8. Conclusão
Por tudo o quanto se desenvolveu neste texto, é possível concluir:
Primeiro: O desenvolvimento do conceito estratificado de delito passa por uma análise e rearranjamento dos mesmos elementos, nos quatro estratos: conduta, tipicidade, ilicitude e culpabilidade, com modificações conceituais em torno dessas instâncias e de seus elementos componentes.
Segundo: Esses arranjos dos elementos do conceito de crime e suas subestruturas deram origem e fundamentam as duas principais correntes teóricas do crime: causalismo e finalismo. De sorte que não se diferem quanto aos elementos mas com relação ao entendimento do que cada um significa e do que traz em si.
Terceiro: O dolo, como subestrutura do conceito de crime, varia de colocação em cada uma das vertentes teóricas, sendo que, no finalismo, que tem maior acolhida entre doutrinadores brasileiros e alienígenas, veio a ficar no tipo de injusto, livre de valoração normativa. É o que Welzel chamou de dolo natural, vez que a ciência da ilicitude não o compõe.
Quarto: Conforme o finalismo, a ciência da ilicitude faz parte culpabilidade, já que é elemento normativo, e faz parte de um conceito maior de reprovabilidade de conduta contrária ao direito, quando o agente podia conformar-se ao mandamento legal.
Quinto: Sendo o Direito Penal construído para gerir condutas humanas, deve ocupar-se do estudo do erro, vez que esse faz parte da essência do próprio homem.
Sexto: O erro, conforme assentado em doutrina e jurisprudência, vai incidir ou sobre os elementos do tipo objetivo ou sobre a ciência da ilicitude, com conseqüência de afastamento do dolo (verificada sua escusabilidade) ou de afastamento da culpabilidade (verificada sua escusabilidade), isentando o sujeito de pena.
Sétimo. O Código Penal e a doutrina reconhecem a existência de erro sobre pressuposto de fato que atinge a ciência da ilicitude em causa de justificação: discriminante putativa. Neste caso, a lei dá como solução a isenção de pena (se escusável) e a punição a título de negligência (se inescusável), mesmo que neste caso o sujeito tenha agido com dolo do tipo.
Oitavo: O dolo do tipo é a posição do sujeito com relação ao seu fato, é objeto a ser valorado. A culpabilidade dolosa é a disposição interna do sujeito, é a valoração acerca de sua disposição interna, de menosprezo, indiferença ou leviandade com relação a bens jurídicos.
Nono: A teoria complexa da culpabilidade aponta no sentido de dar ao dolo uma dupla valoração dentro da teoria do delito, vez que essa, a culpabilidade, vai compor-se, além dos elementos normativos já estabelecidos, de duas formas de culpabilidade: uma dolosa e uma culposa, conforme se verifique a atitude interna de ânimo do sujeito com relação ao bem jurídico atingido.
Décimo: Com a adoção da teoria complexa e a dupla valoração do dolo, no tipo e na culpabilidade, a quebra de racionalidade operada pelo erro sobre pressuposto de fato em causa de justificação vista sob a ótica das demais teorias deixa de existir, posto que pode haver uma culpabilidade negligente quando o sujeito atua dolosamente, já que ao dolo do tipo não corresponde uma atitude interna necessariamente reprovável a título de culpabilidade dolosa.
9. Bibliografia e referências bibliográficas
BITENCOURT, Cezar Roberto; CONDE, Francisco Muñoz. Teoria Geral do Delito. São Paulo : Saraiva, 2004.
GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2001.
JAKOBS, Günther. Fundamentos do Direito Penal. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2003.
QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito Penal: introdução crítica. São Paulo : Saraiva, 2001.
RODRIGUES, Cristiano. Teorias da Culpabilidade. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2004.
ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva no Direito Penal. Rio de Janeiro : Renova, 2002.
SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. 4ª ed. Curitiba : ICPC ; Lumen Juris, 2005.
TAVARES, Juarez. Direito Penal da Negligência. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2003.
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. São Paulo : Saraiva, 2001.
WELZEL, Hans. Direito Penal. Campinas : Romana, 2003.
_____________. O novo sistema jurídico-penal. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2001.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2004.
Notas
- A bem da compreensão o mais abrangente do assunto quanto for possível, embora pensamos particularmente ser assunto de menor importância, hoje em dia, cumpre mencionar a posição de parte da doutrina nacional, por todos DAMÁSIO e MIRABETE, que não vêem a culpabilidade como sendo elemento do conceito analítico de crime, mas apenas como pressuposto para a aplicação da pena. Sobre o tema, interessante ver a explicação contida na obra de FERNANDO CAPEZ, Curso de Direito Penal – Parte Geral, editado pela Saraiva, de São Paulo.
- À guisa de esclarecimento: IHERING, a partir da comparação entre a posse de coisa de terceiro por parte do "ladrão" e por parte de alguém que a detivesse de boa fé, verificou que, embora ambas as situações fossem "contrárias ao direito", essas não tinham o mesmo grau de reprovação. A partir disso, para o direito privado, IHERING viu que a antijuridicidade – quer dizer, a contrariedade do fato com o ordenamento jurídico – é objetiva, verifica-se independente do elemento anímico do sujeito. O que faria a distinção entre a posse de má-fé e a de boa-fé de coisa de terceiro seria a culpabilidade, ideada na reprovação, que teria cunho subjetivo, portanto. Sobre o tema, interessante a leitura da obra Teoria Geral do Delito, escrita a quatro mãos pelos penalistas FRANCISCO MUÑOZ CONDE e CEZAR ROBERTO BITENCOURT, publicada pela editora Saraiva. Veja-se o que dizem os citados autores, in verbis: "a posição do ‘possuidor de boa-fé’ era diferente da do ladrão. Ao primeiro, precisamente por sua boa-fé, não se lhe pode censurar por ter em seu poder a coisa alheia. Já, ao segundo, sim. Apesar disso, não se pode considerar a situação do possuidor de boa-fé conforme ao direito. Em síntese, a posição do possuidor é antijurídica, mas não é culpável. A culpabilidade, no ordenamento jurídico, justifica a imposição de outras conseqüências jurídicas. Assim, a posição do ladrão, que subtraiu a coisa alheia, além de ser antijurídica é também culpável, fundamentando, além da ação restituitória, as sanções próprias do Direito Penal." (p. 186)
- Uma vez mais à guisa de esclarecimento: a teoria limitada da culpabilidade é o contraponto da teoria extremada da culpabilidade, sendo ambas a antítese das teorias extremada e limitada do dolo. Para as teorias da culpabilidade, o conhecimento da ilicitude faz parte da culpabilidade. O que diferencia a extremada da limitada é que esta última conhece a espécie "erro de tipo permissivo", entendendo haver o caso nas oportunidades em que o erro sobre a discriminante putativa incidir sobre pressuposto de fato de uma dessas causas de justificação. Nos demais casos, ou seja, quando o agente supuser a existência ou os limites da dirimente, haverá o chamado erro de proibição indireto. O erro de proibição direto, como sabido, incide sobre o potencial conhecimento da ilicitude, em quaisquer casos, a par das causas de justificação.
- Tal situação hipotética encontra-se, de maneira semelhante, na obra Erro de Tipo e Erro de Proibição, de Luiz Flávio Gomes, citada nas referências bibliográficas.
- Não é irrelevante mencionar que, embora exponha as vantagens da Teoria Complexa da Culpabilidade, especialmente no que concerne a sua racionalidade no tratamento do erro de tipo permissivo, o citado autor, CRISTIANO RODRIGUES, por filiar-se ao Finalismo welzeliano, e por tê-lo como seu marco teórico, vislumbra, na nova tese complexa, um retrocesso na teoria do delito, especialmente por entender que na análise do ânimo contrário ao Direito, o que se estaria fazendo é um travestimento do dolus malus em algo aparentemente novo, mas com a conseqüência, entendida por ele como nefasta, de recolocar a ciência do injusto na culpabilidade, que havia sido depurada de tal elemento pelo finalismo. No entanto, ousa-se discordar do referido autor, vez que se equivoca em suas premissas, e remete-se para o próprio texto, especialmente no momento em que se fazem as distinções necessárias entre a ciência da ilicitude e a atitude de ânimo contrária ao Direito, no paradigma complexo, já que se referem a objetos diferentes.