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Algemas de elite.

Ativismo judicial, Súmula Vinculante nº 11 do STF e proporcionalidade

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Agenda 02/02/2011 às 18:49

3 – A JUSTIFICAÇÃO NO USO DAS ALGEMAS

No intróito do presente tópico, cumpre retomar que, no âmbito da Polícia Civil gaúcha, encontra-se norma expressa acerca das algemas como instrumento de trabalho policial e o regramento para seu uso, no Decreto Estadual nº 34.534/92, alterado pelo Decreto Estadual nº 43.564/05, no seguinte teor:

Art. 1º - Ficam instituídos como instrumentos de trabalho, a serem fornecidos pelo Estado, aos servidores da Polícia Civil mencionados no inciso I do art. 2º da LEI Nº 7.366, de 29 de março de 1980:

I) carteira policial;

II) par de algemas metálicas;

III) revólver calibre 38, ou pistola de repetição automática ou similar de semelhante calibre;

(...omissis...)

Art. 3º - O par de algemas destinar-se-á à imobilização de pessoa envolvida em prática delituosa e a quem seja recomendável esta cautela policial, em razão de ameaça de fuga, de reação violenta ou de risco de periculosidade. [56] (grifos apostos)

Por conseguinte, vê-se que, de forma similar à regulamentação paulista, a Polícia Civil gaúcha conta com critérios legais para o emprego de algemas, em moldes assaz similares à previsão constante na Súmula Vinculante em comento. Ademais, é imperiosamente inculcado em qualquer curso de formação policial que a maior parte do trabalho policial, em especial aquele que implica nas restrições mais graves aos direitos do cidadão (v. g. a abordagem e a prisão) devem ser pautados pela legalidade e pelo bom senso, de modo a não prejudicar ou ofender desnecessariamente aquele que sofre a ação policial. Por fim, fazem parte desses mesmos cursos de formação vários exercícios de aprendizagem de algemação, nos quais os alunos policiais (agentes e delegados) tanto algemam quanto são algemados, tendo perfeita noção da sensação física desses atos. Cabe assinalar que a algemação é feita, principalmente, como medida de cautela, nos termos da regulamentação gaúcha acima, pois:

É preciso que se tenha em mente que, aliada à proteção da vida do preso (detido ou conduzido) e das potenciais vítimas, tem-se que proteger, primordialmente, a equipe policial. Isto porque é possível que o preso, num momento de desespero, ou mesmo para evadir-se, volte-se contra a equipe policial, podendo ferir ou matar um dos membros [da equipe]. [57]

Ou seja, o alerta contra "excessos" no algemar – o que parece ser o mote da Súmula Vinculante nº 11 – já era (e é) bem conhecido de todos os que trabalham, de fato, na segurança pública. Notável, por conseguinte, que a Súmula Vinculante nº 11 seja uma das mais questionadas das tantas que o e. STF já editou, gerando várias inconformidades com os mais diversos argumentos, sendo chamada, v. g., de "súmula 'Cacciola-Dantas" [58], pois, supostamente, "a aprovação dessa súmula deu-se em virtude das ações da polícia federal (sic) nos últimos tempos, nas quais foram presas pessoas das classes mais ricas do país" [59]. E, se essas indagações ficam sem ser respondidas, é certo que diversos efeitos da súmula em tela já se fizeram sentir, pois, uma semana após sua edição, o conhecido acusado por tráfico de entorpecentes Fernandinho Beira-Mar, indivíduo de notória periculosidade, teve suas algemas retiradas quando compareceu a uma audiência dos vários processos criminais aos quais responde, desta feita no RJ [60].

De toda sorte, a Súmula Vinculante nº 11 dispõe que a ausência de requisitos para o uso das algemas (resistência, receio de fuga ou perigo à integridade física do preso ou de terceiros) é condição de geradora de várias consequências, com "sérias repercussões na esfera administrativa, civil e penal, além de provocar [em tese] a invalidação do ato, fulminando-o de nulidade." [61] De forma mais esmiuçada, COSTA SILVA lembra que, caso usadas fora da hipótese legal (art. 474, § 3º, CPP) e sumular, resta configurado o delito de abuso de autoridade, forte nos artigos 3º, "i" e 4º, "b", da Lei 4.898/65 [62]. Há também implicação no âmbito da responsabilidade civil, passível de gerar dever de indenização para reparar eventual dano físico e moral provocado (e a ser provado) no algemado [63]. Importante lembrar que o Estado arcará com os efeitos da arbitrariedade de seus agentes, pois é objetiva sua responsabilidade, assegurado, como é consabido, o direito de regresso contra o agente causador do dano, nos casos de dolo ou culpa [64]. Dada, ainda, a independência das instâncias [65], a responsabilidade administrativa, prevista, por óbvio, em cada norma de regulamentação do órgão ao qual pertença o agente policial e demais leis aplicáveis.

No que tange à nulidade da prisão ou ato processual, observa COSTA SILVA que "tal situação é bem fácil de ser visualizada" [66] no que diz com o ato processual, qual seja, o julgamento no plenário do júri em que imotivadamente permaneça o réu algemado (pois tal situação, como visto, teria gerado o comando sumular). Mais difícil, porém, é o caso da prisão (em flagrante, p. ex.) na qual ocorreu equivocada algemação. Refere o precitado autor que "não parece razoável invalidar a prisão daquele que cometeu um homicídio, por exemplo, e foi algemado ao arrepio das hipótese da Súmula (…) nº 11" [67]. Do mesmo modo, duvidoso que seja invalidada uma prisão preventiva, calcada em todos requisitos legais para tanto, "porque o executor do mandado fez mau uso das algemas." [68]

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Por derradeiro, ao lado dos requisitos de uso das algemas – os quais, como se disse, nada mais espelham o bom-senso que norteia a correta ação policial – a exigência da justificação por escrito é, certamente, o mais peculiar. Leva, sem dúvida, à burocratizar um ato que, por natureza, dispensaria formulário(s), bem como alça tal formalização à condição de "validar " o ato de algemação. O efeito dessa exigência, por óbvio, é, num primeiro momento, a anotação, no registro de ocorrência policial, das circunstâncias pelas quais se verificou o uso de algemas [69]. Num segundo momento, caso mantida a dicção da súmula em questão, caberá a confecção, por cada um dos diversos órgãos de segurança estatais, de um "formulário padronizado" a ser preenchido por seus agentes, antes ou depois do ato de algemação no qual venham a ser verificados os tais requisitos sumulares, de modo a instruir o Inquérito Policial ou qualquer outro procedimento no qual se verificou a necessidade de algemação (v. g. cumprimento de mandado de prisão temporária ou preventiva). Apresentamos, em anexo a este trabalho, modelo de formulário elaborado com base na dicção sumular, o qual entendemos seja possível de atender à dicção sumular.

Entretanto, ainda que levado a efeito esse registro escrito – a justificativa da algemação – pode pairar o eventual questionamento quanto à real necessidade da algemação. Tal necessidade, conforme retratada na justificativa, depende da apreciação subjetiva do agente policial que realiza a contenção. Tal apreciação, por sua vez, será analisada por um julgador que estará distante dos fatos. Esse é, certamente, o maior defeito da edição da súmula em apreço:

O problema, portanto, está em como aquilatar o comportamento humano. É muito difícil aos policiais e aos juízes manterem o equilíbrio exato entre a necessidade das algemas e a sua dispensa, pois do mesmo modo que existem circunstâncias evidentes a caracterizar algum risco, outras são extremamente tênues. Esse é o principal motivo pelo qual, nos moldes em que foi redigida, a súmula vinculante nº 11 é impossível de ser cumprida, exercendo um papel excessivamente simbólico ao servir apenas para transmitir uma imagem à sociedade de que os ministros do Supremo estão preocupados em resguardar os direitos dos presos. [70]

Dessa forma, impõe-se um mínimo de critério para a avaliação dos direitos postos em confronto, os quais envolveriam, numa rápida listagem, o direito à dignidade do preso e o direito à vida (ou integridade física) do agente policial e dos demais indivíduos componentes da sociedade.

Nesse diapasão, tem-se que o conflito ou colisão de direitos fundamentais é objeto de tentativas de compreensão em várias teorias doutrinárias. Uma das mais divulgadas – a de ALÉXY – refere a necessidade de ponderação [71] sobre os direitos em conflito, no caso concreto, por meio do sopesamento da prevalência, numa determinada situação, de um direito e a mitigação, com relação ao outro direito fundamental contraposto. Para efetivar-se essa ponderação e equacionar-se o conflito entre tais direitos, utiliza-se o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade. Tais elementos ou são considerados um só princípio ou princípios diversos, mas complementares [72]. De toda sorte, para o emprego da proporcionalidade e da razoabilidade, recorre-se aos elementos da necessidade, da adequação e da proporcionalidade em sentido estrito [73]. Fazendo uso desses elementos, faz-se o sopesamento, a ponderação de qual direito deve prevalecer no caso concreto. Deve ser deixado claro que jamais um direito fundamental será extinto ou totalmente afastado, pois se trata, como dito, de ponderação – não há hierarquia entre direitos fundamentais.

Além disso, nenhum direito é absoluto; conclui-se, então, possam ser relativizados por meio do critério de ponderação já referido. Nesse caso, sopesar-se-á os direitos fundamentais já apontados e, verificando-se que deva prevalecer a segurança da coletividade, o direito do sujeito passivo da algemação cede lugar, tornando possível sua constrição por meio de algemas, nos termos legais e sumulares, pois a Polícia é "instrumental de um Estado Democrático de Direito" [74].

No caso presente, conclui-se que o direito à liberdade e à dignidade da pessoa humana possa ser minimizado quando evidenciados os requisitos elencados na Súmula Vincluante nº 11 do STF, os quais apontam direito à vida – integridade física dos policiais e de terceiros, mais o direito à segurança da sociedade como um todo - fazendo constar da justificação escrita tal situação, tudo a ser analisado face o caso concreto, mormente quando – e se – provocado algum Julgador a pronunciar-se sobre a legalidade da constrição.


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Sobre o autor
Daniel Mendelski Ribeiro

Delegado de Polícia Civil; Mestre em Teoria da Literatura pela PUC/RS; Especialista em Ciências Criminais pela PUC/RS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Daniel Mendelski. Algemas de elite.: Ativismo judicial, Súmula Vinculante nº 11 do STF e proporcionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2772, 2 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18408. Acesso em: 22 dez. 2024.

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