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Da ação monitória embasada em cheque prescrito

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Agenda 11/02/2011 às 08:17

7 Ação Monitória

Como pressuposto lógico para o entendimento do procedimento monitório, faz-se mister entender as razões históricas que levaram à existência no direito moderno de um processo de execução autônomo.

No direito romano, a razão para que não houvesse uma relação processual única contendo conhecimento e execução reside no fato de a jurisdição privada da actio não possuir poderes de imperium. Conforme tratado em item anterior, a jurisdição romana do ordo iudiciorum priuatorum consistia no dito arbitramento compulsório, sendo, portanto, dividida a instância em uma fase perante o pretor, que detinha o imperium, e outra, perante o iudex, árbitro privado que tinha apenas iurisdictio, encarregado de dizer o direito, não podendo impor suas decisões pela força.

O vencedor, no direito romano, necessitava da actio iudicati para realizar o direito que lhe fora reconhecido pelo iudicatum ou, até à lex Poetelia Papiria, da manus iniectio [150], pela qual se dava a execução corporal determinada pela Lex XII Tabularum.

Todavia, nas palavras de Ovídio da Silva, "no direito medieval, de inspiração germânica, a simultaneidade da cognição e da execução no mesmo processo passou a ser a regra [...]" [151].

Nesse período, por influência do direito tudesco, a presunção, contrariamente ao que se dá no direito moderno, era de que ninguém se aventuraria a enfrentar os desgastantes aborrecimentos causados por uma demanda judicial sem ter um razoável e consistente convencimento [152].

Citando Liebman, o preclaro processualista gaúcho segue sua exposição afirmando que, a partir do direito medieval, passou-se a reconhecer eficácia executória aos denominados instrumenta guarentigiata, de modo que cabia ao direito processual dar-lhes o processo correspondente, para que essa eficácia executiva se tornasse efetiva e, ao mesmo tempo, fosse preservada a natureza abstrata do título, a dispensar a prévia certificação do direito neles representados [153].

Isso porque "o magistrado, fiel executor da lei do Estado, não poderá autorizar a prática de atos executivos, se o direito do credor ainda não estiver reconhecido por sentença". Dessa forma, apenas dispensando a prévia certificação é que se pode admitir o uso direto de atos materiais para a efetiva realização do direito.

Como sustenta Ovídio da Silva, "a necessidade de outorgar aos títulos negociais uma ação de execução sem prévio processo de cognição exerceu papel decisivo para a autonomia da ação de execução [...]" [154].

Para que se possa ter acesso diretamente à execução, faz-se mister presença de um título (nulla executio sine titulo), pois a prática dos atos materiais de execução implicam violenta agressão ao patrimônio do devedor. Esse título é "o ato ou fato jurídico do qual resulta a concreta adequação das medidas de execução forçada para a atuação da vontade da lei" [155].

Assim, como afirma Cruz e Tucci, enquanto no processo de conhecimento basta a simples alegação de um direito para invocar-se a tutela jurisdicional, o processo de execução apenas se viabiliza àquele que se apresenta portador de título executivo [156].

Consoante Carlos Alberto Alvaro de Oliveira:

O título executivo se apresenta, na realidade, como uma criação dos juristas do direito intermédio italiano e corresponde a um compromisso entre as tendências opostas do direito romano e do direito germânico, aquele exigindo uma escrupulosa verificação prévia do crédito e este permitindo a satisfação das pretensões sem necessidade da demonstração prévia de sua procedência [157].

A tutela executiva se oferece a quem está munido de uma declaração de certeza, enquanto aquele cujo direito ainda não está revestido dessa certeza deverá primeiramente buscá-la, para só depois ter acesso à execução.

Nas palavras de Elaine Macedo, "partindo-se da incerteza, chega-se ao acertamento do direito aplicado ao caso concreto. Partindo-se da certeza alcançada, satisfaz-se o direito de crédito com a legítima intervenção no patrimônio do devedor a partir de atos de constrição judicial [...]" [158].

Assim, tem-se que o processo de conhecimento se destina às relações incertas e duvidosas e o processo de execução compõe as insatisfações do que já está acertado; existe, porém, uma gama infindável no mundo das relações negociais de situações jurídicas que não se enquadram nem em uma, nem em outra previsão [159].

Há direitos, porém, que, demonstrados por meio de prova pré-constituída, se revestem de verossimilhança. Nas palavras de Elaine Macedo, "tratá-los através do processo de execução seria efetivamente um excesso. Viabilizá-los quando não cumpridos espontaneamente, pelo processo de conhecimento, seria exigir do credor penoso sacrifício" [160].

Conforme assevera Cruz e Tucci, o procedimento monitório é uma técnica de sumarização da cognição destinada justamente para aqueles diretos que estão entre a certeza e a incerteza, isto é, os dotados de verossimilhança:

[...] ao lado dos títulos executivos extrajudiciais, existem técnicas especiais de processo de cognição que têm a função de formar o título executivo de modo mais célere. Entre tais técnicas de sumarização da cognitio insere-se a do procedimento monitório, no qual o juiz emite uma ordem liminar, inaudita altera parte, determinando que o devedor pague certa quantia ou entregue uma coisa ao credor [161].

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Para Elaine Macedo, o procedimento monitório desenvolveu-se justamente para dotar o credor de um caminho próprio, quando munido de prova documental e a convicção de que o devedor não tem séria oposição a elidir a obrigação assumida [162].

No direito brasileiro recente, tal expediente foi adotado pela Lei 9.079/95, de clara inspiração na ingiunzione italiana.

Segundo o texto legal, a ação monitória se destina a quem busca pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel, com base em prova escrita sem eficácia executiva [163].


III – AÇÃO MONITÓRIA EMBASADA EM CHEQUE PRESCRITO

Como visto em item anterior, a relação jurídica material é distinta da relação jurídica processual. Com a teoria de Bülow, o processo passa a ser visto como uma relação jurídica dinâmica, de direito público e que se forma entre o estado e as partes, independente da relação substancial posta em causa [164].

A relação jurídica substancial é entabulada entre os titulares do direito subjetivo e do seu correlato dever jurídico; o direito é o plus a que corresponde o dever, que é o minus [165]. Como afirma Pontes:

Há de haver relação jurídica básica, ou relação interna à eficácia (relação intrajurídica), para que haja direito e, pois, dever. Quem está no lado ativo da relação jurídica é o sujeito do direito; quem está no lado passivo é o que deve, o devedor (em sentido amplo). A atividade (qualidade de ser ativo) de um é o direito; a passividade é o dever. [166]

O direito subjetivo é uma abstração a que se chegou após o exame da eficácia dos fatos jurídicos criadores de direitos. Dá-se quando o suporte fático se torna fato jurídico com a incidência nos fatos da regra jurídica objetiva [167]. O direito subjetivo é, portanto, o que dessa ocorrência emana de vantajoso para alguém [168].

Por evidente, a existência de um direito subjetivo, isto é, essa vantagem que nasce a partir da norma objetiva, não implica, necessariamente, a idéia de seu exercício.

Dessarte, pode-se distinguir o direito subjetivo da exigibilidade e esta da efetiva exigência exercida pelo titular do direito para que ele se realize [169].

A essa exigibilidade dá-se o nome de pretensão, como já visto, e representa a "faculdade de se poder exigir a satisfação do direito" [170]. Essa faculdade é atribuída pelo ordenamento, sendo que pode existir direito a que ainda não se atribua, ou não mais se atribua, essa faculdade [171].

Quando exercida a pretensão, isto é, a efetiva exigência, não há ainda ação do titular do direito subjetivo, pois, como afirma Ovídio da Silva, seguindo Pontes de Miranda, "exigir não é agir; quem exige não age, espera que outrem aja" [172]. Nisso resta clara a necessidade, com o exercício da pretensão, do agir voluntário do devedor (lato sensu) para que se realize o direito.

É, porém, com a resistência a esse exigir do titular do direito, deixando o sujeito passivo de cumprir o dever jurídico, que nasce para aquele a ação de direito material [173].

Entretanto, o exercício da ação de direito material, que se encontra no campo do direito substancial e não processual, foi proibido pelo Estado, com a proibição da autotutela, passando a si (Estado) o dever de conferir ao cidadão o mesmo resultado que se verificaria caso o agir privado (a ação de direito material) não estivesse proibido [174].

Assim, para que o Estado preste a tutela jurisdicional, faz-se mister que se requeira a atuação estatal. Como diz Liebman, "el Estado asume como función propia la jurisdicción" [175] e como "no hay jurisdicción sin acción" [176], esse requerimento de atuação estatal para a realização do direito que não foi atendido pelo devedor (lato sensu) dá-se por meio de ação. Esta, porém, diversa e independente da ação de direito material, é voltada contra o Estado.

Não se deve confundir a ação de direito processual, meio pelo qual se postula a tutela jurisdicional, com a ação de direito material, plus que se agrega à pretensão, que é a situação existencial que justifica a ação processual.

Contudo, deve-se ressaltar que a verificação da existência e da titularidade efetiva da ação de direito material só se dá ao final de um processo de cognição, quando há o accertamento, ou quando há uma declaração de certeza, de regra encerrada em um título executivo.

Como visto, outrossim, o título de crédito é um documento constitutivo, cuja declaração cartular é distinta da do negócio fundamental [177], sendo aquela uma verdadeira fonte de um direito autônomo e distinto do decorrente da relação fundamental e das demais convenções extracartulares [178].

Dessa forma, o direito cambiário é autônomo e distinto do que decorre da relação fundamental, constituindo uma nova, distinta e autônoma relação jurídica de direito substancial, dando ensejo, portanto, a um direito subjetivo cartular e a um dever, a ele correlato; ademais, haverá também uma pretensão cambiária e uma ação de direito material cambiária, sempre distinta e independente da ação causal.

A prescrição, por sua vez, no dizer de Pontes de Miranda, é "a exceção, que alguém tem, contra o que não exerceu, durante certo tempo, que alguma regra jurídica fixa, a sua pretensão ou ação" [179]. Para ele a prescrição não atinge, de regra, somente a ação, mas encobre também a eficácia da pretensão, e, portanto, do direito [180].

Em sendo a prescrição o encobrimento da eficácia da pretensão e em sendo o direito subjetivo, a pretensão e a ação material da relação cartular diversos e autônomos dos da relação que deu causa à criação ou circulação do título de crédito, é conclusão lógica a de que cada pretensão será encoberta pela sua própria prescrição, ou seja, haverá prescrições distintas para cada uma das pretensões (causal e cartular).

A prescrição da relação fundamental, quando esta for pertencente ao direito privado comum (gize-se que a relação causal pode ser regulada pelo direito cambiário, verbi gratia, um pagamento de uma letra de câmbio por meio de uma nota promissória), no atual direito positivo brasileiro, será regulada pelos artigos 189 a 206 do Novo Código Civil brasileiro. Já a prescrição dos títulos de crédito vem prevista na LUG ou em leis especiais.

O cheque é rigorosamente um título cambiário, nas palavras de Othon Sidou, e se subordina às regras do direito cambiário quanto à transmissibilidade e ao seu aspecto autonômico. Segundo Sidou, "por ser título cambiário, de feição autônoma, o cheque é uma obrigação de causa abstrata, não se vincula a qualquer obrigação precedente [...]" [181]. Por fim, ele conclui que "é, pois, inútil fazer-se indagação da causa da obrigação" [182].

Não há dúvida quanto ao enquadramento do cheque entre os títulos de crédito. Dessa forma, consiste ele em uma relação jurídica independente da que lhe deu causa, tendo, portanto, uma pretensão própria e uma ação material (cambiária de cobrança) própria. De igual forma se deve afirmar acerca da prescrição, que vem prevista no artigo 59 da Lei 7357/85, cujo prazo é de seis meses a contar da expiração do prazo para apresentação.

A ação executiva se oferece a quem está munido de uma declaração de certeza; àquele cuja titularidade do direito ainda não foi verificada, sendo, portanto, incerta, só lhe resta o uso do processo de conhecimento, para que se lhe abram as portas da via executiva. No entanto, há aquele que, sem ter declarada a certeza de seu direito, também não se encontra no campo da incerteza, estando a meio caminho das duas.

A esse sujeito, cujo direito está dotado de verossimilhança, é oferecido o procedimento monitório, uma técnica para a obtenção rápida da certeza necessária para prática dos atos materiais da execução [183].

A ação monitória no direito brasileiro se oferece a quem, se dizendo credor, portador de prova escrita sem eficácia executiva, pretender pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou determinado bem móvel.

Os tribunais brasileiros vêm firmando o entendimento segundo o qual o cheque prescrito constitui essa prova escrita necessária para o procedimento monitório; matéria inclusive já sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça no enunciado 299 [184]. Tem sido, ademais, admitida indiscriminadamente a possibilidade do uso da ação monitória embasada em cheque prescrito, independentemente do negócio causal [185].

Entretanto, a prescrição não retira simplesmente o acesso direto à execução, que é garantido ao cheque por força de lei [186], mas também encobre a sua pretensão e ação de direito material.

Assim, o cheque prescrito, embora seja um documento sem eficácia executiva, não é apenas isso. Ele também não mais possui a pretensão e a ação de direito material cambiária (abstrata e independente da causal) cujas eficácias foram encobertas pela prescrição.

Como assevera Pontes de Miranda, "o instituto da prescrição é de direito positivo" [187], de modo que, embora curto o prazo (seis meses) prescritivo do cheque, é o ordenamento que o prevê, não sendo cabível a utilização de outros meios para fazer renascer a sua ação.

É a ação de direito material o substrato, a situação existencial que justifica a tutela jurisdicional. Em não mais existindo ela, não há como se prestar a tutela jurisdicional, ou seja, a realização dos atos materiais para a realização do direito, pois oca será a ação processual, visto que não mais há o que lhe justifica a existência (o processo é o instrumento para a realização do direito substancial).

Não há falar-se em mera extinção da via executiva que se dê com a prescrição do cheque, pois o processo de execução, como remédio processual, nas palavras de Pontes de Miranda, não prescreve: "quanto à ‘ação’, no sentido de remédio jurídico, não prescreve, — preclui [...]" [188].

A prescrição se opera no campo do direito material, retirando ao direito a pretensão e a ação material, de modo que, ao final da ação processual (seja qual for, de conhecimento, executiva, monitória), caso apresentada a exceção de prescrição, não poderá haver realização de atos equivalentes ao cumprimento do direito, pois a ele faltam a exigibilidade e a possibilidade de realizá-lo inuito debitore (ação material).

Pode, porém, restar para o credor do cheque prescrito a ação proveniente da relação causal, pois a ela se aplicam as regras próprias do direito objetivo que a regula, podendo ter prazo prescricional maior.

Portanto, conclui-se que, oposta a exceção de prescrição, não é possível a ação monitória embasada em cheque prescrito fundada somente na ação cartular, pois esta, elemento que dá substrato à realização, pelo Estado, do equivalente ao cumprimento do direito, tem a sua eficácia encoberta pela prescrição. Cabe, porém, ao devedor alegar a prescrição, que deverá ser acolhida pelo juízo, quando verificada a sua efetiva ocorrência.

O que se faz possível é que a ação monitória (mero instrumento para a realização do direito material) se embase na ação causal (material), se não estiver prescrita, utilizando-se como início de prova o cheque prescrito (agora mero documento).

Segundo Ascarelli, a cártula é um documento probatório da relação fundamental, de modo que poderá embasar a ação monitória para pagamento do crédito oriundo da relação causal:

O que naturalmente não impede que, além de sua eficácia constitutiva quanto à declaração cartular, o título de crédito possa ter uma eficácia probatória quanto à relação fundamental. É o que geralmente se verifica ao reconhecer na cambial (mesmo cambiariamente inválida), um documento probatório da relação fundamental, bastante para justificar a ação causal e, até, para a emanação de uma injunção de pagamento do crédito derivado da relação fundamental, no processo ‘monitório’ do direito italiano [189].

Concordamos com o mestre italiano, apenas ressalvando que, segundo Mac-Donald [190], citando Gualtieri e Winizky, o título "conserva o seu valor probatório — embora per se não suficiente — da relação fundamental".

É de se ressaltar que, em sendo abstrata a relação cartular e, em razão de sua literalidade, de ordinário não haverá menção à causa no cheque capaz de constituir algum elemento de prova acerca da relação fundamental. Prova, isso sim, que houve uma relação cartular, que, porém, não mais possui pretensão e ação.

Dessarte, a ação monitória embasada em cheque prescrito não deve ser de plano rechaçada, pois a prescrição se opera por meio de exceção, dependendo de oposição do devedor.

Opondo-a, porém, é de ser acolhida, extinguindo-se o procedimento monitório com julgamento de mérito com base no artigo 269, IV, do CPC, salvo se estiver fundado na relação causal, para a qual deverá constar prova mais robusta que a mera apresentação de um título que nada fala acerca do negócio causal. Caso não possua essa prova escrita da relação subjacente, restará tão-somente a via do processo de conhecimento para o credor, pois o procedimento monitório apenas se apresenta cabível para o portador de prova escrita de seu crédito.

Sobre o autor
Eduardo Cunha da Costa

Bacharel em Direito, com Láurea Acadêmica, pela UFRGS, onde também cursou Mestrado em Direito Processual. Professor e Palestrante convidado em Cursos de Extensão e Pós-Graduação. Diretor Acadêmico da Escola Superior de Advocacia Pública. Membro do Conselho Editorial da Revista da PGE-RS. Procurador do Estado do Rio Grande do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Eduardo Cunha. Da ação monitória embasada em cheque prescrito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2781, 11 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18446. Acesso em: 25 nov. 2024.

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