2. Direitos individuais indisponíveis
Extrai-se do Direito Constitucional que os direitos individuais indisponíveis, em muito, se confundem com os direitos fundamentais: "prerrogativas e instituições que se concretizam em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas" 11. Esses direitos, relativos à personalidade e ao estado dos indivíduos singularmente, além de não poderem ser objeto de renúncia ou negociação, estão diretamente ligados à manutenção da vida em sociedade, devendo o Estado, seja em face de atos praticados por terceiros, seja em oposição à discricionariedade estatal, garanti-los em prol da ordem pública. Para Ingo Wolfgang, os direitos fundamentais do homem-indivíduo, "são aqueles que reconhecem autonomia aos particulares, garantindo a iniciativa e independência aos indivíduos diante dos demais membros da sociedade política e do próprio Estado" 12.
Complementando, J.J. Gomes Canotilho leciona:
(...) direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista): direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espaço-temporalmente. Os direitos humanos arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal 13.
Da mesma forma, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo ressaltam:
(...) a expressão direitos fundamentais é utilizada para designar os direitos relacionados às pessoas, inscritos em textos normativos de cada Estado. São direitos que vigoram numa determinada ordem jurídica, sendo, por isso, garantidos e limitados no espaço e no tempo, pois são assegurados na medida em que cada Estado os estabelece 14.
No nosso ordenamento jurídico encontramos os direitos fundamentais definidos tanto no Titulo II da Constituição Federal, de forma explícita ou implícita, como em tratados internacionais dos quais o Brasil faça parte. Perceba-se que tamanha é a importância de serem assegurados esses direitos e garantias que aqueles previstos na Carta Magna "receberam a mais sólida proteção constitucional vazada na cláusula de rigidez extrema do § 4º do artigo 60, que retira do alcance do legislador constituinte de segundo grau o poder de deliberar acerca de emenda porventura tendente a abolir aqueles direitos e garantias" 15. Ou seja, a própria Constituição Federal tratou de protegê-los contra o poder constituinte derivado.
Disso, extraem-se algumas características dos direitos fundamentais: irrenunciabilidade, inalienabilidade, imprescritibilidade, inviolabilidade, universalidade, efetividade, interdependência, concorrência e complementaridade:
a) são irrenunciáveis porque, mesmo que não sejam exercidos, o indivíduo não poderá deles desistir;
b) pelo mesmo motivo são inalienáveis, já que, desprovidos de cunho patrimonial, tampouco podem ser objeto de livre negociação;
c) a imprescritibilidade diz respeito à ausência de limite temporal para sua exigibilidade, podendo eles serem exercidos ou reclamados a qualquer tempo;
d) sob pena de ilícito civil, penal ou administrativo, os direitos fundamentais não podem ser desrespeitados por qualquer autoridade ou lei infraconstitucional, garantindo-se-lhe a inviolabilidade;
e) decorrente do princípio da isonomia, a universalidade se caracteriza pela atribuição dos direitos fundamentais a todos os seres humanos em território nacional, sejam eles nacionais ou estrangeiros;
f) para o exercício dessas prerrogativas constitucionais, a efetividade dos direitos fundamentais será garantida pelo Estado através de todos os meios assecuratórios possíveis;
g) deverá haver, sempre, relação de interdependência das normas legais com os direitos fundamentais, já que aquelas são fundamentais para o pleno exercício destes;
h) enquanto universais, os direitos fundamentais poderão concorrer entre si, ainda que se contraponham, devendo-se utilizar critérios proporcionais e razoáveis para coexistência entre eles, complementando-se ou cedendo reciprocamente.
São essas características, portanto, que atribuem aos direitos fundamentais funções garantidoras de uma convivência digna, livre e igual a todas as pessoas. Evidentemente que, nesses termos, cabe ao Estado garanti-los em face de terceiros ou mesmo da própria atividade estatal.
2.1. Direitos Individuais Indisponíveis
A própria Constituição Federal estabeleceu um critério para a classificação dos direitos fundamentais individuais. Trata-se do critério do objeto imediato do direito assegurado 16, a partir do qual foram enunciadas, no seu artigo 5º, garantias de inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Nesse sentido, serão analisados principalmente os direitos elencados no caput do art. 5º, tecendo-se apenas rápidos comentários quanto aos demais:
a)Direito à vida: a vida, enquanto objeto de direito assegurado pelo art. 5º da Constituição Federal, se integra de elementos materiais e imateriais. É a partir do direito à vida que o indivíduo tem assegurado grande parte dos seis direitos, entre os quais a saúde, sua intimidade, sua autonomia, etc., constituindo-se, destarte, em fonte primária de todos os outros bens jurídicos. Esse bem maior pressupõe, também, o direito de estar vivo e lutar para assim se manter, respeitando-se a integridade física e moral do indivíduo, de modo que a vida seja interrompida apenas por um processo espontâneo e inevitável. Em observância ao direito à vida é que a Constituição veda as práticas do aborto, da tortura, da eutanásia, da pena de morte, entre outras. Além disso, em vista da integridade física e moral da pessoa garante-se a inviolabilidade da sua intimidade, honra e imagem (inciso X do art. 5º), devendo-lhe ser respeitado seu domicílio e suas correspondências.
b)Direito à igualdade: trata-se de um sentido jurídico-formal de igualdade, onde se assegura que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza". Evidentemente que não se poderia ignorar a máxima aristotélica de igualdade ("a verdadeira igualdade consiste em tratar-se igualmente os iguais e desigualmente os desiguais à medida em que se desigualem"), motivo pelo qual a própria Constituição Federal tratou de reforçar esse direito fundamental através de direitos sociais substanciais. A igualdade, seja no seu sentido formal (perante a lei) quanto material (vedação a distinções fundadas em certos fatores – vide art. 7º, XXX, da CF), é um princípio garantidor do respeito à democracia, devendo-se promover o bem de todos sem preconceito de raça, cor, sexo, origem, estado civil, etc. Prova disso, é que a Carta Magna determinou, entre os incisos do art. 5º, que "a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais" (XLI) e que "a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão, nos termos da lei" (XLII).
c)Direito à liberdade: diz o inciso II do art. 5º da Constituição que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". A partir da lição de Jean Rivero, José Afonso da Silva conceitua a liberdade como "um poder de autodeterminação, em virtude do qual o homem escolhe por si mesmo seu comportamento pessoal", constituindo-se na "possibilidade de coordenação consciente dos meios necessários à realização da felicidade pessoal" . E complementa, explicando tratar-se de um "poder de atuação sem deixar de ser resistência à opressão", que se dirige em busca de algo: "a felicidade pessoal, que é subjetiva e circunstancial, pondo a liberdade, pelo seu fim, em harmonia com a consciência de cada um, com o interesse do agente" 17. Assim como a igualdade, a liberdade é diretamente proporcional ao processo de democratização, já que, quanto mais ele avança, mais os indivíduos se libertam dos obstáculos (naturais, econômicos, sociais e políticos) que os constrangem, auferindo mais liberdade: à pessoa física, ao pensamento, às formas de expressão, à livre iniciativa profissional e à economia.
d)Direito à segurança: em sentido amplo, a "segurança" pode ser interna ou externa, sendo esta quanto à defesa da Estado (Forças Armadas – art. 142. da CF) e aquela quanto à segurança pública e nos estados de defesa e de sítio. No tocante à segurança pública, bem se sabe que não se trata de mera questão de polícia, e sim de uma busca de toda a sociedade, conforme preconiza a Carta Magna em seu art. 144. ("dever do Estado, direito e responsabilidade de todos"). No âmbito do indivíduo, o direito à segurança consiste em proteção às liberdades individuais e dos seus interesses básicos, como questões tributárias, o domicílio, as comunicações pessoais etc., servindo como limite para a atuação do Estado e dos próprios sujeitos entre si. Há, ainda, a segurança jurídica, dependente da observância irrestrita dos mandamentos constitucionais: quanto maior o grau de previsibilidade e harmonia do Direito, que é um instrumento da segurança 18, maior será seu grau de certeza.
e)Direito à propriedade: refere-se ao direito de se adquirir propriedades em geral, seja ela móvel ou imóvel, pública ou privada, urbana ou rural, etc., envolvendo um indivíduo, proprietário, e terceiros que têm o dever de respeitá-lo. Com isso, imputa-se juridicamente o direito de propriedade a um sujeito em face de outrem. Importante destacar que a Constituição Federal garante o direito de propriedade desde que esta atenda à sua função social, sob pena de serem aplicadas penalidades ao proprietário, chegando a prever, inclusive, a possibilidade de desapropriação do bem. Disciplinada fundamentalmente pela Carta Magna, coube ao Código Civil e outras leis infraconstitucionais instruírem as disposições civis da propriedade, como o uso, gozo, disposição, etc., sempre ao encontro do disposto na Lei Maior. Por fim, destaca-se a proteção constitucional à propriedade autoral, de inventos, marcas e indústria, de nome de empresa, dos bens de família, etc.
Importante frisar que, em razão da extensa lista de direitos e a brevidade do presente estudo, não será possível ponderar quanto aos direitos coletivos, sociais, de nacionalidade, de cidadania, ambientais, políticos, etc. Ou seja, as análises realizadas foram adstritas aos direitos individuais indisponíveis.
2.2. Garantias Constitucionais
Não basta que se enumerem direitos, se não forem oferecidas garantias para que eles se façam valer. Nesse sentido, para a plena observância dos direitos fundamentais, estabeleceram-se no ordenamento jurídico brasileiro garantias constitucionais e infraconstitucionais, que podem ser entendidas em duas acepções: em sentido lato, dizem respeito à manutenção da eficácia e proteção da ordem constitucional; por sua vez, em sentido estrito, buscam proteger de forma direta, ou indireta, os direitos fundamentais subjetivos, através de remédios jurisdicionais hábeis para tanto.
Constitucionalmente, as garantias se caracterizam como imposições positivas ou negativas, principalmente aos Órgãos do Poder Público. Elas se agrupam 19 entre: garantias constitucionais individuais; garantias dos direitos coletivos; garantias dos direitos sociais; e garantias dos direitos políticos. Obviamente, tratar-se-ão apenas das garantias constitucionais individuais, objeto do presente estudo.
Essas garantias constitucionais individuais são os meios, instrumentos, procedimentos e/ou instituições que devem assegurar o respeito, a fruição e a exigibilidade daqueles direitos. São elas: os princípios da legalidade e da proteção judiciária, a estabilidade dos direitos subjetivos, a segurança e os remédios constitucionais.
Pelo princípio da legalidade, consagrado no inciso II do art. 5º da Constituição Federal, "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". Resguardam-se, com isso, os princípios de direito de petição, da reserva legal, da legitimidade, da proteção constitucional ao direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada, entre outros.
O princípio da proteção judiciária, por sua vez, que se funda na separação dos Poderes, assegura o monopólio do Poder Judiciário no controle jurisdicional e, conseqüentemente, os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, com os recursos e meios a eles inerentes. Assim, garante-se a estabilidade dos direitos subjetivos (segurança das relações jurídicas, do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada), permitindo-se segurança (pública e jurídica) aos indivíduos e à sociedade.
Por fim, assegurada a base, permite-se ao indivíduo que se faça valer dos remédios constitucionais (habeas data, habeas corpus, mandado de segurança e mandado de injunção), bem como de outros meios disponíveis na legislação infraconstitucional, na luta pela garantia dos seus direitos individuais, direitos esses irrenunciáveis, inalienáveis, imprescritíveis, invioláveis e universais.
3. Relativização da cessação da eficácia das tutelas cautelares
Não se pretende analisar, neste estudo, relações jurídicas dispositivas (compra, venda, empréstimo, etc.), já que inseridas entre as liberalidades que as pessoas têm para negociar e que são, nos dizeres de Silvio de Salva Venosa 20, direitos economicamente mensuráveis e passíveis de livre negociação entre as partes.
A questão quanto à possibilidade, ou não, de se relativizar a regra do artigo 808 do Código de Processo Civil é referente aos direitos do sujeito sem qualquer conteúdo econômico direto e imediato: direitos pessoais ou personalíssimos, absolutos, e que têm como objeto a própria pessoa do seu titular. Elencados no artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, esses direitos dizem respeito à vida, à liberdade, à igualdade, à integridade física e à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra, da imagem, da segurança, do direito de propriedade etc., e são, conforme já amplamente destacado, irrenunciáveis, inalienáveis, imprescritíveis, invioláveis e universais.
Sabendo-se, então, que os direitos fundamentais se farão valer não só pelos remédios constitucionais estabelecidos no nosso ordenamento, devem ser sopesadas as condições em que, pela força a eles inerente, devem ser relativizadas as determinações infraconstitucionais.
Ainda que o processo cautelar se guie pela instrumentalidade, acessoriedade e provisoriedade, no sentido de resguardar o bem que se pretende apenas para "permitir eficácia" à cognição exauriente, o processo civil em si deve se pautar, também, pela efetividade, adequação e instrumentalidade das formas, prezando pela efetivação dos direitos reconhecidos segundo regras processuais adequadas, preconizando o máximo de resultado com o mínimo de atividades processuais, servindo como meio de concretização do direito material (em relação de complementação, e não de subordinação). Devem ser analisados os casos concretos, portanto, à luz de dois princípios: razoabilidade e proporcionalidade.
Diz o princípio da razoabilidade que para se fazer justiça, exige-se uma adequação entre os meios empregados e os fins almejados. Por sua vez, o princípio da proporcionalidade versa sobre a amplitude ou intensidade dessas medidas. Ou seja, intrinsecamente ligados ao princípio da instrumentalidade das formas, apreende-se dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade que as exigências formais advindas da legalidade processual não podem se sobrepor à efetividade social, devendo-se deixar de impor ao indivíduo ônus maior que o necessário para o atendimento do interesse público. Assim, subordinando-se a invalidade do ato processual à relação entre o vício e a finalidade daquele, configurar-se-á o defeito apenas quando ele impedir o processo de atingir seu objetivo.
Esse entendimento compreende, por exemplo, as medidas cautelares de produção antecipada de provas, de busca e apreensão, seqüestro, arresto, etc., que sequer dizem respeito a direitos individuais, quando, em todos esses casos, não houver qualquer tipo de restrição ao direito do requerido. Assim, não haveria que se falar em cessação dos efeitos da cautelar por extrapolados os trinta dias do art. 806, cujo objetivo, evidentemente, é evitar que o requerido em ação cautelar sofra, por prazo indeterminado, os efeitos da medida constritiva, e sim em manutenção das suas implicações por atingidos os objetivos do processo.
Por tudo isso, bem se sabe haver forte tendência doutrinária e jurisprudencial para que sejam também relativizados os termos do art. 808. do Código de Processo Civil sempre que a causa versar sobre direitos indisponíveis.
Em artigo semelhante ao presente trabalho, o magistrado catarinense Marcelo Volpato de Souza teceu os seguintes comentários, através de análise doutrinária, quanto à possibilidade de relativização dos termos do art. 808. em cautelares que versem sobre direito de família, em razão dos direitos fundamentais em xeque 21:
Quanto ao posicionamento da doutrina em relação ao tema proposto, Negrão assevera que nas questões de família as medidas cautelares não perderão a eficácia, mesmo que a parte não promova em 30 dias a ação principal. O jurista faz remissões especialmente às ações de amparo ao menor, de alimentos e de separação de corpos (2003, p. 824). Silva segue a mesma linha de pensamento. Afirma que as medidas cautelares relativas ao direito de família não perdem a eficácia se a ação principal não for intentada no prazo a que alude o art. 806. do CPC (2000, p. 178).
Greco Filho ressalta que em matéria de direito de família tem sido abrandado o rigorismo na aplicação do prazo para ajuizamento da ação principal (2003, p. 165).
A pesquisa mostra que Lacerda desenvolveu de forma minudente as questões cautelares relativas ao estado das pessoas nas relações familiares e personalíssimas. Extrai-se da sua doutrina que no direito de família e no amparo ao menor e ao incapaz, o bom senso repele a caducidade. É de evidência meridiana que o não-ingresso da ação principal no prazo de 30 dias não pode importar na reunião de copos que se odeiam, no desamparo e na fome da mulher e da criança, na eliminação da visita, no retorno do indigno ao pátrio poder, à tutela e à curatela (1973, p. 379-380).
O art. 808 do CPC não visa, ainda na esteira das lições de Lacerda, aos objetivos odiosos e nefandos. Esses dispositivos legais devem ser interpretados com inteligência e parcimônia para que o estado das pessoas seja efetivamente preservado (1973, p. 379-380).
E continua, o mesmo autor, quanto às Jurisprudências Gaúcha e Catarinense 22:
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul adota a tese doutrinária exposta. A Súmula n. 10 do repertório jurisprudencial sedimentado dessa Corte estabelece que o deferimento do pedido de separação de corpos não se submete ao prazo do art. 806. do CPC (cf. uniformização de jurisprudência n. 587028978, j. 11.12.87).
Também já decidiu o Tribunal gaúcho que o abrandamento dos dispositivos de cessação de eficácia das medidas cautelares não satisfativas deve ser aplicado às providências decretáveis de ofício ou que tenham por objeto interesse público ou direitos de família ou de personalidade (cf. AC n. 598573376, de Tupanciretã, Rel. Des. Marco Antônio Bandeira Scapini, j. em 20.05.99)
O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina também vem decidindo reiteradamente nos termos da doutrina. Colhe-se da Corte catarinense, em ação cautelar de arrolamento de bens cumulada com seqüestro, decisão no sentido de que uma interpretação sensata e inteligente dos arts. 806. e 808 do CPC afasta a cessação da eficácia do provimento assecurativo pelo decurso do trintídio legal (cf. AC. n. 04002029-5, de Balneário Camboriú, Rel. Des. Wilson Augusto do Nascimento, j. em 14.05.04).
O Desembargador Luiz Carlos Freyesleben ressalta que nas ações cautelares preparatórias a regra geral é a de que o prazo para a propositura da ação principal, quando inobservado, acarreta a extinção do processo. Diz que nessas hipóteses se opera a decadência do direito à cautela. Contudo, faz ressalva quando a coisa litigiosa diz respeito aos interesses indisponíveis. Invoca os mencionados princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para sustentar que, em procedimentos que envolvam o direito de família, o processo cautelar tem caráter autônomo, não se aplicando o prazo do artigo 806 do CPC (cf. TJSC, AC. n. 2002.008128-6, de Urubici, j. em 08.08.2002).
Em voto proferido em ação cautelar de separação de corpos, o Desembargador Mazoni Ferreira defendeu que as regras de caráter formal não podem se sobrepor à incompatibilidade de coabitação. Entende o julgador que, nessas hipóteses, é prudente e imperioso mitigar o trintídio legal para o ajuizamento da ação principal de modo a afastar os riscos de dano físico e moral de uma das partes (cf. TJSC, AC. n. 2002.020853-7, da Capital, j. em 13.03.2003).
O Desembargador Sérgio Paladino defende a inaplicabilidade da regra do art. 808, I, do CPC nas relações personalíssimas com base na autonomia imanente ao processo cautelar. Alega em seu aresto que a ação de separação de corpos possui condições de procedibilidade e de sucesso que tornam inoportuna a aplicação do trintídio legal (cf. TJSC, AC. n. 1996.004370-5, de Itajaí, j. em 14.05.1998).
Perceba-se que, ainda que o Código de Processo Civil apresente, no seu art. 808, rol dispositivo e exaustivo quanto à vigência das medidas cautelares, o que é devidamente observado pelos juristas brasileiros, a doutrina e a jurisprudência têm entendido ser possível relativizar tais determinações quando contrapostas a direitos fundamentalmente garantidos, demonstrando reconhecimento e a devida valorização dos princípios basilares da nossa Constituição.
Conhecidamente um Tribunal além do seu tempo, os gaúchos vêm inovando no direito brasileiro e ensinando que o Estado precisa se adequar às novas realidades sociais. E, felizmente, outros estados vêm seguindo essas tendências.
Não se trata, portanto, de burlar as regras processuais vigentes, e sim de amoldá-las e aplicá-las em prol dos interesses dos mandatários do poder, o povo, fulcrando-se nos princípios e regras apresentados pela Carta Maior. O Poder Judiciário, então, não pode se escoimar em excessos de formalismo sob pena de cerrar seus olhos às necessidades dos cidadãos, já reféns da morosidade processual nos seus Tribunais, da falta de interesse e de visão do Poder Legislativo e da precária atuação do Poder Executivo.