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A ação civil pública e a proteção do meio ambiente

Agenda 09/11/2010 às 20:47

Nos expressos termos do art. 225, § 3º, da Constituição da República, "as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas e jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados". Assim é que qualquer ação ou omissão tendente a atacar o bem ambiental é passível de reprimenda. Bem ambiental visto como um bem de uso comum do povo, podendo ser desfrutado por toda e qualquer pessoa dentro dos limites constitucionais, sendo considerado, ainda, um bem essencial à sadia qualidade de vida [01].

Com a edição da Lei nº 7.347/85, disciplinou-se as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente e a bens e direitos de valor turístico e paisagístico, conferindo, para tanto, a possibilidade de promoção da Ação Civil Pública (ACP).

Referida demanda rompe com a idéia tradicional de ser a ação um direito que todos têm de pedir ao Poder Judiciário a correção das lesões aos interesses individuais. Segundo Álvaro Luiz Valery Mirra [02], ela é muito mais ampla: não é direito subjetivo, mas direito atribuído a entes públicos e privados para a tutela de interesses não-individuais stricto sensu, introduzindo um efetivo mecanismo de participação da sociedade na tutela ambiental. Nesse norte, a Lei nº 7.347/85 passa a proteger interesses jurisdicionalmente maiores, notadamente no que toca à garantia de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

O fundamento constitucional da ACP centra-se no entendimento de que todos têm acesso à justiça para a proteção de direitos subjetivos ou da comunidade, tendo como escopo a atuação da função jurisdicional do Estado, visando à tutela de interesses vitais da comunidade, pois, em face da inércia do Poder Judiciário, indispensável à sua atuação imparcial, é preciso saber quem está legitimado a defender esses interesses, que não podem subordinar-se à livre disposição de seus titulares.

No entanto, insta fazer-se um adendo: a primeira hipótese de ação civil pública ambiental foi normatizada com a edição da Lei nº 6.938/81, criadora da Política Nacional do Meio Ambiente, legitimando o Ministério Público para a ação de responsabilidade civil em face do poluidor. Sobre essa questão, Édis Milaré dispõe:

Se a origem da ação civil pública ambiental está na Lei nº 6.938/1981, de caráter eminentemente material, seu perfil definitivo e acabado ocorre com a Lei nº 7.347/1985, de cunho processual.

A Lei nº 7.347/1985 significou, sem dúvida, uma "revolução" na ordem jurídica brasileira, já que o processo judicial deixou de ser visto como mero instrumento de defesa de interesses individuais, para servir de efetivo mecanismo de participação da sociedade na tutela de situações fático-jurídicas de diferente natureza, vale dizer, daqueles conflitos que envolvem interesses supra-individuais – difusos, coletivos e individuais homogêneos. [03]

A importância de uma ação civil pública na proteção ambiental se concretiza na medida em que ela busca a reparação do dano ambiental material e dano moral difuso. Conquanto tratando-se o meio ambiente de direito difuso, res omnium, práticas destrutivas ferem sobremaneira a sociedade presente, sem perder-se de vista a proteção e inibição aos agentes que degradam a natureza, tutelando, assim, a manutenção de um meio ambiente saudável também às futuras gerações.

Com a Constituição Federal de 1988, a ACP foi alavancada ao patamar constitucional, quando então se permitiu ao Ministério Público buscar toda e qualquer tutela jurisdicional para a defesa do meio ambiente.

Além dos prejuízos materiais, é indubitável que a degradação ambiental também traz prejuízos imateriais a toda coletividade, eis que o meio ambiente é um bem difuso. Sensível a isso, o legislador ordinário, através da Lei nº 8.884/94, modificou o caput da Lei nº 7.347/85 para inserir expressamente a reparação moral no caput do artigo 1º.

De seu turno, insta frisar que também é objetiva a responsabilidade extra-patrimonial, na forma do quanto sustentado por Rodolfo Mancuso, nos seguintes termos: "Também nos parece ser de natureza objetiva a responsabilidade pelos danos morais (extrapatrimoniais) infligidos ao meio ambiente, nesse sentido de que esse dever de reparar decorre da configuração, no caso concreto, de binômio dano-nexo causal" [04].

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O artigo 3º da Lei 7.347/85, que só previa ações condenatórias, ampliou-se a todas as espécies de ações capazes, no caso, de propiciar adequada e efetiva defesa do meio ambiente. Segundo o professor Édis Milaré, o pedido de condenação em dinheiro pressupõe a ocorrência de dano ao ambiente e só faz sentido quando a reconstituição não seja viável, fática ou tecnicamente. Na condenação em pecúnia, a aferição do quantum debeatur indenizatório é matéria cheia de dificuldades, pois nem sempre é possível, no estágio atual do conhecimento, o cálculo da totalidade do dano. Portanto, o ideal é se buscar, por todos os meios razoáveis, ir além da ressarcibilidade em seqüência do dano, garantindo-se, ao contrário, a fruição do bem ambiental. Dessa feita, se a ação visar à condenação em obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva.

Tudo se justifica em razão da relevância que os legisladores constituinte e ordinário deram à proteção do meio ambiente, reconhecido pelo STF como um típico direito de terceira geração, prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, expressão significativa de um direito atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas num sentido verdadeiramente mais abrangente, da própria coletividade social, que consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade [05].

Por tudo dito, pode-se afirmar que a ação civil pública insere-se num quadro de grande democratização do processo e num contexto daquilo que, modernamente, vem sendo chamado de teoria da implementação, atingindo, no Direito Brasileiro, características peculiares e inovadoras, como a defesa do meio ambiente.


REFERÊNCIAS

MANCUSO, Rodolfo. Ação Civil Pública. 9ª ed., São Paulo: Editora RT, 2004, p. 448.

MARANHÃO, André Luiz. A ação civil pública em matéria ambiental. Artigo disponível na internet através do site http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=608.

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: a gestão ambiental em foco: Doutrina, jurisprudência, glossário – 6ª ed., rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Interesses Difusos: a ação civil pública e a Constituição. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 94.

REVERENDO, Fernando e AKAOUI, Vidal. Compromissos de Ajustamento de Conduta Ambiental – 2ª ed., rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.


Notas

  1. REVERENDO, Fernando e AKAOUI, Vidal. Compromissos de Ajustamento de Conduta Ambiental – 2ª ed., rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.25.
  2. MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Interesses Difusos: a ação civil pública e a Constituição. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 94.
  3. MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: a gestão ambiental em foco: Doutrina, jurisprudência, glossário – 6ª ed., rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 1073.
  4. MANCUSO, Rodolfo. Ação Civil Pública. 9ª ed., São Paulo: Editora RT, 2004, p. 448.
  5. MS 22164/SP, Relator Ministro CELSO DE MELLO, DJ 17.11.1995.
Sobre o autor
René da Fonseca e Silva Neto

Procurador Federal. Coordenador Nacional de Matéria Administrativa da Procuradoria Federal Especializada junto ao Instituto Chico Mendes - ICMBio. Ex-Coordenador Nacional do Consultivo da PFE/ICMBio. Bacharel em Direito pela UFPE. Especialista em Direito Ambiental. Coautor do livro Manual do Parecer Jurídico, teoria e prática, da Editora JusPodivm.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA NETO, René Fonseca. A ação civil pública e a proteção do meio ambiente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2687, 9 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17790. Acesso em: 2 nov. 2024.

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