CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pensão militar conta com certas especificidades que a distinguem dos outros modelos previdenciários. Devido à complexa legislação aplicável ao caso, certos institutos, como a ordem de deferimento – no caso de concorrência entre mãe e filha maior de 21 anos e capaz – geram patente divergência na jurisprudência, ressaltando ainda que a doutrina aplicável à espécie é escassa.
A exegese necessária à correta aplicação dos dispositivos deve não apenas levar em conta a promulgação da Constituição de 1988, mas considerar toda a evolução histórica da arquitetura familiar brasileira, bem como as mudanças legislativas que levaram à alteração das regras da ordem de vocação, bem como a extinção do benefício para as filhas dos atuais militares e a manutenção às filhas daqueles que optaram pelo benefício da regra de transição estabelecida pelo Estado.
Em que pese o princípio da igualdade entre os sexos, defende-se no presente estudo a constitucionalidade do benefício às filhas maiores e capazes dos militares, por tratar-se de ação afirmativa implantada pelo Estado de modo a suprir uma hipossuficiência histórica. Uma vez implantado, passa o benefício a ter caráter de direito social, não podendo, assim, sofrer uma supressão abrupta por violar o pricípio da vedação ao retrocesso social.
A regra de transição para aqueles que desejavam manter o direito subjetivo de pensionar suas filhas maiores, baseia-se no mais importante princípio constitucional: o da dignidade da pessoa humana. O aludido princípio deve estar presente nas relações familiares e na tutela estatal de tais relações, primando pela solidariedade e atenção integral a cada membro da nova Família Constitucional.
A legislação aplicável hoje ao caso consiste na Lei 3.765/60 e MP 2.215-10/01. Além destas, é pertinente a análise da Lei 10.486/02, por versar sobre a pensão dos militares do DF e por conter regra de transição que remete à mesma Lei de 1960 aplicada aos militares das forças armadas.
O cerne do presente estudo reside na concorrência na habilitação entre a viúva (companheira, ex-cônjuge ou ex-companheira) e a filha maior do casal. O art. 9º, §3º da Lei 3.765/60 diz neste caso que havendo filhos do casal, 50% da pensão cabe aos filhos, rateados em partes iguais, e 50% da pensão cabe a viúva, adicionando-se à metade desta a cota de seus respectivos filhos. Observa-se neste caso que os filhos de outro leito terão tratamento privilegiado, pois receberão desde o início suas cotas-partes, ferindo o disposto no art. 227, §6º da Constituição, que veda o tratamento discriminatório aos filhos. Mais ainda, não se pode conceber que a filha maior e capaz – na plena administração de seu patrimônio - tenha seu benefício administrado pela matriarca, sob pena de criar divergências irreparáveis no lar e sujeitar a filha do militar à condição degradante e incondizente com a dignidade da pessoa humana.
Propõe-se neste trabalho a concessão, desde a morte do instituidor, da cota-parte de 50% às filhas maiores e capazes dos militares que contribuíram com 1,5% de seus soldos para manter o benefício. Este é o sentido teleológico da norma, bem como constitui direito subjetivo do militar que optou por garantir a pensão à sua filha.
Tal posição encontra amparo em decisão do STJ, pareceres do TCU, bem como é a solução adotada pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal com relação às filhas dos militares do DF, regidas pela mesma Lei que as filhas dos militares das forças armadas.
Quando existir concorrência entre a filha maior do militar e a ex-cônjuge pensionda - ainda que na condição de genitora daquela - deve ser mantido o percentual de pensionamento fixado no juízo de família, deferindo-se o restante do benefício à filha maior, desde a morte do instituidor, não devendo haver incorporação da cota-parte, como demonstrado.
Conforme exposto no presente estudo, a Pensão Militar não se constitui propriamente de um sistema de repartição, em que um universo de contribuintes sustenta um universo de beneficiários. Tal posicionamento é extemporâneo à instituição da pensão militar, e gera decisões equivocadas e danosas, quando utilizado o Regime Geral de Previdência como paradigma.
Cálculos demonstram que uma contribuição anual de 6% sobre os vencimentos dos militares constituem um fundo que supre a despesa com o pagamento da pensão do militar por toda a vida de seu cônjuge e de seus filhos e, se considerarmos o desconto de 9,0% sobre a remuneração bruta (7,5% do desconto para pensão militar + 1,5% do desconto facultativo para manter o benefício às filhas maiores), o procedimento em vigor a partir de dezembro de 2000 suportaria por tempo indeterminado o pagamento da pensão aos dependentes do militar.
Cálculos realizados durante os anos de 2001 e 2002, logo após a instituição da regra de transição da MP 2.215-10/01, mostram que esse sistema será superavitário até 2036, quando ocorrerá gradativamente sua extinção, em decorrência da população de beneficiários atingir o limite previsível de sobrevida.
Desta forma, há argumentos sólidos que favorecem o entendimento de que as filhas maiores e capazes tem pleno direito à percepção da pensão vitalícia instituída pelos militares, bem como à habilitação desde a morte do militar, momento em que devem passar a receber suas cotas-partes, mesmo quando em concorrência com suas genitoras, dando-se a correta interpretação ao artigo 9º, §3º da Lei 3.765/60.
REFERÊNCIAS
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Notas
- ARAUJO, Luiz Alberto; NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional, p. 93.
- Eduardo Frigoletto de Menezes. A participação da mulher no mercado de trabalho no Brasil. Disponível em: <http://www.frigoletto.com.br/GeoPop/mulher.htm>.
- Decisões do STF trataram do tema da proibição de retrocesso social, como as ADIs nºs 3.105-8-DF, 3.128-7-DF e ADI nº 3.104-DF, o MS nº 24.875-1-DF. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul também já analisou o tema na Apelação Cível nº 70004480182, que foi objeto do RE nº 617757 para o STJ. A matéria mereceu análise também pela 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária do Mato Grosso do Sul – Processo nº 2003.60.84.002458-7 dentre outros julgados que analisam a questão abordada.
"2. A pensão concedida a filha maior de militar depende da comprovação específica prevista no art. 31 da Medida Provisória n.2.131/2000 e edições."