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Polícia judiciária e a embriaguez ao volante

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OUTRAS INFRAÇÕES PENAIS

A autoridade policial poderá analisar, com outros elementos de prova como depoimentos e exame clínico, de modo subsidiário, eventual caracterização de outras infrações penais, de acordo com as características específicas do caso concreto, já na fase administrativa do processo penal, caso não haja prova técnica da concentração de álcool, prevista no tipo penal da embriaguez ao volante (em razão da recusa do motorista aos testes), ou exista apenas laudo pericial com índice de concentração alcoólica abaixo do legal.

Assim, mesmo não caracterizando aplicação precisa do princípio da subsidiariedade, que advém da existência de relação de conteúdo e continente entre duas normas, ou ainda do princípio da especialidade, oriundo da relação de gênero e espécie entre duas normas, principalmente porque o delito de embriaguez ao volante deixou de ser crime de perigo concreto, serão elencadas algumas infrações que podem ser vislumbradas conforme elementos deflagrados em cada ocorrência, caso já não constem desde o registro inicial como perpetradas em concurso com a do artigo 306 do CTB.

Na conjectura apresentada, uma das infrações que pode se configurar é a contravenção penal de embriaguez, tipificada no artigo 62, da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688/1941), que possui o seguinte texto:

Apresentar-se publicamente em estado de embriaguez, de modo que cause escândalo ou ponha em perigo a segurança própria ou alheia:

Pena – prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses ou multa.

Ao contrário do que ocorre com a embriaguez ao volante, nesta contravenção a comprovação da embriaguez não está restrita à demonstração do índice objetivo da concentração alcoólica, podendo ser caracterizada por qualquer outro meio idôneo, sobretudo os tradicionais exames clínicos ou as provas testemunhais.

Para configuração da contravenção, além do estado de embriaguez, será necessário que o agente se apresente publicamente, ou seja, em praças, ruas, clubes, festas entre outros, e que coloque em perigo a sua própria segurança ou a segurança alheia, circunstância esta a ser aferida no caso concreto.

Outra infração possível de configuração é a de participação em competição não autorizada, do artigo 308, do CTB:

Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada pela autoridade competente, desde que resulte dano potencial à incolumidade pública ou privada:

Penas – detenção, de seis meses a dois anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor.

Se do contexto fático apurado no caso for possível constatar que o investigado praticava disputa ou competição sem autorização do órgão público competente, o estado de embriaguez e eventuais depoimentos dando conta da alta velocidade imprimida ou de manobras imprudentes pelos competidores, por exemplo, poderão demonstrar o dano potencial à incolumidade exigido no tipo penal.

O delito de direção de veículo sem permissão ou habilitação, previsto no artigo 309, do CTB, também poderá se caracterizar, observando-se sua redação:

Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano:

Penas – detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano.   

Nota-se que, não possuindo o agente permissão ou habilitação no momento em que é flagrado dirigindo, demonstrado o perigo de dano decorrente da condução irregular do veículo automotor (por meio do conjunto probatório trazido aos autos), estará configurado o crime.

Por fim, o crime previsto no artigo 311, também do CTB, de excesso de velocidade em determinados locais, tipifica a seguinte conduta:

Trafegar em velocidade incompatível com a segurança nas proximidades de escolas, hospitais, estações de embarque e desembarque de passageiros, logradouros estreitos, ou onde haja grande movimentação ou concentração de pessoas, gerando perigo de dano:

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Penas – detenção de seis meses a um ano, ou multa.

Como nas demais infrações relacionadas, a comprovação da velocidade excessiva e do perigo de dano, nas localidades indicadas, poderá ser feita por qualquer meio idôneo, podendo o delito ficar caracterizado caso esses elementos estejam presentes no fato apreciado.

Por óbvio, tantas outras infrações penais poderão ser vislumbradas no caso concreto, mas as retroapontadas têm maior proximidade com o crime de embriaguez ao volante e exigem, relativamente, pequenos elementos a serem acrescidos para a subsunção aos seus tipos penais.

Para a formalização das situações relatadas, na prática, o delegado de polícia poderá instaurar inquérito policial, não obstante se trate de infrações de menor potencial ofensivo, que ensejariam, em tese, a lavratura de termo circunstanciado de ocorrência, este aplicável, caso toda a situação e suas peculiaridades fossem reveladas de plano, por ocasião da apresentação do autor na delegacia de polícia, o que nem sempre se verifica.

Sendo assim, as circunstâncias específicas serão demonstradas mediante diligências ulteriores ou mesmo após a chegada do laudo pericial acerca da concentração alcoólica ou do exame clínico, por exemplo, e a ocorrência, em princípio, é registrada para apuração do crime de embriaguez ao volante e não da infração penal posteriormente caracterizada.

No inquérito policial serão realizadas e acostadas todas as diligências pertinentes (boletim de ocorrência, oitivas, laudos etc.), e o delegado de polícia destacará, no relatório final, as circunstâncias que entende presentes e que poderão determinar a configuração de uma ou outra infração penal, remetendo ao Poder Judiciário para a devida apreciação do magistrado e do promotor de justiça, com a ressalva de que, em se tratando de infração de menor potencial ofensivo, caberá a distribuição ao respectivo Juizado Especial Criminal.


CONCLUSÃO

Do exposto, constata-se a falha na construção legislativa pátria, que revela ausência de uma análise no contexto amplo do sistema jurídico quando da alteração de dispositivos legais.

Inicialmente anunciada como de maior repressão, a alteração do crime de embriaguez ao volante, como sói ocorrer, na realidade implicou, tecnicamente, num posicionamento mais brando do poder público diante do infrator, permitindo por vezes a impunidade daquele que foi flagrado, efetivamente, alcoolizado e causando perigo na condução de veículos.

Entretanto, a proposta do presente trabalho, por meio das considerações delineadas, é de oferecer parâmetros para as providências iniciais de polícia judiciária quanto ao crime de embriaguez ao volante, diante da legislação atual, e sugerir saídas legais para viabilizar respostas da Justiça Pública ante situações comumente constatadas, buscando respaldo em outras infrações penais em vigor, quando da impossibilidade de configuração do crime do artigo 306 do CTB.


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Sobre os autores
Rafael Francisco Marcondes de Moraes

Mestre e Doutorando em Direito Processual Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Graduado pela Faculdade de Direito de Sorocaba. Delegado de Polícia do Estado de São Paulo. Professor concursado da Academia de Polícia de São Paulo (Acadepol). Autor de livros pela editora JusPodivm: www.editorajuspodivm.com.br/autores/detalhe/1018

Luiz Ricardo Repizo Kojo

Delegado de Polícia do Estado de São Paulo. Especialista em Ciências Penais. Foi Escrivão de Polícia e Investigador de Polícia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAES, Rafael Francisco Marcondes; KOJO, Luiz Ricardo Repizo. Polícia judiciária e a embriaguez ao volante. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2646, 29 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17481. Acesso em: 23 dez. 2024.

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