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Fukushima: a valoração midiática e a tragédia humana

Agenda 02/04/2011 às 14:01

Em meio a toda a tragédia ocorrida com o povo japonês a mídia mundial tem procurado ater-se aos possíveis vazamentos de material radioativo da central nuclear instalada na cidade de Fukushima, litoral noroeste do Japão. Por que a preocupação exacerbada com este evento futuro e improvável? Na verdade o assunto energia nuclear vende e sempre vendeu mais que assuntos afeitos à solidariedade humana. Infelizmente no Brasil a propaganda midiática que trata de fraternidade, solidariedade e cidadania não gera atenção pública tal qual a exposição de uma possível tragédia advinda de acidente nuclear. Neste momento por que não nos preocupamos com os fatos atuais e depois pensamos nos desdobramentos futuros? Assusta-me a necessidade de se encontrar culpados neste momento em que a população civil não tem comida ou bens de consumo básicos para sobrevivência digna. Confessamos desprezo aos demagogos e sensacionalistas da mídia numa hora tão delicada como esta do povo japonês.

Resumo: Os desdobramentos que poderão surgir de um possível acidente nuclear na cidade de Fukushima certamente não podem ser considerados exclusivos de responsabilidade humana. A mídia, todavia, ao abordar assuntos relacionados ao tema energia nuclear procura sempre encontrar culpados e sentenciá-los sem culpa formada. Será necessário para se combater esta idéia de punição o verdadeiro entendimento, ou a busca da verdadeira diferença, entre uma atuação humana (positiva ou negativa) no sentido de resguardar direitos do cidadão em casos de acidentes nucleares, agindo com a previsibilidade sustentada e situações em que apesar de todas as medidas assecuratórias terem sido tomadas o evento danoso ainda ocorre, caso em que estaríamos diante da previsibilidade amparada.

Em que pese todo o fator humano envolvido no atual acidente japonês, milhares de mortos e centenas de milhares de desabrigados as pessoas, dentre elas autoridades e a mídia, têm se preocupado realmente com os improváveis efeitos da radiação proveniente de vazamento da Central Atômica de Fukushima [01]. Inicialmente devemos lembrar que o ocorrido adveio de uma decorrência natural das atividades vulcânicas submarinas, geradoras dos terremotos que abalaram o solo japonês, acompanhados reflexivamente dos desastres causados pelos tsunamis na área continental e que em decorrência atingiram de forma assustadora toda uma faixa litorânea bastante considerável da cidade de Fukushima. Frise-se deste já nosso pesar e tristeza pelas vitimas deste evento, mas, infelizmente, há de se destacar as deturpações que vêm surgindo, em especial por parte da mídia, em relação ao vazamento das centrais nucleares.

Por primeiro, há de se salientar que no inconsciente social usinas nucleares sempre foram e continuam sendo nos dias de hoje alvo de toda uma idéia deturpada de lesividade ambiental e de maldade humana. Este fato pode ser constado por simples questionamentos de pessoas próximas a nós em nosso dia a dia, talvez, equivocadamente influenciadas por acidentes que marcaram a história mais moderna da humanidade como Three Mile Island [02] em 1979, nos EUA, Tchernobil na antiga União Soviética em 1986 [03], ou mesmo pelo acidente ocorrido em território nacional na cidade de Abadia de Goiânia no ano de 1987, decorrente do vazamento de cápsulas de CS 137 encontradas abandonadas em plena área urbana.

Iniciemos nossos comentários por esta ultima colocação: esta situação pátria sim, merece, efetivamente, investigação, apuração, devido processo judicial e condenação, haja vista tratar-se de negligência humana advinda de culpa (dever de zelar pela substância) ou até mesmo de dolo na modalidade eventual, ou seja, quando o agente incorre na atividade ou no ato ensejador do tipo penal, mas acredita que nada de prejudicial possa acontecer, confiando em sua habilidade ou destreza. Neste episódio real, desconsiderando as ínfimas penas assinaladas nas sentenças, há de se destacar que um processo judicial foi instaurado para apuração do acidente e os culpados foram sim, em certa medida, punidos.

Mas e o caso japonês? Retornemos a ele. Ambos diferem-se em sua essência. O incidente ocorrido na cidade de Fukushima no Japão trata-se de evento advindo de força maior, decorrente de acidentes naturais, que ainda que consideremos toda a tecnologia de ponta utilizada em nossos dias, tem reduzida previsão humana em relação a eventos desta magnitude. Os eventos, provenientes de deslocamentos tectônicos, quiçá a quilômetros de profundidade no oceano pacífico, só puderam ter seus reflexos detectados na superfície da Terra no momento em já era tarde demais para evacuação local significativa. O problema de vazamento nuclear é posterior e decorrente desta ação da natureza.

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A idéia que tento passar ao leitor é justamente a contraposição entre previsibilidade sustentada e previsibilidade amparada. Os efeitos radioativos advindos das ocorrências na central elétrica de Fukushima, situada a aproximadamente sessenta quilômetros da cidade que lhe dá o mesmo nome, podem ser considerados de previsibilidade sustentada, daí a necessidade humana de, por exemplo, construir a referida usina de forma super dimensionada em termos de estrutura física. O nível de segurança de uma usina nuclear deste porte é altíssimo e capaz de enfrentar fenômenos naturais de grandes magnitudes. Os combustíveis nucleares que dão sustentação às atividades para as quais se destinam, produção de energia elétrica, por exemplo, ou qualquer outro desdobramento cientifico, ficam por sua vez ainda mais guarnecidos dentro dos estudos de processo de segurança a vazamentos. Desta feita o ser humano fez o seu melhor para resguardar proteção aos seus pares e não nos parece que deva ser punido por não ter conseguido suplantar os ataques da natureza.

Ora, é claro que acidentes podem ocorrer, vazamentos podem acontecer e culpados podem ser apontados, mas o que se quer salientar neste artigo é que probabilidades, estatísticas e, em especial, previsibilidade de desastres nestas áreas de rigorosa atuação humana é cada vez mais reduzido. É neste sentido que a previsibilidade deve ser tomada como indicativo da magnitude de segurança. Aliás, deve ter cada vez mais elevados seus índices de apuração e, portanto, o alvoroço momentâneo acusado no continente europeu principalmente em França e Alemanha ao se proporem em fazer toda uma reavaliação das usinas hoje em andamento quanto à segurança é extremamente salutar.

Mas, ponderações e diferenças devem ser apontadas - previsibilidade do previsível, por exemplo, a possibilidade de vazamento de material nuclear, como gostamos de nominar de previsibilidade sustentada, decorrerá sempre do intelecto humano na segurança do objeto criado e da sua relação com o coletivo humano, ao passo que ao tratarmos de eventos futuros e incertos decorrentes de eventos da natureza, que podem afetar pela via reflexa uma área de manutenção de material nuclear, nominada previsibilidade amparada, estará um tanto quanto mais próximo da noção de imprevisibilidade, seja ela advinda de força maior ou caso fortuito e decorrerá, sempre, por conseqüência, na proteção do mesmo objeto de forma reduzida.

O que desejamos lançar como idéias de debate nestas colocações: As usinas nucleares, tão necessárias em nossos dias, inclusive como já defendemos em outros artigos, na produção de energia elétrica, são cada vez mais super dimensionadas e preparadas para que se evitem acidentes com a sociedade local em caso de rompimento. Não estaríamos, portanto, no caso em comento, diante de uma previsibilidade amparada? Não devemos, pois, considerar uma imprevisibilidade em relação à segurança das centrais nucleares?

Gostaríamos de defender, portanto, que o acidente nuclear deve sair do foco, por hora, das matérias jornalísticas para tomarmos por cerne dos debates os seres humanos atingidos pelo evento, afastando-nos das conjecturas e suposições por vir (não nos esqueçamos que a previsibilidade é amparada no caso em tela) não tentando imputar por meio dos jargões que dizem respeito aos enclaves atômicos (descarte dos dejetos nucleares, parca legislação penal e civil para se punir envolvidos em acidentes nucleares ou até mesmo obscuros interesses econômicos envolvidos no cerceamento do desenvolvimento nacional em outras áreas de produção energética) uma mudança do foco ao que deve se sobrepor.

O que fica destas considerações: o ser humano deve avançar em seus conhecimentos. Ou seja, aplicando a premissa de desenvolvimento ao caso em tela, aumentando a segurança dos bens e eventos relacionados à utilização da energia nuclear para fins pacíficos, conseguindo prever com maior intensidade formas de segurança da sociedade. Aumentando com isso a previsibilidade sustentada e arcando com os riscos da previsibilidade amparada.

Por fim, a titulo de ilustração, salientamos uma passagem lida há certo tempo atrás e que nos deixou bastante atento para a necessidade do estudo na evolução do ser humano, seja ele, inclusive, de que área do conhecimento for: Questionou-se um cientista acerca de qual seria a maior necessidade de que gostaria de se utilizar para conseguir finalizar seu projeto. Foram-lhe apresentados, diversos itens, dentre eles valores financeiros astronômicos para seu desenvolvimento cientifico, poder de decisão em relação aos demais pesquisadores, poder de autoridade nos experimentos, dentre vários outros quesitos. Em apreciação a todos eles o pesquisador afirmou que não descartava a necessidade de nenhum, mas o que mais gostaria de possuir seria informação privilegiada e conseqüente conhecimento, pois com elas seria capaz de obter todas as demais que lhe foram oferecidas, inclusive superá-las.

Em nosso entendimento devemos incentivar o avanço de eventos humanitários, solidariedade e cidadania social, que somente podemos conseguir com informações valoradas, maiores avanços científicos e, via de conseqüência, nos protegermos das adversidades que se nos impõem. Mas cabe considerara que alguns eventos, tal como os desígnios da natureza, por mais que desenvolvamos toda uma tecnologia de análise aprofundada e de ponta continuarão em certa medida a ter sempre uma previsibilidade reduzida, amparada, em relação aos adventos criados e desenvolvidos pelo homem, numa previsibilidade sustentada.


Notas

  1. A radiação da usina nuclear de Fukushima não representa um perigo imediato à saúde para quem está além do raio de 20 km do local, disse o porta-voz do governo japonês, Yukio Edano, nesta quarta-feira, 16/03/11. O porta-voz do governo japonês disse em entrevista coletiva que o nível de radioatividade entre 20 e 30 quilômetros da central, área na qual foi pedido que os moradores permaneçam em casa e com as janelas fechadas, não tem efeito prejudicial.
  2. EUA, 28 de março de 1979. Em Three Mile Island (Pensilvânia), uma falha humana impediu o resfriamento normal de um reator, cujo centro começou a derreter. Os dejetos radioativos provocaram uma enorme contaminação no interior do recinto de confinamento, destruindo 70% do núcleo do reator. Um dia depois do acidente, um grupo de ecologistas mediu a radioatividade em volta da usina. Sua intensidade era oito vezes maior que a letal. Cerca de 140 mil pessoas foram evacuadas das proximidades do local. O acidente foi classificado no nível 5 da escala internacional de eventos nucleares (INES), que vai de 0 a 7. In http://noticias.uol.com.br/internacional/listas/top-10-os-maiores-acidentes-nucleares.jhtm. Acessado em 16/03/11
  3. Tchernobil, 26 de abril de 1986. O reator número 4 da usina soviética de Tchernobil, na Ucrânia, explodiu durante um teste de segurança, causando a maior catástrofe nuclear civil da história e deixando mais de 25 mil mortos, segundo estimativas oficiais. O acidente recebeu a classificação de nível máxima, 7. O combustível nuclear queimou durante 10 dias, jogando na atmosfera radionuclídeos de uma intensidade equivalente a mais de 200 bombas atômicas iguais à que caiu em Hiroshima. Três quartos da Europa foram contaminados. In http://noticias.uol.com.br/internacional/listas/top-10-os-maiores-acidentes-nucleares.jhtm. Acessado em 16/03/11
Sobre o autor
Efren Fernandez Pousa Junior

Mestrando em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, pós-graduado em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo, pós-graduado em Direito Processual Civil pelo Centro Universitário Salesiano, Bacharel em Direito, Bacharel e Licenciado em Física Pura. Advogado inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil. Membro da Instituição Educacional "Núcleo Diretriz de Estudos da Filosofia" . Técnico em Edificações formado pela Escola Técnica Federal de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

POUSA JUNIOR, Efren Fernandez. Fukushima: a valoração midiática e a tragédia humana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2831, 2 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18815. Acesso em: 5 nov. 2024.

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