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Inquérito policial sob a óptica do Delegado de Polícia

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Agenda 18/12/2010 às 10:22

11. PROVIDÊNCIAS PRELIMINARES

O art. 6º, do CPP, estabelece um verdadeiro roteiro dos atos que devem anteceder a instauração do inquérito policial.

Art. 6º.

Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:

I – dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais;

II – apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais;

III – colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias;

IV – ouvir o ofendido;

V – ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por 2 (duas) testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura;

VI – proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações;

VII – determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias;

VIII – ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes;

IX – averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter.


12. INÍCIO DO INQUÉRITO POLICIAL

Este tópico é dedicado ao estudo das formas pelas quais o inquérito policial se inicia.

Para integral compreensão das formas pelas quais o inquérito policial se inicia, antes, é necessário realizar breve introdução a respeito da notitia criminis e da ação penal, temas relacionados à questão principal.

12.1. Notícia Criminis

A notitia criminis é a forma pela qual a autoridade policial toma conhecimento de um fato delituoso.

A ciência da notícia de um crime, dependendo das circunstâncias, pode ocorrer de maneira espontânea ou provocada.

Didaticamente a notitia criminis é dividida em três espécies:

Notitia Criminis de cognição direta, imediata, espontânea;

Notitia Criminis de cognição indireta, mediata; e

Notitia Criminis de cognição coercitiva.

Notitia Criminis de cognição direta, imediata, espontânea:

Ocorre quando o delegado de polícia toma conhecimento direto do ilícito penal por meio do exercício de suas atribuições.

Dentre outras hipóteses, se destacam o conhecimento por intermédio do policiamento repressivo realizado pela Polícia Judiciária, com a localização do corpo de delito; de matéria publicada pelos órgãos de comunicação; e da denominada denúncia anônima.

Por oportuno, saliente-se que a denúncia anônima ou apócrifa é chamada também como notitia criminis inqualificada.

Notitia Criminis de cognição indireta, mediata:

Acontece quando o delegado de polícia fica sabendo do crime por intermédio de comunicação oficial ou formal.

Por sua vez a notitia criminis de cognição indireta e mediata se subdivide em:

Notitia criminis de cognição provocada ou qualificada, quando a autoridade policial toma conhecimento do fato por requisição do juiz ou do representante do Ministério Público; e

Delatio criminis, quando a comunicação é feita por intermédio do requerimento formulado pela vítima ou por qualquer um do povo, contendo a narração do fato com todas as circunstâncias, a individualização do suspeito e a indicação das provas.

Saliente-se que quando a delatio criminis for subscrita pelo requerente recebe o nome jurídico de notitia criminis qualificada.

A delatio criminis podeser:

Simples: quando apenas comunica o fato; e

Postulatória: quando, além de comunicar o fato, postula a adoção de medidas.

Notitia Criminis de cognição coercitiva:

Ocorre com a prisão em flagrante, hipótese em que o delegado de polícia toma conhecimento do crime no momento da prisão ou apresentação do autor do crime.

12.1. Ação Penal

A ação penal é o instrumento pelo qual o Estado verifica a veracidade da imputação formulada pelo representante do Ministério Público, que recai sobre o acusado da prática de ato tipificado como crime, com a consequente imposição de pena.

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O art. 100, do Código Penal, classifica a ação penal em:

●Ação penal pública; ou

●Ação penal de iniciativa privada.

A ação penal pública tem como titular exclusivo o representante do Ministério Público, isto é, somente o membro do Parquet tem legitimidade ativa para propor tal ação.

Por sua vez a ação penal pública subdivide-se em:

●Ação penal pública incondicionada; e

●Ação penal pública condicionada.

A ação penal é pública incondicionada quando o membro do Ministério Público não depende de qualquer condição de procedibilidade para agir.

A ação penal é pública condicionada quando o representante do Ministério Público depende de certas condições de procedibilidade para ingressar em juízo.

As condições exigidas por lei podem ser a:

●Representação do ofendido; ou

●Requisição do Ministro da Justiça.

A representação do ofendido é a manifestação da vítima ou de seu representante legal, autorizando o delegado de polícia a investigar o crime e o membro do Ministério Público a ingressar com a ação penal respectiva.

A requisição do Ministro da Justiça é o ato político e discricionário pelo qual o Ministro da Justiça autoriza o representante do Ministério Público a propor a ação penal pública nas hipóteses legais.

12.2. Inícios do Inquérito nos crimes de Ação Pública Incondicionada

Consoante se infere dos incisos I e II e dos §§ 1º e 2º, do art. 5º, do CPP, o inquérito policial nos crimes de ação pública incondicionada se iniciam das seguintes formas:

●de ofício (iniciativa da própria autoridade policial) por auto de prisão em flagrante, portaria e despacho do delegado de polícia;

●por requisição do juiz ou representante do Ministério Público; e

●pela delatio criminis (requerimento da vítima ou de qualquer outra pessoa).

Art. 5º.

Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado:

I – de ofício;

II – mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.

§ 1º. O requerimento a que se refere o nº II conterá sempre que possível:

a) a narração do fato, com todas as circunstâncias;

b) a individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração, ou os motivos de impossibilidade de o fazer;

c) a nomeação das testemunhas, com indicação de sua profissão e residência.

§ 2º. Do despacho que indeferir o requerimento de abertura de inquérito caberá recurso para o chefe de Polícia.

12.2.1.Início de ofício, mediante auto de prisão em flagrante, portaria ou por despacho do delegado de polícia

Tendo em vista o princípio da obrigatoriedade e da oficialidade, previsto no inciso I, do art. 5º, do CPP, o inquérito policial deve ser instaurado a partir do momento em que a autoridade policial tomou conhecimento do fato criminoso.

A portaria da autoridade policial deverá descrever, na medida do possível, as circunstâncias e os dados conhecidos do crime e de seu autor.

Além disso, a peça inicial do inquérito policial deverá enquadrar a conduta do agente ao tipo penal.

Tais informações são os parâmetros da investigação criminal, que pretende responder as seguintes indagações:

●Qual o crime?

●Quando ocorreu?

●Onde ocorreu?

●Como foi praticado?

●Por quê?

●Quem é a vítima?

●Quem é o autor do Crime?

12.2.2.Início por requisição do Juiz ou do representante do Ministério Público

Conforme determina os arts. 5º e 40, do CPP e inciso VIII, do art. 129, da CF.

Código de Processo Penal

Art. 5º.

(...) II – mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.

Art. 40. Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia.

Constituição Federal

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: (...) VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;

O inquérito policial, nestes casos, somente se inicia com o despacho da autoridade, declarando a sua instauração.

Isto significa que a requisição do juiz ou do representante do Ministério Público não tem o poder de desencadear o inquérito, que depende da decisão do dirigente da Polícia Judiciária.

É importante esclarecer que a doutrina tradicional, de forma equivocada, sempre ensinou que autoridade policial não pode se recusar a instaurar o inquérito, pois a requisição tem natureza de determinação, de ordem, muito embora inexista subordinação hierárquica.

Com o devido respeito, esse entendimento jurídico está superado, uma vez que o delegado de polícia não pode ser transformado em um ser autômato, que obedece cegamente a ordem do juiz ou promotor de justiça, sem questionar e analisar o teor da determinação.

Com fundamento nesta nova orientação doutrinária, a autoridade policial, em casos excepcionais, poderá deixar de instaurar inquérito policial, requisitado pelo magistrado ou membro do Parquet, dentre outras hipóteses, quando o fato noticiado não constituir crime.

Ressalte-se, entretanto, que o desconhecimento das circunstâncias do crime e da sua autoria não pode ser alegado pela autoridade policial, para deixar de atender a requisição de instauração do inquérito.

De outra parte, o delegado de polícia deverá adotar as providências necessárias para evitar que o representante do Ministério Público, ao requisitar a instauração de inquérito policial, assuma indiretamente a presidência do feito, determinando as diligências e estabelecendo regras como a autoridade policial deve apurar o delito.

12.2.3.Início pela delatiocriminis, quando a comunicação de um crime é feita pela vítima ou qualquer um do povo

Na hipótese de a autoridade policial indeferir o pedido de instauração de inquérito formulado pela vítima ou por qualquer outra pessoa, caberá recurso ao Chefe de Polícia, nos termos do § 2º, do art. 5º, do CPP.

Art. 5º.

(...) § 2º. Do despacho que indeferir o requerimento de abertura de inquérito caberá recurso para o chefe de Polícia.

A doutrina entende que tal recurso poderá ser encaminhado ao superior imediato, Delegado de Polícia que detém a chefia da Polícia Judiciária (no Estado de São Paulo o cargo é denominado Delegado Geral de Polícia e nos outros Estados da Federação o cargo é chamado de Chefe de Polícia) ou ao superior hierárquico mediato, Secretário responsável pela Pasta da Segurança Pública.

A delatio criminis é mera faculdade atribuída a qualquer um do povo no sentido de auxiliar a atividade repressiva exercida pela Polícia Judiciária.

Entretanto, há algumas pessoas que, em razão do seu cargo ou da sua função, estão obrigadas a notificar no desempenho de suas atividades.

Entre estes casos, se destacam:

●Incisos I e II, do art. 66, da Lei das Contravenções Penais.

Omissão de comunicação de crime

Art. 66. Deixar de comunicar à autoridade competente:

I – crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício de função pública, desde que a ação penal não dependa de representação;

Il – crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício da medicina ou de outra profissão sanitária, desde que a ação penal não dependa de representação e a comunicação não exponha o cliente a procedimento criminal:

Pena – multa.

●Art. 45, da Lei nº 6.538/1978 (Lei que dispõe sobre os serviços postais)

Art. 45.

A autoridade administrativa, a partir da data em que tiver ciência da prática de crime relacionado com o serviço postal ou com o serviço de telegrama, é obrigada a representar, no prazo de 10 (dez) dias, ao Ministério Público Federal contra o autor ou autores do ilícito penal, sob pena de responsabilidade.

12.3. Início do Inquérito nos crimes de ação pública condicionada

O inquérito policial nos crimes de ação pública condicionada se inicia:

●por representação do ofendido ou de seu representante legal.

A representação é simples manifestação de vontade da vítima ou de seu representante legal.

A doutrina não exige que tal documento se revista de maiores formalidades, basta que o ofendido autorize expressamente a Polícia Judiciária instaurar inquérito policial, para apuração do delito.

●por requisição do Ministro da Justiça.

Tal documento deve ser encaminhado ao chefe do Ministério Público, que requisitará diligências à Polícia Judiciária, no sentido de elucidar as circunstâncias e a autoria do delito.

O inquérito policial nos crimes de ação pública condicionada à representação também pode começar mediante auto de prisão em flagrante. Neste caso, a vítima deverá ratificar o flagrante até a entrega da nota de culpa, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas.

12.4. Início do Inquérito nos crimes de ação privada

O inquérito policial nos crimes de ação privada se inicia com a apresentação do requerimento do ofendido, de seu representante legal ou sucessores, conforme estabelecem o § 5º, do art. 5º e os arts. 30 e 31, do CPP.

Art. 5º.

(...) § 5º. Nos crimes de ação privada, a autoridade policial somente poderá proceder a inquérito a requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la.

Art. 30. Ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representá-lo caberá intentar a ação privada.

Art. 31. No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.

Vale lembrar que o art. 35, do CPP, que estabelecia que a mulher casada não podia exercer o direito de queixa sem consentimento da marido, salvo quando estivesse dele separada ou quando a queixa fosse contra ele, foi revogado pela Lei nº 9.520/1997, uma vez que o mencionado dispositivo contrariava o § 5º, do art. 226, da Constituição Federal.

O § 5º, do art. 226, da Carta Magna, dispõe que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

De outra parte, o inquérito policial nos crimes de ação privada, após o relatório final, será encaminhado ao juízo competente ou será entregue ao requerente, nos termos do art. 19, do CPP.

Art. 19.

Nos crimes em que não couber ação pública, os autos do inquérito serão remetidos ao juízo competente, onde aguardarão a iniciativa do ofendido ou de seu representante legal, ou serão entregues ao requerente, se o pedir, mediante traslado.

O inquérito policial nos crimes de ação privada também pode começar por intermédio de prisão em flagrante, nesta hipótese o ofendido deverá ratificar o flagrante até a entrega da nota de culpa, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas.

Em suma, as peças inaugurais sobre as quais a autoridade policial determina a instauração de inquérito policial são:

●Portaria;

●Requisição Judicial ou Ministerial;

●Representação da vítima de crime de ação pública condicionada;

●Requerimento da vítima de crime de ação privada;

●Auto de Prisão em Flagrante;

●Auto de Resistência; e

●Auto de Apresentação espontânea.

Sobre o autor
Mário Leite de Barros Filho

Delegado de Polícia, de Classe Especial, do Estado de São Paulo. Professor da Academia de Polícia de São Paulo. Professor universitário, tutor do Ensino a Distância, da Secretaria Nacional de Segurança Pública – SENASP. Autor de quatro obras na área do Direito Administrativo Disciplinar e da Polícia Judiciária.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS FILHO, Mário Leite. Inquérito policial sob a óptica do Delegado de Polícia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2726, 18 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18062. Acesso em: 23 nov. 2024.

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