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O clientelismo em decorrência da distribuição discricionária de cargos comissionados.

Um ato de improbidade que ofende o princípio da moralidade administrativa

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Agenda 10/04/2011 às 16:40

6.a improbidade administrativa em decorrência da distribuição discricionária de cargos COMISSIONADOS

É cediço que a Constituição da República de 1988 é impetuosa em preconizar, no caput do artigo 37, a obediência aos princípios administrativos. Tais princípios devem ser respeitados em qualquer conduta administrativa, pois

Constituem, por assim dizer, os fundamentos da ação administrativa, ou, por outras palavras, os sustentáculos da atividade pública. Relegá-los é desvirtuar a gestão dos negócios públicos e olvidar o que há de mais elementar para a boa guarda e zelo dos interesses sociais. (MEIRELLES, 2007, p. 87)

Também na visão de Tourinho (2009, p. 233), a observância dos princípios administrativos em qualquer conduta administrativa é de caráter imprescindível. Veja-se:

Em verdade, o agente público, na qualidade de gestor dos interesses públicos, deverá adotar postura exemplar à sociedade, agindo dentro dos padrões éticos dominantes. Assim, toda conduta do administrador público deve obediência aos princípios administrativos, sejam eles explícitos ou implícitos.

Entretanto, situações ocorrem, como as demonstradas alhures, em que os referidos princípios vêm a ser vilipendiados pela atitude do agente público. Isto posto, "para os casos de violação do princípio [da moralidade], que se denomina de improbidade, estabeleceu o § 4º [da Constituição] severas consequências jurídicas ao agente público responsável, a saber:" (BAHENA, 2006, p. 113, grifo do autor)

Art. 37 [...]

§ 4º. Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. (Grifo nosso)

Assim, tem-se que a Constituição de 1988 ousou ao lançar em seu bojo a expressão "ato de improbidade administrativa", o qual até então não se tinha observado, desta forma, nos textos constitucionais anteriores. Visava então, o legislador constituinte, trazer dispositivos que contivessem os abusos que rotineiramente se observavam na Administração Pública brasileira. No entanto, conforme se viu no parágrafo supracitado, percebe-se que o legislador constituinte atribuiu o dever de delimitar os atos de improbidade através de lei ordinária. Assim,

Com a Constituição de 1988, surgiu a previsão da figura da improbidade administrativa e o rigoroso combate a este mal, através da previsão de algumas medidas que atingem a pessoa do administrador ímprobo, deixando para o legislador ordinário a delimitação dos atos de improbidade. A improbidade administrativa, combatida através de sanções graves, [...] constitui, ao menos, uma esperança de modificação em nosso cenário político-administrativo, fazendo com que somente participem do mesmo aqueles dispostos a atuar em prol da coletividade, colocando de lado a visão individualista, característica inegável de grande parte dos administradores públicos brasileiros. (TOURINHO, 2009, p. 150)

Com isso, surgiu a Lei 8.429, de 02/06/1992, a Lei da Improbidade Administrativa (LIA), que veio a regulamentar esta terminologia, apresentando casos exemplificativos de quebra da probidade administrativa. Não se pode olvidar, contudo, que havia, até o advento da referida lei, dois diplomas legais que abordavam brandamente algo parecido, a saber: as Leis Federais 3.164/57 e 3.502/58. Ambas, no entanto, apenas se limitavam a dispor sobre o seqüestro e o perdimento de bens no caso de enriquecimento ilícito, por influência ou abuso de cargo ou função pública, sendo que a segunda, que foi posterior, apenas corroborava a primeira, apenas aumentando a sua abrangência.

Dessa forma, a LIA introduziu no ordenamento jurídico um conceito até então não utilizado – a improbidade administrativa - mas que, em síntese, significa a violação ao dever de probidade, ou seja, violação dos deveres formais da função administrativa, sobretudo com a inobservância dos princípios administrativos.

Waldo Fazzio Júnior (2008, p. 71), trazendo o entendimento de De Plácido e Silva (1987), expressa que a palavra improbidade

deriva do latim "improbitas" (má qualidade, imoralidade, malícia), juridicamente, liga-se ao sentido de desonestidade, má fama, incorreção, má conduta, má índole, mau caráter. Desse modo, improbidade revela a qualidade do homem que não procede bem, por não ser honesto, que age indignamente, por não ter caráter, que não atua com decência, por ser amoral. Improbidade é a qualidade do ímprobo. E ímprobo é o mau moralmente, é o incorreto, o transgressor das regras da lei e da moral. [...]

Em suma, complementando e sintetizando o conceito de improbidade, o mesmo autor menciona que

A soma do que foi dito revela que o ato de improbidade viola deveres, nega valores, ofende a legalidade, agride uma pluralidade de bens jurídicos, é imoral, já foi visto como mera infração disciplinar, depois como ilícito penal e, hoje, como ilícito civil e político-administrativo. (FAZZIO JÚNIOR, 2008, p. 2008)

Ademais, é preciso que se ressalte que a Lei da Improbidade Administrativa, ao introduzir expressamente a figura da improbidade administrativa, teve o intuito não só de preservar a observação da Lei. Essa pretendeu ir mais além, regrando a atuação administrativa preconizando o respeito aos princípios constitucionais administrativos, afinal, falar de improbidade é falar de violação de princípios. Ocorre que, indo mais além, a LIA estabelece novos parâmetros de abrangência ao instituir que a contraposição aos princípios já enseja a caracterização da improbidade. Segundo entendimento de Fazzio Júnior (2008, p. 71),

apontam nessa direção os arts. 4º e 11 da Lei nº 8.429/92. O primeiro, atribuindo aos agentes públicos o dever de velar pela observância dos princípios constitucionais da Administração Pública. O outro, declarando que a violação de deveres funcionais implica atentado contra aqueles princípios.

Diante disso, importante se faz trazer à baila o artigo 4º da LIA, a saber:

Art. 4º Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos.

Como se vê, a Lei abarca todos os agentes públicos, de qualquer nível ou hierarquia, atribuindo-lhes a obrigatoriedade, repita-se, obrigatoriedade de velar pela observância dos princípios. Assim, atuar conforme os princípios preconizados não é mera faculdade do agente, mas sim um dever. Da mesma forma, tal obrigatoriedade se aplica, e principalmente, ao princípio da moralidade, uma vez que, agindo de forma ilegal ou dissonância com os demais princípios, estará o agente praticando conduta viciada moralmente, contrapondo-se assim automaticamente ao princípio da moralidade administrativa. Ante o exposto, em se confrontando qualquer dos princípios da Administração Pública, se estará praticando ato de improbidade.

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Não obstante, o artigo 11 da mesma Lei apresenta o que vem a ser ato de improbidade que atenta contra os princípios da administração pública. Veja-se:

Art. 11 Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência;

II – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

III – revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;

IV – negar publicidade aos atos oficiais;

V – frustrar a licitude de concurso público;

VI – deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;

VII – revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capas de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.

Da leitura deste artigo logo se depreende que, ao se praticar qualquer ação ou omissão que viole os deveres supra mencionados, estará o agente praticando ato de improbidade. Convém ressaltar, no entanto, que as referidas hipóteses trazidas pela Lei são meramente exemplificativas, não exaurindo os seus limites de atuação. Diante disso, pode-se inferir que se incluem neste rol outros princípios, a exemplo do princípio da moralidade. Corroborando este pensamento, confira-se o entendimento seguinte:

O art. 11, caput, da lei de improbidade se refere à ação ou omissão que atenta contra os princípios administrativos, violando os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições. Esses deveres são arrolados exemplificativamente; a eles se podem acrescentar a boa-fé, a impessoalidade, igualdade, proporcionalidade, dentre outros contidos nos princípios que norteiam a atividade administrativa. (TOURINHO, 2009, p. 233)

Nesta senda, é de se dizer que, para que se configure o ato de improbidade sob o amparo do artigo 11, não é necessário que a conduta do agente tenha sido eivada de ilegalidade, mas que tenha havido ao menos a inobservância dos princípios que regem a Administração Pública. De acordo com o pensamento de Silva (2007, p. 669), o ato pode estar dentro das conformidades legais, mas materialmente comprometido com a moralidade. E, ainda neste raciocínio, manifesta, citando palavras de Marcello Caetano (1970), o seu entendimento do que vem a ser improbidade administrativa. Confira-se:

Quando sua execução [do ato] é feita, por exemplo, com o intuito de prejudicar alguém deliberadamente, ou com o intuito de favorecer alguém, por certo que se estará produzindo um ato formalmente legal, mas materialmente comprometido com a moralidade administrativa.

[...]

A probidade administrativa consiste no dever de o "funcionário servir a Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer". O desrespeito a esse dever é que caracteriza a improbidade administrativa.

Ademais, diferentemente dos artigos 9º e 10º da Lei 8.429/92, o artigo 11 não vincula a ocorrência da improbidade à existência de qualquer dano material. Enquanto naqueles artigos – que classificam atos de improbidade que importem enriquecimento ilícito e que causem dano ao erário, respectivamente – neste, por sua vez, para a ocorrência da improbidade não é necessária a incidência prejuízo de ordem material. Isso se corrobora no pensamento da doutrina, assim como no artigo 21, inciso I da própria Lei de Improbidade Administrativa, a saber, respectivamente:

O objeto de proteção do art. 11 não é o patrimônio público econômico, mas a própria probidade administrativa, sendo irrelevante, para tipificação do ato de improbidade a esse título, quaisquer coadjuvantes materiais. (FAZZIO JÚNIOR, 2008, p. 165, grifo nosso)

Art. 21. A aplicação das sanções previstas nesta lei independe:

I – da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público;

[...]

Assim, a ocorrência de improbidade enquadrada no artigo 11 prescinde de lesão de ordem material, seja à administração, seja a terceiros, bastando que se verifique o desrespeito aos princípios. Doutra banda, para se configurar a improbidade, necessária se faz a existência de dolo, ou seja, que o agente estivesse consciente da conduta praticada, agindo de má-fé.

No entanto, para Fazzio Júnior (2008, p. 166), quando se pratica o ato visando interesses diversos do interesse público, o que se observa na grande maioria das condutas eivadas de improbidade, a ocorrência da má-fé é incontroversa. Veja-se os argumentos por ele esposados:

[...] se a competência administrativa é utilizada para a satisfação de qualquer outro interesse, o ato administrativo se converte em instrumento de uma disfunção, implementada pela vontade do agente público. Ora, todo agir administrativo desviado de seu caminho legal, por desígnio antijurídico do agente público, ainda que vizinho da discricionariedade, não pode ser aceito como exteriorização de boa-fé. Ao contrário, deixa à calva a má-fé e certifica o desprezo pelos deveres que justificam a função pública, como um compromisso com a sociedade, antes que com o Poder Público, e pelo incontroverso confronto com a moralidade administrativa.

Não obstante a posição acima defendida, Tourinho (2009, p. 238) admite que, para caracterização da improbidade neste caso, basta que o agente tenha agido com dolo eventual, ou seja, no ato da conduta, não há necessidade de que o administrador tenha agido com vontade consciente do mal gerado, mas se tiver apenas tolerado isto, já é suficiente para a existência de dolo. Confirme-se o que é aduzido, em suas palavras:

Com efeito, podemos afirmar que, quando se exige a presença do dolo como elemento subjetivo necessário para incidência do art. 11 da Lei de Improbidade, é suficiente a presença do dolo eventual, ou seja, basta que o agente tolere o resultado, consinta em sua provocação ou tenha se conformado com o risco da realização do tipo. Desta forma, discordamos daqueles que pensa que para a incidência do art. 11 se faz necessária a efetiva vontade do administrador público em violar os princípios administrativos, bastando que tolere a violação.

Não bastasse a posição dos dois doutrinadores acima referidos, deve-se mencionar que o Superior Tribunal de Justiça entende que não são requisitos o dolo ou a culpa para incorrer a conduta no artigo 11, mas basta a simples ilicitude ou imoralidade administrativa para a caracterização da improbidade. É o que se depreende do excerto abaixo, com negritos acrescidos, extraído do acórdão exarado em sede de Recurso Especial nº 717375/PR, de relatoria do Exmo. Ministro Castro Meira:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356/STF. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LESÃO A PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS. AUSÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO.

1. Mostra-se ausente o prequestionamento no tocante à suposta contrariedade aos arts. 84 da Lei nº 10.628/02; 2º, 81, 128, 131 e 230 todos do CPC e 1º da Lei nº 9.637/98. Incidência das Súmulas 282 e 356 do STF.

2. A lesão a princípios administrativos contida no art. 11 da Lei nº 8.429/92 não exige dolo ou culpa na conduta do agente, nem prova da lesão ao erário público. Basta a simples ilicitude ou imoralidade administrativa para restar configurado o ato de improbidade. Caso reste demonstrada a lesão, e somente neste caso, o inciso III, do art. 12 da Lei n.º 8.429/92 autoriza seja o agente público condenado a ressarcir o erário.

3. Se não houver lesão, ou se esta não restar demonstrada, o agente poderá ser condenado às demais sanções previstas no dispositivo como a perda da função pública, a suspensão dos direitos políticos, a impossibilidade de contratar com a administração pública por determinado período de tempo, dentre outras. 4. In casu, face à inexistência de lesividade ao erário público, é incabível a incidência da pena de multa, bem como de ressarcimento aos cofres públicos, sob pena de enriquecimento ilícito da municipalidade. 5. Recurso especial conhecido em parte e provido. (REsp 717375/PR; Relator Ministro CASTRO MEIRA DJ 08.05.2006)

Por tudo o que foi analisado, considerando que a nomeação, por ato discricionário, de cargos comissionados sem concurso público, em que se tem como fim primordial a retribuição em contrapartida – seja na forma de votos, seja na forma de dízimo partidário ou qualquer outra forma – é, como foi exaustivamente demonstrado aqui, um caso de clientelismo lesivo à moralidade administrativa, e, assim sendo, pode ser repudiado por meio da Lei de Improbidade Administrativa, com fulcro em seu artigo 11. Dessa forma, pode-se dizer que o ato de nomear servidores muitas vezes sem a efetiva necessidade, dispensando-se o concurso público sob o pretexto de exercício das prerrogativas autorizadas no artigo 37, II da CRFB/88, possibilitando assim o ingresso de pessoas despreparadas para exercer a função, além de permitir os gastos excessivos e desnecessários da elevada folha de pagamento, com intuito desviado do interesse público, é sim ato de improbidade administrativa.

Como é cediço, a dispensa do concurso público nas hipóteses acima referidas mostra-se extremamente ofensiva aos preceitos de honestidade, lealdade e boa-fé, além de espancar os princípios da moralidade, da isonomia e da impessoalidade. É, portanto, enquadrada como improbidade administrativa, na hipótese do artigo 11 da Lei 8.429/92. Nesta senda, cumpre trazer à baila o que pensa Medina Osório (2007, p. 346), para quem

Outro caso clássico de improbidade é este: a dispensa indevida de concursos públicos, com a decisão personalíssima e subjetiva, seja nos casos de favorecimento doloso, seja nas hipóteses de inescusável ignorância do administrador, situação costumeira de improbidade, tanto na via judicial quanto na ótica dos acusadores.

Também na visão de Cármem Lúcia Antunes Rocha (1994 apud TOURINHO, 2009, p. 239) em questão semelhante, se observa tal entendimento. Confronte-se:

Criaram-se cargos ditos de provimento "comissionado" para se permitir a sua ocupação por pessoas vinculadas ao superior hierárquico e por ele indicadas, dir-se-ia mesmo melhor, definidas, pois não apenas este agente indicava, mas definia e nomeava ou as fazia nomear. O motivo que conduz a prática do ato de designação é, assim, não a condição profissional do escolhido, mas a sua situação pessoal, em autêntica quebra do princípio da impessoalidade.

Há que se falar ainda sobre o inciso V da referida Lei, segundo o qual é ato de improbidade frustrar a licitude de concurso público. Entretanto, entende-se que o clientelismo aqui abordado não se enquadra neste caso, como é respaldado no pensamento que segue:

Assim, constitui ato de improbidade por frustração da licitude de concurso público a existência de vínculo de parentesco entre o examinador e o candidato, a abertura de concurso para fins eleitoreiros, quando inexiste necessidade para o serviço. Tais situações não se confundem com a inobservância da regra do concurso público que, também, caracteriza a improbidade administrativa, com fundamento no caput do art. 11, por violação aos princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade. (TOURINHO, 209, p. 247, grifo nosso)

Seguindo seu raciocínio, Tourinho (2009, p. 247) menciona ementa do Superior Tribunal de Justiça, que em sede de REsp 739778/RS, assim ementou:

AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/92. VIOLAÇÃO DOS DEVERES DE MORALIDADE E IMPESSOALIDADE. SERVIDORES CONTRATADOS SEM CONCURSO PÚBLICO PELO EX-PREFEITO. LESÃO À MORALIDADE ADMINISTRATIVA QUE PRESCINDE DA EFETIVA LESÃO AO ERÁRIO. PENA DE RESSARCIMENTO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. APLICAÇÃO. DANO EFETIVO. BURLA ÀS REGRAS DA LICITAÇÃO. FRAUDE. CULPA E DOLO. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. (REsp. 739778/RS – 1ª T. – Rel. Min. Luiz Fux – DJ 28.09.2006)

Ainda abordando a mesma autora, a qual ao tratar do tema do nepotismo, tema este que tem estreitas semelhanças com a modalidade de clientelismo tratada neste estudo, assim manifestou seu entendimento:

Nesse diapasão, deve-se fazer referência à prática do nepotismo como ato de improbidade administrativa, em virtude da violação dos princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa. Ou seja: hipótese enquadrada no caput do referido art. 11. Quanto à impessoalidade, sua violação decorre do privilégio conferido a interesses individuais em detrimento do interesse coletivo. [...] (TOURINHO, 2009, p. 239)

Não bastassem as posições acima aduzidas, não se pode deixar de trazer a lume o pensamento de Medina Osório (2007, p. 347) sobre o assunto da dispensa indevida do concurso público, causando má gestão da coisa pública e improbidade. Verifique-se:

De qualquer modo, é curioso constatar que a dispensa indevida de concursos públicos tem sido considerada uma hipótese clássica de improbidade e má gestão da coisa pública, porque, apesar de não servir ao enriquecimento direto do gestor, é uma forma de burlar o princípio isonômico de acesso aos cargos públicos, fomentando a criação de feudos e de patrimonialismo no setor público.

Ainda é interessante trazer o que defende Pontes de Miranda (1954), em palavras trazidas por Tourinho (2009, p. 209), com subseqüente exemplificação desta:

Conforme assevera Pontes de Miranda, "não exclui o dolo o motivo do ato, nem o fim que teve em vista o agente, nem o interesse maior, moral, política ou economicamente, que levou ao ato." (MIRANDA, 1954, p. 252). Assim, o prefeito que visando modernizar o município decide contratar servidores altamente qualificados sem a realização de concurso público, viola dolorosamente o art. 37, II da Constituição Federal, praticando ato de improbidade administrativa previsto no art. 11, V, da Lei de Improbidade. (Grifos do autor)

Por tudo isso, resta comprovado que a distribuição de cargos comissionados visando retribuições, qualquer que seja a sua forma, quando se desviem do interesse público, é prática clientelística que confronta o princípio da moralidade administrativa, entre outros, e é passível de repúdio através da Lei de Improbidade Administrativa. Desta feita, em se comprovando o que ora é defendido em pertinente ação, caberá ao agente que praticou o ato repudiado a sua responsabilização pessoal, ou seja, não será apenas atacado o ato, mas também o transgressor da norma jurídica, pessoalmente. Tais sanções, por sua vez, estão preconizadas no artigo 12, inciso III da Lei 8.429/92, a saber:

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:

(...)

III – na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, anda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos. [Negritos acrescidos]

Diante disso, percebe-se mais um ponto importante que a Lei de Improbidade Administrativa trouxe ao ordenamento jurídico brasileiro: a responsabilização pessoal do agente transgressor, ao qual se aplicarão severas penas a fim de extirpar as práticas ímprobas do cenário político brasileiro. Assim, com o inciso supra mencionado, "não é somente o ato que será atacado, mas, também, o responsável pelo mesmo". (TOURINHO, 2009, p. 269)

Ademais, deve-se mencionar que, apesar da possibilidade de aplicação da Lei 8.429/92 e suas penalidades aos casos clientelísticos de nomeação discricionária de cargos em comissão sem a devida necessidade e para fins diversos do interesse público, a edição de uma lei geral que limitasse as formas de acesso sem concurso público aos quadros da Administração Pública é a forma mais plausível de se evitar tal conduta ímproba e prevenir a atuação corrupta de alguns administradores públicos. Assim, limitando-se as hipóteses de contratação sem concurso público, com certeza se evitaria a abundância destas arbitrariedades observadas. Diante disso, "a solução seria reduzir drasticamente os cargos em confiança, situando-os, ainda, no patamar adequado, quando envolverem funções técnicas, como requisitos para seleção, limitando a discricionariedade". (MEDINA OSÓRIO, 2007, p. 352)

Alfim, considerando a forte incidência do clientelismo por ora abordado na Administração Pública brasileira, assim como a premente necessidade de desafiá-la, traz-se a lume as oportunas palavras do mesmo autor acima mencionado, que transmitem fielmente o encerramento deste estudo:

Diga-se que tal abordagem ganha uma atualidade verdadeiramente impressionante no Brasil, visto que a gestão pública está toda ela marcada profundamente pela lógica política na distribuição de cargos e na montagem do alto funcionariado da Nação, seja na União, nos Estados ou nos Municípios, em detrimento da profissionalização, dos critérios técnicos, objetivos e imparciais. Essa perversa lógica pela qual os eleitos devem retribuir os apoios recebidos por meio de Ministérios, Secretarias Estaduais ou Municipais, com os correlatos cargos em confiança ou funções gratificadas que se associam a tais espaços, conduz não apenas à ineficiência generalizada, ao descomprometimento com os interesses gerais, mas à descontinuidade administrativa e ao desmantelamento permanente da máquina pública, patologias de efeitos nefastos à cidadania. É claro que ambientes assim constituídos tornam-se extremamente propícios à corrupção, à ineficiência grave, ao desgoverno, ao descontrole e aos desvios de finalidade e poder de todo tipo de espécie. Enfrentar tal lógica talvez seja dos desafios mais evidentes e importantes de nosso tempo. (MEDINA OSÓRIO, 2007, p. 34)

Sobre o autor
Saulo do Nascimento Dias de Oliveira

Bancário, bacharel em direito pela Faculdade Escritor Osman da Costa Lins (FACOL), Pós-Graduando em direito Civil e Processual Civil pela Escola Superior de Advocacia de Pernambuco (ESA/OAB-PE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Saulo Nascimento Dias. O clientelismo em decorrência da distribuição discricionária de cargos comissionados.: Um ato de improbidade que ofende o princípio da moralidade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2839, 10 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18865. Acesso em: 22 nov. 2024.

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