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Usufruto: uma abordagem crítica, sob a ótica civil-constitucional

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Agenda 24/09/2010 às 15:58

7. Penhora dos rendimentos da cessão onerosa do usufruto

Na qualidade de direito real personalíssimo, viu-se que o usufrutuário não pode alienar seu direito real de usufruto, mas pode ceder o seu exercício.

Assim, observa-se que, em princípio, o usufruto é impenhorável, tendo assim se manifestado o Superior Tribunal de Justiça:

Bem de família e imóvel gravado com reserva de usufruto – Impenhorabilidade. 1. Ponderou a Corte estadual que o imóvel em apreço é impenhorável, não por estar na condição de bem de família e, consequentemente amparado pela Lei 8.009/1990, mas por estar o bem gravado pela reserva de usufruto, sendo defesa a sua alienabilidade. 2. No caso, o devedor/executado é o usufrutuário e reside com seus pais no imóvel no qual se pretende impor a constrição judicial. (STJ. Primeira Turma. Rel. Min. José Delgado. AgRg no Ag 851.994/PR. DJ 01.10.2007, p. 225)

Os rendimentos auferidos pelo usufrutuário com a cessão do exercício do usufruto, segundo a jurisprudência majoritária, podem ser objeto de penhora, aplicando-lhe o disposto no art. 671 do Código de Processo Civil.

Segundo Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald,

Mesmo que o usufrutuário esteja pessoalmente fruindo da coisa, poderá ser temporariamente alijado da posse direta, a fim de que o credor tenha acesso direto aos rendimentos provenientes da coisa, por fruição direta ou locação. (FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 584)

Importante salientar que não se efetivará a penhora de rendimentos caso os mesmos possuam caráter alimentar, por vedação disposta no art. 650, I, do Código de Processo Civil, pois a mesma prejudicaria a subsistência e dignidade do alimentado.

Assim, observa-se que

Para o deferimento do pedido de penhora do exercício do direito de usufruto, torna-se indispensável que se demonstre, ou se afirme, desde logo, não se encontrar o usufrutuário utilizando-se pessoalmente da coisa frutuária; ou, se alugada, não constitua renda para a manutenção do usufrutuário, tendo em vista se equiparar a soldos e salários (art. 649, I, do CPC), ou a alimentos destinados a pessoas idosas (art. 650, I, do CPC). (RIZZARDO, 2007, p. 944)

Além disso, assevera Washington de Barros Monteiro que há outra exceção à possibilidade de penhora dos frutos, presente no usufruto legal que os pais têm sobre os bens dos filhos menores (art. 1689 do Código Civil), eis que este instituto tem caráter alimentar. (MONTEIRO, 1999)

Por fim, a inalienabilidade do usufruto não constitui impedimento para a penhora da propriedade pelos credores do proprietário, sendo este o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

Direito civil – Penhora sobre nua-propriedade de imóvel, gravado com usufruto vitalício – Possibilidade. Da interpretação conjunta dos arts. 524 e 713 do CC/1916, fica evidente a opção do legislador pátrio em permitir a cisão, mesmo que temporária, dos direitos inerentes à propriedade: de um lado o direito de uso e gozo pelo usufrutuário, e de outro o direito de disposição e seqüela pelo nu-proprietário. A nua-propriedade pode ser objeto de penhora e alienação em hasta pública, ficando ressalvado o direito real de usufruto, inclusive após a arrematação ou adjudicação, até que haja sua extinção. (STJ. Terceira Turma. Rel. Min. Nancy Andrighi. REsp 925.687/DF. DJ 17.09.2007. p. 275)

Portanto, observa-se que é perfeitamente possível a penhora dos frutos que o bem objeto de usufruto produz, não havendo qualquer desrespeito à pessoalidade inerente a este direito real.


8. Despesas com a conservação do bem

Como todo detentor de direitos, o usufrutuário também tem obrigações decorrentes do direito real de usufruto, tais como fazer inventário do bem, prestar caução, dar ciência ao proprietário quanto a eventual lesão produzida sobre a coisa, pagar os tributos devidos pela posse, e zelar pela manutenção da coisa.

Estas obrigações do usufrutuário não trazem grandes dificuldades de interpretação, merecendo destaque as obrigações contidas nos artigos 1.403 e 1.404 do Código Civil, que se referem à responsabilidade pelas despesas com a conservação do bem.

De início, cumpre salientar que o legislador divide as despesas com a conservação do bem em ordinárias e extraordinárias. Ordinárias são despesas que implicam em consertos indispensáveis para a manutenção do bem objeto de usufruto no estado em que foi entregue ao usufrutuário como, por exemplo, pintura, recolocação de reboco e restauração de cercas.

Já extraordinárias são as reparações "destinadas não à mera conservação da coisa usufruída, mas sim à substituição de alguns de seus elementos estruturais" (MARCHI, 2008, p. 19), como a reconstrução de uma parede, do telhado, encanamento, ou da estrutura do próprio prédio.

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Da leitura dos artigos em exame, conclui-se que as despesas ordinárias de custo módico incumbem ao usufrutuário, e as extraordinárias e as ordinárias de custo não-módico incumbem ao proprietário.

Esta divisão deflui do caráter preponderantemente alimentar do usufruto, na medida em que caso coubessem ao usufrutuário as despesas ordinárias de custo não-módico e as extraordinárias, estas poderiam superar o próprio valor econômico do uso e fruição do bem.

Embora pareça não suscitar dúvidas quanto a sua aplicação, a divisão de responsabilidades pelas despesas de conservação pode gerar conflitos de ordem prática, já que o Código Civil trouxe alguns critérios que se mostram insuficientes, como o de definição do que é uma despesa não-módica.

Segundo o §1º do art. 1.404, as despesas superiores a 2/3 (dois terços) do rendimento líquido em um ano não seriam consideradas módicas.

De início, esta regra gera uma dificuldade, pois a contabilização dos rendimentos líquidos só pode ser feita ao final de cada ano, chegando-se ao absurdo de se ter que aguardar o fim do ano para, só depois, determinar-se o rendimento líquido e assim distribuir a responsabilidade pelas despesas.

Além disso, a determinação de rendimento líquido também gera problemas, na medida em que dependendo do ano, as receitas obtidas pelo usufrutuário podem ser inferiores ao total das despesas ordinárias de conservação, gerando um valor negativo ou igual a zero para se definir modicidade.

Nestes casos, qualquer despesa ordinária seria considerada despesa não-módica, devendo o proprietário, que nada tira do bem, a arcar com a mesma, e

Aquela primeira interpretação acima referida, adotada pela quase totalidade da civilística pátria, restaria, diante disto, inócua, pois baseada no parâmetro legal de modicidade, cujo cálculo, como se vê, pode não ser possível na prática. (MARCHI, 2008, p. 25)

Principalmente considerando-se os casos em que o usufruto é instituído por meio da compra-e-venda com reserva de usufruto, onde o usufrutuário conhece o bem, tendo condições de prever as eventuais despesas ordinárias com a conservação do mesmo ao longo dos anos, defende G. Pugliese que o mesmo deveria arcar com todas as despesas ordinárias de conservação do bem, com fulcro no critério da normalidade e previsibilidade.

Ao atribuir as despesas ordinárias de custo não-módico ao proprietário, o legislador pensou somente no usufruto com característica alimentícia, onde prevalece a proteção do usufrutuário.

Os legisladores não pensaram nos casos em que o usufruto é constituído a título oneroso, tampouco nos casos de compra e venda com reserva de usufruto, sendo certo que neste caso, o usufrutuário tem plena ciência das despesas ordinárias que deverão ser realizadas para conservação do bem, decorrentes de seu uso normal.

Assim

Não obstante a declaração do caput do art. 1.404, pode ocorrer em situações excepcionais, como aquelas acima demonstradas, que o usufrutuário – e não o nu-proprietário – responda pelas reparações ordinárias de custo não-módico ou de grande valor.

Esta nossa diversa interpretação, em parte contrária àquela arraigada communis opinio, retoma, em alguns aspectos, um entendimento até aqui isolado de M. I. Carvalho de Mendonça, o único entre nós, aparentemente, a não atribuir sempre ao nu-proprietário as despesas de valor não-módico: "... a reparação pode ser grande, mas é ordinária, toca ao usufructuario". (MARCHI, 2008, p. 27)

Nestes casos, portanto, em que é realizada a compra-e-venda com reserva de usufruto, é justo que o usufrutuário arque com todas as despesas ordinárias realizadas no bem, sejam de grande ou pequeno valor, na medida em que nestes casos não prevalece o caráter alimentar do instituto.

Observa-se, ainda, que nestes casos, o usufrutuário, além de ter plena ciência das despesas ordinárias que incidirão sobre o bem, tirou proveito econômico com a compra-e-venda de sua propriedade.

Portanto, em que pese parecer sem maiores problemas, a regra contida no Código Civil acerca da responsabilidade pelas despesas incidentes sobre um imóvel objeto de usufruto, na prática, esta regra pode gerar dúvidas e injustiças, especialmente no que tange aos casos em que qualquer despesa ordinária venha a ser não-módica, conforme afirmado supra.


9. Notas conclusivas

O usufruto, instituto de larga utilização do âmbito das relações familiares, a elas não se restringe, tendo se demonstrado importante elemento para permitir a circulação de riquezas na elaboração de contratos de compra-e-venda com reserva de usufruto.

Esta modalidade de contrato merece maior atenção da doutrina pátria, na medida em que poderia ter larga aplicabilidade no Brasil, em cidades históricas como Ouro Preto e Olinda, ou em bairros de classe média-alta de capitais como Urca e Leblon no Rio de Janeiro.

Além disso, observa-se que o usufruto, embora seja instituto presente em nosso Direito desde seus primórdios, ainda gera algumas controvérsias, seja em razão de seu caráter personalíssimo, seja na responsabilização pelas despesas, devendo o intérprete se atentar para os princípios gerais no momento de aplicação da norma ao caso concreto.

No presente trabalho, procurou-se abordar alguns dos temas controversos em relação ao usufruto, trazendo a opinião do autor acerca dos mesmos sem ter a pretensão de esgotar os temas, que merecem ser objeto estudos mais aprofundados.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Venosa, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. São Paulo: Editora: Atlas.

Sobre o autor
Raphael Furtado Carminate

Doutorando e Mestre em Direito Privado (PUCMinas). Especialista em Direito Tributário pela PUC Minas. Bacharel em Direito pela UFOP. Professor de Direito Civil da UNIPAC. Advogado em Ouro Preto (MG).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARMINATE, Raphael Furtado. Usufruto: uma abordagem crítica, sob a ótica civil-constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2641, 24 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17478. Acesso em: 22 dez. 2024.

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