua entrada em vigor", ressaltando, como premissa o entendimento de que inelegibilidade não é pena e que não há direito adquirido à elegibilidade.
Entretanto, a moderna doutrina do direito eleitoral vem apregoando que as inelegibilidades se classificam, quanto à origem, em inelegibilidades inatas e inelegibilidades sanção ou cominada. As primeiras ocorrem independentemente da prática de qualquer conduta por parte do cidadão ou de terceiros em seu benefício e a segunda decorre da prática de alguma conduta ilícita praticada pelo candidato. Nesse sentido são as lições de Adriano Soares da Costa (in: Instituições de Direito Eleitoral, 8ª ed., Rio de Janeiro, júris lúmen, 2009, pg 149); José Jairo Gomes (in: Direito Eleitoral. 4ª ed. Belo Horizonte, del rey, 2010, pg 144/145); e Edson Resende Castro (in: Teoria e Prática do Direito Eleitoral, 5ª ed. Belo Horizonte, del rey, 2010, pg 132/135).
A idéia de sanção ou penalidade tem como pressuposto a violação de determinações legais ou administrativas, e representam certa privação aos bens e interesses da pessoa. Conforme lição de Miguel Reale sanção "é toda conseqüência que se agrega, intencionalmente, a uma norma, visando ao seu cumprimento" (in: Filosofia Do Direito, 14ª ed. São Paulo, saraiva, 1991, pg 260)
Note-se que o TSE, em dezembro de 2009 julgou Consulta nº 1729, rel. Min. Felix Fischer, decidiu que nas hipóteses de abuso de poder: "O termo inicial para a aplicação da sanção de inelegibilidade, nos termos do inciso XIV do artigo 22 da Lei Complementar nº 64/90, é a data da eleição em que ocorreu o ilícito. Súmula nº 19 do TSE (AgR-REspe nº 25.476/RN, Rel. Min. Eros Grau, DJe de 24.4.2009)".
O uso da palavra "sanção" reforça a idéia de que aquela Corte Superior vinha entendendo que a inelegibilidade decorrente de ilícito eleitoral seria autêntica penalidade, afinal, é absolutamente incompreensível equívocos terminológicos em decisão de grande relevância como é o caso das consultas.
Vários outros julgados do TSE também se valiam do termo "sanção". Nesse sentido:
(...) A decretação de inelegibilidade constitui sanção prevista no art. 22, XIV, da LC nº 64/90, sendo perfeitamente cabível quando a causa de pedir reside na prática de abuso do poder político, não ficando caracterizado, in casu, o julgamento extra petita. (...) (RECURSO ESPECIAL ELEITORAL N° 35.980 (43773-77.2009.6.00.0000) -CLASSE 32 - IPATINGA - MINAS GERAIS.Relator: Ministro Marcelo Ribeiro, DJU 22/03/2010)
"(...) O art. 1°, I, c, da LC nO64/90 prevê a inelegibilidade daqueles que perdem seus cargos eletivos "por infringência a dispositivo da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal e da Lei Orgânica dos Municípios". Contudo, a pretensão de ver declarada tal inelegibilidade deve ser manejada por instrumento próprio. Tal sanção não se inclui entre aquelas previstas para o recurso contra expedição de diploma"
(EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA N° 698 - CLASSE 218 - PALMAS - TOCANTINS.) (DJU 05/10/2009)
A própria LC nº. 135/2010, dando nova redação ao inciso XIV, art. 22 da LC nº. 64/90 mencionou o termo "sanção", dizendo que julgada procedente a representação por desvio ou abuso de poder ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, o julgador aplicará ao infrator "sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 08 anos subseqüentes à eleição que se verificou (...)".
Nesse contexto, com a máxima vênia do Ministério Público Eleitoral, filio-me ao entendimento daqueles que vislumbram a natureza das inelegibilidades decorrentes de infrações à preceitos legais como autêntica hipótese de penalidade, e não de simples conseqüência de uma condenação, afinal os efeitos punitivos decorrentes de uma infração podem ser contemplados por um ou mais textos legais, não se exigindo que estejam restritos no mesmo dispositivo ou na mesma lei.
Sendo assim, entendo ser aplicável à espécie as normas dos incisos XXXIX e XL do art. 5º da Constituição Federal que exige a anterioridade da lei punitiva aos fatos ilícitos ensejadores da penalidade e proíbe a retroatividade da lei punitiva, a não ser para beneficiar o réu.
São normas-princípios fundamentais para a segurança jurídica, considerada por Gustav Radbruch como uma "premissa de toda civilização" (apud, curso de direito civil, Paulo Nader, parte geral. Rio de Janeiro, forense, 2003, pg 149).
Na análise da ocorrência do fenômeno da retroatividade das leis, o importante é a data da ocorrência dos fatos considerados ilícitos, e não o enfrentamento de suas conseqüências. No caso presente os fatos ensejadores da condenação do impugnado ocorreram antes da vigência da LC nº.135/2010, sendo o bastante para se inferir que a tese sustentada pelo impugnante implica na efetiva retroatividade de lei mais severa.
Sem dúvida a LC nº. 135/2010 é um grande avanço e um moderno instrumento de valorização da ética na política brasileira. Todavia, não pode servir de ameaça permanente às garantias individuais e às demais regras basilares do Estado Democrático de Direito.
O fato da lei nova atendente, em geral, a um maior interesse social, a convivência democrática exige de todos os construtores da ordem constitucional, legisladores e magistrados, redobrada vigilância aos impulsos momentâneos de determinada maioria, ainda que imbuídos do mais puro sentimento de justiça e das melhores intenções. Como bem enfatizou o arguto Maquiavel "é imprudente, e, portanto desaconselhável, passar abruptamente da clemência à crueldade".
A inaplicabilidade da LC nº. 135 a fatos pretéritos não é reconhecimento de direito adquirido à elegibilidade. Evidentemente se o candidato reiterar sua conduta na vigência da nova lei, a sanção da inelegibilidade deverá ser aplicada com base nos novos critérios, e jamais com base nos critérios revogados.
Assim, embora a LC nº. 135 tenha aplicabilidade em tese, só pode disciplinar fatos futuros, ocorridos após a sua vigência.
Desse modo, acolho a preliminar suscitada pelo impugnado, para declarar a inaplicabilidade da alínea "j", inciso I, art. 1º da LC 64/90, incluído pela LC nº. 135/2010 na hipótese vertente, não incidindo esta causa de inelegibilidade.
Quanto aos demais requisitos legais para o registro de candidatura, verifico que o pedido foi instruído como os documentos exigidos pelo art. 26 da Resolução TSE nº 23.221/2010 (art. 11, da Lei nº 9.504/97), reunindo o candidato todas as condições de elegibilidade para o cargo, não havendo nenhuma causa de inelegibilidade.
Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a IMPUGNAÇÃO ofertada pelo Ministério Público Eleitoral, e DEFIRO o registro da candidatura de JOSÉ SARNEY FILHO, sob o número 4321 e com a opção de nome SARNEY FILHO,para o cargo de Deputado Federal.
É como voto.
São Luís, 26 de julho de 2010.
Juiz MAGNO LINHARES
Relator
2. DO MÉRITO
A Lei Complementar nº 135, de 4 de junho de 2010, publicada 2 (dois) dias depois, notadamente, trouxe extrema inovação às condições de elegibilidade, além de representar surpresa aos pretensos candidatos a cargos eletivos no pleito deste ano, já que sua vigência iniciou praticamente em simultaneidade com o início das convenções partidárias estabelecidas no art. 8º, caput, da Lei nº 9.504/97.
Todavia, conforme acertadamente discorreu o insigne Procurador Regional Eleitoral, há hipóteses de exceção de aplicação da lei inovadora, o que se daria "no caso de condenação por abuso de poder em AIJE, com fulcro no inciso XIV do art. 22 da LC nº 64/90, onde tenha sido fixada a inelegibilidade por 03 (três) anos na própria sentença/acórdão condenatório, haja vista que nesse caso a inelegibilidade é constituída na própria decisão judicial" (transcrição literal – p. 5).
Nesse aspecto, seria, pois, inaplicável ao caso concreto a alínea "d" do art. 1º, inc. I, da Lei Complementar nº 64/90, cuja redação foi trazida pela Lei Complementar nº 135/2010, pelos próprios fundamentos trazidos pelo impugnante. Assim, caberia a aplicação, sim, dos arts. 1º, inc. I, alínea "h" c/c art. 22, inc. XIV, ambos da Lei Complementar nº 64/90, todavia, com redação original, ou seja, anterior à Lei Complementar nº 135/2010.
Desse modo, indispensável o trânsito em julgado da decisão declaratória que aplicou a inelegibilidade à candidata impugnada.
No entanto, houve interposição de Agravo de Instrumento em Recurso Especial, protocolizado sob o nº 259692010, que ora tramita perante o colendo Tribunal Superior Eleitoral nos autos AI nº 182791.2010.600.0000 (número único), estando no aguardo de decisão daquela Máxima Corte Eleitoral. Assim, é claro, não houve trânsito em julgado da decisão declaratória dessa egrégia Corte, o que obsta o indeferimento, por esse motivo, da candidata impugnada.
Noutro ângulo, caso tais alegações, por si só, não gerem o convencimento dessa relatoria e do Plenário dessa Corte Eleitoral, no sentido do deferimento do pedido de registro da candidata, necessário se faz, então, lembrar que dispõe o art. 26-B, caput, da Lei Complementar nº 64/90 sobre a prioridade a ser dada para os processos daquela natureza e que, sendo a ele conferido efeito suspensivo – o que provavelmente deve ocorrer em razão dos fatos discorridos –, haverá priorização sobre todos os demais feitos, à exceção apenas dos mandados de segurança e hábeas corpus em trâmite, consoante preconiza o art. 26-C daquele mesmo diploma legal complementar.
Tais prioridades, não paira dúvida alguma, tem o condão de evitar prejuízos decorrentes da injustiça causada em razão da morosidade no trâmite processual ensejada pelo elevado número de feitos em andamento perante o Poder Judiciário, em especial, nesta época que antecede pleito eleitoral, a própria Justiça Eleitoral.
Ora, no caso sob exame na AIJE de protocolo nº 25616452008, esse egrégio Tribunal Regional Eleitoral, em apreciação ao RE Nº 5866, entendeu por tornar insubsistentes as sanções de inelegibilidade impostas a alguns recorrentes, os quais estavam permeados no mesmo fato que os demais, tendo sido mantida tal sanção apenas para alguns, dentre eles, a candidata impugnada, o que pode configurar injustiça, como se dá a entender que é. De qualquer modo, a decisão encontra-se em descompasso com o que dispõe o art. 22, inc. XIV, da Lei Complementar nº 64/90.
Ademais, há grande probabilidade de que seja suspensa, pela Corte Superior Eleitoral, a inelegibilidade da candidata impugnada, já que presentes a plausibilidade na pretensão recursal (LC 64/90, art. 26-C, caput).
Sendo assim, o correto seria o sobrestamento do pedido de registro de candidatura até que decisão interlocutória (declaração de efeito suspensivo ao agravo de instrumento interposto) ou final no AI nº 182791.2010.600.0000 seja proferida pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Contudo, a Resolução TSE nº 23.221/2010, em seu art. 50, estabeleceu como prazo final para julgamento de todos os pedidos de registro de candidatura o dia 5 de agosto do ano em curso, ou seja, em curtíssimo tempo.
Destarte, é praticamente inacreditável que alguma decisão seja proferida pelo c. Tribunal Superior Eleitoral antes do término do prazo para julgamento da impugnação que ora se contraria e do próprio pedido de registro de candidatura.
Diante de tais assertivas, não é plausível que a candidata seja prejudicada por questões que estão fora de suas próprias vontades ou de sua execução pessoal, na dependência decisões alheias ao processo que cuida especificamente do futuro de sua candidatura.
Sobre o assunto, leciona Marino Pazzaglini Filho, em sua obra Eleições Gerais 2010 (São Paulo: Atlas, 2010, p. 33), que "a regra constitucional é a elegibilidade do cidadão", de modo que as incapacidades passivas eleitorais estão abarcadas nas exceções.
Convém, ainda, transcrever o que preconiza o art. 26-A da Lei Complementar nº 64/90, que dispõe:
Art. 26-A. Afastada pelo órgão competente a inelegibilidade prevista nesta lei, aplicar-se-á, quanto ao registro de candidatura, o disposto na lei que estabelece normas para as eleições.
Daí extrai-se que, sendo afastada, em qualquer instância, a inelegibilidade da candidata, terá ela seu registro de candidatura deferido, posto que preenchidos os demais requisitos legais necessários.
Para cessar de vez a discussão, convém transcrever decisão dessa egrégia Corte Eleitoral sobre a questão concernente ao trânsito em julgado de decisão, in verbis:
EMENTA RECURSO ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. IMPUGNAÇÃO. VIDA PREGRESSA (ART.14, §9º, DA CF). NOME DO CANDIDATO FIGURANDO EM PROCESSOS JUDICIAIS CRIMINAIS E DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONDENAÇÕES NÃO TRANSITADAS EM JULGADO. A MATÉRIA FOI OBJETO DA ADPF N.144, JULGADA IMPROCEDENTE PELO COLENDO STF. EFICÁCIA ERGA OMNES E EFEITO VINCULANTE (ART. 10, §3º, DA LEI N. 9.882/99). RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
(TRE/GO, Ac. RE 4105, Rel. Juiz Marco Antônio Caldas, Publ. Seção de 18/08/2008).
Pelos aspectos narrados, encontra-se a candidata impugnada no pleno exercício de seus direitos políticos, não podendo ser privada dos direitos que lhe são garantidos pela legislação vigente, dentre eles o de ser votada, especialmente por tratar-se do direito regrado e não do excepcional.
Por conseguinte, cabível, por ser de direito, o deferimento do pedido de registro de candidatura.
PEDIDOS
Diante do acima exposto, REQUER a Vossa Excelência que:
A) Seja recebido o presente RECURSO ESPECIAL como tempestivo, para este DD. Ministro possa JULGAR PROCEDENTE todos os termos da presente julgando as preliminares, o controle e a conseqüente declaração de inconstitucionalidade da LC n. 135/2010, por todas as violações à Constituição Federal, apontadas acima;
B) No mérito seja reformada a sentença e, de conseqüência, DEFERIDO o registro da candidata MALVINA MARIA DA SILVA, posto estarem preenchidos os requisitos legais necessários e por ser de direito.
C) protesta pelas demais provas admitidas em direito.
Nestes Termos,
Pede Deferimento.
Goiânia-GO, 08 de agosto de 2008.
EDILBERTO DE CASTRO DIAS
OAB 13.748