7 - CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DA MEDIAÇÃO: COMPLEXIDADE, CRIATIVIDADE, TRANSDISCIPLINARIDADE
Cada época tem seus problemas específicos e a Mediação vai evoluindo de acordo com a história. Nosso tempo vive a "Era da Complexidade e da Globalização" e os conflitos não podem ser entendidos fora desse contexto histórico.
Retirar a Mediação do atual momento Histórico é fazer o mesmo que a Ciência e o Direito vem fazendo com o conhecimento especializado, separando a parte do todo.
Vejamos, pois, três das características mais importantes da Mediação contemporânea: a complexidade, a criatividade e a transdisciplinaridade.
7.1 - Complexidade
A Mediação é complexa, porque diante de uma controvérsia, não exclui, a priori, nenhum elemento que possa ajudar na eventual solução, seja o aspecto normativo, emocional, social, ecológico, político. A complexidade significa, entre outras coisas, não separar a parte do todo, como ensina Morin:
"Complexus significa o que foi tecido junto; de fato há complexidade quando elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico) e há um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre o objeto do conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si. Por isso a complexidade é a união entre a unidade e a multiplicidade. Os desenvolvimentos próprios a nossa era planetária nos confrontam cada vez mais e de maneira cada vez mais inelutável com os desafios da complexidade" (Morin, 2000; 38).
Ora, quando se recorta uma parte do conflito transformando-o em controvérsia, como faz o Processo Judicial e a Conciliação, a complexidade é mutilada. A Mediação restaura a possibilidade de enfrentar a complexidade, que o Processo Judicial e a Conciliação simplificam. A especialização e os limites do Processo Judicial e da Conciliação deixam de lado aspectos importantes do conflito.
Por isso, pode-se afirmar que é muito mais difícil trabalhar com a Mediação do que com a Conciliação. Na Mediação a complexidade é maior, exige em preparo específico do Mediador que o ensino jurídico atual não está apto a dar. O Mediador tem de desenvolver múltiplas aptidões, que vão muito além do conhecimento do Direito Positivo.
7.2 - Criatividade
A Mediação exige criatividade, é como se fosse uma obra de arte. Cada vez que uma controvérsia é mediada acontecem fatos de um modo novo e diferente. Novo é que nunca antes se manifestou. Uma alternativa de solução, jamais pensada pelas partes, ocorre, frequentemente, num procedimento de Mediação.
A criatividade na Mediação, porém, não acontece como um milagre, mas é fruto de um processo criativo que poderia ser dividido em quatro etapas; preparação, incubação, insight ou iluminação, e verificação (Guswami, 2008,60).
A Preparação surge como um sentimento vago sobre um conflito e com a necessidade de reunir fatos e ideias sobre o conflito, pensar, soltar a imaginação e analisar a situação de todos os modos possíveis.
Incubação é a fase de relaxar, pois o conflito não vai desaparecer porque foi detectado. É preciso descansar, dormir, brincar, enfim, esquecer um pouco o conflito. Enquanto isso, embora não se perceba, alguma solução pode estar sendo consciente e /ou inconscientemente gerada na mente dos mediandos.
De repente, o insight, "eureka! Ah-ha!" é quando aparece o novo, a descontinuidade do conflito, a não causalidade, a criatividade e as soluções são visíveis.
Por fim a verificação do que é manifestado pelo insight é a fase de avaliar e "analisar a solução e terminar com um produto a novidade manifestada. Com a verificação, há também uma reestruturação do sistema de crenças, o repertório dos contextos aprendidos" (Guswami, 2008, 62).
Esse processo criativo pode acontecer em várias fases de tempo, não existindo uma regra objetiva para medir o surgimento da criatividade na Mediação. A criatividade é pessoal e cada mediando tem o seu tempo na Mediação.
Não é possível de um modo geral concluir uma Mediação rapidamente, como se fosse uma audiência de Conciliação. É necessário ser paciente e esperar.
A Mediação deixa fluir a intuição e a criatividade de todos os envolvidos no procedimento de Mediação.
O ofício do Mediador é se colocar junto com as partes, com o objetivo de ser criativo em conjunto, descobrir o que a situação conflitiva tem para transformar o conflito em uma nova situação.
O Mediador deve encarar o conflito mediado como uma dimensão de sua personalidade, mas sem se confundir com o conflito das partes, ficando atento à emoção que move todo conflito.
O Conciliador trata o conflito como algo externo, que não lhe diz respeito, como conflito que acontece independente de sua vontade e participação.
No caso de Mediador ele não se envolve no conflito como se fosse ele uma das partes, mas sim sente o conflito em todas as suas dimensões, percorre o conflito, com os mediandos nas suas sutilezas, para que sejam criados os novos caminhos que transcendam o conflito. O Mediador recebe os efeitos da Mediação em que participa e para isso deve ser preparado para atuar como Mediador. Ele é um canal por onde o conflito pode passar e ser trabalhado criativamente. É um catalisador, que reúne as partes, sem se confundir nem a aderir a nenhuma delas.
Contudo, não é a pessoa do Mediador, isoladamente, que origina a criatividade, mas a própria prática da Mediação. A Mediação é criativa por si mesma, pelo modo de abordar a controvérsia, dando uma dinâmica nova para as relações entre os mediandos, deixando que eles exercitem o poder de decidir.
Pode-se dizer que Mediação bem feita sempre é produtiva, mesmo que não haja êxito na solução da controvérsia. A Mediação pode apenas possibilitar novos comportamentos, inovações criativas e inesperadas que serão usadas pelos mediandos nos momentos vitais que acharem melhor.
Sem criatividade a Mediação não pode acontecer e isso leva tempo. O processo judicial e a conciliação também levam tempo, e ainda por cima, não possibilitam a criatividade que a Mediação possibilita. Sob esse aspecto também é preferível a Mediação.
Em síntese, a criatividade é um componente essencial da Mediação, que valoriza e diferencia muito a Mediação em comparação com a Conciliação.
7.3 - Transdisciplinaridade
A Mediação rompe com a separação das disciplinas que, isoladamente, não mais respondem às necessidades do conhecimento. O conhecimento deve ser transdisciplinar, ou seja, vai muito além da junção de disciplinas, buscando o que há de comum em todas.
A Mediação é transdisciplinar, um modo de construir um conhecimento unificado, de fazer pontes entre vários tipos de abordagem. Por isso exige dos Mediadores muito mais do que a simples especialização, como juristas, ou como psicanalistas, ou sociólogos e afins. Exige a apreensão do fenômeno conflitivo como um todo indissociável e transdisciplinar.
Desde 1994, existe um Manifesto da Transdisciplinaridade, fruto do Primeiro Congresso Mundial da Transdisciplinaridade realizado em Portugal, que resume essa questão e do qual destacamos alguns artigos que ilustram, pedagogicamente, a necessidade do conhecimento transdisciplinar, a saber:
Artigo 1 - Toda tentativa de reduzir o ser humano a uma definição e de dissolvê-lo em estruturas formais é incompatível com a visão transdisciplinar.
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Artigo 5 - A visão transdisciplinar é decididamente aberta na medida em que ultrapassa o domínio das ciências exatas por seu diálogo e sua reconciliação, não só com as ciências humanas, mas com a filosofia, a arte, a literatura e a poesia.
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Artigo 8 - Todos ser humano tem direito a uma nacionalidade. Mas enquanto habitante da Terra, é um ser transnacional. O reconhecimento pelo direito internacional a essa dupla pertença-a uma nação e à Terra constitui um dos objetivos da pesquisa transdisciplinar.
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Artigo 11 - A verdadeira educação não privilegia a abstração do conhecimento. Ensina a contextualizar, a concretizar e a globalizar. A educação transdisciplinar reavalia o papel da intuição, do imaginário, da sensibilidade do corpo na transmissão dos conhecimentos.
Esses objetivos da Transdisciplinaridade são pontos estruturais que a Mediação procura também desenvolver, na medida em que trabalha, abertamente, com a produção e o respeito às diferenças entre as pessoas e com o potencial transformador do conflito, encarado sempre como um todo, sem dissolver o ser humano em estruturas formais, como faz a Ciência e o Direito.
A Mediação aceita a imperfeição, a precariedade das soluções, a incapacidade humana de entender e solucionar o conflito. A Mediação faz o elogio do conflito como algo bom e necessário para a vida, sem ter a arrogância científica de dar respostas definitivas sobre o mundo.
Há cientistas que reconhecem isso, como é o caso do conhecido físico brasileiro Marcelo Gleiser:
"Jamais poderemos saber tudo sobre o mundo. Qualquer afirmativa ao contrário demonstra apenas arrogância de nossa parte. Portanto, qualquer projeto de unificação total da natureza mesmo ao nível da física fundamental está fadado ao fracasso. A unificação final, ou a Teoria Final, mesmo restrita à física, é impossível. A crença de que o pensamento humano, limitado como é, pode vislumbrar a verdade final, vem de uma longa tradição religiosa que nutre nossos sonhos de sermos mais do que humanos, de sermos oniscientes como deuses de podermos transcender a nossa limitação espaço-temporal" (Gleiser, 2010, 187,188).
Diante do conflito, a Mediação não espera uma resposta, nem uma posição correta a ser adotada. A Mediação admite que o Conflito é indecifrável e insolúvel, tratando-se apenas de acompanhá-lo e trabalhar com a sua força vital transformadora.
O Conflito, de certo modo, reduz o ser humano a sua dimensão imperfeita e inacabada, representa a falta que não pode ser preenchida pela sabedoria racional, mas que pode ser sentida como uma oportunidade de crescimento da responsabilidade pessoal.
A Mediação é um modo transformador, amoroso e ecológico de lidar com os conflitos.
A Mediação é um espaço privilegiado para a construção de uma transdisciplina, a partir da constatação da permanência do conflito e da abertura a múltiplas alternativas, dentro de uma perspectiva de permanente reconstrução afetiva.
8 - Utilização da Mediação e da Conciliação
Nem todos os conflitos podem ser resolvidos pela Mediação, é preciso deixar isso bem claro. As partes devem aceitar, querer, aderir, com toda espontaneidade, ao procedimento de Mediação.
A Medição não é uma fórmula mágica de solução de conflitos, mas é sim, um modo não-adversarial de encarar o conflito, respeitando a liberdade e as diferenças dos seres humanos.
Especificamente, em certos conflitos, talvez, a Mediação deva até ser evitada. O Mediador pode e deve dar por encerrados conflitos em que perceba a inutilidade da Mediação. A Mediação só funciona enquanto as partes estejam abertas para encontrar seus próprios caminhos.
Encontrada a solução, quando as partes chegam a um acordo ,numa Mediação, podem redigir um Contrato de Transação, na forma do artigo 840 do Código Civil (art. 840 - É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas). O acordo escrito terá plena validade para execução do que foi transacionado.
Podem os interessados também, querendo, submeter o acordo da Mediação para homologação do Juiz competente, como previsto no Código de Processo Civil.
A Mediação pode preceder a Conciliação, pode preceder a Arbitragem, através da cláusula contratual escalonada de solução do conflito, livremente, pactuada entre as partes: primeiro a Mediação, depois a Conciliação, e se nada der certo pode ser usada a Arbitragem.
Como filosofia de vida, a Mediação, genericamente, é muito mais um modo de encarar a existência humana no Cosmos, sem imposição de dogmas, valorizando e reconhecendo as diferenças entre as pessoas. A Mediação abre a possibilidade de autonomia na decisão dos conflitos, num momento em que cada vez mais a intervenção do Estado no sistema político e econômico global, dita as regras do comportamento individual e coletivo.
Acreditamos, assim, que: "A Mediação existe para ajudar qualquer um a ser livre; a mediação é a arte de viver, o reencontro para a liberação de cada um (Six, 2002, 127)". Entre duas pessoas que se falam, existe uma relação que mostra que o ser humano é um ser de relação, justamente, que essa duas pessoas não são o resultado da adição de dois "eus", mas que elas formam um "nós" sem que nenhuma das duas seja destruída" (Six, 2002,128).
A Mediação, nesse sentido, tem caráter libertário, é um instrumento de mudança da estrutura social no rumo da solidariedade e não no rumo da dominação e da competitividade.
Na prática, os procedimentos de Mediação, normalmente, tem sido feitos pelas Câmaras de Mediação que possuem seus regimentos e normas. O Mediador pode também atuar sozinho, independentemente de estar vinculado a uma entidade.
Começam também a aparecer no Brasil, Casas de Mediação nas Universidades, cabendo citar a pioneira Casa de Mediação da Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeu, na Capital de São Paulo, iniciada no ano de 2010, como um exemplo de desenvolvimento da Mediação no meio universitário brasileiro.
A Conciliação tem recebido muito estímulo do Poder Judiciário. Dessa forma, neste momento, achamos necessário que a Mediação deva, igualmente, ser mais incentivada, principalmente nas Universidades, nos cursos de Direito sobretudo, pois é o meio mais completo de tratamento de conflitos.
9 – Concluindo: O Elogio da Mediação
Há muitos anos temos praticado a Mediação na nossa vida profissional. Isso nos permite fazer o elogio da Mediação como prática e como um modo de ajudar nas transformações da nossa era contemporânea.
Na Mediação as conclusões estão sempre se refazendo, não há conclusões definitivas. Há uma dinâmica permanente, sempre se está concluindo e, ao mesmo tempo, recomeçando. Tal como o conflito, a Mediação não tem fim. É um caminho que se faz ao caminhar.
Sua base é a autocomposição das partes, sem julgamento por um terceiro, sem a indução da conciliação, sem as interferências de um poder externo, apenas com o poder interno de cada um.
Na Mediação cada parte é respeitada como igual, sem pré-qualificação entre culpados e inocentes, não há adversários, mas seres humanos iguais.
A Mediação está fora do sistema jurídico, ela está no sistema vital, não depende de nenhum Poder para existir. Mas seus resultados podem ser transformados em acordo judiciais, homologados pelos Juízes, quando as partes assim desejarem.
A Mediação é transdisciplinar, um modo contemporâneo de construir um conhecimento unificado, de fazer pontes entre vários tipos de saberes. A Mediação movimenta o olhar de um lado para outro, sem fixar a visão num único tipo de abordagem.
Por isso exige dos Mediadores muito mais do que simples especialização como juristas, ou mesmo como psicanalistas, ou sociólogos e afins. Exige a apreensão do fenômeno conflitivo nas suas múltiplas faces, sem mutilações, nem exclusões, com muita sensibilidade, intuição e amor.
A Mediação pode ser considerada um novo paradigma para abordar o conflito, podendo substituir a hegemonia do Processo Judicial e da Conciliação, em suas diferentes formas.
É difícil aceitar que, após tanto tempo de normativismo e ativismo judicial, os Estados de Direito continuem alimentando a pretensão de resolver os problemas sociais, ambientais, econômicos e afins, só pela regulamentação jurídica, pela cultura da sentença judicial e pela Conciliação.
Mediar é preciso. Aprender com o conflito e ir sempre além dos limites do conflito, pois a vida exige sempre mais criatividade, energia e solidariedade. Desenvolver a transdisciplinaridade. Mediar para transformar. Transmediar.
É necessário, mais do que nunca, incentivar e fazer o elogio da Mediação.
BIBLIOGRAFIA CITADA:
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JAPIASSU, Hilton- O Sonho Transdisciplinar, RJ, Imago, 2006
MORIN, Edgar-Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2. ed. São Paulo: Cortes Brasilia, DF, UNESCO, 2000.
BENASAYAG, Miguel – Éloge Du Conflit, Paris, E. La Decouverte, 2007
SANTOS, Boaventura de Souza - A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência, São Paulo, Cortez, 2000.
SCHNITMAN, Dora. STEPHEN, Littlejohn-Novos Paradigmas em Mediação. Porto Alegre, Artmed, 1999.
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WARAT, Luis Alberto- O Ofício do Mediador. Florianópolis, Habitus, 2001.