5 ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL E RELATÓRIO DE IMPACTO AMBIENTAL – EIA/RIMA
5.1 Noções propedêuticas
A avaliação de impactos ambientais (AIA) também é um dos instrumentos de gestão ambiental, instituído pela Política Nacional do Meio Ambiente – Lei n°. 6.938/81 – artigo 9º, inciso III, a qual deve ser conjugada com o licenciamento ambiental quando a atividade ou obra for passível de gerar significativa degradação ao meio ambiente (MILARÉ, 2007).
O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) pode ser considerado uma das vertentes da AIA, mas com ela não deve ser confundido, uma vez que a AIA é muito mais ampla que o EIA, contemplando tanto ações concretas quanto programáticas, denominadas, no último caso, de Avaliações Ambientais Estratégicas (MILARÉ, 2007).
A matéria está regulamentada basicamente pelas Resoluções CONAMA n°. 01/86 e n°. 09/87, sem olvidar da importância da Resolução n°. 237/97, anteriormente tratada com mais profundidade, e da disposição contida no artigo 225, § 1°, inciso IV da CF/88.
Milaré (2007) frisa que o EIA é uma das mais importantes espécies de "estudos ambientais" (conforme conceitua a Resolução n°. 237/97, artigo 1°, inciso III), sendo exigível apenas nos casos de significativa degradação ambiental, a qual, segundo o autor, é presumível, salvo prova em contrário, para as atividades mencionadas no artigo 2° da Resolução n°. 01/86, entre elas as hidrelétricas acima de 10 MW (inciso VII).
Fernandes (2005, p. 63-64) destaca que:
[...] o instituto tem por escopo máximo a avaliação, em termos proporcionais, das alterações eventuais que um empreendimento, tanto público quanto privado, pode ocasionar ao meio ambiente, possuindo caráter nitidamente preventivo.
E, justamente por possuir caráter preventivo, o EIA deve ser elaborado previamente à decisão administrativa de outorga licença para implementar a atividade ou obra, sendo que sua não-elaboração acarreta sanções de ordem penal, civil e administrativa tanto para quem tinha por dever exigi-lo (ou seja, o Poder Público) quanto para aquele que deveria elaborá-lo (MILARÉ, 2007).
Sobre o tema, Benjamin (1992) ressalta que o EIA é normalmente produzido antes da concessão da licença, inclusive no caso de licença prévia, uma vez que seu objetivo principal assenta-se em contribuir para a formação do mérito da decisão administrativa.
Frise-se que todo EIA tem por conseqüência a produção de um Relatório de Impacto Ambiental – RIMA (artigo 9° da Resolução n°. 01/86), o qual tem por finalidade tornar a linguagem do EIA acessível ao público (FIORILLO, 2006). Neste sentido:
O Relatório de Impacto Ambiental, destinando-se especificamente ao esclarecimento das vantagens e conseqüências ambientais do empreendimento, refletirá as conclusões daquele [EIA]. (MILARÉ, 2007, p. 363).
Com relação aos empreendimentos passíveis de ocasionar significativa degradação ao meio ambiente, os quais ensejam a prévia elaboração de EIA, conforme acima exposto, a doutrina, diante da dificuldade de se precisar o conceito de significativa degradação (o qual pode ser considerado como um conceito jurídico indeterminado), é praticamente uníssona em afirmar que as hipóteses constantes do artigo 2º da Resolução n°. 01/86 são regidas pelo princípio da obrigatoriedade, ou seja, a Administração Pública deve exigir a elaboração do EIA naqueles casos (FERNANDES, 2005). Assim, considera-se que o rol:
[...] é meramente exemplificativo no sentido de somatória de atividades, mas considerado obrigatório para as relacionadas. Nesses casos o Poder Público está vinculado, não podendo apresentar razões de dispensa do estudo e respectivo relatório, sob pena de incorrer na prática de crime de prevaricação, além da responsabilidade civil e administrativa do agente público envolvido. (FERNANDES, 2005, p. 94).
Milaré (2007) afirma, baseando-se no teor do parágrafo único do artigo 3° da Resolução n°. 237/97, que a presunção de gravidade de impacto das atividades e obras constantes do rol do artigo 2º da Resolução n°. 01/86 é juris tantum, ou seja, comporta prova em contrário, produzida pelo empreendedor.
Contrariamente, Benjamin (1992) acredita que o rol do artigo 2º da Resolução n°. 01/86 gera presunção absoluta da necessidade de elaboração do EIA/RIMA, com total vinculação do administrador. Às hipóteses não previstas no rol do artigo retrocitado, restaria certa margem de discricionariedade na apreciação do órgão competente.
Cabe ao proponente do projeto elaborar o que Fiorillo (2006) denomina como Relatório de Impacto Ambiental (RAIAS), o qual deve ser levado à apreciação do órgão ambiental competente para que este possa determinar se há ou não necessidade de elaboração do EIA, por meio de decisão fundamentada no último caso. O RAIAS deve ser redigido por técnicos habilitados e possuir o conteúdo básico do EIA.
Assim, caso seja adotado o entendimento de Milaré (2007), ou seja, que há presunção relativa, o proponente elabora o RAIAS para elidi-la. Caso seja adotado o posicionamento de Benjamin (1992), para as atividades não constantes do rol do artigo 2º é interessante a elaboração do RAIAS para subsidiar o entendimento do órgão licenciador.
Desta feita, ensina Milaré (2007, p. 374, grifo do autor):
[...] é possível concluir que o órgão de controle mantém certa dose de liberdade para avaliar dito pressuposto do EIA/RIMA, isto é, o significativo impacto ambiental. Evidenciada, porém, por regular prova técnica, a insignificância do impacto, torna-se inviável a exigência do estudo.
Ressalte-se, igualmente, que se houver significância no impacto, a exigência do EIA foge à discricionariedade do órgão estadual licenciador (BENJAMIN, 1992).
Ato contínuo, como leciona Fernandes (2005), a partir do momento em que o órgão competente define que deve ser realizado um EIA, devido às características da atividade ou obra, é imprescindível a elaboração de um Termo de Referência – TR, o que geralmente é feito pelo próprio Poder Público. O TR será baseado no RAIAS, o qual é denominado por Fernandes (2005) como Relatório Ambiental Preliminar, e tem por objetivo orientar a produção de qualquer estudo ambiental, no caso, o EIA/RIMA.
Em se tratando de competência para exigir a feitura do EIA, extrai-se da leitura da Resolução n°. 01/86 que a iniciativa foi entregue ao órgão estadual competente, exceto nos casos de alçada do IBAMA e do Município (interesse exclusivamente local), interpretação esta que coaduna com o exposto na Resolução n°. 237/97 (MILARÉ, 2007).
Importante frisar também que a produção do EIA, devido a sua abrangência e complexidade, cabe a uma equipe multidisciplinar habilitada, conforme dicção do artigo 11 da Resolução n°. 237/97, a qual será contratada pelo proponente do projeto - artigo 8° da Resolução n°. 01/86, que deverá acompanhar todas as fases do estudo, a fim de facilitar a identificação de problemas e soluções viáveis (FERNANDES, 2005). A habilitação da equipe decorre da inscrição de seus membros no Cadastro Técnico Federal administrado pelo IBAMA (MILARÉ, 2007).
Destaque-se que, caso haja divergência entre os membros da equipe, a mesma deverá constar do RIMA, para posterior análise do órgão ambiental (MILARÉ, 2007).
Merece destaque também o disposto no parágrafo único do artigo 11 da Resolução n°. 237/97, o qual sujeita tanto o empreendedor quanto a equipe multidisciplinar a sanções administrativas, civis e penais pelas informações prestadas no âmbito do EIA/RIMA.
5.2 O órgão ambiental e o EIA/RIMA
Diante de todo o exposto, ensina Machado (2005) que é fundamental compreender que a realização do EIA/RIMA volta-se precipuamente a trazer elementos para subsidiar a decisão administrativa, a qual, num primeiro momento, será voltada para a concessão ou não da licença prévia, como esclarecido anteriormente.
No entanto, como afirma Machado (2005, p. 258):
O Estudo de Impacto, contudo, não afasta o dever da Administração Pública ambiental de verificar a fundamentação desse estudo. Para acolher ou para deixar de acolher as diretrizes do EPIA o órgão ambiental deverá fundamentar sua decisão. Não se exige do órgão ambiental que faça um Estudo de Impacto paralelo ou um ‘contra-estudo’, mas que verifique em profundidade o Estudo de Impacto apresentado.
Retomando o tema da licença prévia, é importante destacar que esta constitui a etapa do licenciamento ambiental em que o Poder Público busca demonstrar ao proponente suas exigências, as quais se baseiam tanto no poder vinculado quanto no discricionário. Neste sentido, além daquilo que a lei expressamente impõe, cabe à Administração adicionar o que entender cabível diante do interesse público (MACHADO, 2005).
Além disso, vale ressaltar que a licença prévia não vincula a Administração ao pedido, ou seja, não há direito adquirido, por parte do empreendedor, ao deferimento das etapas seguintes, sendo que qualquer decisão do órgão licenciador no sentido de acelerar o procedimento será tida como nula (MACHADO, 2005).
Finalmente, é imperioso ressaltar que o EIA pode ser considerado um ato formal, o qual deve seguir diretrizes gerais fixadas em lei, sob pena de invalidação. Frise-se que o Poder Público não pode transigir ou negociar a respeito do EIA, devido a sua feição pública, que o torna indisponível (BENJAMIN, 1992).
Feitas estas considerações, na próxima seção abordar-se-á de que maneira o EIA/RIMA auxilia a tomada de decisão por parte do administrador público, inclusive atuando como balizador da mesma.
6 ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL E DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA
A esta seção ficou reservada a análise da influência do EIA/RIMA e toda a principiologia que o cerca na tomada de decisão por parte da Administração Pública.
O cerne do tema consiste nas seguintes questões: está o Poder Público vinculado às conclusões do EIA/RIMA ou resta ao administrador determinada margem de conveniência e oportunidade em sua decisão? Se houver discricionariedade, quais seus limites?
Diante da importância do assunto, a doutrina se divide, de modo que os posicionamentos de maior relevância serão abordados adiante, com a fundamentação necessária a cada um deles.
Primeiramente, relembre-se que incumbe ao Poder Público, precipuamente, assegurar a preservação do meio ambiente. Assim, diante da importância do meio ambiente, caracterizado como bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida pela CF/88, a tendência moderna é no sentido de reduzir a autonomia do administrador em matéria ambiental, ou, ao menos, fazer com que haja consideração da variante ambiental em sua deliberação (BENJAMIN, 1992).
Note-se que referida inclinação do legislador em restringir a liberdade da Administração na seara ambiental decorre indubitavelmente da prevalência dos instrumentos preventivos neste ramo, entre eles, o EIA (BENJAMIN, 1992).
Foi mencionado que a licença ambiental não pode ser confundida com a licença administrativa, que é ato vinculado por excelência, devido aos princípios próprios que regem o Direito Ambiental. Já se sabe, igualmente, que o EIA/RIMA é orientado a trazer elementos que auxiliem o processo decisório, devendo o estudo, pois, ser anterior à concessão de qualquer das licenças, até mesmo da licença prévia.
Para Benjamin (1992), o EIA/RIMA atua como balizador da decisão do administrador, sem, contudo, confundir-se com ela. Nas palavras do eminente doutrinador:
Sendo momento preparatório da decisão, o EIA a orienta, informa, fundamenta e restringe mas, tecnicamente falando, não a integra como um dos seus elementos internos. É parte do procedimento decisório mas não é componente interior da decisão administrativa (BENJAMIN, 1992, p. 6).
O autor supracitado lembra que, antes do EIA ser introduzido no sistema brasileiro, o administrador possuía ampla liberdade de avaliação, desde a estimativa da repercussão da obra ou atividade no meio ambiente, passando pela decisão a respeito de como e quando iria proceder à análise, até a decisão final. Assim, considera Benjamin (1992) ser evidente que o EIA restringiu a margem de liberdade concedida à Administração:
[...] numa perspectiva mais moderna, cabe vê-lo [o EIA] com (sic) verdadeiro freio da atividade discricionária do Estado em matéria ambiental, ao exigir uma motivação explícita ou implícita da decisão administrativa, na busca da decisão ótima em termos de proteção do meio ambiente. Foi esta [...] a concepção adotada pelo sistema brasileiro (BENJAMIN, 1992, p. 7).
Conseqüência direta da limitação da discricionariedade administrativa é a ampliação do controle judicial e social dos atos praticados pelo administrador (FERNANDES, 2005).
Ressalte-se que o EIA não anula todo e qualquer juízo de conveniência e oportunidade por parte do administrador, tendo em vista que pode haver opção por uma das alternativas propostas que não seja a que preservará mais o meio ambiente, desde que a opção seja devidamente fundamentada e razoável e tenha como base o estudo como um todo. Ora, não se pode perder de vista que o que se busca é o denominado desenvolvimento sustentável: sabe-se que é impensável haver crescimento econômico e social sem interferir no meio ambiente, mas a CF/88 procurou incutir na sociedade que deve existir um equilíbrio entre os fatores (BENJAMIN, 1992).
Pelo exposto, observa-se que, se o EIA concluir pela rejeição do projeto ou optar por uma alternativa que não seja aquela proposta pelo empreendedor, o administrador deve eleger uma entre duas saídas: ou aceita a conclusão do EIA e não licencia o projeto; ou repele o resultado do EIA e licencia o projeto. Em ambas as hipóteses deve haver motivação da decisão, para que seja possível levar efetivamente a discussão ao Poder Judiciário (BENJAMIN, 1992).
A exigência de motivação da decisão administrativa atua, pois, diretamente no aumento do controle da atividade discricionária ambiental. Diante de sua importância:
Cabe salientar, ainda, que é imprestável a motivação alicerçada em conclusões e opções vagas, bem como aquela sem suporte nos fatos aduzidos; do mesmo modo, não tem qualquer valor a motivação cientificamente indefensável explicada com terminologia incompreensível, contraditória com sua base analítica, enganosa, arrogante, insensível aos argumentos contrários, ou incompleta (BENJAMIN, 1992, p. 22).
É importante advertir novamente que, apesar do EIA/RIMA atuar como orientador da decisão administrativa, o Poder Público deve verificar a fundamentação do estudo apresentado em profundidade, o que não significa, entretanto, a elaboração de um estudo paralelo.
Nesta esteira, Benjamin (1992) afirma que a principiologia que cerca o licenciamento ambiental e o EIA/RIMA, como seu pressuposto, acaba por instaurar verdadeiro due process ambiental, o qual:
[...] decorre da democratização do atuar administrativo e da função social da propriedade, materializando-se na intervenção direta e obrigatória dos cidadãos interessados no iter e na decisão final; exige, ademais, um atuar administrativo neutro e não comprometido com o desfecho do procedimento licenciador (BENJAMIN, 1992, p. 26).
Benjamin (1992) adverte que o EIA/RIMA deve atuar efetivamente no processo decisório do Poder Público, não se resumindo a mera formalidade. Desta feita, a licença concedida contrariamente aos princípios norteadores do Direito Ambiental e do próprio EIA está sujeita à invalidação.
Fernandes (2005) posiciona-se no mesmo sentido de Benjamin (1992) e fundamenta seu entendimento ao comparar o EIA a um parecer de uma consultoria jurídica:
Ambos realizados por técnicos no assunto, apontam para uma ou mais soluções possíveis, possuem verdadeiro efeito inibidor de antijuridicidade.
Caso a Administração Pública não adote a solução por eles prescrita, assumirá, por sua conta e risco, as conseqüências de seu ato (FERNANDES, 2005, p. 120).
Já Fiorillo (2006) considera que, mesmo sendo o EIA/RIMA desfavorável, o administrador poderá conceder a licença, havendo, in casu, uma discricionariedade sui generis decorrente do próprio texto constitucional, que permite o sopeso entre a proteção ao meio ambiente e o desenvolvimento econômico. Neste sentido, o autor se aproxima dos posicionamentos anteriormente explicitados, ao afirmar que o EIA/RIMA restringe a discricionariedade do Poder Público, mas que este pode optar por conceder a licença de maneira fundamentada.
Entretanto, o autor entende que um EIA/RIMA favorável vincula a autoridade competente à concessão da licença, havendo, no caso, direito do empreendedor para desenvolver a atividade, pois:
[...] na medida em que o EIA/RIMA favorável condiciona a autoridade à outorga da licença ambiental, inexistem óbices para que a ordem jurídica do capitalismo esteja plenamente adaptada às necessidades de desenvolvimento da pessoa humana como valor maior protegido pelo Direito Ambiental brasileiro (FIORILLO, 2006, p. 96).
Silva (2005), por sua vez, afirma que, sendo o EIA/RIMA um estudo global de todas as conseqüências que poderão advir da implantação do empreendimento, não há como o administrador deixá-lo de lado ao tomar sua decisão, exceto quando o EIA/RIMA estiver falho e viciado. Aproxima-se o autor da opinião de Fiorillo (2006) ao afirmar que:
[...] uma vez estando comprovado pelo Estudo de Impacto Ambiental – EIA e pelo Relatório de Impacto Ambiental – RIMA que um determinado projeto atende às condições e aos padrões técnicos fixados em regulamento, o administrador público obriga-se a conceder o licenciamento, sob pena de incorrer em crime de prevaricação, previsto no art. 319 do Código Penal (SILVA, 2005, p. 351, grifo do autor).
Ademais, vale ressaltar que a matéria ora estudada está longe de ser pacífica. Para ilustrar a imensa gama de entendimentos e posições doutrinárias, cita-se o posicionamento controvertido de Paulo de Bessa Antunes, o qual acredita que a solução apontada no EIA/RIMA vincula o Poder Público (SILVA, 2005). Para Antunes, é ilícito negar ou aprovar o projeto por meio de elementos estranhos ao EIA/RIMA. Em suas palavras:
A vinculação existe, na medida em que a Administração Pública, deverá levar em conta, ao realizar a sua decisão pela implantação ou não do projeto, os elementos que constem do Estudo de Impacto Ambiental e do seu relatório de impacto sobre o meio ambiente (apud FERNANDES, 2005, p. 124-125).
Realça-se que o entendimento do doutrinador acima referido não é majoritário, uma vez que:
[...] por exemplo, conclusões baseadas em parâmetros ultrapassados ou desatualizados, ou ainda desconsiderando o princípio do desenvolvimento sustentado, não podem servir de limites ao bom senso e equilíbrio do administrador público que deverá, acima de tudo, cumprir os princípios e mandamentos constitucionais [...] (FERNANDES, 2005, p. 127-128).
Por fim, parece acertada a tese de que resta certa liberdade de atuação do administrador público em sede de licenciamento ambiental, atuando o EIA/RIMA e todos os princípios que o cercam como balizadores desta margem de autonomia do Poder Público.
O entendimento se justifica quando analisado profundamente o texto constitucional em seu conjunto: a CF/88 propõe a integração do desenvolvimento econômico e social com a preservação ambiental. Desta feita, como bem ressalta Milaré (2007, p. 161):
O objetivo central do Estudo de Impacto Ambiental é simples: evitar que um projeto (obra ou atividade), justificável sob o prisma econômico ou em relação aos interesses imediatos de seu proponente, revele-se posteriormente nefasto ou catastrófico para o meio ambiente.
Neste sentido, o instituto do EIA/RIMA é a expressão viva do princípio do desenvolvimento sustentável, possibilitando: "a escolha da melhor alternativa para a implantação de um dado projeto, com a compatibilização de todos os interesses envolvidos e que seja favorável ao meio ambiente" (FERNANDES, 2005, p. 124).
Seria impossível conceber a tese da vinculação do administrador às conclusões do EIA/RIMA no sistema brasileiro porque, sendo o Poder Público gestor do bem ambiental (a titularidade deste pertence à coletividade), cabe a ele conciliar os interesses da coletividade em cada caso concreto. O papel do EIA/RIMA restringe-se, tão-somente, a subsidiar a decisão administrativa.
Assim, para propiciar maior eficiência:
O legislador sempre vai conceder um grau maior de discricionariedade onde as circunstâncias da realidade, que deve ser regulamentada, dificilmente são previsíveis, e o alcance de um determinado fim exige o exercício de conhecimentos específicos da Administração para garantir uma decisão justa e correta no caso concreto (KRELL, 2004, p. 18).
Por outro lado, a discricionariedade deve manter-se dentro dos limites legais, sob pena de transformar-se em arbitrariedade, sendo que o EIA/RIMA, da maneira como foi concebido pelo ordenamento jurídico, ato formal e público, atua como mecanismo de controle da liberdade do administrador, permitindo tanto o controle judicial quanto comunitário (e até mesmo administrativo) do procedimento licenciatório ambiental.
Nesta esteira, por óbvio que o que deve ser considerado como justo e correto em sede de licenciamento ambiental é o posicionamento do administrador que compatibilize qualidade ambiental e desenvolvimento, que deve ser externado por meio de uma decisão fundamentada, razoável e transparente, resultante de um procedimento administrativo ambiental comprometido tão-somente com a realização dos ditames constitucionais e legais.
É imperativo reconhecer que a conciliação entre desenvolvimento e meio ambiente se resume a pôr em prática o significado da expressão desenvolvimento sustentável, que propõe a conciliação entre desenvolvimento e proteção ambiental, a qual é uma meta de difícil realização que, para sair do campo da utopia, exige uma série de mudanças graduais da sociedade, entre elas o desenvolvimento da consciência ecológica e da responsabilidade sócio-ambiental, além da necessidade de implementar instrumentos legais adequados ao controle da viabilidade ambiental dos projetos (MILARÉ, 2007).
Desta feita, como destaca Milaré (2007) é necessário esforço conjunto dos governos, da comunidade e dos empresários para tornar o princípio do desenvolvimento sustentável uma realidade no Brasil e no mundo.
Não é demais frisar que a Constituição Federal de 1988 é "um dos sistemas mais abrangentes e atuais do mundo sobre a tutela do meio ambiente" (MILARÉ, 2007, p. 147), a qual se soma uma série de regramentos infraconstitucionais, entre eles os que regulamentam o EIA/RIMA, instrumento fundamental de controle das decisões públicas e privadas relacionadas ao meio ambiente. Portanto:
É fundamental que todas as pessoas e autoridades responsáveis se lancem ao trabalho de tirar essas regras do limbo da teoria para a existência efetiva da vida real; na verdade, o maior dos problemas ambientais brasileiros é o desrespeito generalizado, impunido ou impunível, à legislação vigente (MILARÉ, 2007, p. 148).
Assim, para que os valores constitucionais a respeito do tema sejam colocados em prática no Brasil, basta que haja vontade política (BENJAMIN, 1992).
O desenvolvimento e a preservação podem caminhar juntos, pois o aparato constitucional e legal está definido e à disposição, basta colocá-lo em prática e aprimorá-lo.