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A reprodução não-autorizada de obras literárias na Internet

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Agenda 19/11/1997 às 00:00

INTRODUÇÃO


No presente trabalho, analisamos a questão da disponibilização de obras literárias na internet sem a devida autorização do autor, tanto nos casos em que há intuito de lucro, como nos casos em que não há esse fim.

Para tanto, procuramos dar fundamentos a uma opinião que já estava pré-concebida em nossa mente, mesmo antes de nos inteirarmos no assunto. Por esta razão, em alguns momentos, divergimos tanto da doutrina predominante quanto da própria legislação e convenções.

Nosso objetivo principal é tentar demonstrar que a disponibilização de obras literárias na internet sem o intuito de lucro não deveria ser considerada uma violação aos direitos do autor.

Buscando a fundamentação jurídica dos direitos autorais, notamos a grande importância do princípio da função social da propriedade intelectual e veremos que o interesse da sociedade prevalece sobre o interesse do autor na proteção que o Estado dá a esses direitos autorais.

Assim, é no interesse social que o Estado deve se nortear para criar normas de proteção aos direitos de autor, contribuindo, desta forma, para o desenvolvimento da cultura e da ciência.

Outro ponto que analisaremos será a posição da doutrina, principalmente, norte-americana, sobre o assunto. Veremos que existe uma tentativa de inclusão da disponibilização de obras literárias na internet sem o intuito de lucro entre o uso legítimo (fair use).

Em seguida, faremos uma breve análise de como a atual legislação brasileira (Lei 5.988/73) encara o assunto, antecipando desde já, o anacronismo desta lei face o rápido avanço tecnológico no campo das comunicações e informática.


2. GENERALIDADES


Infinitos problemas de ordem jurídica surgiram, e ainda surgem, com o advento da internet. A International Network, antes com fins unicamente militares, evoluindo para objetivos científicos e educacionais, popularizou-se e transformou-se em um utensílio quase indispensável nos lares modernos, servindo tanto para pesquisas importantes, como para o simples lazer.

Talvez com um pouco de exagero, podemos dizer que esta grande rede (a rede das redes) "anarquizou" o direito e as relações jurídicas até então vigentes. Caóticas, mas não sem lógica, são as palavras famosas do guru da comunicação Mcluhan ao afirmar que "a internet é a coisa mais parecida com a verdadeira anarquia jamais criada".

Dos infindáveis e, à primeira vista, insolucionáveis problemas jurídicos surgidos podemos citar o problema do lugar da infração, do controle jurídico (postulando-se, inclusive a criação de uma Corte Internacional para a apuração dos chamados computer crimes), o sigilo e privacidade da informação, e, o que realmente nos interessa, a proteção dos direitos de autor na rede.

Obviamente, todos estes problemas têm ligação entre si. Afinal, se não houver uma convenção internacional para regulamentar o controle das infrações, não há como se falar em proteção aos direitos autorais.

No entanto, se formos analisar pormenorizadamente cada situação, nós nos alongaríamos sobremaneira e escaparíamos aos objetivos de nosso trabalho.

Estudaremos, portanto, apenas a questão da proteção dos diretos de autor, mais especificamente sobre a reprodução não autorizada de obra literária.

Antes, porém, de iniciarmos o estudo, faremos algumas ressalvas necessárias a melhor compreensão da matéria e à fundamentação de nossos posicionamentos pessoais.

Primeiramente, sabemos que não há uma legislação sui generis, no Brasil, específica sobre a internet. A Lei 5988/73 que regulamenta os direitos de autor no Brasil não dispõe sobre a digitalização, scanner e divulgação on-line de obras. Diferente não poderia ser, dada a modernidade da grande rede e dessas tecnologias.

Não obstante, tentamos, como qualquer jurista ao se deparar com uma situação nova, conciliar as normas vigentes com os fatos surgidos. No entanto, esta conciliação seria uma verdadeira profissão de fé, pois as transformações provocadas com a revolução cibernética é diferente de tudo o que conhecemos até agora. Assim, muitas vezes a conciliação da Lei de Direitos Autorais com os princípios da internet torna-se bastante difícil, senão impossível.

Outro grande problema diz respeito à parca jurisprudência e doutrina, principalmente no Brasil, praticamente inexistente sobre a questão; além da dificuldade existente com relação ao enorme teor técnico da matéria, chegando-se ao exagero de alguns afirmarem que a questão dos direitos autorais na internet seria mais viável se controlada por engenheiros do que por juristas.

Não é nossa pretensão esgotar toda a matéria nesse simples trabalho acadêmico; longe disso, nossa intenção é apenas dar uma contribuição bastante pequena para a solução da questão dos direitos autorais na internet, com base em nossa prática como usuário e em artigos extraídos da própria rede. Por enquanto, o assunto ainda engatinha, mas temos certeza de que muita tinta ainda rolará sobre a matéria.


3. A REPRODUÇÃO NÃO-AUTORIZADA DE OBRAS LITERÁRIAS NA INTERNET


3.1 CASOS EM QUE HÁ LUCRO DIRETO OU INDIRETO

A Internet não possui um "dono". Não há um órgão específico que controle as atividades e as vias de informação da rede. No entanto, muitos lucram com o comércio surgido na internet. Provedores de acesso, empresas de software, programadores, pessoas que cedem espaço à publicidade em suas home-pages, favorecem-se financeiramente com as atividades na Net.

Não seria de boa justiça, portanto, a cobrança dos direitos autorais de pessoas que lucram direita ou indiretamente com as obras publicadas na rede?

Não hesitamos em responder afirmativamente. Neste sentido, uma Corte norte-americana já se pronunciou obrigando a CompuServ (uma das maiores empresas provedoras de acesso à internet) a pagar a quantia devida por oferecer a seus usuários o serviço de música on-line.

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Neste caso, em que há lucro, mesmo indireto, é bastante fácil perceber a obrigação de pagamento dos valores relativos ao uso de obra musical sem autorização. A interpretação do art. 73 da Lei 5998/73 se aplica perfeitamente a este caso:

"Art. 73. Sem a autorização do autor, não poderão ser transmitidas pelo rádio, serviços de alto-falantes, televisão ou outro meio análogo, representados ou executados em espetáculos públicos e audições públicas, que visem lucro direto ou indireto, drama, tragédia, comédia, composição musical, com letra ou sem ela, ou obra de caráter assemelhado." (grifos nossos)

Outro caso, relativo a reprodução não autorizada de obras, em que o pagamento dos direitos autorais é justo, é o caso em que se disponibiliza obra literária de terceiro sem a autorização devida em uma home-page em que há publicidade, pois nessa situação também há o lucro indireto. O lucro indireto, com as palavras de SILVIO RODRIGUES,

"é aquele em que não há um pagamento em dinheiro, mas o escopo de quem presta serviço é alcançar um proveito oblíquo, resultante daquele serviço aparentemente gratuito."

(SILVIO, Rodrigues. Direito Civil. 23 ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1996. 6v v.5: Direito das Coisas. p. 237)

Muito comum, outrossim, são os usuários ou empresas que cobram do "internauta" uma certa quantia para "visitar" sua home-page. Nesse caso, havendo publicação de obra sem autorização, nem necessitaríamos demonstrar, após os exemplos acima, que o autor merece receber os louros por sua criação, pois neste caso, em que há pagamento em dinheiro, o lucro é direto.

3.2 CASOS EM QUE NÃO HÁ LUCRO

O assunto, no entanto, se complica nos casos em que a intenção de lucro inexiste. Tomemos como exemplo as Bibliotecas Virtuais que estão se alastrando pelo mundo cibernético. São sites onde estão disponibilizadas centenas de obras de autores sem a autorização prevista em lei, unicamente com o fim educacional e científico. Poderíamos citar uma série delas, como por exemplo a Guttenberg, a Universalis, e inclusive algumas em português como a Biblioteca Virtual de Obras Portuguesas.

Ainda sem a finalidade especulativa, existem milhares de home-pages não oficiais, que publicam obras de autores ao bel prazer do criador da página. Para ilustrar, vale recordar o caso, bastante polêmico, de uma home-page do poeta brasileiro Vinícius de Moraes criada por uma fã.

A fã do Poetinha, com o objetivo único de prestar uma inocente homenagem a Vinícius, criou uma home-page muito bonita (foi, inclusive, considerada na época uma das cinco mais bem elaboradas do Brasil) sobre o poeta. Neste site, a fã disponibilizava inúmeros poemas e letras de músicas do autor sem o consentimento da família do autor, no caso os titulares dos direitos autorais das obras de Vinícius. Inconformados com a atitude da fã, os familiares do Poetinha consultaram seus advogados que pediram através do correio eletrônico para a fã retirar a home-page da internet, sob a justa ameaça de acionar o Judiciário.

Sem alternativas, a fã retirou a página, colocando no seu lugar um comovente manifesto de protesto contra a atitude da família do poeta e a favor da liberdade de expressão na internet. Vários "internautas" do mundo inteiro se comoveram com o protesto e resolveram criar, da mesma maneira que a fã, páginas sobre Vinícius de Moraes em diversos países diferentes. Então, quem quisesse conhecer a obra do Poetinha, bastaria acessar gratuitamente e sem restrições, a internet. A tentativa dos advogados da família de Vinícius de Moraes foi infrutífera e teve um efeito contrário do esperado.

Face a nossa legislação vigente, essa prática de publicação, ou seja, comunicação ao público de obra alheia sem autorização constitui ofensa aos direitos de autor, mesmo não havendo o intuito de lucro. Nossa Carta Magna, em seu artigo 5º que trata dos direitos e garantias individuais e coletivos garante aos autores o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei determinar; e o art. 30 da Lei 5989/73 dispõe:

"art. 30. Depende de autorização do autor de obra literária, artística ou científica, qualquer forma de sua utilização, assim como:

IV- a comunicação ao público, direta ou indireta, por qualquer forma ou processo."

Por outro lado, está disposto no artigo 48, inciso III, da mesma lei:

"art. 48. Além das obras em relação às quais decorreu o prazo de proteção aos direitos patrimoniais, pertencem ao domínio público:

III- as publicadas em países que não participem de tratados a que tenha aderido o Brasil, e que não confiram aos autores de obras aqui publicadas o mesmo tratamento que dispensem aos autores sob sua jurisdição."

Desta sorte, este artigo torna qualquer tentativa de controle às violações dos direitos de autor na internet, no mínimo, inútil. Ora, para fugir da alçada de proteção aos direitos autorais basta publicar a obra em uma home-page em um país que se insira no caso do inciso III deste artigo.

Percebemos, portanto, que a nossa atual legislação de proteção aos direitos de autor torna-se ineficaz em relação à internet.

Mesmo sem discutir o mérito da questão para saber se a cobrança dos direitos autorais nesse caso é justa, é inegável a necessidade de uma regulamentação sui generis, com base em uma convenção a nível internacional, para a solução das questões de violação dos direitos autorais na rede.

No entanto, mesmo sabendo que face à nossa legislação vigente essa prática de divulgação de obras sem autorização (com lucro ou sem lucro, não importa) configura violação aos direitos autorais dos titulares desses direitos, tentaremos defender opinião contrária. Ou seja, consideramos que a disponibilização de obras na internet sem o intuito lucrativo não deveria ser vista como uma ofensa aos direitos dos autores, mas como uma exceção a ser tolerada pelos titulares de tais direitos.

Para tanto, necessário se faz a análise dos fundamentos jurídicos que servem como alicerce à proteção aos direitos de autor.


4. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA DA PROTEÇÃO AOS DIREITOS AUTORAIS


Como sabemos, ao lado da concepção individualista, que estruturou originariamente as bases dos direitos intelectuais com influência principalmente da Revolução Francesa, aparece com força total uma visão social da proteção ao direito autoral que passa a estender seu amparo muito mais à própria obra intelectual do que o seu autor ou os demais titulares desses direitos. Nesse sentido, vale citar as palavras de EDUARDO VIEIRA MANSO:

"Confrontam-se, dessa forma, dois interesses igualmente legítimos, igualmente inafastáveis, que o Estado deve atender de maneira igualmente satisfatória para ambos: de um lado, o autor, cujo trabalho pessoal e criativo (dando uma forma especial às idéias) deve ser protegido e recompensado e, de outro, a sociedade que lhe forneceu a matéria-prima dessa obra e que é seu receptáculo natural. Como membro dessa sociedade, o autor não pode opor-lhe seu próprio interesse pessoal, em detrimento do interesse superior da cultura; e como mantenedora da ordem, não pode a sociedade subjugar o indivíduo, em seu exclusivo benefício, retirando-lhe aquelas mesmas prerrogativas que o governo confere ao autor, para o favorecimento da criação intelectual, e que são instrumento de importância relevante de seu próprio desenvolvimento e de sua subsistência soberana." (Manso, Eduardo Vieira. Direitos Autorais, p. 90)

E é principalmente pelo interesse social que o Estado tem motivos para conferir ao autor da obra a proteção exclusiva aos direitos autorais, inclusive constitucionalmente.

Devemos, portanto, ao fundamentar juridicamente os direitos autorais, observar dois interesses: o interesse da sociedade e o interesse do autor que está subordinado ao primeiro.

4.1 INTERESSE INDIVIDUAL

O interesse individual do autor recai principalmente sobre o valor pecuniário que toda obra proporciona.

"Sendo a obra intelectual o fruto do esforço humano capaz de proporcionar proveitos econômicos, nada mais natural que atribuir, ao criador dela, todas garantias para que essa utilização patrimonial seja possível ao autor desse bem." (Manso, Eduardo Vieira. Direitos Autorais)

Dessa forma, ao autor é legítima qualquer participação nos lucros decorrentes da utilização de sua obra. O esforço da criação da obra coube ao autor, logo este merece tirar os proveitos econômicos de seu esforço.

Qualquer pessoa, portanto, que pretenda "comercializar", ou seja, obter lucro do fruto do esforço do autor, deve a este uma recompensa, do contrário estaria violando os seus direitos. Nesse caso, ainda se faz necessária a autorização expressa do autor na reprodução (se for o caso) de sua obra, pois a este é dado o direito exclusivo de aproveitar-se economicamente de sua obra.

Como meio de defesa a este direito, nossa legislação foi bastante severa nos casos em que há a publicação fraudulenta de obra alheia. Presumindo a lei que essa publicação fraudulenta causa prejuízo a seu autor, que deve ser indenizado por aquele que fraudou.

De modo geral, podemos resumir que o legislador confere ao autor que teve sua obra utilizada fraudulentamente por terceiro o direito de busca e apreensão dos exemplares produzidos fraudulentamente. No entanto, outras são as sanções impostas pela Lei 5988/73, em seu art. 122 caput e parágrafo único:

"Art. 122. Quem imprimir obra literária, artística ou científica, sem autorização do autor, perderá para este todos os exemplares que se apreenderem e pagar-lhe-á o restante da edição ao preço por que foi vendido, ou for avaliado.

Parágrafo único. Não se conhecendo o número de exemplares que constituem a edição fraudulenta, pagará o transgressor o valor de dois mil exemplares, além dos apreendidos."

4.2 INTERESSE DA SOCIEDADE

Para a sociedade, é interessante que a produção cultural se dê da maneira mais ampla possível. Ou seja, atribuindo ao autor uma recompensa ao seu esforço, que se resume na cobrança dos royalytes frutos de sua criação intelectual, tendo em vista que toda obra é capaz de proporcionar proveitos econômicos, a sociedade dá ao autor um incentivo que certamente beneficiará a sociedade proporcionando o seu desenvolvimento cultural.

Sem esse incentivo o autor não teria motivação alguma na publicação da obra, e quem sabe até sua própria criação estaria ameaçada. Assim, é de interesse da sociedade que se dê ao autor o direito de aproveitar economicamente a sua obra. Pois,

"Se ao autor não fosse atribuída a prerrogativa exclusiva de realizar esse potencial econômico derivado da obra, se, depois de criada, desde logo fosse dado a qualquer um lançar mão dela para sua exploração econômica - nenhum estímulo haveria para sua publicação e, conseqüentemente, sua própria criação." (Manso, Eduardo Vieira. Direitos Autorais.)

A proteção aos direitos autorais está, portanto, muito mais na importância da obra intelectual para a sociedade do que na proteção aos interesses individuais do autor. Nesse sentido, lembra-nos o próprio EDUARDO VIEIRA MANSO:

"Em razão do efeito cultural que toda obra intelectual tende a causar, e porque toda obra intelectual é, ao mesmo tempo, efeito da cultura, como vivida pelo se próprio autor - é o interesse social que justifica e fundamenta a elaboração de regras positivas de direito, protetivas dela, nomeando-se seu autor o seu guardião natural." (Manso, Eduardo Vieira. Direitos Autorais)

Desta forma, uma das principais qualidades da obra é que ela serve de inspiração para outras obras. Protegendo os interesses do autor, protege-se o interesse da sociedade em ter garantida a continuidade da produção cultural.

Sobre o autor
George Marmelstein Lima

Juiz Federal em Fortaleza (CE). Professor de Direito Constitucional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, George Marmelstein. A reprodução não-autorizada de obras literárias na Internet. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 21, 19 nov. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1792. Acesso em: 23 dez. 2024.

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