RESUMO
Este estudo, amparado pela concepção finalista do conceito estratificado de crime, visa a demonstrar que, em razão da teoria limitada da culpabilidade, adotada expressamente pelo Código Penal brasileiro (vide exposição de motivos da Lei 7.209/84, itens 17 e 19), especialmente no que concerne ao entendimento do erro sobre pressuposto de fato de discriminante putativa, há uma quebra de racionalidade quanto à sua conseqüência, que só pode ser corrigida pela adoção da chamada teoria complexa da culpabilidade, que, inserta do conceito de atitude interna do sujeito (Gesinnung), possibilita uma dupla valoração do dolo, tanto no tipo quanto na culpabilidade, e culmina com a possibilidade de punição de um crime com dolo no tipo a título de negligência, amoldando-se, com maior exatidão, ao disposto no art. 20, §1º, do Código Penal.
Palavras-chaves: Direito Penal ; Teoria do Crime ; Culpabilidade ; Erro.
1. Introdução
O estudo da chamada teoria do fato punível, ou teoria do delito, parte da análise de cada um dos diversos aspectos que formam esse instituto jurídico chamado crime. O conceito analítico do delito – nomeado de estratificado por ZAFFARONI e PIERANGELI (2004) – constrói-se da decomposição lógico-metodológica em diversos níveis de quatro realidades básicas: conduta, tipicidade, ilicitude e culpabilidade, que se põem em uma ordem lógica, arranjados sistematicamente, a fim de dar conotação delitual a um fato humano qualquer.
Em verdade, as vertentes teóricas que se formaram com base na idéia de estratificação do conceito de crime, seja o causalismo lisztiano, o finalismo de WELZEL ou o funcionalismo de ROXIN, trabalham com esses quatro grandes grupos de conceitos mencionados [01]. O que vai fazer a distinção entre os paradigmas teóricos é a compreensão do alcance do sentido desses mesmos elementos e de que outros subelementos eles se compõem.
De forma que, para este estudo, uma vez que se tentará dar uma solução racional para o que estatui o art. 20, §1º, CP, a principal divergência, conforme se demonstrará, reside na posição do dolo dentro do conceito de crime e da possibilidade de o mesmo ser valorado em momentos distintos dentro desse processo lógico de averiguação da existência da infração penal.
E essa colocação do dolo e a compreensão do alcance de seu sentido vão ter conseqüências relevantes para a compreensão da culpabilidade e do injusto típico, o que vai influir para o entendimento acerca das modalidades de erro básicas da legislação penal em vigor: erro de tipo e erro de proibição.
Isto porque, se o erro – vista a histórica dicotomia fato e direito, que gerou tipo e proibição – incide ou sobre o tipo objetivo ou sobre a ciência da ilicitude e se as conseqüências possíveis são o afastamento do dolo ou da culpabilidade, como se poderia explicar uma hipótese de erro que, por atuar sobre a culpabilidade – e, portanto, a ciência da ilicitude – pode ter como conseqüência legal a punição a título de negligência se a regra, nesses casos, é a diminuição da reprimenda penal?
É a isso que se propõe o presente estudo: dar uma colaboração, à luz da nova teoria complexa da culpabilidade, para o entendimento do erro sobre pressuposto de fato de causa de justificação, cuja conseqüência, para o Código, se evitável, é a apenação a título de negligência.
Conveniente mencionar que, para limitar o objeto de pesquisa, este trabalho não se deterá em dissecar o erro de tipo e o erro de proibição, seja direto ou indireto, na forma como os concebe a doutrina moderna, com base na teoria limitada da culpabilidade, que, ainda assim, será muitas vezes mencionada no decorrer deste texto.
Intenta-se, por fim, expor a nova teoria da culpabilidade, chamada de complexa, tocando, especialmente, a colocação (ou valoração) do dolo nesta estrutura, para, ao final, formular uma proposta de entendimento racional para o erro sobre elementos de fato das discriminantes putativas. Portanto, se tentará demonstrar que, a fim de que não haja uma quebra de racionalidade no entendimento das hipóteses de erro jurídico-penal, já que essas vão ter por base os conceitos de dolo e de conhecimento da ilicitude, a melhor solução é a proposta pela teoria complexa da culpabilidade e pela dupla valoração do dolo na estrutura estratificada do delito.
É exatamente a mesma conclusão a que chegou RODRIGUES, em seu excelente Teorias da Culpabilidade (2004, 159):
Portanto, somente através da moderna concepção de culpabilidade é que se enquadra de forma clara a já mencionada classificação, aceita por boa parte da doutrina, do erro de tipo permissivo como um "erro sui generis", situado entre o erro de tipo e o erro de proibição, sem serem necessários malabarismos dogmáticos, que somente buscavam explicar o inexplicável dentro de uma teoria puramente finalista.
Chama-se de "nova" teoria complexa para cotejá-la com a idéia também complexa da culpabilidade no conceito neoclássico de delito, em que essa se compunha, além da reprovação, pelo dolo e pela negligência, como elementos psicológicos.
Visualmente falando, propõe-se a existência de um movimento que parte das semelhanças para as diferenças, retornando, ao final, para propor uma solução racional, aos pontos de convergência entre as diversas teses havidas sobre os elementos do conceito estratificado de crime e da posição do dolo, para a conformação do erro jurídico-penal.
Para a realização do trabalho, fica adotado como marco teórico o finalismo welzeliano, fato que faz com que, as definições aqui esposadas tenham por base essa doutrina, exceto nas ocasiões em que se fizer expressa menção a outras vertentes de entendimento dos estratos do fato punível. Para a compreensão da teoria complexa da culpabilidade, já que esta refoge àquilo que disciplina a tese de DOHNA e WELZEL, se adotará a perspectiva indicada por WESSELS e JESCHEK sobre a mesma. De forma que, exceto naquilo em que forem incompatíveis, esses panos de fundo teóricos permearam todo o texto.
Ainda na seara da culpabilidade complexa, não se aceita, para os fins que se buscam com esta investigação, que o dolo ocupe dois lugares distintos dentro do conceito de crime. No entanto, para ser fiel às transcrições dos autores que fundam esta variante teórica, suas palavras foram mantidas na exata forma como escritas em suas obras citadas na bibliografia. Por isso, vez por outra, a expressão "dupla posição do dolo" acabará aparecendo.
À guisa de esclarecimento, para que o texto fique coerente com a moderna teoria do fato punível e para evitar confusões terminológicas que porventura aflorem, já que se trabalhará muito com o conceito de culpabilidade, preferiu-se a utilização de "negligência" e não de "culpa" (em sentido estrito), conforme o tem preferido autores de peso como JUAREZ TAVARES (2003) e JUAREZ CIRINO DOS SANTOS (2005), sem que haja, com isso, qualquer mutação conceitual.
Não se olvidou da conformação da negligência como elemento subjetivo que, de certa forma, "acompanha" o dolo em sua deambulação entre os estratos da teoria do delito. No entanto, para este trabalho, preferiu-se a análise tão somente do dolo, para fins de restrição do objeto de estudo. Visto isto, praticamente tudo o que se disser sobre a posição toponímica do dolo se pode aplicar à negligência, ao menos no que tange aos objetivos do presente.
2. O conceito estratificado de delito
A par das chamadas definições materiais, que vêem o crime como a violação de interesses socialmente relevantes (RANIERY), e das formais, que o tomam como violação da lei do Estado (CARRARA); desde CARMIGNANI, que viu no crime a conjugação de uma força moral e uma força física, todo o arcabouço doutrinário erigido em torno do conceito de crime, especialmente se se leva em conta a contribuição de BELING com sua tipicidade objetiva e a de LISZT, com a separação entre ilicitude e culpabilidade, parte da idéia de sua estratificação. Ou seja, para a compreensão da realidade envolvida no conceito de infração penal, necessário compreender que elementos conformam tal instituto e lhe dão existência.
A concepção analítica ou estratificada, termo preferido por ZAFFARONI e PIERANGELI (2004) supõe a compreensão das partes que compõem o todo para poder ter uma visão completa deste. De maneira que, estando o aplicador do direito diante de um fato, seja-lhe possível, a partir da análise de diversos estratos, verificar se, realmente, encontra-se frente a um crime qualquer.
A divisão que historicamente se faz em três ou quatro elementos, levando-se em conta a adjetivação da conduta humana em típica, ilícita e culpável, está mais ou menos assentada na doutrina e na jurisprudência, razão por que se torna desnecessário aduzir profundos argumentos acerca do processo que trouxe até tal estágio. Até porque, para o presente trabalho, as premissas mínimas já lançadas são mais que suficientes para a compreensão final que se pretende.
O próprio ROXIN (2002, 189), em sua festejada obra Funcionalismo e Imputação Objetiva no Direito Penal, expressou seu entendimento:
Na dogmática jurídico-penal moderna existe, substancialmente, consenso a respeito de que todo comportamento punível representa uma ação típica, antijurídica, culpável e preenchedora de outros eventuais pressupostos de punibilidade. Todo comportamento punível compõe-se, portanto, de quatro elementos (ação, tipicidade, antijuridicidade, culpabilidade), aos quais vez ou outra se podem acrescentar alguns pressupostos de punibilidade.
Importa salientar, ainda com ZAFFARONI e PIERANGELI (2004), que esta divisão não está no tempo e no espaço, mas é uma construção logicamente necessária para a averiguação da ocorrência ou não do crime. Isto quer dizer que, para que se descubra haver ou não crime, primeiro se verifica da existência de conduta e das causas que a podem elidir, seja pela ausência de vontade, de finalidade ou de manifestação da personalidade. Entendendo ser conduta humana tal ou qual fato, necessário verificar se se amolda a algum modelo legal preestabelecido e se viola o um bem jurídico protegido pela lei, conformando a tipicidade. Visto que a conduta humana está proibida ou obrigada (crimes comissivos e omissivos), necessário vislumbrar a existência de causa que exclua a ilicitude do ato, ou seja, se o ordenamento, em algum de seus dispositivos, não autoriza a realização daquela conduta que se via amoldada ao proibitivo legal. Por fim, verifica-se se aquela conduta é reprovável a seu autor, formando-se o juízo de culpabilidade.
Isto quer dizer que, mais que partes de um todo, conduta, tipicidade, ilicitude e culpabilidade são passos necessários e logicamente colocados em uma ordem, a fim de que se possa dizer da realização do fato delituoso.
Disse o próprio WELZEL (2001, 47)
A tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade são os três elementos que convertem a ação em delito. A culpabilidade – a responsabilidade pessoal pelo fato antijurídico – pressupõe a antijuridicidade do fato, do mesmo modo que a antijuricidade tem que estar, por sua vez, concretizada nos tipos legais. A tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade estão vinculadas logicamente de tal modo que cada elemento posterior do delito pressupõe o anterior.
Cada uma das teorias que tentaram explicar o crime, mormente o causalismo e o finalismo, guardam semelhanças consideráveis no que diz respeito aos elementos do conceito de crime. Ou seja, a divisão das superestruturas é a mesma. No entanto, variam – e aí sensivelmente – com relação ao seu alcance conceitual e a quais subestruturas compõem cada um dos estratos.
3. Das definições de dolo
O dolo é a vontade livre e consciente de realizar o tipo objetivo. Estruturalmente, ele é composto, portanto, de momentos de cunho volitivo e intelectivo, significando que o agir doloso deve ser inspirado pelo conhecimento pleno e atual das circunstâncias que envolvem o fato; e que o sujeito dirija sua ação finalisticamente para a realização daquilo que conheceu, isto porque, no instante da conduta dolosa, o sujeito precisa conhecer todas as elementares do crime e querer realizá-los.
De forma que
O dolo, conforme um conceito generalizado, é a vontade consciente de realizar um crime, ou, mais tecnicamente, o tipo objetivo de um crime; também definível como saber e querer em relação às circunstâncias de fato do tipo legal. (SANTOS, 2005, 62)
O Código Penal brasileiro, em seu artigo 18, diz que o crime é doloso quando o sujeito quer a produção do resultado ou assume o risco de produzi-lo. Verificam-se, daí, as duas modalidades básicas de dolo com as quais trabalham a lei e a doutrina: dolo direto e dolo indireto eventual. Para o presente, basta fixar-se no dolo direto.
Assim, pode-se dizer que há o agir doloso naquelas circunstâncias em que o sujeito, conhecedor dos elementos objetivos que compõem o fato criminoso que deseja perpetrar, dentre os diversos previstos pela legislação em vigor, conforma seu ânimo no sentido de realizá-los.
4. As diversas posições do dolo na teoria do delito
A compreensão do dolo, tendo-se visto a definição acima, com relação àquilo que contém em si e à sua localização no conceito estratificado de delito, varia – como variou na história do Direito Penal e ainda comporta entendimentos diversos – conforme o pano de fundo teórico adotado. Partindo dos modelos de compreensão do delito, conforme se expõe a seguir, cada uma dessas vertentes viu diferenças acerca da colocação do dolo e, especialmente, acerca da inserção no mesmo da ciência da ilicitude, seja potencial, seja atual.
4.1. Causalismo clássico
O causalismo clássico, desenvolvido a partir do pensamento de LISZT, BELING, e RADBRUCH, formou-se tendo por base um conceito mecanicista de ação, amparado na física clássica newtoniana, que a identificava com mero processo causal e a definia como sendo movimento muscular que produzia um resultado visível no mundo dos fatos. Isto é, sendo o universo uma sucessão de causas e efeitos, influenciado pelo método das ciências naturais, o sistema LISZT-BELING-RADBRUCH compreendia a ação humana como mais uma dessas causas. Importa mencionar, ainda que rapidamente, que a visão "naturalista" do conceito de ação, antes mencionada, foi superada, logo a seguir, por uma visão idealista, baseada na noção neokantista de que o conhecimento é capaz de criar o objeto cognoscível.
De acordo com esse modelo teórico, que adotou a idéia de IHERING, desenvolvida para o direito de propriedade, de uma antijuridicidade (ou ilicitude) objetiva, baseada na presunção absoluta de conhecimento da lei, ao conhecimento da ilicitude negava-se importância e autonomia estrutural dentro do conceito de crime.
Se a antijuridicidade se revela numa desconformidade objetiva de um comportamento com o ordenamento jurídico, com base nos três modais deônticos básicos, o argumento da insciência da ilicitude não tinha qualquer relevância para o Direito Penal, vez que bastava, para se falar em desconformidade, que o sujeito praticasse ação que contrariasse o ordenamento. As posições internas de ânimo são parte do juízo de culpabilidade. Foi a essa conclusão, justamente, a que chegou IHERING, quando separou culpabilidade e antijuridicidade, no âmbito do direito de propriedade, como já mencionado [02].
MUNHOZ NETTO ainda esclarece:
Ao lado destes e outros fundamentos teóricos, freqüentemente se invoca, como decisivo, um argumento de direito constituído: em face das legislações que, expressametne, aludem à irrelevância do erro de direito, a regra de que a ignorância da lei não escusa, basta a evidenciar a impossibilidade de incluir no dolo o conhecimento da anitjuridicidade.
Conforme este entendimento, o dolo é a parte anímica e, por ser subjetivo, psicológico, encontra-se situado na culpabilidade, como uma de suas espécies, juntamente com a negligência. Sob essa vertente teórica, há uma separação absoluta entre o injusto objetivo e a culpabilidade subjetiva, de forma que tudo quanto for de elemento subjetivo, necessariamente, fica colocado na culpabilidade.
4.2. Causalismo neoclássico
Já sob influência do pensamento neokantiano, que resgata o caráter cultural da ciência do Direito, especialmente com FRANK, MEZGER e MAYER, o conceito clássico de delito é reformulado e, sob influência da concepção de dolus malus dos romanos, conforme informa TOLEDO (2001), passou-se a entender que, no dolo, havia a presença do conhecimento da ilicitude. Isto porque, se a culpabilidade é reprovação, só se pode reprovar uma conduta que não se motiva na lei, quando seu autor sabe que atua em contrariedade com esta. Assim, neste modelo, atuar dolosamente é agir visando a um resultado sabidamente ilícito. O sujeito, no momento de sua conduta, deveria ter ciência – portanto, atual, - da ilicitude de seu fato. Isto porque,
exige-se que o agente, no momento da conduta, além de representar a realidade fática (requisito intelectual do dolo) e de desejar realizar a conduta (requisito volitivo), tenha consciência real e inequívoca (ainda que num juízo leigo) de que sua conduta contraria o ordenamento jurídico (é a consciência real da ilicitude ou da antijuridicidade do fato). (GOMES, 2001)
Por este viés teórico, da mesma maneira que no anterior, o dolo faz parte da culpabilidadade, como elemento subjetivo. No entanto, já que passa a culpabilidade a ter conotação de reprovação além do vínculo subjetivo com o resultado, não mais se entende o dolo como espécie daquela, mas como um de seus elementos.
De toda forma, como se vê, tanto num quanto noutro modelo, o dolo está devidamente colocado na culpabilidade.
4.4. Finalismo
O finalismo, sistematizado por WELZEL, sob inspiração de GRAF ZU DOHNA, promoveu, conforme sói se dizer, verdadeira revolução na estrutura estratificada do delito. Muito embora, como já se disse nas primeiras linhas do presente, não tenha realizado a inclusão de qualquer elemento que seja. Em verdade, o finalismo realiza uma realocação dos elementos já abarcados pelo pensamento dos outros paradigmas teóricos, de maneira a deixar de cindir vontade e finalidade (injusto e culpabilidade), como se fazia até então. Sua principal inovação, em termos gerais, foi ter dado ao conceito central de conduta uma perspectiva ôntico-ontológica, ao dizer que a mesma é o exercício de uma atividade final (WELZEL, 2001). No sentido de que o homem, por seu saber causal, tem capacidade de prever, com alguma certeza, o que advirá de seu comportamento, sendo impossível qualquer agir humano que não se dirija finalisticamente a algo já pressuposto.
Assim, o dolo, que estava alocado na culpabilidade, passa a fazer parte do injusto. Mais precisamente, se transforma no dolo do tipo: torna-se o elemento subjetivo central do tipo. De sorte que, "o dolo e a culpa, assim, não fazem parte da culpabilidade; eles passam a ser "objeto de valoração" da culpabilidade. Eles integram o tipo e uma vez ausentes o fato é atípico." (GOMES, 2001)
Nas palavras do próprio WELZEL
O dolo é, sem dúvida alguma, um elemento do tipo, sem o qual não pode ser constatada a tipicidade do acontecer externo. (...) O dolo se apresenta aqui necessariamente como um elemento constitutivo do tipo (...). Em ambos os casos chega-se, pois, à conclusão de que o dolo não é apenas um elemento da culpabilidade, mas sim um elemento constitutivo do tipo. (2001, 68)
A teria normativa pura da culpabilidade a que está vinculado finalismo de WELZEL, no entanto, vê o dolo naturalmente conformado. Isto quer dizer que a idéia de dolo normativo trazida pelos neoclássicos fica afastada. O finalismo enxerga o dolo desprovido de color valorativo. Assim, agir dolosamente é simplesmente querer realizar o tipo objetivo. A ciência da ilicitude, que se encontra presa ao dolo e devia ser atual, passa a ficar na culpabilidade, junto dos demais elementos normativos, tornando-se potencial.
Topologicamente, o dolo vai neutro para o tipo, tornando-se seu elemento subjetivo central, ao lado de intenções e tendências, como elementos subjetivos especiais, deixando para a culpabilidade o matiz valorativo-normativo da ciência da ilicitude.
4.3. Funcionalismo
A partir dos anos 70 do século passado, começa a ganhar vigor corrente utilitarista do Direito Penal, encabeçada por ROXIN e JAKOBS que, de modo sucinto, vincula toda e qualquer concepção do Direito Penal a sua função social de solução de conflitos reais.
Sob esta perspectiva, que toma de empréstimo boa parte do conceito social de ação, o dolo volta a ter alguma coisa de valorativo. Inclusive, como se pode ver em QUEIROZ (2001), o funcionalismo critica a neutralidade do dolo buscada pelo finalismo, que foi, inclusive, chamada de artificial por seus cultores.
Como dito, o dolo, para perspectiva funcional, não pode ser tido como neutro, como simples vontade de realização do tipo objetivo, isto porque é impossível falar-se em agir doloso sem um mínimo de contextualização histórico-social.
Não que, na perspectiva funcional, o dolo seja idêntico ao dolus malus românico e neoclássico, exigindo a ciência atual da ilícitude, uma ciência jurídica atual de violação do mando legal. Mas, exige-se que o sujeito tenha, por inserto em dada comunidade discursiva localizada no tempo e no espaço, ciência de que viola um interesse socialmente adequado.
Ou seja, só se pode falar em agir doloso quando o sujeito se encontra inserido na comunidade discursiva e pode alcançar um conhecimento de que, dado o historicismo do Direito, sua ação é contrária aos interesses sociais.
De maneira que,
o dolo supõe o conhecimento do "sentido social", mas não o da "proibição jurídica". Também Sílva Sánchez entende que não basta, para a configuração do dolo, um conhecimento naturalístico, senão que deve dar-se um conhecimento do conteúdo do sentido social do fato. (QUEIROZ, 2001)
No entanto, como compreendeu SANTIAGO MIR PUIG, o dolo é o dolus malus
é dizer, compreensivo da consciência da ilicitude. Dizemos com razão porque é impossível um conhecimento do sentido "social" sem que isso signifique, ao mesmo tempo, conhecer o seu sentido "jurídico", isto é, "socialmente proibido". (QUEIROZ, 2001)
Sinteticamente: o atuar doloso não é despido de um toque de ciência da ilcitude, no caso, mais atinente ao sentido social do direito.
Já neste momento, é possível verificar que o dolo, no conceito estratificado de delito, variou de colocação e de sentido, especialmente no que concerne a conter ou não a ciência da ilicitude no seu bojo. Importante notar, também, que todos os grupos teóricos pensaram o dolo em um dos estratos: seja no tipo, seja na culpabilidade. A concepção complexa da culpabilidade, de certa maneira, rompe com esta separação estanque, como se verá.