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O STF e a união estável homoafetiva.

Resposta aos críticos, primeiras impressões, agradecimentos e a consagração da homoafetividade no Direito das Famílias

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Agenda 11/05/2011 às 06:20

Na ausência de proibição expressa à união estável homoafetiva, não se pode presumir tal proibição. Não há limites semânticos no texto a impedir o seu reconhecimento.

1. Alguns Comentários sobre a decisão do STF e resposta a alguns críticos.

A cidadania venceu importante batalha contra o totalitarismo.

Vitória essa incontestável, na medida em que tivemos uma memorável unanimidade dos Ministros do Supremo: 10x0! (o Ministro Toffoli se absteve por impedimento, pois, enquanto Advogado-Geral da União, proferiu parecer favorável à procedência da ADPF n.º 132, julgada conjuntamente com a ADIn n.º 4277, por conexão – mas, como o parecer foi favorável, podemos considerar como vitória por 11x0!).

No histórico julgamento da ADPF n.º 132 e da ADIn n.º 4277, o Supremo Tribunal Federal conferiu uma interpretação sistemático-teleológica ao art. 226, §3º, da CF/88 de sorte a compatibilizar o referido dispositivo constitucional com os princípios da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da segurança jurídica, reconhecendo que a redação normativa segundo a qual "Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar..." não traz em si um óbice ao reconhecimento da união estável homoafetiva.

Perfeita a exegese do Supremo. Com efeito, como tive a oportunidade de dizer perante a tribuna do STF em sustentação oral, dizer que "é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher" é diferente de dizer que ela é reconhecida "‘apenas’ entre o homem e a mulher", pois o "apenas" não está escrito e, assim, se não está escrito, não há limites semânticos no texto que impeçam a exegese constitucional inclusiva pleiteada pelas duas ações, de sorte a se permitir a perquirição sobre o cabimento de interpretação extensiva ou analogia, caso se considere as situações idênticas ou, a despeito de alguma diferença vislumbrada, idênticas naquilo que é essencial, respectivamente (o advogado da CNBB, que falou logo após minha fala, tentou me contestar, dizendo que a falta deste "apenas" não poderia significar necessariamente a procedência das ações – contudo, o nobre patrono não compreendeu ou não quis compreender o que eu disse, pois eu afirmei que a ausência do "apenas" afasta a existência de limites semânticos do texto, de sorte a permitir que se investigue se a união estável homoafetiva é idêntica ou análoga à união estável heteroafetiva, de sorte a se permitir a equiparação pretendida. Logo, a ausência do "apenas" não traz a procedência automática da tese da união estável homoafetiva, mas permite que se faça a averiguação de sua identidade ou caráter análogo com a união estável heteroafetiva, tornando juridicamente possível o pedido formulado – e a possibilidade jurídica do pedido existe quando não há proibição/restrição explícita, consoante reconhecido pelo STJ no REsp n.º 820.475/RJ, em julgado que reconheceu a união estável homoafetiva, por analogia – valendo ainda citar o maravilhoso voto da Ministra Nancy Andrighi, seguido pelos demais ministros julgadores, no REsp n.º 1.026.981/RJ, segundo o qual "O manejo da analogia frente à lacuna da lei é perfeitamente aceitável para alavancar, como entidade familiar, na mais pura acepção da igualdade jurídica, as uniões de afeto entre pessoas do mesmo sexo").

Assim, como também tive a oportunidade de dizer da tribuna após uma sintética explanação sobre a evolução do conceito material de família ao longo do século XX, considerando que a união homoafetiva forma uma família conjugal por ser pautada pelo mesmo amor familiar que justifica a proteção da união heteroafetiva pela união estável, tem-se por cabível interpretação extensiva ou analogia para reconhecer a união estável homoafetiva, mediante o reconhecimento do status jurídico-familiar das uniões homoafetivas e, assim, o reconhecimento de que as uniões homoafetivas se enquadram no conceito constitucional de união estável, por serem situações idênticas (interpretação extensiva) ou, no mínimo, idênticas no essencial (analogia), pois o essencial para uma união ser reconhecida como união estável é ela formar uma família conjugal (OBS: amor familiar = amor que vise a uma comunhão plena de vida e interesses, de forma pública, contínua e duradoura, conceito este decorrente da evolução do conceito material de família, consoante defendo em meu Manual da Homoafetividade [01] – livro este citado pelo Ministro Celso de Mello durante o julgamento como "excelente monografia" acerca do tema, Ministro este que destacou, ainda, minha participação no julgamento através de sustentação oral, o que me é motivo de muito orgulho e felicidade, na medida em que os votos do Ministro Celso de Mello sempre formam verdadeiras monografias jurídicas sobre os temas sobre os quais ele se debruça).

O julgamento foi memorável do começo ao fim da leitura dos votos dos ministros do STF, que mostraram extrema sensibilidade humana na interpretação dos enunciados normativos constitucionais em análise e na análise do status jurídico-familiar das uniões homoafetivas. De qualquer modo, deixemos para uma outra oportunidade o relato sintético dos principais fundamentos de cada voto, aguardando a disponibilização do inteiro teor de todos eles para eu não correr o risco de cometer alguma injustiça por omissão de argumentos relevantes.

Mas, "claro", os derrotados protestam. A CNBB disse que não mudará seu modo de ver a questão e que não seria "um voto" que mudaria o conceito de família [8]. Ocorre que não foi o STF que mudou o conceito de família, foi a sociedade – como destaquei em sustentação oral, é notório que saímos do opressor modelo hierárquico-patriarcal de família conjugal (na qual o homem mandava despoticamente na sociedade conjugal heteroafetiva) para chegarmos à concepção de família fusional, que se forma e se mantém apenas se houver afeto romântico na relação conjugal, para culminar com a família eudemonista, que é a família que se forma e se mantém unicamente se isso trouxer felicidade a seus membros [02] (o que é compatível com meu conceito de amor familiar, ou seja, o amor que vise a uma comunhão plena de vida e interesses, de forma pública, contínua e duradoura). Logo, o STF meramente reconheceu que o conceito material de família se pauta no afeto conjugado à publicidade, durabilidade e continuidade da união amorosa e que isso independe de o casal ser de sexos diversos ou de sexos idênticos, donde improcedente a crítica da CNBB (que evidentemente pode manter sua opinião reacionária e anacrônica; o que ela não pode é querer impor sua visão àqueles que não compartilham de suas pré-compreensões/compreensões).

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O advogado da CNBB, Dr. Hugo Sarubbi Cysneiros, declarou à Folha de São Paulo de 06/05/11 que agora teríamos um modelo constitucional não-discutido na Casa Legislativa e supostamente contrário à vontade dos legisladores de 1988. Ocorre que o STF decidiu com base nos princípios constitucionais, demonstrando que na ausência de proibição expressa à união estável homoafetiva não se pode presumir tal proibição e que, portanto, não há limites semânticos no texto a impedir o reconhecimento da união estável homoafetiva. Ademais, considerando ser notório que "a lei é mais sábia que o legislador", no sentido de que não se pode querer presumir/imaginar "vontades" que o legislador não positivou nos enunciados normativos vigentes (se ele quisesse proibir, que o tivesse proibido expressamente), bem como o princípio geral de Direito segundo o qual restrições de direitos devem ser expressas e o fato de que as uniões homoafetivas se enquadram no conceito material de família constitucionalmente protegida, tem-se que a "vontade da Constituição" foi respeitada pelo Supremo Tribunal Federal – foi respeitada e por ele implementada, pois foi a Constituição quem proibiu discriminações arbitrárias pela isonomia, a promoção do bem-estar de todos mediante vedação de preconceitos pelo princípio da não-discriminação e a necessidade de igual respeito a todos os modelos plurais de vida que não prejudiquem terceiros, pelos princípios da liberdade e da dignidade da pessoa humana, donde juridicamente adequada a interpretação sistemático-teleológica por ele perpetrada, por homenagear os princípios instrumentais de interpretação constitucionais da unidade (ausência de antinomias reais entre normas constitucionais, especialmente as originárias entre si), da concordância prática (compatibilização da união estável com isonomia, dignidade humana, liberdade e segurança jurídica) e da máxima efetividade das normas constitucionais (reconhecimento de duas uniões estáveis – homoafetiva e heteroafetiva – ao invés de somente uma). Logo, a crítica também improcede.

Noticiou-se, ainda, que o renomado Lenio Luiz Streck criticou a decisão do STF, sob o fundamento de que isso seria um tema que caberia apenas ao Parlamento, como na Espanha e em Portugal, pois não poderia o STF colmatar lacunas que supostamente não existem, na medida em que a Constituição teria reconhecido que "a união estável é entre homem e mulher" (sic), bem como que "todo mundo sabe o que é um homem, todo mundo sabe o que é uma mulher" (sic [03]). Conheço esta posição de Lenio Streck há tempos, tanto que já publiquei artigo refutando especificamente os seus argumentos [04] na Revista de Direito das Famílias e Sucessões do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) [05]. Nesse sentido, a posição de Streck é simplesmente inaceitável. A uma porque a Constituição não disse que a união estável existe "apenas" entre homem e mulher, pois dizer que ela é reconhecida entre homem e mulher é diferente de dizer que ela é reconhecida "apenas" entre homem e mulher, como supra demonstrado e reconhecido pelo STF. Logo, a lacuna efetivamente existe e não há limites semânticos no texto a impedir a exegese adotada pelo STF. Cabe notar, ainda, a obviedade segundo a qual não se está dizendo que a expressão "entre o homem e a mulher" abrangeria a união homoafetiva, mas que esta expressão não tem o cunho de proibir o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo porque o simples fato de o enunciado normativo citar uma situação fática (como o fato heteroafetivo, a união entre homem e mulher) não significa "proibição implícita", pois se assim fosse a analogia seria eternamente e desde sempre inviabilizada, pois os enunciados normativos em geral citam uma situação fática em sua redação – mesmo porque proibições implícitas não existem no ordenamento jurídico-constitucional brasileiro por força do art. 5º, inc. II, da CF/88, que estabelece a necessidade de enunciado normativo expresso para que se caracterize uma proibição/restrição no Direito Brasileiro.

Ademais, a posição de Streck simplesmente dá uma carta branca para a opressão de direitos fundamentais pelo hipócrita silêncio do legislador... Estamos diante de tema de direitos fundamentais, Prof. Lenio Streck! Direito fundamental à isonomia de direitos, à igual consideração pela legislação em sua interpretação sistemático-teleológica ante a ausência de proibição explícita à exegese constitucional em prol da união estável homoafetiva – e direitos fundamentais não são passíveis de deliberação por voluntarismos majoritários, como é basilar na teoria constitucional do mundo inteiro... Streck sabe que o juiz não é mais a mera boca que pronuncia as palavras da lei, como defendia Montesquieu, donde a literalidade normativa não é determinante quando não traz uma proibição/restrição explícita. Streck sabe e defende em suas obras [06] que norma não se confunde com enunciado normativo, sendo resultado da interpretação do enunciado normativo. Ora, se sabe de tudo isso, é simplesmente inexplicável sua postura (embora não-admitida) flagrantemente literalista (apego à letra em detrimento do conteúdo) e originalista (busca da "vontade" do legislador), pois por mais que devamos deixar que o texto nos diga algo (trecho das obras de Streck), o texto do art. 226, §3º não nos traz proibição alguma – ele não traz nenhum elemento literal ou teleológico que impeça o STF de reconhecer que há uma lacuna normativa sobre o tema. O que dito texto nos diz é que a Constituição reconheceu expressamente a união estável entre o homem e a mulher, mas não diz que ele teria proibido a união estável entre duas pessoas do mesmo sexo. Ainda que se reconheça que, pela tradição, não se teria imaginado a união homoafetiva quando da elaboração do §3º do art. 226 da CF/88, o notório fenômeno da mutação constitucional permite que a norma oriunda da interpretação do enunciado normativo mude ao longo dos tempos sem que haja necessidade de alteração do texto quando a razão crítica demonstre o descabimento da interpretação restritiva que passa a sofrer evolução, como a evolução da jurisprudência da Suprema Corte dos EUA prova pela forma como era admitida a negativa de direitos a negros relativamente àqueles concedidos aos brancos para, posteriormente, garantir-se os mesmos direitos aos negros desde que estes não utilizassem o mesmo espaço utilizado pelos brancos (doutrina do "separados, mas iguais") para, nas últimas décadas, reconhecer os mesmos direitos nos mesmos espaços públicos – tudo isso sem nenhuma alteração do texto constitucional estadunidense. Assim, no presente caso, considerando que a razão crítica exige a equiparação de tratamento jurídico das uniões homoafetivas relativamente àquele conferido às uniões heteroafetivas por ambas formarem famílias conjugais quando atendidos os requisitos da publicidade, continuidade e durabilidade, e considerando a ausência de proibição expressa e de limites semânticos no texto a impedir a união estável homoafetiva, esta deve ser reconhecida mediante o reconhecimento da ausência de proibição no texto constitucional a esta exegese (pois a mera citação do fato heteroafetivo no enunciado normativo do art. 226, §3º, da CF/88 não pode ser interpretado desta forma, ao menos nos dias de hoje, de reconhecimento da igual dignidade da união homoafetiva relativamente à união heteroafetiva), como importantes decisões judiciais ao redor do mundo (v.g., Supremas Cortes da África do Sul, do Canadá e de Massachusetts/EUA [07]) sendo descabidas as colocações de Streck sobre o tema – afinal, como bem diz o título de outro excelente artigo que criticou a posição de Streck sobre o tema, interpretar a Constituição não é ativismo judicial, tendo o STF meramente identificado direitos já existentes/decorrentes da própria Constituição [08].

Sobre a posição de Ives Gandra Martins, que disse que "Pessoalmente sou contra o casamento entre homossexuais, não contra a união. A união pode ser feita e tem outros tipos de garantias, como as patrimoniais. Minha posição doutrinária, sem nenhum preconceito contra os homossexuais, é que o casamento e a constituição de família só pode acontecer entre homem e mulher. Mas o Supremo é que manda e sou só um advogado" [09], devem ser feitos os seguintes comentários: o mesmo parte de uma opinião arbitrária de dizer que, a seu ver, família seria formada "apenas" entre um homem e uma mulher, arbitrariedade decorrente dele não se dignar a explicar porque somente a união heteroafetiva poderia ser qualificada como família, sem que a união homoafetiva o pudesse – não é por questão de capacidade procriativa, pois casais heteroafetivos estéreis, que não a possuem, não deixam de ser reconhecidos como entidades familiares; motivos religiosos são irrelevantes por força da laicidade estatal, que veda a consideração de argumentos religiosos pelo Direito, pois isso caracterizaria "aliança" com a religião em questão, algo vedado expressamente pelo art. 19, inc. I, da CF/88; voluntarismo majoritário também não pode ser argumento, por ser basilar na teoria constitucional que mesmo a maioria deve se submeter às normas constitucionais enquanto não alterá-las ou convocar nova constituinte para suprimi-las caso se trate de cláusula pétrea. Logo, sendo a união conjugal entre casais homoafetivos uma entidade familiar por pautadas pelo amor familiar (amor que vise a uma comunhão plena de vida e interesses, de forma pública, contínua e duradoura), tem-se por arbitrária/inaceitável a posição de Ives Gandra. Pelo menos ele reconhece a autoridade do Supremo Tribunal Federal...


2. Impressões Iniciais.

Ao reconhecer a união homoafetiva como união estável constitucionalmente protegida, o Supremo Tribunal Federal garantiu quase completamente a isonomia de direitos entre casais homoafetivos relativamente a casais heteroafetivos. Diz-se "quase" porque se sabe que o casamento civil garante um pouco mais de direitos que a união estável pela forma como ambos os regimes jurídicos estão regulamentados pelo Código Civil, em especial no que tange à sucessão hereditária (o cônjuge é herdeiro necessário, o companheiro não; o cônjuge tem maior quinhão hereditário que o companheiro etc). Logo, a isonomia ainda não está completamente satisfeita com a situação, embora cumpra dizer que o STF não era obrigado a entrar no debate sobre o casamento civil homoafetivo por terem as ações feito pedidos unicamente no que tange ao reconhecimento da união estável entre casais homoafetivos (questão formal, pela vinculação necessária do julgamento aos pedidos das ações).

Por outro lado, agora que o STF reconheceu que a união homoafetiva constitui uma família/entidade familiar, não há mais nenhuma justificativa jurídica para que se negue o direito de casais homoafetivos consagrarem sua união pelo casamento civil. A uma porque o §3º do art. 226 da CF/88 diz que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, donde, sendo a união homoafetiva uma união estável, deve ter a si reconhecido o direito à conversão em casamento (argumento formal – a Constituição obriga o reconhecimento da possibilidade da conversão da união estável em casamento). A outra por uma questão de lógica: o casamento civil e a união estável são regimes jurídicos destinados a proteger/regulamentar as famílias, donde, sendo a união homoafetiva uma família, ela deve ter a si garantidos tanto o casamento civil quanto a união estável. Não faz sentido jurídico nenhum dizer que a união homoafetiva é família e constitui uma união estável constitucionalmente protegida, mas não poderia ser consagrada pelo casamento civil, pois, repita-se, tanto o casamento civil quanto a união estável destinam-se a proteger/regulamentar as famílias conjugais, donde é contraditório o não-reconhecimento do casamento civil homoafetivo quando se reconhece a união estável homoafetiva (afinal, a redação constitucional sobre união estável e casamento civil é análoga relativamente à menção a homem e mulher – em ambos os casos, ela cita este fato heteroafetivo sem, contudo, proibir o reconhecimento do fato homoafetivo como casamento civil ou união estável).

Da mesma forma, a adoção conjunta por casais homoafetivos agora deverá ser obrigatoriamente deferida, pois a legislação diz que podem adotar conjuntamente os cônjuges e os companheiros – e companheiros é o termo técnico do Direito para designar os integrantes de uma união estável, que o Supremo disse existir em casais homoafetivos pautados por uma relação pública, contínua e duradoura.

Minha única preocupação decorre da observação de alguns Ministros do STF no final do julgamento, de que o Congresso não está proibido de legislar sobre o tema (o que é evidente) e que pode regulamentar as especificidades de cada uma das uniões. Embora somente três ministros (Lewandowski, Gilmar Mendes e Peluso) tenham demonstrado alguma "preocupação" com os efeitos da decisão (que Gilmar Mendes disse serem "imprevisíveis"), donde estariam vencidos no que tange a eventuais restrições aos direitos das uniões estáveis homoafetivas relativamente às heteroafetivas naquilo que eventualmente considerem "indispensável" a diversidade de sexos (consoante voto do Ministro Lewandowski), o Ministro Ayres Britto, relator e autor de voto que garante a "absoluta igualdade" entre as uniões estáveis homoafetiva e heteroafetiva, declarou que abriram-se as portas aos homoafetivos mas não se fecharam as portas ao Congresso, para regulamentar o tema. Será que o STF terá sinalizado a possibilidade de concessão de menos direitos à união estável homoafetiva relativamente à união estável heteroafetiva?

Não parece ser o caso. É claro que, sendo a igualdade material o regime do tratamento distinto das situações desiguais, poderia ser admitida a regulamentação distinta no caso de se reconhecer que haveria alguma diferença relevante entre a união estável homoafetiva relativamente à união estável heteroafetiva. Mas cabe lembrar que qualquer regulamentação diferenciada terá que passar pelo crivo dos testes constitucionais da isonomia, da razoabilidade e da proporcionalidade, o que supõe nova análise de sua (in)constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal se vier a existir. Algumas situações, contudo, podem ser adiantadas neste momento: será inconstitucional qualquer proibição de adoção conjunta e de conversão em casamento civil por parte dos casais em união estável homoafetiva. Reitere-se:

Sobre o casamento civil, sob o aspecto formal o casamento civil homoafetivo deve ser reconhecido porque a Constituição obriga o reconhecimento da possibilidade de conversão da união estável em casamento civil. Sob o aspecto material, sendo a família conjugal o objeto de proteção do casamento civil e da união estável, o reconhecimento do status jurídico-familiar da união homoafetiva exige que a ela seja reconhecido o direito tanto ao casamento civil quanto à união estável (a única hipótese de união estável que não se convertia em casamento em nosso ordenamento jurídico era aquela de união estável entre pessoa separada judicialmente, mas não divorciada, o que se justificava porque a pessoa em questão ainda não estava divorciada, donde a vedação da bigamia impedia essa conversão em casamento enquanto não houvesse o divórcio do companheiro que se encontrava separado judicialmente, mas ainda casado – nada que se possa equiparar à união estável homoafetiva de pessoas solteiras, em especial porque a hipótese narrada não existe mais, em razão da extinção da separação judicial por força da Emenda Constitucional n.º 66).

Sobre a adoção conjunta, ela também deve ser reconhecida tanto por um aspecto formal quanto pelo aspecto material. Formalmente, a legislação admite a adoção conjunta por companheiros, ou seja, pelo casal que se encontra em união estável, logo, há permissão explícita à adoção conjunta pelo casal homoafetivo que se encontre em união estável. Ademais, materialmente falando, considerando que diversas pesquisas psico-sociais já demonstraram que o fato de uma criança ou adolescente ser criado(a) por um casal homoafetivo não lhe traz nenhum prejuízo relativamente a uma criança ou adolescente criado(a) por um casal heteroafetivo, por se adequarem aos ambientes e convívios sociais de forma análoga em ambos os casos, e que isso não traz nenhuma influência na orientação sexual da criança ou do adolescente [10] (o que sequer deveria ser investigado, pois é profundo preconceito "preocupar-se" com o fato de a criança ou adolescente vir a se descobrir homossexual, ante a igual dignidade entre homossexualidade, heterossexualidade e bissexualidade), tem-se por inexistente qualquer prejuízo a crianças e adolescentes pelo simples fato de serem criados(as) por um casal homoafetivo pela mera homoafetividade conjugal de dito casal, donde ausente motivação lógico-racional a permitir a discriminação da união homoafetiva relativamente à união heteroafetiva no que tange à possibilidade de adoção conjunta, visto que o princípio da integral proteção da criança e do adolescente (art. 227 da CF/88) não se encontra prejudicado nesta hipótese.

Tratei aqui do casamento civil e da união estável pois foi isto que me veio à mente quando ouvi os Ministros Lewandowski, Gilmar Mendes e Peluso mostrarem "preocupação" com a abrangência da decisão do STF, na medida em que, embora isso seja pura elucubração de minha parte (pois eles expressamente disseram que deliberadamente não fariam elucubrações sobre o que "teria que ter", de forma "indispensável", a diversidade de sexos), esses são temas que se sabe trazerem muita polêmica.

Essas são as primeiras considerações que tenho a fazer sobre o histórico julgamento do Supremo Tribunal Federal na ADPF n.º 132 e na ADIn n.º 4277.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. O STF e a união estável homoafetiva.: Resposta aos críticos, primeiras impressões, agradecimentos e a consagração da homoafetividade no Direito das Famílias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2870, 11 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19086. Acesso em: 25 nov. 2024.

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