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A menos-valia do desvalor da conduta penal no Direito Ambiental brasileiro a partir da (in)consciência social

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Agenda 29/11/2010 às 08:15

5. A intervenção mínima e a insuficiência da pena para conter o crime

Levando em consideração que a Lei 9605/98 é uma inovação legislativa, consentânea aos direitos humanos de últimas gerações, pode-se, muito bem, defender que a minoração das penas nela previstas faz parte de uma ideologia criminal atual baseada na insuficiência da pena como fator de organização e pacificação social.

ZAFFARONI, que adota uma linha penal humanista e garantista, tem seu discurso inteligente e que merece transcrição. Vejamos:

Se a intervenção do sistema penal é, efetivamente, violenta, e sua intervenção pouco apresenta de racional e resulta ainda mais violenta, o sistema penal nada mais faria que acrescentar violência àquela que, perigosamente, já produz o injusto jushumanista a que continuamente somos submetidos. Por conseguinte, o sistema penal estaria mais acentuando os efeitos gravíssimos que a agressão produz mediante o injusto jushumanista, o que resulta num suicídio.

A clara conclusão disto é que o sistema penal deve corresponder ao princípio da intervenção mínima na América Latina, não somente pelas razões que se apresentam como válidas nos países centrais, mas também em face de nossa característica de países periféricos, que sofrem os efeitos do injusto jushumanista de violação do direito ao desenvolvimento. (Manual de Direito Penal Brasileiro, Parte Geral, 5ª edição, Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, 2004, p. 79)

Nesta concepção o Código Penal do século passado é que não se adequou a modernidade social e não se desvinculou da matiz meramente repressiva.

Embora assim possa ser, há que se ressaltar que o exemplo da sanção aplicável a conduta de furto de veículo acima citado é fruto de inovação legislativa mais recente (Lei 9.426/96) e que não se mostra anacrônica aos institutos da transação penal e suspensão condicional do processo que advieram das Leis 9099/95 e 10259/01, também, dentro de uma política de abrandamento das penas.

Sobressaí assim que não existe uma relação temporal dissonante entre as inovações legislativas acima citadas, algumas na direção do abrandamento das penas, outras na direção contrária, ao sabor dos interesses políticos, em tese, da sociedade representada. Ora, a transação penal e a suspensão condicional do processo vieram a lume em 1995. O furto de veículos destinados ao exterior (§5º do artigo 155 do Código Penal) é resultado da Lei 9426 de 1996. A Lei 9605 é de 12 de fevereiro de 1998. Todas guardam relação de proximidade em sua gênese.

Dimana disso, sem que se possa agredir severamente quem assim pense, a presunção de que o veículo é atualmente mais importante para a sociedade do que o meio ambiente nos termos eleitos a partir da política criminal oriunda da atividade legiferante de nossos representantes no congresso nacional.


6. O sistema capitalista assimilado como indicador das prioridades.

Dentro da moderna sociedade vigente, o sistema capitalista se inseriu de forma espraiada e inconteste em um nível mundial, gerando a impressão no cidadão de uma certeza de que a felicidade somente será alcançada com o atingir dos objetivos eleitos através da concepção econômica vigente, fulcrada, de forma inconteste, no acúmulo de capital, consumismo e individualismo,

Quando a sociedade assimila esta concepção como o caminho a ser seguido, por óbvio as discussões políticas e a representação desta população se dará, também, nestes termos, tornando a relevância de bens materiais e imateriais díspares a partir do interesse econômico estabelecido.

CARNOY faz interessante consideração:

O problema básico das sociedades capitalistas avançadas, após dois séculos de crescimento econômico, não é mais a adequação dos recursos ou sua alocação "eficiente" para produção máxima. O modo como isso se dá, a definição do que seja produção, o que se produz e quem decide a política de desenvolvimento são, hoje, problemas "econômicos" significativos. E esses problemas estão situados tanto na arena política como na produção. (Estado e Teoria Política, Martin Carnoy, 8ª e., 1988, p.9).

A partir disso podemos imaginar que, ínsito na consciência popular como correto o conceito de acumulação de capital a qualquer custo para obter êxito em sua trilha de vida, a utilização irrestrita dos recursos naturais é mais do que justificável, tornando o ambiente político e econômico favorável a minoração de sanções ou ainda ao ampliar de condições para a exploração econômica dos recursos naturais, fatos que tem se tornado corriqueiros no cenário político institucional nacional.

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Esta tessitura política e econômico-social impregnada na consciência da população é que leva a aceitação com naturalidade, ou melhor, com inconsciência ideológica, da descriminalização ou amenização das sanções para com as condutas que contém desvalor penal praticadas contra o meio ambiente, tornando-as aceitáveis em nome da produção de empregos, salários e benefícios materiais à sociedade, que se refletiria benfazejamente a cada um dos cidadãos, desconsiderando quaisquer outros fatores que não se apresentam individualmente como deletérios a si, entretanto isso ocorre por estarem camuflados os prejuízos pelo lugar comum, ou seja, na forma difusa dos bens naturais que os tornam imperceptível singularmente e com brevidade que atemorizasse.

Por isso, para a população em geral a perda de uma árvore não reflete diretamente em seu patrimônio palpável e seria absurda a aplicação de sanção severa ao agente. De forma diametralmente oposta, o furto de seu veículo, atualmente entendido como imprescindível ao largo de cinqüenta milhões de automóveis no país, é crime que deve sofrer sanção severa que repercuta como admoestação geral visando advertir e evitar pela "ameaça legal" o eventual agente com intenção criminosa nesta linde patrimonial.

Neste panorama é importante perguntar se o ser humano abduzido pelo sistema capitalista é verdadeiramente e conscientemente livre para fazer a opção criminosa à luz da impressionante força motriz que o leva a procurar acumular riquezas sob qualquer circunstância, quando mais incentivado pela pouca relevância social e penal da conduta criminal ambiental demonstrada pela legislação em vigor.

ZAFFARONI citando Hegel fala da liberdade subjetiva. Transcrevo:

Recapitulando brevemente Hegel, veremos que para este filósofo o espírito é um princípio ativo que passa por três estágios: o subjetivo, o objetivo e o absoluto. O direito pertence para ele ao espírito objetivo, porque a relação de pessoa a pessoa, isto é, de liberdade a liberdade, somente pode estabelecer-se uma vez alcançada a liberdade – o ser pessoa. Sendo assim, ninguém pode atuar com relevância jurídica enquanto não seja livre. Em consequência, para averiguar se há delito, o primeiro passo será investigar se foi cumprida a etapa do "espírito subjetivo", isto é, se o autor era livre. Logo, a teoria do delito dos hegelianos (ver n.128) iniciava uma investigação acerca do autor e logo depois – no caso do autor ser livre – passava ao fato, porque se o autor não era "livre", não se podia falar de "conduta" com relevância penal. (Manual de Direito Penal Brasileiro, Parte Geral, 5ª edição, Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, 2004, p. 373).

Embora apresente-se esta concepção filosófica pouco excitante e aplicável sob uma ótica positivista predominante, não soa teratológica do ponto de vista da filosofia do direito e da ciência criminal entender que, efetivamente, o sistema capitalista dá importante contribuição para que as pessoas ultrapassem os limites das condutas lícitas em busca de resultados insuflados pela ideologia econômica vigente como importantes para a vida satisfatória, em especial no ramo do crime ambiental que aqui tratamos.

Inarredável que vários crimes e atos infracionais cometidos têm como pano de fundo a "necessidade" de atender aos anseios advindos do consumismo, móvel de manutenção do sistema capitalista, podendo se questionar em nível científico e filosófico, o quão livre é um empreendedor rural que em busca de potencializar sua produção e lucro melhorando sua vida no campo e adequando-a ao que hoje se exige na seara individualista capitalista, desmata área para produzir, gerando de conseqüência, efetivamente, de forma tangível e individualmente perceptível, lucro, emprego e produção, não revelando nenhum prejuízo individualizado a outrem, fator que ameniza a compreensão do errado ou antijurídico, uma vez que a agressão ao meio ambiente onde o resultado material é intangível, difuso, fica encoberto pelas benesses usufruídas por toda uma comunidade.


7. O estado social como interventor.

Qualquer equilíbrio das ações estatais perante os interesses capitalistas e os sociais, passa pela readequação dos conceitos atuais de Estado, fazendo sucumbir o vigente capitalismo degenerado que atualmente prescinde, inclusive, do elemento produção, passando a vicejar apenas com base na especulação financeira com a transferência dinâmica e ilimitada de capital entre os países assimilados, normalmente com vantagens voláteis com função de atração dos recursos financeiros para estabilização deste sistema econômico que exige, constantemente, renovação e aumento contínuo de lucro com base no consumo indiscriminado e insuflado por ideologia servil ao esquema.

CASTEL e WOOD indicam esta função estatal como inarredável além de nova perspectiva de ideologia política para alcançar este desiderato:

"O poder público é a única instância capaz de construir pontes entre os dois pólos do individualismo e impor um mínimo de coesão à sociedade. As coerções impiedosas da economia exercem uma crescente pressão centrífuga. As antigas formas de solidariedade estão esgotadas demais para reconstituir bases consistentes de resistência. O que a incerteza dos tempos parece exigir não é menos Estado – salvo para se entregar completamente às "leis" do mercado. Também não é, sem dúvida, mais Estado – salvo para querer reconstituir à força o edifício do início da década de 70, definitivamente minado pela decomposição dos antigos coletivos e pelo crescimento do individualismo de massa. O recurso é um Estado estrategista que estenda amplamente suas intervenções para acompanhar esse processo de individualização, desarmar seus pontos de tensão, evitar suas rupturas e reconciliar os que caíram aquém da linha de flutuação. Um Estado até mesmo protetor porque, numa sociedade hiperdiversificada e corroída pelo individualismo negativo, não há coesão social sem proteção social. Mas esse Estado deveria ajustar o melhor possível suas intervenções, acompanhando as nervuras do processo de individualização. (As metamorfoses da questão social. Uma crônica do Salário. Robert Castel, 1998, p.141)

"A medida que o capitalismo se espraia por regiões mais vastas e penetra mais fundo em todos os aspectos da vida social e do meio ambiente natural, suas contradições vão escapando mais e mais a nossos esforços de controlá-las. A esperança de atingir um capitalismo humano, verdadeiramente democrático e ecologicamente sustentável via se tornando transparentemente irrealista. Mas, conquanto esta alternativa não esteja disponível, resta ainda a alternativa verdadeira do socialismo." (A Origem do Capitalismo. Ellen Meiksins Wood, 2001, p.129)

Percebe-se assim, que o avanço do Estado Democrático de Direito capitalista para um Estado Democrático de Direito com faceta social é imprescindível para que o sistema capitalista venha a se adequar a uma função, também, social, levando em consideração as necessidades gerais, dentre elas, a preservação do meio ambiente como fator irretorquível da própria manutenção de qualquer sistema, pois, equivale a manutenção da própria vida.

Impossível pensar em solução que não passe pela revolução estatal a partir da mobilização político-social, transformando, globalmente, o sistema vigente em um sistema que, de forma cogente, busque um equilíbrio de forças com a aplicação de recursos para a manutenção da espécie humana, elemento imprescindível para a formação do Estado e também do capital.


8. Conclusão.

Parece-me, sem sombra de dúvida, a partir de percepções pessoais advindas do estudo em grupo e em pesquisa científica, que o meio ambiente é relegado de forma inconsciente pela população mundial, fortemente inserida e arraigada ao consumismo capitalista, a um plano de baixa importância devido a não individualização dos problemas advindos dos ataques ao meio ambiente que quando se apresentam vêm de forma difusa e sem certezas científicas sobre a sua exata origem, fazendo vicejar a dúvida sobre a seriedade do problema.

De outro norte, parece-me inconteste que esta inconsciência social é apreciada pelos detentores do poder econômico que necessitam de expansão ilimitada para manutenção do círculo vicioso capitalista, mesmo que este sistema tenha se desvencilhado de forma contundente do elemento produção, passando a viver em boa parte da mera especulação de capital.

Os movimentos incipientes de defesa do meio ambiente são muitas vezes vistos com escárnio, sendo seus integrantes classificados como excêntricos ou desvairados, eventualmente por força, inclusive, do poder econômico que sustenta uma divulgação ideológica de massa.

A comunidade científica que visa a preservação na área ambiental não recebe atenção consentânea com as que pesquisam novas tecnologias que geram lucros imediatos

Este panorama favorece a exploração voraz dos recursos naturais sem que se crie na população a consciência dos problemas que são e serão enfrentados de forma mais robusta no futuro.

A prisão de um homicida ou de um autor de furto ou roubo é vista com bons olhos pela população. A prisão de alguém que pescou de forma irregular ou que desmatou ou tenha cometido algum outro crime ambiental é vista como inadmissível, com a clara percepção social de um mal menor que não exige repressão severa, revelando uma clara opção valorativa com relação a conduta social admissível.

Em um país eminentemente agrícola e que a partir de alguns anos avança em outras áreas, mas, que ainda se vale fortemente do setor primário, extrativista, as raízes familiares em muitas vezes estão ligadas ao campo e os pequenos delitos, como o consumo de animais silvestres, a não obediência a limites ambientais etc., são vistos com naturalidade e ainda geram pilhérias no âmbito destas famílias, fazendo recrudescer ainda mais o sentimento de que nada está acontecendo de grave.

Assim, a menos-valia do desvalor da conduta na seara penal é reflexo de uma sociedade muito pouco interessada na preservação do meio ambiente, que se parelha ao sistema econômico vigente, relegando a proteção dos recursos necessários para a própria vida a um momento futuro, postergado este ponto de importância ímpar, como todos os outros compromissos e anseios que superem o imediatismo vívido em nosso dia-a-dia, a um momento em que se faça necessária alguma atitude.

Enquanto isso vivenciamos o esfacelamento da consciência geral nesta seara, em muito pela falta de uma melhor educação que abarque, ainda, de forma séria o direito ambiental, relegado mesmo em grau superior a matéria eletiva, como se a existência de possibilidade de vida fosse um bem menor.

Que o futuro nos seja generoso apesar de nossos desmandos!


9. Bibliografia

Carnoy, Martin. Estado e teoria política / Martin Carnoy (tradução pela equipe de tradutores do Instituto de Letras da PUC-Campinas) – 2ª ed. - Campinas, SP : Papirus, 1998.

Castel, Robert. As metamorfoses da questão social : uma crônica do salário / Robert Castel; tradução de Iraci D. Poleti. - Petrópolis, RJ : Vozes, 1998.

Comparato, Fábio konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno / Fábio Konder Comparato – São Paulo : Companhia das Letras, 2006.

Dotti, René Ariel, 1934 –. Curso de direito penal : parte geral / René Ariel Dotti. – Rio de Janeiro : Forense, 2002.

Houaiss, Antônio (1915-1999) e Villar, Mauro Salles (1939-). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa / Antônio Houaiss e Mauro Salles Villar, elaborado no Instituto Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa S/C Ltda – Rio de Janeiro : Objetiva, 2001.

Jesus, Damásio E. De, 1935 – Direito Penal / Damásio E. de Jesus. - São Paulo : Saraiva, 2002.

Moraes, Alexandre de. Direito constitucional / Alexandre de Moraes – 13 ed. - São Paulo : Atlas, 2003.

Wood, Ellen Meiksins. A origem do capitalismo / Ellen Meiksins Wood; tradução, Vera Ribeiro; apresentação, Emir Sader. - Rio de Janeiro : Jorge Zahar Ed., 2001.

Zaffaroni, Eugênio Raúl. Manual de direito penal brasileiro : parte geral / Eugenio Raúl Zaffaroni, José Henrique Pierangeli. - 5. ed. rev. Atual. - São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2004.

Sobre o autor
Lázaro Alves Martins Júnior

Mestrando em Direito e especialista em Direito Público pela PUC-Goiás.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS JÚNIOR, Lázaro Alves. A menos-valia do desvalor da conduta penal no Direito Ambiental brasileiro a partir da (in)consciência social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2707, 29 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17917. Acesso em: 23 dez. 2024.

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