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O ICM na importação mediante arrendamento mercantil

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Agenda 10/11/2010 às 08:13

5 A INTERPRETAÇÃO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

Como se verificou no tópico anterior, após a previsão contitucional da possibilidade da incidência do ICM nas importações, o que se deu através do alargamento hipótese tributária deste tributo, os Estados Federados e o Distrito Federal passaram a exigir o recolhimento do ICM sobre toda e qualquer importação, independentemente do tipo de operação em que esta operação ocorresse.

Diante disso, todas aquelas pessoas que importam bens ou mercadorias do exterior, independente de como esta importação se efetivasse, foram sujeitadas ao pagamento deste tributo, ainda que ausente o requisito de transferência de titularidade do produto importado, como ocorre no arrendamento mercantil ou leasing, acima descrito.

Esta cobrança, todavia, afronta diretamente a Constituição Federal, pois viola a regra matriz de incidência fiscal deste tributo, prevista na norma fundamental do ordenamento jurídico pátrio. Nesse aspecto, a matriz constitucional do ICM na importação exige, para a efetivação de sua incidência, que na operação (negócio jurídico) realizada ocorra a transferência de titularidade do bem ou mercadoria importados do exterior.

Tendo em vista esta flagrante inconstitucionalidade, bem como o fato dos Estados Federados e o Distrito Federal insistirem na cobrança do tributo em toda e qualquer operação de importação, independente de haver a transeferência da titularidade dos produtos importados do exterior, a presente discussão foi levada à análise do Poder Judiciario.

Nesse aspecto, importante trazer à colação o julgamento da matéria realizada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, através do Recurso Extraordinário nº. 206.069/SP, publicada em 1º de setemro de 2006, cuja discussão envolve a incidência do ICM sobre uma operação de importação realizada mediante arrendamento mercantil ou leasing.

A Ministra Ellen Gracie, Relatora do mencionado recurso, analisando esta matéria consignou que a importação, independente do tipo deoperação realizada, está sujeita à incidência do tributo.

Assim constou do voto da Ministra Ellen Gracie:

A Constituição Federal elegeu o elemento fático "entrada de mercadoria importada" como caracterizador da circulação jurídica da mercadoria ou do bem, e dispensou indagações acerca dos contornos do negócio jurídico realizado no exterior.

Veja-se que, a par de incidir sobre "operações relativas à circulação de mercadorias", fez o Constituinte de 1988 constar do Texto Constitucional a expressa ressalva da incidência sobre "a entrada" do bem importado.

Como se vê, restou consignado neste julgado, no entendimento da Ministra Relatora, que não é relevante o tipo de operação em que se efetiva a importação do bem ou mercaoria do exterior, devendo incidir o ICM sobre toda e qualquer tipo de importação, ainda que não ocorra a transferência de titularidade do produto importado.

Não obstante, de todo equivocado este entendimento, pois, conforme explanado anteriormente, este tributo só poderá incidir sobre operações de importação em que ocorram a transferência de titularidade do bem ou mercadoria importada do exterior, pois deve-se observar a matriz constitucional de incidência deste tributo.

Importante destacar, ainda, um equívoco no entendimento exarado pela Relatora, pois esta considera como sendo o critério material do tributo a expressão "entrada de bem ou mercadoria importada", contudo, conforme já estudado, esta expressão se refere, de acordo com o entedimento de grande parte da doutrina, ao critério temporal da hipótese tributária do ICM sobre as operações de importação.

Vale ressaltar que, no julgado acima, os produtos importados passariam a compor, ao final do contrato, o patrimônio do importador, momento em que ocorreria a transferência de titularidade dos produtos importados. Contudo, esta não foi a razão fundamental que consubstanciou a decisão da Ministra Relatora. Ademais, importante que se diga, ainda nestes casos, apenas ocorrerá a incidência do tributo quando se concretizar a opção de compra do produto pelo importador do bem, não pela mera previsão contratual da destinação do produto.

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Continuando a análise do entendimento dos Tribunais Superiores sobre este tema, importante mencionar um segundo julgado do Plenário do Supremo Tribunal Federal, qual seja, o Recurso Extraordinário nº. 461.968/SP, publicado em 24 de agosto de 2007, de relatoria do Ministro Eros Grau, em que se analisava a incidência do ICM sobre a importação de uma aeronave, realizada mediante arrendamento mercantil ou leasing.

Assim restou consignado no voto do Relator Ministro Eros Grau:

10. O imposto não é sobre a entrada de bem ou mercadoria importada, senão sobre essas entradas desde que elas sejam atinentes a operações relativas à circulação desses mesmos bens ou mercadorias.

11. Digo-o em outros termos: o inciso XI, alínea a, do § 2º do artigo 155 da Constituição do Brasil não instituiu um imposto sobre a entrada de bem ou mercadoria importadas do exterior por pessoa física ou jurídica.

12. O que faz é simplesmente estabelecer que, desde que atinente a operação relativa a sua circulação, a entrada de bem ou mercadoria importadas do exterior por pessoa física ou jurídica sofrerá a incidência do ICMS.

13. Daí porque o tributo não incide sobre a importação de aeronaves, equipamentos e peças mediante contrato de arrendamento mercantil (leasing) a que respeita o recurso extraordinário.

(...)

Nego provimento ao recurso extraordinário do Estado de São Paulo, para julgar indevida a incidência do ICMS sobre a importação de equipamentos em virtude de arrendamento mercantil contratado pela indústria aeronáutica de grande porte para viabilizar o uso, pelas companhias de navegação aérea nacionais, de aeronaves por ela construídas e julgo prejudicado o recurso extraordinário da TAM – Linhas Aéreas S.A.

Conforme pode se observar, já no entendimento do Ministro Eros Grau, somente será possível a incidência do tributo nas operações de importação em que ocorram a transferência de titularidade do bem importado do exterior, não incidindo o ICM, portanto, nos casos de operações de importação realizadas mediante arrendamento mercantil ou leasing.

Quanto à dissonância de entendimentos deste julgado para o anterior, de relatoria da Ministra Ellen Gracie, assim se manifestou o Ministro Eros Grau:

E nem se alegue que se aplica ao caso o precedente do RE nº. 206.069, Relatora a Ministra Ellen Gracie, no bojo do qual se verificava a circulação mercantil, pressuposto da incidência do ICMS. Nesse caso, aliás, acompanhei a relatora. Mas o precedente disse com a importação de equipamento destinado ao ativo fixo da empresa, situação na qual a opção do arrendatário pela compra do bem ao arrendador era mesmo necessária, como salientou a eminente relatora.

Pode-se observar, diante destes dois julgados sobre o tema, que o entendimento da Corte Suprema caminha no sentido de que o ICM apenas incidirá sobre operações de importação em que se efetive a transferência de titularidade do bem ou mercadoria importadada, o que não se dá através do arrendamento mercantil ou leasing, salvo nos casos em que se concretiza a opção de compra pela arrendatario.

Corroborando o entendimento do Supremo Tribunal Federal, importante trazer o posicionamento exarado pelo Superior Tribunal de Justiça, que também aplica a incidência do tributo sobre a importação apenas nos casos de transferência e titularidade do produto importado.

Dessa maneira, traz-se à baila as seguintes ementas de decisões o Superior Tribunal de Justiça:

TRIBUTÁRIO – ARRENDAMENTO MERCANTIL – LEASING - DESCARACTERIZAÇÃO DO CONTRATO – ICMS – INCIDÊNCIA NA IMPORTAÇÃO DE BENS EM REGIME DE LEASING – PRECEDENTES.

(...)

4. Posição remansosa desta Corte, em vários precedentes, quanto à não-incidência de ICMS na importação de bem sob a modalidade de leasing.

5. Recurso especial improvido [92].

IMPORTAÇÃO DE AERONAVE PELO REGIME DE LEASING. ICMS. NÃO INCIDÊNCIA. ALTERAÇÃO DO ART. 155, § 2º, "a" DA CF PELA EMC 33/2001. MANUTENÇÃO DO ENTENDIMENTO. PRECEDENTE DA PRIMEIRA SEÇÃO.

I - A jurisprudência desta Corte sedimentou-se no sentido de que não incide ICMS sobre a importação sob regime de leasing. Precedentes:

REsp nº. 341.423/SP, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ de 18/02/2002, REsp nº. 299.674/SP, Rel. Min. GARCIA VIEIRA, DJ de 11/06/2001; REsp nº. 58.376/SP, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 08/05/95.(...)

III - Mesmo após a alteração que a EC 33/2001 promoveu no art. 155, § 2.º, "a", da Constituição da República, tem-se que nos contratos de leasing, por não existir a circulação jurídica da mercadoria, não incide o ICMS. A propriedade do bem permanece com o arrendante, sendo que a mera circulação física da mercadoria não configura o fato gerador daquele tributo.

IV – (...) De qualquer forma, os bens assim importados não integrarão o ativo fixo do importador, não havendo que se falar em circulação de mercadoria.

V - Agravo regimental improvido [93].

RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. IMPORTAÇÃO DE PEÇAS DE REPOSIÇÃO DE AVIÃO. ARRENDAMENTO MERCANTIL. NÃO INCIDÊNCIA DE ICMS. PRECEDENTES.

‘A jurisprudência desta eg. Corte é iterativa, no sentido de que a importação de mercadorias mediante contrato de arrendamento mercantil (leasing) não caracteriza fato gerador do ICMS’ (AGA n. 343.438/MG, Rel. Min. Peçanha Martins, DJ de 30.06.2003).

Na vigência do arrendamento, a titularidade do bem arrendado é do arrendante, admitida a sua transferência futura ao arrendatário. Não há, até o término do contrato, transmissão de domínio, razão pela qual se entende que não existiu circulação do bem para fins de cobrança do ICMS. Nesse diapasão, estabelece o artigo 3º, inciso VIII, da Lei Complementar n. 87/96 que o imposto não incide sobre operações de arrendamento mercantil, não compreendida a venda do bem arrendado ao arrendatário.

Recurso especial provido [94].

No mesmo sentido são os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça: REsp n. 239.331/SP, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 02.06.2003; REsp n. 439.884/SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 02.12.2002; REsp n. 299.674/SP, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 11.06.2001; REsp n. 58.376/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 08.05.95, entre outros.

Diante do que foi exposto, pode-se concluir que o entendimento dos Tribunais Superiores que analisam diretamente esta matéria encontra-se em consonância com o disposto no presente trabalho, no sentido de que o ICM incidente sobre operações de importação deve respeitar a matriz constitucional deste tributo, a qual prevê a necessiadade de transferência de titularidade dos bens ou mercadorias importadas. Não há, portanto, a incidência do tributo nos casos de importação realizada mendiante arrendamento mercantil ou leasing, pois inocorre, nestes casos, a transferência de titularidade dos produtos importados.


6. Conclusão

Através do presente trabalho, pôde se verificar que para a exigência do ICM nas operações de importações é imprescindível que ocorra a transferência de titulariade do bem ou mercadoria importada. Nesse aspecto, a transferência de titularidade é compreendida como a modificação da pessoa que possui a disponibilidade sobre o mencionado bem ou mercadoria.

Tal exigência se faz necessária, pois a incidência do tributo neste tipo de operação (importação) permanece vinculado à regra matriz de incidência fiscal do ICM, mais precisamente ao critério material da hipótese tributária deste tributo, que é identificado como operações de circulação de mercadorias, as quais, no caso de operações de importação, referem-se não só a mercadorias, mas também a qualquer tipo de bem.

Conforme foi observado, grande maioria da doutrina possui este entendimento, todavia, destacou-se a existência de uma corrente doutrinária que defende a incidência do ICM sobre toda e qualquer tipo de entrada de mercadoria ou bem do exterior, independentemento do tipo de negócio jurídico em que se efetivou a importação. Para esta corrente, o ICM na importação seria um novo imposto de competência do Estados Federados e do Distrito Federal, preferencialmente denominado de Imposto de Importação Estadual.

Não obstante, o posicionamento adotado no presente estudo foi contrário a esta tese, defendendo a incidência do ICM somente naquelas importações em que se configura a transferência de titularidade do bem ou mercadoria importada do exterior, seguindo o entendimento de grande parte da doutrina.

Nesta fundamentação, destacou-se a ausência de outorga constitucional para osEstados Federados e pelo Distrito Federal instituirem um imposto de importação, sendo que o legislador constituinte pretendeu, tão somente, alargar a incidência do ICM, com afinalidade deste tributo abarcar também as operações de entrada de mercadorias do exterior (importação).

Dessa maneira, no que se refere especificamente às importações realizadas mediante arrendamento mercantil, demonstrou-se que, em regra, não ocorre a incidência do ICM, tendo em vista que se trata de operação onde não há transferência de titularidade do bem arrendado. A incidência do tributo, nesses casos, apenas ocorrerá quando se efetivar a opção de compra do bem pelo arrendatário, pois somente neste momento é que se concretiza a transferência da titularidade do bem importado mediante leasing.

Corroborando o entendimento exarado no presente estudo, a jurisprudência dos Tribunais Superiores (STF e STJ) vem se consolidando quanto à não incidência do ICM nas operações de importações realizadas mediante arrendamento mercantil ou leasing, permitindo a cobrança deste tributo apenas nos casos em que se efetiva a opção de compra do bem pelo arrendatário. Isto porque, o ICM incidente na importação deve estar vinculado à regra matriz de incidência fiscal deste tributo, a qual, no critério material da hipótese tributária, preve a necessidade de transferência de titularidade do bem ou mercadoria.

Sobre o autor
Rafael Brum Silva

Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUC/PR - Campus Londrina (2009). Advogado, inscrito na OAB/PR sob nº 53.568. Atualmente exerce atividade profissional em Londrina, Estado do Paraná. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Tributário. Curso de Especialização em Direito Tributário do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET, de Londrina-PR, em andamento.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Rafael Brum. O ICM na importação mediante arrendamento mercantil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2688, 10 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17793. Acesso em: 26 nov. 2024.

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