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Arresto (ou embargo) cautelar na perspectiva do processo sincrético em grau máximo

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6. Agora sim: o arresto cautelar na perspectiva do processo sincrético em grau máximo

Cada uma das medidas cautelares típicas encerra uma pretensão, ora de segurança, ora satisfativa, consistente numa inegável imposição de obrigação. E a estrutura jurídica da obrigação considerada a partir da respectiva prestação de dar, fazer ou não fazer, é nesta perspectiva analisada desde o direito romano [20].

É bem verdade que o sistema por vezes lhe dá outras denominações: obrigação de restituir (CC, art. 238), obrigação de pagar quantia (CPC, art. 475-J), obrigação de entrega de coisa (CPC, art. 461-A). Mas cada uma dessas diferentes denominações nada mais é do que derivação de cada uma daquelas obrigações (dar, fazer, não fazer).

Quando a obrigação, qualquer delas, é imposta através da tutela jurisdicional, inegavelmente estaremos diante de uma verdadeira tutela condenatória – ou mandamental, como queira –, cuja realização-satisfação no mundo da vida estará sujeita às técnicas que o CPC reserva ao cumprimento da sentença ( art. 475-J: condenação de pagar quantia; art. 461: condenação em obrigação de fazer ou não fazer; art. 461-A: condenação em obrigação de entrega de coisa). Tal fato nos parece inegável.

E se assim o é, qualquer pretensão de impor, pela via judicial, determinada obrigação a outrem, poderá ser tutelada por intermédio de um processo jurisdicional civil que hoje, na sistemática do processo previsto no CPC, admite a postulação e a obtenção – diante dos respectivos pressupostos legais – da tutela jurisdicional (cognitiva, executiva ou de urgência) apta à salvaguarda do direito lesado ou ameaçado.

O processo cautelar autônomo, portanto, é uma das vias para se alcançar uma medida cautelar típica. A outra é o processo sincrético em grau máximo.

Mesmo que se tenha em mente o arresto na perspectiva do processo cautelar autônomo, é inegável que a dinâmica do respectivo "processo" se assemelha ao denominado "processo" de conhecimento. Ambos servem para que as partes levem suas alegações (ação e defesa) ao juiz para que este, após delas conhecer (cognição), conceda – em sendo o caso – a tutela jurisdicional apta a gerar segurança (cautelar) ou satisfatividade (conhecimento) em relação ao direito reclamado. O que verdadeiramente muda na estrutura de ambos os "processos" (conhecimento ou cautelar) é a cognição – e respectivas derivações (vertical: sumária ou exauriente; horizontal: limitada ou plena) – que sobre eles exercerá o juiz, e que tão bem nos demonstrou Kazuo Watanabe.

Vimos acima que a ontologia do arresto (ou embargo) nos revela que essa medida cautelar tem por fim alcançar bens para impedir judicialmente que o devedor deles se desfaça.

Logo, a conclusão a que se chega é que o arresto corresponde à imposição de obrigação de não fazer ao respectivo devedor, ainda que tradicionalmente o sistema processual denomine essa medida assegurativa de arresto ao invés de obrigação de não se desfazer dos bens que servirão para futura penhora, inclusive viabilizando, em sendo o caso, o respectivo desapossamento (obrigação de entrega; art. 461-A, §§) e depósito dos respectivos bens, já que ao arresto serão aplicadas as regras referentes à penhora (CPC, art. 821).

O arresto (ou embargo), enquanto imposição de uma abstenção ao destinatário da medida, verdadeiramente encerra uma condenação em obrigação de não fazer, obrigação específica, portanto.

Ora, se assim o é, qual será o obstáculo para que se busque a imposição da inibição de que o arresto trata pela via do processo sincrético em grau máximo, é dizer, do processo jurisdicional civil manejado com a técnica prevista no art. 461 e §§ do CPC? Seria mesmo necessário arrestar bens, única e tão somente, através do processo cautelar autônomo do Livro III do código?

Submetamos o raciocínio à prova por intermédio de três exemplos de situações distintas: i) necessidade do arresto em "processo" de conhecimento já instaurado; ii) necessidade do arresto antes da instauração de qualquer processo; iii) necessidade do arresto (cautelar) na pendência de "processo" de execução.

Note-se – ao menos estamos seguros quanto a isso – que em nenhuma das situações abaixo tratadas haverá qualquer prejuízo à ampla defesa ou ao contraditório, ao devido processo, portanto. Vamos a elas.

Exemplo 1: arresto em "processo" de conhecimento já instaurado.

Antonio fez instaurar processo visando à obtenção de tutela jurisdicional condenatória de obrigação de pagar quantia em face de Pedro.

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A petição inicial, naturalmente, veio acompanhada dos documentos representativos do crédito alegado na causa petendi. No curso do processo, haja ou não sentença, Pedro começa a dilapidar ou onerar os respectivos bens (periculum in mora).

É da essência da antecipação da tutela que é possível antecipar efeitos – rectius: quaisquer efeitos, eis que não há restrição no caput do art. 273 [21] – do pedido inicial, ou seja, efeitos satisfativos ou acautelatórios.

Diante dos documentos e demais meios de prova que demonstrem as atitudes temerárias de Pedro (fumus + periculum), seria perfeitamente possível a Antonio formular pedido de tutela de urgência (cautelar) através de simples petição no procedimento em curso, já que é assente, como não poderia deixar de ser, que é possível o pedido de antecipação de tutela em qualquer fase do procedimento, inclusive em grau de recurso.

Aliás, em exercício de síntese, uma providência como a aqui proposta estaria perfeitamente legitimada pela fungibilidade que o § 7º do art. 273 impõe aos procedimentos de obtenção da tutela de urgência, e tudo na mirada da garantia constitucional que ao Judiciário compete atuar de modo a evitar lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV). Não pode remanescer dúvida quanto a isso.

Exemplo 2: necessidade do arresto antes da instauração de qualquer "processo".

Haverá situações em que a medida de arresto será necessária mesmo diante da inexistência de qualquer processo. Os repertórios de jurisprudência estão abarrotados dessas situações.

Daí surge a pergunta: o credor pretendente do arresto deverá sujeitar sua postulação à via do processo cautelar autônomo (ação cautelar preparatória), demonstrando a subsunção do caso concreto a alguma das causae arresti especificamente arroladas no art. 813? Ou, ainda, à míngua de alguma daquelas hipóteses, será necessário, mesmo assim, valer-se do processo cautelar autônomo para deduzir a chamada ação cautelar inominada preparatória?

É evidente que o respectivo autor poderá optar pelo processo cautelar autônomo do Livro III em qualquer dessas hipóteses. Afinal de contas, nosso direito processual positivo, ainda, está estruturado dessa forma.

Mas o certo é que não lhe poderá ser tolhida a possibilidade de valer-se de um processo jurisdicional civil e articular sua pretensão à tutela de urgência (segurança) manejando as técnicas de antecipação de tutela previstas – repita-se – no feixe normativo decorrente dos arts. 273, 461, 461-A, e respectivos §§.

Ora, se é uma medida arrestiforme o que se busca, e o regime das tutelas de urgência viabiliza a antecipação da tutela específica de obrigação de não fazer (não dissipar ou onerar os respectivos bens), então se apresenta perfeitamente factível que se postule, e o juiz defira, uma tutela de urgência impondo a respectiva obrigação específica (não fazer), que poderá ser implementada com a obrigação de entrega de coisa para que os bens sob perigo de dissipação/oneração sejam desapossados do devedor que apresenta conduta temerária. Afinal de contas, para a salvaguarda das obrigações específicas ou a obtenção do resultado prático equivalente, o juiz terá uma gama de possibilidades (CPC, art. 461, § 5º; art. 461-A, § 3º).

Certamente uma objeção poderia ser aqui lançada: mas e a coisa julgada – material – operada com o trânsito em julgado do processo manejado com as técnicas do art 461, 461-A? Não estaria ela a impedir a solução acima proposta, já que o arresto – medida cautelar que é – tem como atributo a provisoriedade?

No regime do processo cautelar autônomo há a – sofismática – idéia propagada por parcela importante da doutrina tradicional de que nele não haveria formação de coisa julgada, idéia essa, inclusive, suposta amparada pelo art. 807 do CPC.

Contudo, não é isso o que ocorre.

Em estudo recente e específico sobre o tema, Luiz Eduardo Ribeiro Mourão deixa claro que há, sim, coisa julgada cautelar [22]. E é o mesmo Mourão quem, para fundamentar essa inegável premissa, sustenta que "É preciso deixar claro que a principal finalidade da coisa julgada é impedir a repetição do exercício da mesma atividade jurisdicional, sobre o mesmo objeto." [23]

Não há dúvida que em qualquer processo jurisdicional voltado à formação de sentença (satisfativa ou cautelar) haverá a formação da coisa julgada, imperativo constitucional vocacionado a outorgar segurança jurídica ao resultado da atividade desenvolvida pelo Poder Judiciário (CR, art. 5º, XXXVI).

De tal modo, tanto lá (processo de "conhecimento" em que se obteve a tutela de urgência: art. 461, 461-A, e §§), quanto cá (processo cautelar autônomo preparatório), a uma vez proferida a medida concessiva do arresto, o conseqüente trânsito em julgado provocará a ocorrência da coisa julgada.

Logo, obtido o arresto através da técnica de antecipação de tutela – sem processo cautelar autônomo, portanto –, e posteriormente ocorrendo o trânsito em julgado, de duas uma: ou i) antes de seu fim já terá o credor proposto o processo adequado para fazer valer seu crédito, o que fará com que sobre os bens arrestados, chegado o momento oportuno, recaía a penhora, ou ii) processo algum ainda foi ajuizado – pense-se numa nota promissória que ainda não venceu – e daí, diante da inércia do respectivo credor, e tendo em vista a alteração dos fatos, será perfeitamente possível ao sujeito que sofreu o arresto sobre seus bens ingressar com ação judicial visando – através de tutela constitutiva, por exemplo – o desfazimento da indisponibilidade que lhe foi lançada por aquela medida de arresto.

O fato é que será possível valer-se de um processo manejado na perspectiva das técnicas de antecipação de tutela, para buscar-se uma medida arrestiforme voltada a impor ao devedor uma obrigação negativa, um embargo, portanto.

Em suma: não é conditio sine qua non a utilização do processo cautelar autônomo (CPC, Livro III) mesmo para que seja obtido um arresto preparatório, para ficarmos numa palavra de uso tradicional na dogmática do processo.

Exemplo 3: necessidade do arresto (cautelar) na pendência de "processo" de execução

Desnecessário afirmar que o "processo" (autônomo) de execução atualmente é voltado apenas para a execução dos títulos executivos extrajudiciais. A "execução" contra a Fazenda Pública – que a rigor de execução não se trata [24] – e a execução de alimentos continuam previstas no Livro II do CPC por falta de oportunidade de reajuste sistemático, já que ambas as hipóteses não encerram verdadeiro "processo" (autônomo) de execução.

Não há dúvida quanto à possibilidade da obtenção de um arresto cautelar quando pendente o "processo" de execução [25]. Isso mesmo: arresto cautelar e não o chamado arresto executivo previsto no art. 653, este, por sinal, destituído de cautelaridade [26]. O arresto executivo submete-se a outros pressupostos e não está condicionado à eventual conduta temerária do devedor; ao contrário, procede-se ao arresto do art. 653 pelo simples fato de o devedor-executado não ter sido encontrado para a citação. É ato, portanto, substancialmente executivo de mera antecipação da penhora.

Ajuizada ação de execução, é possível que tarde a efetivar-se o ato citatório. Nesse interregno, o devedor do título extrajudicial lança-se a atos temerários (periculum). Por sua vez, o título no qual está aparelhada a execução demonstra o crédito exeqüendo (fumus).

Para uma situação como essa, aventamos duas possibilidades.

A primeira seria o credor-exequente fazer instaurar um processo e, diante da demonstração do fumus boni juris e do periculum in mora, manejar as técnicas de obtenção de tutela de urgência (cautelar, no caso) para impor à parte contrária uma medida arrestiforme.

A segunda, menos ortodoxa, mas igualmente possível, seria o credor-exequente atravessar uma petição autônoma nos próprios autos da execução requerendo a antecipação de um dos efeitos colaterais (cautelar, portanto) do pedido contido na petição inicial.

Nesse panorama, tendo em vista que um dos efeitos (colaterais) deste pedido de execução de quantia certa será exatamente a ocorrência da penhora como ato executivo apto para que se atinja a satisfação do crédito pecuniário, seria perfeitamente possível ao juiz, em antecipação de tutela, conceder uma medida de arresto cautelar após pedido incidental nos autos da execução.

Quanto a ultima hipótese aventada, poder-se-ia lançar a seguinte objeção: mas tal procedimento seria incompatível com o procedimento do "processo" (autonômo) de execução, cuja atividade nele desenvolvida é preponderantemente voltada à prática de atos executivos.

Quanto à eventual incompatibilidade procedimental, de duas uma: i) ou ignora-se essa exagerada formalidade, pois há tempos já se sabe que é perfeitamente possível atividade cognitiva no "processo" de execução, ou ii) que o juiz seja minimante criativo e, se assim lhe parecer melhor, determine que se autue a respectiva petição em apenso.

O dado importante – assim fortemente nos parece – é que em nenhum destes 3 exemplos acima expostos haverá qualquer violação à ampla defesa ou ao contraditório. Aproveita-se ao máximo o processo jurisdicional civil já instaurado e, no seu curso, postula-se a medida cabível para a tutela jurisdicional do direito. No caso, a medida de arresto.

Em miúdos: são as vantagens que o processo sincrético em grau máximo atualmente previsto no CPC pós-Reforma viabiliza aos atores da cena processual. Basta um pouco de boa vontade e criatividade dos que manejam a postulação técnica e da respectiva jurisprudência. Essa mirada pragmática do direito processual civil – assim entendemos – já é possível na perspectiva no CPC vigente, e tudo dentro da mais rigorosa sintonia com o modelo constitucional de processo.

Sobre os autores
Denise de Paula Andrade

Advogada, professora da Faculdade Anhanguera Jundiaí

Glauco Gumerato Ramos

Mestrando em direito processual na Universidad Nacional de Rosario (UNR - Argentina). Mestrando em direito processual civil na PUC/SP Membro dos Institutos Brasileiro (IBDP), Iberoamericano (IIDP) e Panamericano (IPDP) de Direito Processual. Professor da Faculdade de Direito da Anhanguera Jundiaí (FAJ). Advogado em Jundiaí

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Denise Paula; RAMOS, Glauco Gumerato. Arresto (ou embargo) cautelar na perspectiva do processo sincrético em grau máximo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2788, 18 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18517. Acesso em: 18 nov. 2024.

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