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Breves considerações sobre o instituto da estabilidade e o empregado público

Agenda 03/11/2010 às 13:23

A Constituição Federal de 1988, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 19/98 [01], determina em seu art. 37, inciso II, a exigência de prévia aprovação em concurso para a investidura em cargo ou emprego públicos, assim expondo:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.

A exigência constitucional visa, sobretudo, contemplar o princípio da isonomia, de forma a garantir a todos, de forma igualitária, a possibilidade de disputar vaga nos quadros da Administração Pública.

Outros princípios como a moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público também são atendidos mediante a adoção do concurso público como forma de provimento dos cargos e empregos públicos.

Em face da importância das tarefas realizadas pelos agentes públicos, cuidou a Constituição Federal de estabelecer alguns mecanismos que garantissem o desempenho legítimo e desimpedido desses misteres, donde se inclui o instituto da estabilidade prevista no art. 41, CF:

Art.41: São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.

§ 1º O servidor público estável só perderá o cargo:

I - em virtude de sentença judicial transitada em julgado;

II - mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;

III - mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.

A exigência de 3 (três) anos de efetivo exercício para aquisição da estabilidade passou a ser exigida a partir da Emenda Constitucional 19/98, ao lado da obrigatoriedade de submissão à avaliação especial de desempenho perante comissão instituída para esse fim (§4º).

Conforme pontuam Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo [02] sobre o instituto da estabilidade

A preocupação que justificou a criação do instituto, e sua elevação a patamar constitucional, é possibilitar que os servidores públicos resistam a ingerências de natureza política, ou pressões de grupos econômicos, visando à obtenção de privilégios e favorecimentos de toda ordem, em síntese, evitar que os servidores públicos, no exercício de suas atribuições, sejam coagidos, de qualquer forma, a atuar em desacordo com o princípio da impessoalidade, em evidente detrimento do interesse público.

Hely Lopes Meirelles [03] define três modalidades de investidura no setor público, sendo elas a investidura vitalícia, em comissão e efetiva.

Por investidura vitalícia entende-se aquela que, nas palavras do douto administrativista, possuem caráter pérpetuo e cuja destituição exige processo judicial. É o caso dos magistrados.

A forma de investidura por comissão abarca os casos de natureza transitória, para cargos e funções de confiança, não havendo necessidade de submissão a concurso público [04] e não gerando para o ocupante nenhum tipo de estabilidade ou garantia. As exonerações, nestes casos, podem ser efetivadas sem qualquer necessidade de justificativa (exoneração ad nutum).

Por sua vez, a investidura efetiva compreende aquela que possui presunção de definitividade, de modo a garantir estabilidade ao agente público após o cumprimento do período de estágio probatório, dependendo a destituição de processo administrativo ou sentença judicial.

Existem também os ocupantes de empregos públicos, cujo enquadramento na modalidade de investidura efetiva causa grandes discussões. Esses agentes públicos guardam como característica principal a existência de vínculo funcional de direito privado com a Administração, encontrando o regramento de sua atividade, basicamente, na Consolidação das Leis do Trabalho.

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Quanto à análise do art. 41, CF, citado alhures, importante e oportuno observar que o dispositivo em questão remete-se apenas a "servidores nomeados para cargo de provimento efetivo".

Diante dessa constatação, travou-se intenso debate na jurisprudência e doutrina pátrias sobre a incidência, ou não, do instituto da estabilidade aos empregados públicos [05]. Estariam eles incluídos no conceito de provimento efetivo? E ainda que o fossem, a restrição a "cargos" impediria aqueles que ocupam "empregos" públicos a adquirir a estabilidade?

Embora a celeuma ainda persista, a maioria parece estar inclinada ao não reconhecimento da estabilidade nesses casos.

Com efeito, a Lei n. 8112/90, embora de aplicação à esfera federal, traduz o conceito de cargo público nos seguintes moldes:

Art. 3º  Cargo público é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor.

Parágrafo único.  Os cargos públicos, acessíveis a todos os brasileiros, são criados por lei, com denominação própria e vencimento pago pelos cofres públicos, para provimento em caráter efetivo ou em comissão.

A doutrina aponta como titulares dos cargos públicos os chamados "servidores públicos em sentido estrito" [06], caracterizados pela mantença de vínculo estatutário geral, sendo integrantes da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas com personalidade de direito público.

Destarte, os conceitos de "provimento efetivo" e "cargos público" parecem relacionar-se aos servidores que mantém vínculo de natureza estatutária, excluindo, portanto, da possibilidade de investidura efetiva aos ocupantes de empregos públicos.

É preciso observar também que antes das alterações operadas pela EC 19/98 a redação do art. 41 da Constituição mencionava que a estabilidade seria concedida "após dois anos de efetivo exercício" aos "servidores nomeados em virtude de concurso público". O presente dispositivo apresentava conteúdo indubitavelmente amplo, de forma a ser inconteste, a nosso ver, que antes das modificações em comento o empregado público era detentor de estabilidade no serviço público, caso atendidos os requisitos para tanto.

Acreditamos que a intenção do legislador constitucional em delimitar o campo de aplicação da norma da estabilidade é mais que clara no sentido de excluir, após a EC 19/98, a possibilidade de empregados públicos adquirirem estabilidade, haja vista que se este não fosse o propósito da norma não haveria motivo para modificar a total literalidade do artigo, bastando a substituição dos "2 (dois) anos" pelos "3 (três) anos".

Nesse sentido firmou-se o Supremo Tribunal Federal, o qual já reconheceu o direito de empregados públicos à estabilidade quando investidos antes da EC 19/98, in verbis:

EMENTA: SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. EMPREGADO. ESTABILIDADE. A decisão agravada está em conformidade com entendimento firmado por ambas as Turmas desta Corte, no sentido de que não se aplica a empregado de sociedade de economia mista, regido pela CLT, o disposto no art. 41 da Constituição federal, o qual somente disciplina a estabilidade dos servidores públicos civis. Ademais, não há ofensa aos princípios de direito administrativo previstos no art. 37 da Carta Magna, porquanto a pretendida estabilidade não encontra respaldo na legislação pertinente, em face do art. 173, § 1º, da Constituição, que estabelece que os empregados de sociedade de economia mista estão sujeitos ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas. Agravo regimental a que se nega provimento.(AI 465780 AgR, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 23/11/2004, DJ 18-02-2005 PP-00033 EMENT VOL-02180-09 PP-01823 RDECTRAB v. 12, n. 129, 2005, p. 232-235).

Especificamente no âmbito da Justiça do Trabalho, é importante considerar a construção jurisprudencial construída em torno do tema, evidenciada, notadamente, no conteúdo da Súmula n. 390, II, TST e Orientações Jurisprudenciais n. 229 e 247 da SDI-I, TST:

SUM-390    ESTABILIDADE. ART. 41 DA CF/1988. CELETISTA. ADMINISTRAÇÃO DIRETA, AUTÁRQUICA OU FUNDACIONAL. APLICABILIDADE. EMPREGADO DE EMPRESA PÚBLICA E SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. INAPLICÁVEL (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 229 e 265 da SBDI-1 e da Orientação Jurisprudencial nº 22 da SBDI-2) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005 I - O servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJs nºs 265 da SBDI-1 - inserida em 27.09.2002 - e 22 da SBDI-2 - inserida em 20.09.00). II - Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, ainda que admitido mediante aprovação em concurso público, não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJ nº 229 da SBDI-1 - inserida em 20.06.2001)

OJ-SDI1-229 ESTABILIDADE. ART. 41, CF/1988. CELETISTA. EMPRESA PÚBLICA E SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. INAPLICÁVEL. Inserida em 20.06.01 (Convertida na Súmula nº 390, DJ 20.04.2005)

OJ-SDI1-247 SERVIDOR PÚBLICO. CELETISTA CONCURSADO. DESPEDIDA IMOTIVADA. EMPRESA PÚBLICA OU SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE. Inserida em 20.06.2001 (Alterada – Res. nº 143/2007 - DJ 13.11.2007) I - A despedida de empregados de empresa pública e de sociedade de economia mista, mesmo admitidos por concurso público, independe de ato motivado para sua validade; II - A validade do ato de despedida do empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) está condicionada à motivação, por gozar a empresa do mesmo tratamento destinado à Fazenda Pública em relação à imunidade tributária e à execução por precatório, além das prerrogativas de foro, prazos e custas processuais.

Maurício Godinho Delgado [07], apesar de reconhecer a força interpretativa da linha seguida pelo Tribunal Superior do Trabalho, ressalta o entendimento de que a mudança nas regras disciplinadoras da Administração Pública pela Emenda n. 19/98 teria comprometido a extensão da estabilidade aos empregados públicos concursados.

Consoante já detalhamos em linhas anteriores, o texto constitucional parece apontar claramente para a não atribuição de estabilidade a qualquer empregado público, mesmo que este esteja lotado na administração direta, autárquica ou fundacional.

Certamente deve prevalecer o entendimento perpetrado pelo Supremo Tribunal Federal, eis que legítimo guardião da Constituição. Todavia, até o momento não houve posicionamento expresso e claro sobre a exclusão de todos os empregados públicos pertencentes à Administração Pública, cingindo-se a Corte Maior a se posicionar apenas quanto à exclusão dos agentes públicos pertencentes aos quadros das sociedade de economia mista e empresas públicas, tal qual o fez o Tribunal Superior do Trabalho.


Notas

  1. A EC 19/98 foi publicada em 5 de junho de 1998.
  2. Direito Administrativo Descomplicado. São Paulo: Método, 2009. 17 ed. p. 317.
  3. Direito Administrativo Brasileiro.São Paulo: Malheiros, 2007. 33 ed. p. 83.
  4. Também não exige a prévia aprovação em concurso público a hipótese prevista no art. 37, inciso IX da Constituição Federal, o qual trata da contratação por tempo determinado para atender necessidade temporária de excepcional interesse público.
  5. ESTABILIDADE. SERVIDOR PÚBLICO. A estabilidade prevista no art. 41 da Constituição Federal independe da natureza do regime jurídico adotado. Os servidores concursados e submetidos ao regime jurídico trabalhista têm jus à estabilidade, pouco importando a opção pelo sistema do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. (Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário n.º 187.229. Relator: Ministro Marco Aurélio de Mello. Publicado no Diário da Justiça da União de 14 de maio de 1999.). Embargos. Estabilidade de ocupante de emprego público regido pela CLT. O disposto no artigo 41 da Constituição da República é inaplicável aos empregados públicos (os celetistas), uma vez que toda a sistemática da Seção II do Capítulo VII do Título III da Constituição da República, se fundava, até a Emenda n. 19/98, na existência de um regime jurídico único; hoje, a Administração pública pode celebrar contrato de trabalho pelo regime da CLT, e celebra. E quando o faz sujeita a relação de emprego às mesmas condições estabelecidas para as empresas privadas. Recurso de Embargos conhecido e provido para julgar improcedente a reclamação trabalhista" (TST – SDI-I – ERR n. 557968 – Rel. Min. João Batista Brito Pereira – j. 2.4.2001 – DJ 22.6.2001 – p. 310).
  6. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2007. 33 ed. p.415.
  7. Curso de Direito do Trabalho.São Paulo: LTr, 2010. 9 ed. p. 1163.
Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Renata Knackfuss. Breves considerações sobre o instituto da estabilidade e o empregado público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2681, 3 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17721. Acesso em: 20 dez. 2024.

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