Na década de 1990, houve o surgimento de uma importante Lei contra a discriminação de pessoas portadoras de deficiência física e mental nos Estados Unidos. Trata-se da "Americans with disabilities Act (ADA)". A referida Lei proibia a discriminação de pessoas portadoras de deficiência na obtenção de empregos e nos órgãos públicos estaduais, nas acomodações públicas, nas empresas, no comércio, no transporte e nas telecomunicações. Para ser protegida pela Lei de proteção às pessoas portadoras de deficiência (ADA), era preciso que a pessoa fosse enquadrada como deficiente. [01]
De acordo com a norma em análise, pessoa portadora de deficiência era aquela que tinha uma incapacidade física e mental que substancialmente limitava o desenvolvimento das atividades cotidianas da vida; ou que fosse uma pessoa que tivesse um histórico médico de incapacidade; ou, ainda, que fosse vista pelas outras pessoas como portadora de uma incapacidade. No entanto, a Lei de proteção às pessoas portadoras de deficiência não estabelecia uma lista de todas as incapacidades que eram abrangidas pela Lei, deixando a cargo da jurisprudência determinar quais as situações em que se fazia, ou não, jus aos benefícios conferidos pela Lei. [02]
Cumpre ressaltar que a Suprema Corte norte-americana enfrentou, em diversas oportunidades, situações em que se discutia a questão das pessoas portadoras de deficiência. Inicialmente, é interessante lembrar o caso Olmstead v. Zimring (1998). O caso teve início quando Zimring, representante de 02 (duas) pessoas portadoras de deficiência mentais, questionou judicialmente a decisão do estado da Georgia de manter os doentes mentais em isolamento. Alegou-se, em síntese, que, de acordo com a Lei de proteção às pessoas portadoras de deficiência (ADA), os pacientes deveriam ser colocados numa área que permitisse a maior integração possível com a sociedade. Por outro lado, Olmstead afirmava que os problemas financeiros do hospital e a ausência de tratamentos alternativos impediam que os pacientes psiquiátricos fossem colocados em condições mais adequadas. [03]
Quando o caso Olmstead v. Zimring (1998) chegou ao conhecimento da Suprema Corte dos Estados Unidos, firmou-se o posicionamento de que as limitações de ordem financeira, a princípio, não poderiam ser alegadas como pretexto para não se cumprir o disposto na Lei de proteção às pessoas portadoras de deficiência. Além disso, o Excelso Tribunal afirmou que as limitações de ordem financeira e orçamentária somente poderiam ser levadas em consideração se o Estado pudesse demonstrar que a alocação de recursos para um paciente pudesse prejudicar substancialmente o atendimento aos outros pacientes. Por fim, a Suprema Corte asseverou que as pessoas portadoras de deficiência mental tinham o direito de viver em contato com a sociedade, a não ser que houvesse recomendação médica em sentido contrário. [04]
No que se concerne à discriminação de pessoas portadoras de deficiência, também não se pode esquecer o caso Bragdon v. Abbott (1998). Trata-se de um caso em que Sidney Abbott, portadora do vírus HIV, teve tratamento odontológico negado por Randon Bragdon, dentista, que, inclusive, se ofereceu para atendê-la em um hospital, sem a cobrança de custos adicionais. Abbott ajuizou uma demanda em que alegava, em síntese, discriminação em função de sua doença e violação do disposto na Lei de proteção às pessoas portadoras de deficiência de 1990 (ADA), que estabelecia a igualdade de tratamento dos pacientes. [05]
Posteriormente, ao julgar o mérito do caso Bragdon v. Abbott (1998), a Suprema Corte dos Estados Unidos entendeu que, em primeiro lugar, o portador do vírus HIV merecia a proteção da Lei de proteção às pessoas portadoras de deficiência (ADA), uma vez que essa doença limitava substancialmente a vida dos soropositivos, em especial, sua capacidade de reprodução, de modo que poderia ser considerada uma deficiência. No entanto, o Excelso Tribunal entendeu que cabia aos profissionais da área de saúde a escolha do local adequado para o tratamento dos pacientes portadores de HIV, levando-se em conta que o atendimento em consultório particular poderia constituir uma ameaça para outros pacientes. [06]
Já no final da década de 1990, cumpre destacar o julgamento do caso Murphy v. United Parcel Service, Inc. (1999). Murphy era um mecânico que trabalhava na United Parcel Service. Ele veio a ser demitido da empresa por apresentar uma pressão arterial que excedia os limites estabelecidos pelo Departamento de Transporte. Inconformado com a sua demissão, Murphy alegou judicialmente que era vítima de discriminação proibida pela Lei de proteção às pessoas portadoras de deficiência de 1990 (ADA). Indagou-se, posteriormente, se a pressão arterial alta poderia ser enquadrada como deficiência. No mérito, o Excelso Tribunal norte-americano entendeu que a pressão arterial alta era insuficiente para considerar uma pessoa como portadora de deficiência, uma vez que tal doença poderia ser controlada por meio do uso de medicamentos. Além disso, estabeleceu-se que uma pessoa somente poderia ser considerada deficiente se fosse incapaz de realizar mais de uma atividade profissional. No presente caso, por exemplo, Murphy não poderia dirigir um caminhão, mas estava apto a trabalhar como mecânico. [07]
Cabe salientar a existência de outro importante precedente sobre as pessoas portadoras de deficiência. Trata-se do caso Sutton v. United States (1999). O caso teve início quando Sutton e sua irmã gêmea, portadoras de miopia grave, ajuizaram uma demanda em desfavor da empresa de aviação United Airlines, por terem sido rejeitadas no exame de contratação de pilotos comerciais da empresa, por causa do problema de visão. No entanto, o problema de visão das irmãs Sutton poderia ser inteiramente corrigido com a utilização de óculos apropriados. [08]
No mérito do presente caso, a Suprema Corte dos Estados Unidos entendeu que a determinação, ou não, de uma deficiência deveria ser feita de acordo com a habilidade do indivíduo de mitigar ou fazer desaparecer seu problema com a utilização de aparelhos corretivos. Asseverou-se que as pessoas que utilizavam óculos de grau não eram portadoras de deficiência, pois a Lei de proteção às pessoas portadoras de deficiência tinha o propósito de proteger um grupo específico de indivíduos. Por fim, entendeu-se que as irmãs Suttons não eram pessoas portadoras de deficiência, uma vez que tinham uma visão perfeita quando estavam de óculos. Além disso, elas poderiam trabalhar em outras atividades relacionadas à indústria da aviação. [09]
No que se refere à discriminação às pessoas portadoras de deficiência, é interessante lembrar o precedente Toyota Motor Manufacturing, Kentucky, Inc. v. Williams (2001). O caso teve início quando Ella Williams, uma empregada da empresa Toyota, desenvolveu uma doença chamada de síndrome do túnel do carpo, em decorrência do seu emprego. Sua doença impôs uma série de limitações a suas atividades manuais, o que a tornou inapta para realizar a maioria das atividades desenvolvidas na fábrica. Em razão disso, a empresa Toyota a colocou em um trabalho mais adequado a sua condição física. No entanto, posteriormente, Williams voltou a desenvolver funções que exigiam maior força manual e teve novamente os sintomas da doença, vindo a ser demitida. Inconformada com a sua demissão, ela alegou que tinha uma doença que a impedia de trabalhar na linha de montagem de forma adequada e que a empresa Toyota não providenciou um local de trabalho adaptado de acordo com a Lei de proteção às pessoas portadoras de deficiência de 1990 (ADA). [10]
Quando o caso chegou ao conhecimento da Suprema Corte dos Estados Unidos, o Tribunal firmou o posicionamento de que, de acordo com a Lei de proteção às pessoas portadoras de deficiência de 1990 (ADA), a inabilitação para o desenvolvimento de uma atividade não impedia o empregado desenvolvesse outras atividades. Dessa forma, Williams não poderia ser considerada portadora de deficiência e não estava apta a receber a proteção conferida pela Lei de proteção às pessoas portadoras de deficiência (ADA). [11]
Cabe mencionar, ainda, o julgamento do caso Barnes v. Gorman (2001). Trata-se de um caso que teve início quando Gorman, que era paraplégico, foi preso e transportado, de forma inadequada, para a delegacia de polícia numa viatura que não estava adaptada. Em razão disso, veio a cair no chão e sofreu inúmeras lesões que o deixaram totalmente desabilitado para trabalhar em período integral. Posteriormente, Gorman processou os policiais de Kansas por discriminação baseada em sua deficiência física, de acordo com a Lei de proteção às pessoas portadoras de deficiência (ADA) e exigiu uma alta indenização por danos morais. Quando o caso chegou a Suprema Corte dos Estados Unidos, firmou-se o entendimento de que as pessoas portadoras de deficiência tinham direito à indenização pela discriminação sofrida, mas não tinham direito a receber o chamado "punitive damages" [12], que se trata de uma indenização, em caráter punitivo, em valor muito superior ao dano causado, com o intuito evidentemente pedagógico. [13]
No que tange aos direitos das pessoas portadoras de deficiência, cabe, ainda, destacar o caso Alabama v. Garrett (2001), no qual a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que o Congresso Nacional não tinha competência para conferir aos cidadãos o direito de processar os estados por discriminação em função da deficiência, com base na 14ª Emenda [14] à Constituição dos Estados Unidos (Equal Protection Clause) [15]. Por fim, a Suprema Corte entendeu, na ocasião, que o Congresso Nacional não tinha evidência de discriminação contra pessoas portadoras de deficiência praticadas pelos estados, a ponto de justificar o afastamento da imunidade estatal. [16]
Ademais, também é oportuno recordar o caso Tennessee v. Lane (2003). George Lane e Beverly Jones, portadores de deficiência, não conseguiram ter acesso ao andar superior das Cortes de julgamento do estado do Tennessee. Eles, então, resolveram processar o estado, com base na Lei de proteção às pessoas portadoras de deficiência (ADA), que estabelecia que a nenhuma pessoa poderia ter negado acesso a serviços, programas e atividades, com base em sua deficiência. Inicialmente, o estado do Tennessee pediu a extinção do processo sem julgamento de mérito, com base na 11ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos [17], que dispõe sobreo poder judiciário dos Estados Unidos não se entenderá a qualquer demanda processada contra um cidadão dos Estados Unidos por cidadãos de outro Estado. [18]
Posteriormente, indagou-se perante a Suprema Corte dos Estados Unidos se a Lei de proteção às pessoas portadoras de deficiência (ADA) violava a 11ª Emenda e a autonomia dos estados membros, ao permitir que indivíduos processassem os estados da federação, por negativa de prestação de serviços para pessoas portadoras de deficiência física. No mérito, a Suprema Corte firmou o posicionamento de que o Congresso tinha suficientemente demonstrado os problemas enfrentados pelas pessoas portadoras de deficiência físicas, tais como a dificuldade de acesso aos órgãos públicos. Sendo assim, a Suprema Corte entendeu que os estados tinham que fazer acomodações razoáveis para que as pessoas portadoras de deficiência física tivessem acesso aos Tribunais. Por fim, o Excelso Tribunal afirmou que o Congresso tinha competência para, de acordo com a 14ª Emenda, regular o acesso de pessoas portadoras de deficiência aos tribunais. Por essas razões, a Lei de proteção às pessoas portadoras de deficiência (ADA) era constitucional. [19]
Por fim, cabe destacar que houve a aprovação, no final de 2008, de alterações à Lei de proteção às pessoas portadoras de deficiência (The Americans with Disabilities Act Amendments Act of 2008), que estabeleceu que a definição de deficiência deveria ser feita com o objetivo de permitir a maior cobertura possível, afastando-se, assim, várias interpretações restritivas conferidas pelos precedentes da Suprema Corte dos Estados Unidos. [20]
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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- CABRAL, Bruno Fontenele. "Equal Protection Clause". Os direitos dos estrangeiros à luz dos precedentes da Suprema Corte dos Estados Unidos. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2667, 20 out. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/17648>. Acesso em: 10 jan. 2011.
- ESTADOS UNIDOS. Constituição Federal. 11ª Emenda: "O poder judiciário dos Estados Unidos não se entenderá como extensivo a qualquer demanda baseada na lei ou na eqüidade, iniciada ou processada contra um dos Estados Unidos por cidadãos de outro Estado, ou por cidadãos ou súditos de qualquer potência estrangeira". Disponível em: <http://www.embaixada-americana.org.br/index.php>. Acesso em: 29 dez. 2010.
- ESTADOS UNIDOS. Constituição Federal. 14ª Emenda: "Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos e sujeitas a sua jurisdição são cidadãos dos Estados Unidos e do Estado onde tiver residência, Nenhum Estado poderá fazer ou executar leis restringindo os privilégios ou as imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos; nem poderá privar qualquer pessoa de sua vida, liberdade, ou bens sem processo legal, ou negar a qualquer pessoa sob sua jurisdição a igual proteção das leis". Disponível em: <http://www.embaixada-americana.org.br/index.php>. Acesso em: 29 dez. 2010.
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-
SOUZA, Maicon de Souza e. A aplicação da teoria dos "punitive damages" nas relações de trabalho. Instrumento para efetividade dos direitos trabalhistas. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2537, 12 jun. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/15014>. Acesso em: 9 jan. 2011.
NOTAS:
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