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O art. 22, parágrafo único, 2ª parte, da Lei nº 7.492/86:

manter depósitos não declarados no exterior

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Agenda 30/12/2010 às 15:39

Não é ilícita, por si só, a manutenção de depósitos no estrangeiro, desde que adequadamente declarados. O valor do depósito deve ser relevante em termos cambiais, para que haja efetiva ofensa ao bem jurídico tutelado.

I – Considerações Gerais

Na 2ª parte do parágrafo único do art. 22 da Lei nº 7.492/86, o legislador pune o ato de quem mantiver (conservar, sustentar) depósitos no exterior não declarados à repartição federal competente, leia-se o Banco Central do Brasil, e não a Secretaria da Receita Federal, mesmo porque a não declaração de valores ao Fisco é tratada na Lei nº 8.137/90.

Adverte-se que não é proibida a saída de divisas do Brasil, ou mesmo a poupança de brasileiros no exterior, muito pelo contrário, pois em economias abertas convém que a entrada e a saída do capital seja livre [01]. Logo, não é ilícita, por si só, a manutenção de depósitos no Estrangeiro, desde que adequadamente declarados.

O valor do depósito deve ser relevante em termos cambiais, para que haja efetiva ofensa ao bem jurídico tutelado. Como adiante se verá, atualmente, a exigência de declaração alcança somente valores que superem o equivalente a US$ 100.000,00 (cem mil dólares norte-americanos) e o eventual aumento do limite para declaração não suprime a ilicitude da conduta relativa ao depósito mantido ilegalmente no ano anterior [02].

O delito configura uma evasão imprópria, haja vista que não se trata de saída do País ou remessa de divisas para o exterior, mas somente a conservação de depósitos, que inclusive podem ter origem no próprio exterior [03].


II - Bem Jurídico Imediato

O objeto jurídico específico é a boa formação da política cambial brasileira [04], dado que o controle exercido pelo BACEN sobre depósitos no exterior tem o objetivo de mapear o quadro dos capitais brasileiros no exterior e conhecer a composição do passivo externo líquido do País [05].

A norma penal tutela, assim, o equilíbrio e o controle das reservas cambiais, representadas pelo estoque em moedas estrangeiras conversíveis, oficialmente em mãos de residentes no Brasil, bem como em títulos conversíveis nessas moedas [06].

Entrementes, há quem sustente a predominância da proteção à ordem tributária, eis que os registros oficiais têm por objeto a cobrança de tributos eventualmente aplicáveis, sem prejuízo dos reflexos cambiais da conduta. A tutela também dirige-se ao Erário, já que a saída de moeda ou a manutenção de depósitos não declarados acabam por lesá-lo, além de atingir a política econômico-financeira do país [07].


III - Objeto Material

O objeto material da conduta delituosa são os depósitos mantidos no exterior, clandestinamente, em moeda ou divisa, a qualquer título [08].


IV - Elementos Objetivos do Tipo

Embora a lei não estipule um período mínimo, a conduta de manter (conservar, sustentar, prover) conta não declarada no exterior pressupõe habitualidade. Assim, o comportamento ocasional não configura crime [09].

Se o agente após promover a saída da divisa para o exterior lá a mantém em depósito não declarado haverá dois ilícitos, em concurso material, por força das diferentes objetividades jurídicas [10].

Até o ano de 2001, a doutrina, de um modo geral, apontava que a declaração mencionada pelo dispositivo legal era aquela destinada à Receita Federal [11]. Com a edição da Circular nº 3.071/01, a repartição federal competente para receber as declarações passou a ser o BACEN.

Atualmente, uma declaração prestada perante o Fisco não poderia suprir a exigência legalmente estabelecida em relação a um crime contra o sistema financeiro nacional, seja porque administrativamente não é una, seja porque o BACEN e a Receita Federal não compartilham das mesmas informações [12].

JOSÉ CARLOS TÓRTIMA [13] continua sustentando que a repartição federal competente destinatária da declaração de depósitos no exterior não é o BACEN, a despeito da existência de previsão legal (art. 1º do Decreto-lei nº 1.060/69). Alega que o Banco Central, ao contrário da Receita Federal, não é repartição pública, e sim autarquia federal, e que, como em Direito Penal prevalece o Princípio da Taxatividade, não pode o intérprete ampliar o sentido da expressão "repartição federal", para que abranja outras hipóteses não compreendidas pelo seu sentido literal e expresso.

De outro lado, CEZAR BITENCOURT entende que o fato de constar da declaração anual à Receita Federal não substitui a obrigação devida ao Banco Central. Contudo, segundo ele, havendo inclusão dos depósitos mantidos no exterior na declaração destinada à Receita Federal, não pode configurar o crime de evasão de divisas, limitando-se a um ilícito administrativo-financeiro por ausência de ofensa ao bem jurídico tutelado [14].

Esse autor consigna, ainda, que a falta de declaração de bens que não sejam moedas ou divisas (depósitos), v. g. imóveis, automóveis, etc., não caracteriza o delito [15], muito embora observemos que a Declaração de Disponibilidades no Exterior prestada ao BACEN também inclua imóveis e "outros bens" [16].

Prepondera na jurisprudência que é defeso falar em atipicidade da conduta de manutenção de depósitos não-declarados no exterior acima de R$ 10.000,00 (artigo 65, § 1º, incisos I e II, da Lei nº 9.069/95) antes do advento da Circular nº 3.071/2001 do Banco Central. Dessarte, entende-se que o tipo penal disposto no parágrafo único, segunda parte, do artigo 22 não era norma penal em branco até 2001, porquanto dispensava qualquer complementação por outro texto legal [17].


V - Elemento Subjetivo do Tipo

O elemento subjetivo é o dolo genérico, constituído pela vontade livre e consciente de manter depósito no exterior, de moeda ou divisa, não declarado à repartição federal competente [18]. Não se exige nenhum fim específico e a forma culposa não é admitida [19].


VI - Momento Consumativo

A doutrina divide-se quanto ao momento consumativo do crime de evasão de divisas na modalidade de manter depósitos no exterior.

Existe posicionamento no sentido de que a consumação ocorre de modo permanente, enquanto os depósitos forem mantidos. O sujeito ativo poderia fazer cessar a consumação em qualquer momento. Assim, um único depósito isolado mantido por um curto período de tempo não configuraria o crime [20].

Alguns sustentam que a consumação ocorre no momento em que se esgota o prazo fixado pelo BACEN (repartição federal competente) para o contribuinte fazer a declaração anual de seus depósitos mantidos no exterior, nos termos da legislação atual [21].

Enfim, outros creem que o delito consuma-se quando o agente efetua o depósito e não o declara à repartição competente [22].

A forma tentada é inadmissível [23], dada a natureza unissubsistente do delito.

A competência se dará pelo local do domicílio fiscal do infrator [24], conforme reiterados precedentes do STJ.


VII - Classificações

Trata-se de crime comum, formal, permanente e habitual [25], de modo que sua reiteração sequencial, com o sucessivo descumprimento da exigência de declaração, não caracteriza pluralidade de delitos, mas um crime único [26].


VIII - A Regulamentação Brasileira da Declaração de Disponibilidades no Exterior

Até o início dos anos 90 o acesso da população brasileira à aquisição de moeda estrangeira era bastante restrito, circunstância que acabou alimentando o desenvolvimento do mercado paralelo de câmbio [27]. Como regra, toda transação cambial deve ocorrer em moeda nacional e sob a supervisão do BACEN. Do mesmo modo, não é possível o envio de moeda estrangeira em espécie do Brasil para o Exterior [28]. Toda operação de câmbio deve ser registrada no SISBACEN, exigência que objetiva controlar os fluxos de entrada e saída de moeda nacional ou estrangeira no/do Brasil, prevenindo o ingresso e a evasão ilegal de divisas [29].

Uma das diretrizes básicas da política cambial brasileira é a de que, ainda que a poupança de brasileiro no exterior seja perfeitamente permitida, há uma expectativa cambial de que tais valores, em algum momento, irão retornar ao Brasil.

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Esse dever de informação das disponibilidades mantidas por brasileiros no exterior existe no ordenamento jurídico pátrio desde 1969, consoante o disposto no artigo 1º do Decreto-lei nº 1.060 [30], de 21 de outubro daquele ano. A competência originária do BACEN foi, no entanto, derrogada através da Resolução nº 139, de 18 de fevereiro de 1970, na qual o próprio órgão delegou tal atribuição ao Ministério da Fazenda [31]. Por sua vez, o Ministério da Fazenda, por intermédio da Secretaria da Receita Federal, expediu o Ato Declaratório Normativo nº 7, de 31 de julho de 1981, no qual determinou que a obrigação prevista no Decreto nº 1.060/69 estaria suprida pela declaração anual de imposto de renda [32].

A resolução nº 2.337/96 do Conselho Monetário Nacional estabeleceu (art. 1º) que estariam sujeitos a registro no Banco Central do Brasil, independentemente do tipo, meio e forma utilizados nas operações, os investimentos brasileiros no exterior e os empréstimos e financiamentos concedidos a residentes no exterior, por residentes no País, em moeda nacional ou estrangeira, ou sob a forma de bens e serviços (inciso III).

Essa situação perdurou até a revogação da Resolução 139/70 pelo artigo 8º da Circular nº 2.911, de 29 de novembro de 2001, a qual dava autorização ao BACEN para ao fixar os limites e as condições da declaração de capitais brasileiros fora do território nacional. Logo após, em 7 de dezembro de 2001, foi editada a conhecida Circular nº 3.071 do Banco Central do Brasil, cujo artigo 4º dispensou declaração de valores inferiores a dez mil reais que estivessem depositados no exterior no dia 31 de dezembro. Portanto, até o advento desta Circular, havia discussão quanto à autoridade destinatária da declaração (Receita Federal ou Banco Central). Como observa Ricardo Pieri Nunes,

[...] o Conselho Monetário Nacional, órgão do Ministério da Fazenda, através da Resolução 1.552/98, criara o Segmento de Câmbio de Taxas Flutuantes, trazendo fundas modificações no regime de câmbio fixo até então em vigor, flexibilizando-o para deixá-lo com a seguinte feição: a) a taxa de câmbio passaria a variar conforme a oferta e demanda pelas moedas, sem intervenção do Banco Central, com operações registradas diariamente no Sistema de Informações do Banco Central, todas realizadas por instituições credenciadas; b) necessidade de identificação do residente no Brasil quando comprasse moeda estrangeira, dispensada a identificação do vendedor, fosse ele brasileiro ou estrangeiro. [...] Nos anos subseqüentes à criação do novo segmento, o Banco Central viu-se sensivelmente aliviado em sua posição de caixa, agora oxigenada pelos dólares que antes circulavam pelo black e por uma política que soube dar, com maior freqüência, respostas práticas corretas aos movimentos de mercado, de forma a escancarar que o caminho para equacionar a crise cambial que se desenhava nos anos antes residia na adoção de providências administrativas de controle, mesmo que estas, como foi o caso do câmbio flutuante, facilitassem a saída de moeda do país, em rota de colisão com a ratio da repressão penal, ‘numa aparente contradição e condição sine qua non para estimular o ingresso e manutenção de capitais’ [33].

A partir de 2001, o BACEN deu início ao processo de identificação das disponibilidades de brasileiros no exterior, conforme já previa o art. 1º do Decreto-lei nº 1.060/69. O órgão passou a editar anualmente circulares, estabelecendo prazos e limites para que os brasileiros, pessoas físicas ou jurídicas, detentores de disponibilidades no exterior, tivessem que declarar valores acima de um determinado patamar. A partir de então, o BACEN editou as circulares de números 3.071/01, 3.181/03, 3.225/04, 3.278/05, 3.313/06, 3.345/07, 3.384/08, 3.442/09 e 3.496/10, regulamentando a declaração dos capitais brasileiros no exterior (CBE).

Na resolução nº 2.911/01, o Banco Central do Brasil passou a fixar a forma, os limites e as condições da declaração, inclusive suas atualizações, de bens e valores detidos fora do território nacional por pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no País, assim conceituadas na legislação tributária. Em seu art. 2º, a normativa fixou uma série de penalidades administrativas para o não cumprimento dessas disposições.

A medida provisória nº 2.224/01, determinou (art. 1º) que o não fornecimento das informações regulamentares exigidas pelo Banco Central do Brasil relativas a capitais brasileiros no exterior, bem como a prestação de informações falsas, incompletas, incorretas ou fora dos prazos e das condições previstas na regulamentação em vigor constituem infrações sujeitas à multa de até R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais). Ampliou (parágrafo único do art. 1º) o conceito de capitais brasileiros no exterior para valores de qualquer natureza, os ativos em moeda e os bens e direitos detidos fora do território nacional por pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no País, assim conceituadas na legislação tributária [34].

Em 07/12/2001, a circular nº 3.071 estabeleceu (art. 1º) que as pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no País, assim conceituadas na legislação tributária, passariam a informar, anualmente, ao Banco Central do Brasil, os valores de qualquer natureza, os ativos em moeda e os bens e direitos detidos fora do território nacional, por meio de declaração eletrônica disponibilizada na página do Banco Central do Brasil na Internet.

Especificou (art. 2º) que a declaração compreenderia informações relacionadas a depósitos no exterior, empréstimos em moeda; financiamentos; leasing e arrendamentos financeiros; investimentos diretos; investimentos em portfólio; aplicações em derivativos financeiros; e outros investimentos, incluindo imóveis e outros bens.

A mesma normativa determinou (art. 7º) que os responsáveis pela prestação das informações deveriam manter pelo prazo de cinco anos, contados a partir da data-base, toda documentação comprobatória das informações prestadas, para apresentação ao Banco Central do Brasil, quando solicitada.

Observa-se que, inicialmente, o piso fixado para dispensa da obrigatoriedade de declaração de ativos no exterior foi de R$ 10.000,00 (dez mil reais) ou seu equivalente em moeda estrangeira, até 31/12/2001, conforme o art. 4º da circular nº 3.071/01. A declaração deveria ser prestada no período de 02/01/2001 a 31/03/2002. Em 06/03/2002, a circular nº 3.095 ampliou o prazo de entrega para 15/05/2002.

Ocorre que, em 15/04/2002, a circular nº 3.110 modificou as redações dos arts. 3º e 4º da circular 3.071, prevendo a possibilidade de as informações serem prestadas no período compreendido entre 02/01/2002 e 31/05/2002, sendo a dispensa referente a valores detidos no exterior até 31/12/2002 fixada no teto de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) [35].

Note-se que o valor foi consideravelmente aumentado, porém o período para a declaração foi estendido em dois meses. Em realidade, o parâmetro de R$ 10.000,00 (dez mil reais) foi utilizado para declarações entre 02/01/2001 (início das declarações pela circular nº 3.071) e 15/04/2002, por 3 meses e 13 dias, quando passou a R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), referência que perdurou por 1 mês e 15 dias, entre 16/04/2002 e 31/05/2002, para a declaração da data-base 31/12/2001.

Na prática, tal determinação reduziu consideravelmente o número de declarações, tanto é que, no primeiro levantamento dos Capitais Brasileiros no Exterior (CBE), efetuado pelo Banco Central do Brasil em 2001, o número de declarantes foi de apenas 11.659 [36] pessoas físicas ou jurídicas residentes e domiciliadas no Brasil.

Em 2003, a declaração referente ao ano-base 2002 foi regulada pela circular nº 3.181, que elevou o patamar mínimo para detenção de ativos (até o prazo de 31/12/2002) para R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) e também estabeleceu as datas a partir das quais passaria a ser considerada não fornecida a declaração, para fins de aplicação das sanções da resolução nº 2.911/01: 10/03/2003 para a declaração relativa ao ano de 2001, e 01/08/2003 para declaração relativa a 2002. Nesse contexto, o número de declarantes (pessoas físicas ou jurídicas) reduziu-se para 10.164 [37].

Todavia, a circular nº 3.225/04 assentou que os detentores de ativos, cujos valores somados, em 31/12/2003, totalizassem montante inferior a US$ 100.000,00 (cem mil dólares norte-americanos) ou seu equivalente em outras moedas [38], estariam dispensados de prestar a declaração de disponibilidades no exterior. Essa circular fixou o período de entrega entre 10/03/2004 e 31/05/2004 e passou a reputar não-fornecida a declaração a partir de 01/08/2004, para fins de aplicação da multa, até então ainda prevista apenas no inciso III do art. 2º da resolução 2.911/01.

A partir de então, todas as resoluções editadas até o momento mantêm essa orientação no que tange ao teto para não declaração, considerando o dia 31 de dezembro de cada ano e variando apenas o período de entrega.

Em 28/02/2008, por meio da resolução nº 3.540, o Conselho Monetário Nacional (CMN) expressamente delimitou que as declarações e suas retificações fossem realizadas de forma eletrônica ao BACEN nas datas-bases de 31 de dezembro de cada ano. Estabeleceu, ainda (art. 8º), que o não cumprimento de suas disposições sujeitaria as pessoas físicas e jurídicas às seguintes multas:

[...] I - prestação incorreta ou incompleta de informações no prazo regulamentar, por ocorrência ou evento individualmente verificado, sendo o valor cobrado em dobro quando a correção ou a complementação dos dados não forem executados no prazo indicado pelo Banco Central do Brasil: 10% (dez por cento) do valor previsto no art. 1º da Medida Provisória 2.224, de 2001, ou 1% (um por cento) do valor a que se relaciona a incorreção, o que for menor;

II - fornecimento de informação fora do prazo e das condições previstas na regulamentação: 20% (vinte por cento) do valor previsto no art. 1º da Medida Provisória 2.224, de 2001, ou 2% (dois por cento) do valor da informação, o que for menor;

III - não-fornecimento de informação: 50% (cinqüenta por cento) do valor previsto no art. 1º da Medida Provisória 2.224, de 2001, ou 5% (cinco por cento) do valor da informação que deveria ter sido prestada, o que for menor;

IV - prestação de informação falsa ao Banco Central do Brasil: 100% (cem por cento) do valor previsto no art. 1º da Medida Provisória 2.224, de 2001, ou 10% (dez por cento) do valor da informação que deveria ter sido prestada, o que for menor. [...] [39].

No artigo 9º, esclareceu também que o atendimento às suas disposições não elidia outras responsabilidades que pudessem ser imputadas ao responsável pela prestação de informações sobre capitais brasileiros no exterior, conforme legislação e regulamentação em vigor, em função de apurações que, a qualquer tempo, viessem a ser efetuadas pelo Banco Central do Brasil ou por outros órgãos e entidades da administração pública.

Essa resolução veio a ser revogada em 27/05/2010 pela resolução CMN nº 3.854/10, que manteve a isenção no patamar mínimo de US$ 100.000,00 (cem mil dólares norte-americanos) ou seu equivalente em outras moedas, bem como as penalidades administrativas relativas ao descumprimento das normas referentes à declaração, porém com redução das multas nas seguintes situações (art. 8º, §1º):

[...] I - atraso de 1 a 30 dias na prestação da declaração, hipótese em que corresponderá a 10% (dez por cento) do valor previsto;

II - atraso de 31 a 60 dias na prestação da declaração, hipótese em que corresponderá a 50% (cinquenta por cento) do valor previsto; [...] [40].

O art. 10 da nova resolução do Conselho Monetário Nacional dispõe que suas penalidades serão aplicadas sem prejuízo de outras previstas na legislação em vigor, o que claramente remete à esfera criminal, mais especificamente ao delito do art. 22, parágrafo único, 2ª parte, da Lei nº 7.492/86 (manter no exterior depósitos não declarados à repartição federal competente).

A grande inovação introduzida pela resolução CMN nº 3.854/10 é a obrigatoriedade de declaração trimestral, nas datas-bases de 31 de março, 30 de junho e 30 de setembro de cada ano, de bens e valores do declarante no exterior que totalizem nessas datas quantia igual ou superior a US$100.000.000,00 (cem milhões de dólares norte-americanos) [41] ou seu equivalente em outras moedas, sem prejuízo das declarações anuais, em 31 de dezembro de cada ano (art. 2º, §1º). As novas declarações passarão a ser obrigatórias a partir de 31 de março de 2011 (art. 6º).

Interessante observar a disposição do parágrafo 4º do art. 2º, que determina que, caso os bens e valores sejam mantidos em conta conjunta de depósitos ou, por qualquer outra forma, pertençam em condomínio a duas ou mais pessoas físicas ou jurídicas, os limites das declarações (tanto a anual, quanto as trimestrais) deverão ser apurados em vista do valor integral dos ativos detidos nessas situações, independentemente da quantidade de titulares da conta ou de condôminos, considerando-se cada um deles responsável pela respectiva declaração.

ANDREI SCHMIDT afirma que o objetivo dessas normativas é evidente: "não há qualquer interesse político-econômico na manutenção de ativos por brasileiros no exterior, devendo, a política cambial, estabelecer diretrizes para que tais valores, mais cedo ou mais tarde, retornem ao nosso país" [42].

Somente com a estabilização monetária e com a inflexão da política cambial, adotada no final dos anos noventa, é que o Banco Central passou a dispensar informações sobre depósitos mantidos no exterior a partir de determinados valores, que foram sendo sucessivamente alterados.Conveniente, portanto, analisar as substanciais variações dos valores fixados pelo Banco Central para isenção das declarações, até o momento.

Tais alterações demonstram, ainda, o caráter excepcional dessas circulares que integram a norma penal em branco da segunda modalidade delitiva do parágrafo único do artigo 22 da Lei nº 7.492/86 [43].

Assim sendo, a complementação da lei penal em branco disposta no artigo 22, parágrafo único, in fine, da Lei dos Crimes do Colarinho Branco pelas referidas circulares do Banco Central não enseja a atipicidade dos fatos delituosos que antecederam cada uma dessas normas administrativas. Não se trata, pois, de retroatividade, mas sim de ultratividade da norma excepcional, cuja consequência é a punição do agente pelos fatos ocorridos durante a vigência desta espécie normativa, a teor do artigo 3º do Código Penal [44].

Assim, não é possível retroagir a lei mais favorável quando os fatos ocorreram sob a égide das sucessivas normativas editadas pelo Banco Central que alteraram as importâncias isentas de declaração. Com mais razão, não se poderá cogitar de retroatividade dos limites estabelecidos nessas Circulares para os fatos anteriores ao ano de 2001, quando todo e qualquer valor deveria ser declarado à Receita Federal (declarações de ajuste anual) [45].

Conforme sistematizado na Tabela 1 abaixo, percebe-se que, mesmo antes da adoção do dólar como referencial, os valores fixados pelo BACEN já se orientavam de acordo com a moeda estrangeira, resultado de uma política cambial mista – taxas de livre flutuação sujeitas a intervenções [46]–, no intuito de superar uma grande volatilidade e os sobressaltos daí decorrentes para o mercado como um todo.

Tabela 1 - Regulamento da Declaração de Capitais Brasileiros no Exterior (CBE)

Norma regulamentadora:

Data-base:

Período de declaração:

Valor de Isenção:

Conversão [47]:

Cotação [48]:

Art. 65 da Lei nº 9.069/95

Até 31/12/2000

Junto com a declaração de IRPF ou IRPJ.

Até R$ 10.000,00.

1,9546

Circular BCB nº 3.071/01

31/12/2001

02/01/2002 a 15/03/2002

Inferior a R$ 10.000,00

2,3196

Circular BCB nº 3.071/01 [49]

31/12/2001

16/04/2002 a 31/05/2002

Inferior a R$ 200.000,00

 

2,3196

Circular BCB nº 3.181/03

31/12/2002

10/03/2003 a 31/05/2003

Inferior a R$ 300.000,00

 

3,5325

Circular BCB nº 3.225/04

31/12/2003

10/03/2004 a 31/05/2004

Inferior a US$ 100.000,00

R$ 288.840,00

2,8884

Circular BCB nº 3.278/05

31/12/2004

10/03/2005 a 31/05/2005

Inferior a US$ 100.000,00

R$ 265.360,00

2,6536

Circular BCB nº 3.313/06

31/12/2005

13/03/2006 a 31/05/2006

Inferior a US$ 100.000,00

R$ 233.990,00

2,3399

Circular BCB nº 3.345/07

31/12/2006

19/03/2007 a 31/05/2007

Inferior a US$ 100.000,00

R$ 213.720,00

2,1372

Circular BCB nº 3.384/08

31/12/2007

09/06/2008 a 31/07/2008

Inferior a US$ 100.000,00

R$ 177.050,00

1,7705

Circular BCB nº 3.442/09

31/12/2008

30/03/2009 a 29/05/2009

Inferior a US$ 100.000,00

R$ 233.620,00

2,3362

Circular BCB nº 3.496/10

31/12/2009

07/06/2010 a 30/07/2010

Inferior a US$ 100.000,00

R$ 174.040,00

1,7404

Fonte:

MASI, Carlo Velho. 2010. 425f. Monografia (Graduação em Direito)-Faculdade de Direito, PUCRS, Porto Alegre, 2010.

Em momentos de crise, refletida indiretamente pela cotação da moeda norte-americana, pressupõe-se uma maior fuga de capitais, o que determina a elevação dos índices para a declaração dos CBE, uma vez que o número de contribuintes afetados será naturalmente maior. Em contrapartida, a maior estabilidade econômica e, por conseguinte, a diminuição da cotação do dólar e a retenção de capitais, faz com esses índices diminuam, no intuito de obrigar que mais contribuintes declarem seus investimentos no exterior.

Com base nessa constatação, é natural observar que o teto de isenção para a declaração dos CBE em 2010 (R$ 174.040,00) foi o menor desde o aumento de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) em 2001, refletindo o momento atual do cenário econômico brasileiro pós-crise econômica mundial.

Como se pode observar, tais modificações dos limites de isenção estão diretamente vinculadas à política econômica levada a efeito pelo Banco Central. Nesse sentido, manifestam-se ANDREI Schmidt e LUCIANO Feldens:

[...] As recém observadas variações que as circulares do Banco Central sofreram, entre os anos de 2001 e 2005, quanto aos limites fixados para a exigência da declaração, demonstra-nos que a política cambial relacionada ao controle de ativos depositados no estrangeiro pode sofrer mudanças frequentes. Prova disso é que, consoante referido pelo próprio Banco Central, o aumento do limite de R$ 10.000,00 para R$ 300.000,00, verificado em 2003, deveu-se ao fato de a "participação de pequenos investimentos no exterior" ter demonstrado "pouca representatividade frente aos totais apurados". Já em 2004, adotou-se a recomendação internacional de que os valores convertidos na moeda onde o depósito é mantido. É correto afirmar, então, estar diante de uma política cambial que varia conforme a necessidade de controle desempenhado pelo Banco Central. Ora, uma vez constatado que essas normas administrativas complementam a figura típica, não poderia resultar em outra conclusão que não a de que estamos diante de uma norma penal em branco, de natureza excepcional, nos termos do artigo 3º do CP. Vale dizer: a adequação típica da conduta de manter depósito no estrangeiro, nos exatos termos do artigo 22, parágrafo único, in fine, da Lei nº 7.492/86, pressupõe que o agente não tenha feito a declaração relacionada à circular que tratava do respectivo período em que esse depósito fora mantido, não se podendo falar em retroatividade de lex mitior no caso de superveniência do aumento do limite legal para a declaração. [...] Eventual aumento do limite, no ano posterior, não suprime a ilicitude da conduta relativa ao depósito mantido ilegalmente no ano anterior (exemplo: alguém que, em 2001, manteve depósito no valor de US$ 20.000,00, sem declará-lo ao Banco Central no prazo legalmente estabelecido, não pode ser beneficiado pela retroatividade da Circular n. 3181/03, que aumentou o limite mínimo da declaração para R$ 300.000,00) [50].

A experiência brasileira resultante das sucessivas crises econômicas, assim como da atual estabilidade econômica, revelou que toda e qualquer tentativa de indexação do câmbio, assim como de sinais de retenção de moeda estrangeira, sempre causaram repercussões negativas a curto e médio prazo [51].

Por essas razões, um país economicamente viável e confiável não necessita de tanto controle em relação à fuga de investimentos, pois a solidez da economia é capaz de substituir satisfatoriamente tal situação por meio do ingresso de novos investimentos.

Sobre o autor
Carlo Velho Masi

Advogado criminalista (OAB-RS 81.412). Vice-presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas no Estado do Rio Grande do Sul (ABRACRIM-RS). Mestre e Doutorando em Ciências Criminais pela PUC-RS. Especialista em Direito Penal e Política Criminal: Sistema Constitucional e Direitos Humanos pela UFRGS. Especialista em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra/IBCCRIM. Especialista em Ciências Penais pela PUC-RS. Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela UNISINOS. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUC-RS. Membro da Comissão Nacional de Judicialização e Amicus Curiae da ABRACRIM. Membro da Comissão Especial de Políticas Criminais e Segurança Pública da OAB-RS. Parecerista da Revista Brasileira de Ciências Criminais (RBCCRIM) e da Revista de Estudos Criminais (REC) do ITEC. Coordenador do Grupo de Estudos Avançados Justiça Penal Negocial e Direito Penal Empresarial, do IBCCRIM-RS. Foi moderador do Grupo de Estudos em Processo Penal da Escola Superior de Advocacia (ESA/OAB-RS). Coordenador Estadual Adjunto do IBCCRIM no Rio Grande do Sul. Membro da Associação das Advogadas e dos Advogados Criminalistas do Estado do Rio Grande do Sul (ACRIERGS). Escritor, pesquisador e palestrante na área das Ciências Criminais. Professor convidado em diversos cursos de pós-graduação.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MASI, Carlo Velho. O art. 22, parágrafo único, 2ª parte, da Lei nº 7.492/86:: manter depósitos não declarados no exterior. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2738, 30 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18127. Acesso em: 26 dez. 2024.

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