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Rescisão de sentença que viola literal disposição de lei constitucional: cabimento e competência

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Agenda 29/09/2010 às 14:23

4. DA IMPOSSIBILIDADE DE SE RESCINDIR SENTENÇA FUNDADA EM LEI DECLARADA INCONSTITUCIONAL PELO STF

Duas correntes se formaram a respeito da aplicabilidade da Súmula 343 do STF. Malgrado a questão estar pacificada no Supremo Tribunal Federal, perante a doutrina brasileira há muita resistência.

A corrente que não aceita a mitigação da referida Súmula procura lembrar que a ação rescisória é meio excepcional, porque se volta contra um instituto jurídico processual – a coisa julgada – que goza de explícita e enérgica tutela da própria constituição, no âmbito dos direitos fundamentais. Entre preservar a segurança das relações jurídicas e a estabilidade das decisões judiciais, de um lado, e salvaguardar a exegese do texto legal, de outro, opta-se pela primeira atitude, por corresponder a um princípio de maior significação e maior relevância para as metas práticas do ordenamento jurídico (THEODORO, 1995, p. 158-171).

Marinoni também rechaça a possibilidade de mitigação da Súmula 343, ao defender que

"Imaginar que a ação rescisória pode servir para unificar o entendimento sobre a Constituição é desconsiderar a coisa julgada. Se é certo que o Supremo Tribunal Federal deve zelar pela uniformidade na interpretação da Constituição, isso obviamente não quer dizer que ele possa impor a desconsideração dos julgados que já produziram coisa julgada material. Aliás, se a interpretação do Supremo Tribunal Federal pudesse implicar na desconsideração da coisa julgada – como pensam aqueles que não admitem a aplicação da Súmula 343 nesse caso -, o mesmo deveria acontecer quando a interpretação da lei federal se consolidasse no Superior Tribunal de Justiça" (2007, p. 675).

Nessa mesma linha, Leonardo Greco afirma

[...] rescisória que ressuscite questão de direito ampla e definitivamente resolvida no juízo rescindendo, com fundamento no art. 485, V, do CPC, viola claramente a garantia da coisa julgada" (GRECO, 2003, p. 206).

Os citados doutrinadores dizem não ser possível aceitar como racional a tese de que a ação rescisória pode ser utilizada como um mecanismo de uniformização da interpretação da Constituição voltado para o passado, pois isso seria o mesmo que eliminar a garantia constitucional da coisa julgada material.

O fato de ter o Supremo Tribunal Federal a função de interpretar a Constituição não pode conduzir a extrema conclusão de que, ao declarar a inconstitucionalidade de uma lei, o seu entendimento possa prevalecer em relação àqueles que já tiveram seus litígios solucionados pelo Poder Judiciário.

Argumenta-se que, a prevalecer tal raciocínio, estar-se-ia instituindo um controle de constitucionalidade da decisão transitada em julgado ou se aceitando que o controle de constitucionalidade da lei pode levar ao uso da ação rescisória como mecanismo para uniformizar a interpretação da Constituição.

[...] Se é certo que o Supremo Tribunal Federal deve zelar pela uniformidade na interpretação da Constituição, isso obviamente não quer dizer que ele possa impor a desconsideração dos julgados que já produziram coisa julgada material. Aliás, se a interpretação do Supremo Tribunal Federal pudesse implicar na desconsideração da coisa julgada – como pensam aqueles que não admitem a aplicação da Súmula 343 nesse caso - , o mesmo deveria acontecer quando a interpretação da lei federal se consolidasse no Superior Tribunal de Justiça, Não se diga, como já fez o Superior Tribunal de Justiça, que a diferença entre as duas situações está em que, no caso da declaração de inconstitucionalidade, a coisa julgada se funda em lei inválida, enquanto que uma decisão contra a lei ou que se lhe negue vigência supõe lei valida".(SUQUEIRA, 2006, p. 686).

Não se está infirmando a possibilidade de o Supremo restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou estipular que tais efeitos sejam produzidos apenas pro futuro, uma vez que existe previsão legal para tanto (art. 27, da Lei 9.868/99). Ocorre que, ao menos em face da coisa julgada material, qualquer ressalva deve ser tida por não escrita, vez que é imune aos efeitos ex tunc da declaração de inconstitucionalidade.

Cumpre relembrar que o respeito à coisa julgada, a exemplo do que ocorre na Europa, foi uma opção do legislador constituinte originário, de modo que cabe ao STF preservar a força dessa norma (5º, XXXVI). A Corte Européia de Direitos Humanos igualmente ressalva a importância do respeito à coisa julgada num Estado Democrático de Direito (CHIAVARIO, 2001, p. 170). Ao atuar em sentido contrário, o Supremo vai de encontro com o próprio poder que o instituiu, fazendo surgir grave clima de insegurança.

Entre os que aceitam a não incidência da Súmula 343, existe ainda posicionamento no sentido de que a mitigação se dá unicamente nos casos onde a lei em que se baseou a decisão rescindenda é declarada inconstitucional pelo Supremo com efeitos ex tunc. (GRIVONER, 1997, p. 37-47)

Sob essa ótica, o enunciado 343 da súmula do STF deve ser aplicado tanto para as questões constitucionais quanto para as infraconstitucionais, pois eliminar a coisa julgada em função de uma simples interpretação faz aumentar a descrença aos cidadãos em relação ao Poder Judiciário, além de conferir ao Supremo um extremo e indesejável controle sobre as situações jurídicas pretéritas.

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5. CONCLUSÃO

O presente trabalho foi iniciado com a função de demonstrar, num primeiro momento, que a súmula 343, do Supremo Tribunal Federal, merece ser mitigada quando estiver em discussão matéria constitucional.

No atual estágio de desenvolvimento jurídico, a Constituição de um país é consagrada como a norma fundamental que alicerça todas as demais regras jurídicas. É certo que a Constituição deve ter como parâmetro as relações fáticas, para que não se torne simples folha de papel, todavia, ela tem que conter normas obrigatórias estruturantes do Estado, que imponham de per si suas forças.

A legitimidade de todo e qualquer ato do Poder Público está estritamente vinculada às normas jurídicas e, sobretudo, à Constituição. Em um país democrático, como o Brasil, a Carta Magna significa a vontade do povo.

Nessa linha, ao Supremo Tribunal Federal foi consagrada a função de zelar pela Constituição. Essa Corte Máxima é que dirá definitivamente sobre a constitucionalidade de uma norma. Não se pode permitir que uma determinada decisão embasada em lei inconstitucional, assim declarada pelo STF, perpetue-se no tempo e não possa ser revista, pois tal situação causaria espanto e revolta aos jurisdicionados.

Por outro lado, a segurança jurídica também é princípio constitucional e serve aos anseios do homem de pacificação social. Não se pode olvidar que há de existir um prazo limite para questionar decisões transitadas em julgado, que se reputem inconstitucionais.

Desta forma, a Constituição tem força normativa e deve ser dada a máxima efetividade às suas normas, cabendo ao Supremo Tribunal Federal enunciar definitivamente sobre a constitucionalidade delas, permitindo-se inclusive ação rescisória se a sentença resultar em coisa julgada incompatível com a interpretação dada pela Corte à questão. Entretanto, a rescisória deverá ser proposta em até dois anos após o trânsito em julgado, para que se cumpra também o princípio da segurança jurídica.

No que toca à aplicação do art. 485, inciso V, do CPC, concluímos que havendo divergentes interpretações acerca de um dispositivo legal, ainda que aquela decisão proferida no caso concreto não adote a melhor interpretação, não será permitida a via excepcional da rescisória, pois que violação a literal disposição de lei não há, já que não se pode afirmar que qualquer das diversas interpretações deve prevalecer sobre a outra, conforme dispõe a súmula 343, do Supremo Tribunal Federal.

Situação bem diferente ocorre no trato das sentenças que se baseiam em dispositivo constitucional de interpretação controvertida. Tratando-se de matéria constitucional na qual o STF, guardião da Constituição, já tenha se pronunciado, em qualquer das várias formas que lhe são permitidas, já há entendimento de qual seja a melhor interpretação constitucional, e, portanto, qualquer decisão em sentido contrário contém vício rescisório a ensejar a ação rescisória.

De outro lado, acaso inexista pronunciamento do Supremo acerca do dispositivo que se alega violado, faz-se importante que a decisão última também seja prolatada pela Corte, pena de se estar usurpando sua competência. É assim que se defende ser cabível a ação rescisória, para que seja sanada a instabilidade e se traga a confiança e a igualdade para os cidadãos. A súmula 343 deve ser afastada e da decisão proferida no bojo da rescisória está sujeita a recurso extraordinário.

Na esteira do que foi exposto, é de se admitir a ação rescisória quando se trate de coisa julgada inconstitucional, tenha ou não o STF se pronunciado sobre a matéria, seja o seu pronunciamento antes ou depois do trânsito em julgado da decisão que se alega haver violado a Constituição.

Enfim, a Constituição é a norma fundamental de todo o ordenamento jurídico e deve se sobrepor a todas as outras normas. Ao Supremo Tribunal Federal cabe a última palavra em interpretação constitucional, além do dever de zelar pela supremacia da Carta e da máxima efetividade de suas normas.


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Sobre a autora
Mariana Wolfenson Coutinho Brandão

Procuradora Federal e pós-graduada em Direito Civil, Empresarial e Processual Civil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRANDÃO, Mariana Wolfenson Coutinho. Rescisão de sentença que viola literal disposição de lei constitucional: cabimento e competência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2646, 29 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17514. Acesso em: 15 nov. 2024.

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