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A legalidade das compras públicas sustentáveis

Agenda 04/02/2011 às 11:36

O ano de 2010 ficou marcado pela introdução de critérios ambientais nas licitações públicas brasileiras. É o que se verifica através da Instrução Normativa nº 01/2010, de 19 de janeiro de 2010, editada pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, bem como pela entrada em vigor da Lei federal nº. 12.349, de 15 de dezembro de 2010. Elas representaram um avanço nas discussões acerca de crescimento nacional e desenvolvimento sustentável, demonstrando que é possível realizar uma compra pública ecologicamente correta.

A Lei nº. 12.349/2010 alterou o artigo 3º da Lei nº 8.666/93, trazendo em seu texto a idéia do desenvolvimento nacional sustentável, que só será obtido através da realização de licitações sustentáveis. A licitação sustentável é um procedimento administrativo que visa à satisfação do interesse público, respeitando a igualdade de condições entre os participantes, fazendo com que a Administração Pública adquira bens ou serviços ambientalmente corretos, levando em consideração todo o ciclo produtivo.

A partir de agora, o art. 3º da Lei nº 8.666/93 passa a trazer os seguintes dizeres:

Art. 3º. A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhe são correlatos. (grifo nosso)

Com a entrada em vigor deste dispositivo legal, a licitação entra em uma nova fase de execução, ou seja, ela deverá ser processada e julgada, respeitando todos os princípios constitucionais inerentes à Administração Pública, de forma a promover o desenvolvimento nacional sustentável. E este desenvolvimento só será alcançado se os gestores públicos introduzirem critérios ambientais em suas compras e contratações.

O que antes gerava dúvidas no tocante ao princípio da isonomia frente à implementação das licitações sustentáveis, agora restou ultrapassado, uma vez que o artigo 3º da Lei nº. 8.666/93 autorizou explicitamente a introdução dos critérios ambientais nas licitações brasileiras. A licitação passa agora a ter três objetivos a ser perseguido, qual sejam: 1) proporcionar à Administração Pública a possibilidade de realizar a contratação mais vantajosa, selecionando a melhor proposta; 2) assegurar aos administrados a oportunidade de concorrerem em igualdade de condições; 3) promover o desenvolvimento nacional sustentável. E o que se entende por desenvolvimento nacional sustentável? É aquele desenvolvimento capaz de equilibrar o binômio crescimento versus exploração dos recursos naturais, garantindo às gerações presentes e futuras um meio ambiente ecologicamente equilibrado, conforme previsão contida no art. 225 da Constituição Federal.

Contudo, o mercado ainda não está preparado para atender esta nova demanda de produtos, restando aos órgãos públicos introduzirem, paulatinamente, os critérios ambientais em suas licitações, fazendo com que o mercado passe a produzir essa nova leva de produtos e serviços ambientalmente corretos.

Considere a guisa de exemplo a seguinte situação hipotética: Suponha que um órgão deseja adquirir uma grande quantidade dos chamados computadores verdes, sendo que uma única empresa está preparada para fornecer o equipamento. Diante desta situação restará prejudicado o princípio da isonomia, visto que não há diversos licitantes em igual condição de competição. Logo, cabe à Administração Pública realizar audiências públicas, congressos, seminários, entre outros, para que possa apresentar aos licitantes suas futuras aquisições, fazendo com que o mercado possa preparar para fornecer a nova leva de produtos e serviços ecologicamente corretos que o poder público visa adquirir.

O Tribunal de Contas da União (TCU), ao julgar uma representação, decidiu de acordo com o raciocínio exposto acima, ou seja, que Administração deve inserir os critérios ambientais desde que sejam de forma gradual. Trata-se de uma representação formulada ao TCU sobre possíveis irregularidades no Pregão Presencial para Registro de Preços n.º 235/2009, realizado pela Secretaria de Estado de Esporte, Turismo e Lazer do Acre. Entre as possíveis irregularidades suscitadas na representação destacava-se a exigência editalícia de comprovação, por parte do licitante, de que o equipamento estaria em conformidade com a "norma EPEAT, na categoria GOLD", o que, em síntese, demonstraria que o equipamento atendia a normas internacionais de proteção ambiental.

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O ministro relator, em seu despacho, assim entendeu:

[...] louvável a preocupação dos gestores em contratar empresas que adotem em seus processos produtivos práticas responsáveis ambientalmente. [...] a adoção dessas restrições ambientais deve se dar paulatinamente, de forma que os agentes do mercado possam se adaptar a essas novas exigências antes delas vigorarem plenamente. Caso contrário, estar-se-ia criando uma reserva de mercado para as poucas empresas que cumprirem de antemão essas exigências, implicando violação ao princípio constitucional da livre concorrência, maiores custos e reduzidas ofertas de produtos. (Decisão monocrática no TC-003.405/2010-9, rel. Min. Benjamin Zymler, 24.02.2010).

Infere-se, da decisão acima, referendada pelo Tribunal Pleno, que o TCU caminha no sentido de apoiar a aplicação dos critérios ambientais nas aquisições públicas, desde que eles sejam inseridos de modo paulatino, de modo a preparar o mercado à nova realidade de compras do governo, respeitando assim o princípio da igualdade. Vale ressaltar, por último, que a decisão foi proferida na égide do antigo artigo 3º da Lei nº 8.666/93, o que leva a concluir que, mesmo não existindo, na época da decisão, previsão legal, o TCU admitiu a possibilidade de aplicação dos critérios ambientais nas licitações públicas, desde que seja com cautela.

Espera-se, portanto, que o ano de 2011 represente o início da inserção definitiva dos critérios ambientais nas compras públicas governamentais. Os gestores públicos devem se valer dos artigos 225 e 170 da Constituição Federal, do artigo 3º da Lei 8.666/93, da Instrução Normativa nº 01/2010 do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, bem como das demais legislações correlatas, tanto federais quanto estaduais ou municipais, de modo a proporcionar a efetiva introdução, no ordenamento jurídico brasileiro, das chamadas licitações sustentáveis.


Referências Bibliográficas

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MEIRELLES. Hely Lopes. Licitação e Contrato Administrativo. 14 ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

PIMENTEL, Cleusa; ITANI, Elza; D’AMICO, Valéria. Curso de Licitação Sustentável: Módulo I e II: Licitações e Contratações Sustentáveis. São Paulo: FUNDAP. http://www.governoemrede.sp.gov.br/ead/lictsustentavel/saibamais/saibamais_modulo_01.pdf. Acesso em 10/03/2010.

Sobre o autor
Fabrício Vieira dos Santos

Servidor Público Federal lotado na Diretoria de Compras e Licitações da Universidade Federal de Uberlândia. Pregoeiro, membro de comissão de licitação e acadêmico do 5º ano do curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia-MG. Exerceu a função de Chefe da Seção de Licitações e Contratos do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Triângulo Mineiro - Campus Uberlândia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Fabrício Vieira. A legalidade das compras públicas sustentáveis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2774, 4 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18421. Acesso em: 22 nov. 2024.

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