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"Amicus curiae" e o controle concentrado de constitucionalidade

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Agenda 15/06/2011 às 09:01

2 A ATUAÇÃO NO CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE

O controle concentrado de constitucionalidade não se apresenta como ambiente propício para que sejam defendidos interesses subjetivos. Pelo contrário, tem por objeto a análise da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei em abstrato.

Por isso é também denominado como processo objetivo de controle de constitucionalidade.

Vejamos, a propósito, o entendimento de Mirella de Carvalho Aguiar [26]:

Não é sem razão que a doutrina e jurisprudência são assentes em correlacionar os processos abstratos de controle de constitucionalidade à finalidade precípua de defesa, em tese, da harmonia do sistema constitucional, salvaguarda objetiva da Constituição, razão pela qual seria completamente alheio a seu domínio o exame de relações jurídicas concretas e individuais.

A intervenção de terceiros, tendo em vista a perspectiva objetiva do controle concentrado, é vedada nesse tipo de ação.

A lei 9868/99 expressamente veda a intervenção de terceiros na ação direta de inconstitucionalidade e na ação declaratória (arts. 7º, caput e 18, caput). A lei 9882/99 silenciou em relação à ação de descumprimento de preceito fundamental.

Porém, a lei 9868/99 trouxe importante novidade, ou nos dizeres de Bueno Filho [27], "consagrou" a presença do amicus curiae no processo de controle concentrado de constitucionalidade, ao admitir a possibilidade de manifestação de outros órgãos ou entidades, desde que demonstrem sua representatividade e a relevância da matéria.

Vale lembrar, como o fez Bueno Filho, que a utilização do vocábulo consagração foi proposital, uma vez que o STF já havia admitido, ainda que timidamente, a presença do amicus curiae no processo objetivo de controle de constitucionalidade, por simples juntada de memorial por linha, na ADI-AgR 748/RS, Rel. Ministro Celso de Mello, j. 01.08.1994, cuja ementa foi transcrita anteriormente.


3 NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

A lei 9.868/99, no art. 7º, § 2º, prevê a participação da figura que a doutrina e a jurisprudência paulatinamente passaram a denominar de amicus curiae:

Art. 7° Art. 7º Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade.

§ 1° (...)

§ 2° O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgão ou entidades.

De acordo com o artigo citado acima não se admite a intervenção de terceiros, na ação de declaração de inconstitucionalidade, conforme anteriormente já consagrado no Regimento Interno do STF.

Entretanto, não se deve entender que a possibilidade de admissão da manifestação de outros órgãos ou entidades seja uma exceção à regra geral da vedação da intervenção de terceiros.

Explicamos.

É que a intervenção do amicus curiae não pode ser considerada mera intervenção de terceiros, considerando-se a previsão desse instituto no Código de Processo Civil.

A razão de ser da figura do amicus curiae é pluralizar o debate, colocar em prática a adoção do princípio democrático, de maneira a permitir que outros órgãos ou entidades possam exercer o seu papel de partícipes nas decisões que apresentam relevância para a toda a sociedade.

O Min. Celso de Mello, ao proferir seu voto na ADI-MC 2130/SC, sensível a essa interpretação, ressaltou o real papel do amicus curiae no controle concentrado de constitucionalidade.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. INTERVENÇÃO PROCESSUAL DO AMICUS CURIAE. POSSIBILIDADE. LEI Nº 9.868/99 (ART. 7º § 2º). SIGNIFICADO POLÍTICO-JURÍDICO DA ADMISSÃO DO AMICUS CURIAE NO SISTEMA DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO DE CONSTITUCIONA-LIDADE. PEDIDO DE ADMISSÃO DEFERIDO.

No estatuto que rege o sistema de controle normativo abstrato de constitucionalidade, o ordenamento positivo brasileiro processualizou a figura do amicus curiae (Lei nº 9.868/99, art. 7º, § 2º), permitindo que terceiros – desde que investidos de representatividade adequada – possam ser admitidos na relação processual, para efeito de manifestação sobre a questão de direito subjacente à própria controvérsia constitucional. A admissão de terceiro, na condição de amicus curiae, no processo adjetivo de controle normativo abstrato, qualifica-se como fator de legitimação social das decisões da Suprema Corte, enquanto Tribunal Constitucional, pois viabiliza, em obséquio ao postulado democrático, a abertura do processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade, em ordem a permitir que nele se realize, sempre sob uma perspectiva eminentemente pluralística, a possibilidade de participação formal de entidades e de instituições que efetivamente representem os interesses gerais da coletividade ou que expressem os valores essenciais e relevantes de grupos, classes ou estratos sociais. Em suma: a regra inscrita no art. 7º, § 2º da Lei nº 9.868/99 – que contém a base normativa legitimadora da intervenção processual do amicus curiae – tem por precípua finalidade pluralizar o debate constitucional.[...] (ADI-MC 2130-SC, Rel. Min. Celso de Mello, j. 20.12.2000, p. 02.02.2001, p. 00145) (grifo nosso)

Na mesma esteira da previsão inserida no § 2º do art. 7º da Lei 9868/99, há outros dispositivos que ampliam a abertura da participação de outros órgãos no processo de controle objetivo de constitucionalidade, sem, contudo, autorizar a defesa de interesses subjetivos. São eles:

Art. 6º O relator pedirá informações aos órgãos ou às autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado.

Parágrafo único. As informações serão prestadas no prazo de trinta dias contado do recebimento do pedido.

[...]

Art. 9º Vencidos os prazos do artigo anterior, o relator lançará o relatório, com cópia a todos os Ministros, e pedirá dia para julgamento.

§ 1º Em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos, poderá o relator requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria.

§ 2º O relator poderá, ainda, solicitar informações aos Tribunais Superiores, aos Tribunais federais e aos Tribunais estaduais acerca da aplicação da norma impugnada no âmbito de sua jurisdição.

§ 3º As informações, perícias e audiências a que se referem os parágrafos anteriores serão realizadas no prazo de trinta dias, contado da solicitação do relator.

Percebemos que o fundamento desses dispositivos reside em conferir à Corte Constitucional melhores informações para decidir. Nada mais são do que instrumentos que atribuem maior legitimidade às decisões do STF.

Cássio Scarpinella Bueno [28] explica essa abertura do processo objetivo de controle de constitucionalidade:

A "abertura" do processo da ação direta de inconstitucionalidade, ademais, deve ser entendida quase como uma saudável (e necessária) decorrência do caráter vinculante das decisões proferidas naquela sede e, também, como idéia de que o tão decantado "processo de caráter objetivo", sem "lide", sem interesses ou posições de vantagem individualmente analisáveis e capturáveis, que caracteriza esse tipo de ação, não pode significar, pura e simplesmente, a impossibilidade de maior (e necessário) debate sobre as questões que o Supremo Tribunal Federal está para decidir.

[...] O "terceiro" a que se refere o art. 7º, § 2º, da Lei 9.868/99 não deve ser estudado em confronto com os "terceiros intervenientes", assim entendidos aqueles que, em nome próprio e por "direito" próprio, que deriva, direta e indiretamente, do que se discute em juízo, buscam intervir em processos alheios. Mas, bem diferentemente, a partir de um contexto em que o que se busca é a produção de melhor decisão jurisdicional, realizada, na medida do necessário, uma instrução quanto à constitucionalidade ou inconstitucionalidade de dada norma. Uma intervenção que se preocupa mais com os efeitos externos e difusos do que for decidido do que, propriamente, com o atingimento desses mesmos efeitos na situação pessoal (na sua esfera jurídica individual) do interveniente.

3.1 Os requisitos para intervenção

Passemos, agora, à análise dos requisitos previstos no § 2º do art. 7º da Lei 9.868/99 para a intervenção do amicus curiae, que são a relevância da matéria e representatividade do postulante.

a) Relevância da matéria

Por relevância da matéria devemos entender, em primeiro lugar, o próprio objeto da ação declaratória de inconstitucionalidade – a constitucionalidade ou não da norma questionada, o que, por si só, já deixa evidente a importância da matéria.

Em segundo lugar, a necessidade de que outros elementos, diversos daqueles já existentes nos autos sejam acrescentados para o melhor julgamento da ação pelo magistrado.

Vejamos, a respeito, as lições de Cássio Scarpinella Bueno [29]:

Levando em conta os contornos da ação direta de inconstitucionalidade e o entendimento absolutamente pacífico de que seu julgamento transforma, inequivocamente, o órgão jurisdicional em verdadeiro órgão político, não parece errôneo o entendimento de que, pelo mero ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade, a matéria nela veiculada é, ipso facto, relevante inclusive para os fins de que trata o § 2º do art. 7º da Lei 9.868/99.

Trata-se, assim, de critério objetivo, no sentido de que diz respeito ao objeto da própria ação, é dizer, à norma cuja constitucionalidade é questionada.

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Mais do que isso, somos do entendimento de que por "relevância da matéria" também deve ser entendida a necessidade concreta sentida pelo relator de que outros elementos sejam trazidos aos autos para fins de formação de seu convencimento. [...]

O que é importante para seu preenchimento, acreditamos é que a "relevância" seja indicativa da necessidade ou, quando menos, da conveniência de um diálogo entre a norma questionada e os valores dispersos pela sociedade civil ou, até mesmo, com outros entes governamentais.

Gustavo Binenbojm [30] analisa o binônimo relevância-representatividade chegando à seguinte conceituação:

[...] na análise do binômio relevância-representatividade, deverá o relator levar em conta a magnitude dos efeitos da decisão a ser proferida nos setores diretamente afetados ou para a sociedade como um todo, bem como se o órgão ou entidade postulante congrega dentre seus filiados porção significativa (quantitativa ou qualitativamente) dos membros do(s) grupo(s) afetado(s).

Já Edgard Silveira Bueno Filho [31], defende a necessidade de comprovação entre a relevância da matéria e a finalidade da instituição.

Temos para nós que por relevância da matéria o legislador quis que o postulante demonstrasse a relação de relevância entre a matéria discutida e a atividade perseguida pela instituição. Primeiro, porque, se o processo está em andamento é porque é relevante a matéria. Com efeito, não se pode imaginar um processo de controle de constitucionalidade de matéria irrelevante. Depois, porque não teria sentido admitir-se a presença de terceiros na lide sem um mínimo de interesse jurídico no desfecho da causa a favor ou contra uma das partes.

Assim, a admissibilidade dependerá da relevância da sua participação em relação à matéria sub judice.

Portanto, fundamental que aquele que pleiteia seu ingresso como amicus curiae na ação declaratória de inconstitucionalidade, demonstre a importância da matéria ali discutida, e seus efeitos perante a sociedade, assim como a necessidade de sua intervenção para esclarecer e adicionar elementos que serão fundamentais para a adequada prestação da tutela jurisdicional.

b) Representatividade dos postulantes

A idéia da representatividade do postulante está relacionada à sua finalidade institucional. É dizer, não basta o mero interesse individual, ou interesses corporativos, mas sim uma espécie de "interesse institucional", nas palavras de Cássio Scarpinella Bueno [32]:

[...] Para nós, terá "representatividade adequada", toda aquela pessoa, grupo de pessoas ou entidade, de direito público ou de direito privado, que conseguir demonstrar que tem específico interesse institucional na causa e, justamente em função disso, tem condições de contribuir para o debate da matéria, fornecendo elementos ou informações úteis e necessárias para o proferimento de melhor decisão jurisdicional. Meros interesses corporativos, que dizem respeito apenas à própria entidade que reclama seu ingresso em juízo, não são suficientes para sua admissão na qualidade de amicus curiae.

Com o emprego da expressão "interesse institucional" queremos designar, [...] que o pretendente à intervenção na ação direta de inconstitucionalidade dever ser legítimo representante de um grupo de pessoas e de seus interesses, sem que, contudo, detenha, em nome próprio, nenhum interesse seu, próprio, típico de qualquer interessado no sentido tradicional, individual, do termo. Ele precisa guardar alguma relação com o que está sendo discutido em juízo, mas isso deve ser aferido no plano institucional, de suas finalidades institucionais, e não propriamente dos seus interesses próprios no deslinde da ação e das conseqüências de seu julgamento.

Dessa forma, estão legitimados a intervir na qualidade de amicus curiae, os legitimados para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade, previstos no art. 103 da Constituição, quando não atuarem como autores da mesma, ainda que tenha sido vetado o dispositivo que previa expressamente o seu ingresso.

O § 1º do art. 7º, vetado, dispunha:

Art. 7º [...]

§ 1º Os demais titulares referidos no art. 2º poderão manifestar-se por escrito, sobre o objeto da ação e pedir a juntada de documentos reputados úteis para o exame da matéria, no prazo das informações, bem como apresentar memoriais.

O veto teve como fundamento evitar que a utilização desta faculdade pudesse comprometer a celeridade processual, entendendo-se, ademais, que a previsão do § 2º do art. 7º da Lei 9.86/99 já abarcaria as demais entidades previstas no art. 103 da Constituição Federal.

Além dos legitimados à propositura da ação direta de inconstitucionalidade, podem intervir na qualidade de amicus curiae, quaisquer órgãos ou entidades, desde que demonstrem a representatividade adequada, ou nos dizeres de Scarpinella Bueno, comprovem seu interesse institucional.

Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery [33] defendem que:

O relator, por decisão irrecorrível, pode admitir a manifestação de pessoa física, jurídica, professor de direito, associação civil, órgão ou entidade, desde que tenha respeitabilidade, reconhecimento científico ou representatividade para opinar sobre matéria objeto da ação direta.

Na mesma linha segue Edgar da Silveira Bueno Filho [34] ao defender a maior amplitude possível dos legitimados a ingressas como amicus curiae:

Haverá sempre outras entidades de notória representatividade que, por isso, serão facilmente admitidas ao debate, dependendo apenas do tema discutido. É o caso das associações de magistrados, advogados, de outros profissionais liberais, de empresários, de defesa dos direitos humanos, de consumidores, do meio ambiente, etc., quando o ato normativo questionado tiver relação com a atividade por eles desenvolvida.

Já Carlos Gustavo Rodrigues Del Prá [35] não admite a intervenção de pessoas físicas, professores, cientistas, a não ser quando requisitadas pelo juiz.

Nosso posicionamento é pela possibilidade de intervenção como amicus curiae, tanto dos entes previstos no art. 103 da Constituição Federal, como de outros órgãos e entidades. Quanto a estes últimos desde que comprovem a relevância da matéria e a representatividade adequada, vinculada aos seus fins institucionais, a fim de tornar o processo objetivo de controle de constitucionalidade mais democrático e de conferir maior legitimidade às decisões da Corte Suprema.

Cássio Scarpinella Bueno [36] cita diversas decisões do STF, nas quais o mesmo admite como amicus curiae distintas entidades, verbi gratia, o Conselho Federal dos Advogados do Brasil foi admitido como amicus curiae em ações diretas que se voltam à impugnação de dispositivos da Lei 8.906/94, o Estatuto da Advocacia (ADI 1.127/DF, ADI 3026/DF, ADI 2522/DF); a Companhia Energética de Brasília (CEB) foi admitida como amicus curiae em ação direta de inconstitucionalidade em que questionava a isenção de tarifas de energia elétrica (ADI 1.104-9/DF); a Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores do Judiciário Federal e Ministério Público Federal – FENAJUFE foi admitida como amicus curiae em ação voltada ao questionamento de atos do Tribunal Superior Eleitoral (ADI 2321-MC).

3.2 O momento processual da intervenção

A questão acerca do momento processual para intervenção do amicus curiae tem gerado acirrada controvérsia.

Isso ocorre em razão do veto ao § 1º do art. 7º da Lei 9868/99, que abriu uma lacuna quanto ao momento da intervenção do amigo da corte.

O § 2º do art. 7º da Lei 9868/99 assim dispõe:

§ 2° O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgão ou entidades. (grifos nossos)

Assim sendo, o § 2º faz referência ao prazo de 30 dias para prestação de informações que estava previsto no § 1º vetado e no art. 6º da Lei 9868/99.

No entanto, tendo em vista o veto do § 1º, surgiu a discussão sobre o momento da intervenção do amicus curiae.

A doutrina majoritária defende a intervenção do amicus curiae a qualquer tempo, desde que antes de iniciado o julgamento. É que como a função do amicus curiae é fornecer melhores instrumentos, informações para facilitar a decisão da questão constitucional pelo STF, uma "intervenção para instrução", poderíamos dizer, somente até este momento ela teria razão de ser.

Edgard Silveira Bueno Filho [37] assim se posiciona:

[...] a intervenção do amicus curiae pode se dar a qualquer tempo, antes do julgamento da ação. É que tal como na assistência o amicus curiae pegará o processo no estado. Desse modo, se o julgamento já tiver se iniciado com a leitura do relatório, não poderá promover a sustentação oral. Entretanto, será admitida a entrega de memoriais aos demais julgadores.

No mesmo sentido, de que cabe a intervenção até o início do julgamento da ação, Dirley da Cunha Jr [38]:

Quanto ao prazo para a intervenção, apesar da razoabilidade do entendimento de que esse prazo corresponde ao da prestação das informações, parece-nos que a melhor posição é aquela que fixa como termo final a data anterior ao julgamento da ação.

O STF entendeu [39], de acordo com as lições de Cássio Scarpinella Bueno [40], em um primeiro momento, que a intervenção do amicus curiae estaria sujeita ao mesmo prazo que os réus da ação direta de inconstitucionalidade teriam para prestar as informações, ou seja, 30 dias contados da intimação para tanto.

No entanto, a nosso ver, essa posição praticamente inviabilizaria a intervenção do amicus curiae. É que no instante em que são intimados os réus da ação direta de inconstitucionalidade para prestar informações, dificilmente aquele que poderia intervir como amicus curiae terá conhecimento do processo. E isso significaria desconsiderar a importância do instituto, impedindo a democratização do processo de controle de constitucionalidade.

Defendendo a interpretação mais ampla, Cássio Scarpinella Bueno [41]:

O prazo final para a intervenção do amicus curiae, parece-nos, é a indicação do processo para julgamento, com sua inserção em pauta, dado objetivo que revela que o relator apresenta-se em condições de decidi-lo. Por isso mesmo é que não se deverá admitir a intervenção do amicus curiae naqueles casos em que não houver dúvidas quanto ao encerramento da "fase instrutória" da ação direta e, conseqüentemente, estar o feito em condições para julgamento. Uma vez iniciado o julgamento, não deve ser admitido o ingresso do amicus curiae.

O próprio STF tem admitido a intervenção do amicus curiae após esgotado o prazo para informações, como no caso da ADI 3474/BA, rel. Min. Cezar Peluso, j. 13.10.2005, desde que a mesma se dê antes do início do julgamento.

3.3 Prazo para a manifestação

Mais uma vez a lei foi silente quanto ao prazo que teria o amicus curiae para manifestar-se na ação direta de inconstitucionalidade, gerando, assim, controvérsia na doutrina e na jurisprudência.

O já citado § 2º do art. 7º da Lei 9868/99 determina que o amicus curiae apresentará sua manifestação no prazo fixado no parágrafo anterior. Contudo, o § 1º foi vetado, abrindo uma lacuna.

A redação do § 1º era a seguinte:

Art. 7o Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade.

§ 1° Os demais titulares referidos no art. 2o poderão manifestar-se, por escrito, sobre o objeto da ação e pedir a juntada de documentos reputados úteis para o exame da matéria, no prazo das informações, bem como apresentar memoriais. (grifo nosso)

O prazo das informações, por sua vez, está previsto no art. 6º da Lei da ADI:

Art. 6° O relator pedirá informações aos órgãos ou às autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado.

Parágrafo único. As informações serão prestadas no prazo de trinta dias contado do recebimento do pedido.

Destarte, a melhor interpretação é aquela que sustenta que o prazo para manifestação do amicus curiae é de 30 dias, uma vez que o prazo referido pelo vetado § 1º era o das informações, que de acordo com o parágrafo único do art. 6º é de 30 dias.

Mas, agora cabe outra indagação, 30 dias contados a partir de que momento?

O parágrafo único do art. 6º dispõe que as informações serão prestadas no prazo de trinta dias contado do recebimento do pedido. O termo a quo aqui fixado é aplicável aos órgãos ou às autoridades dos quais emanou o ato.

Não nos parece razoável que o prazo para o amicus curiae comece a fluir nesta mesma data, sob pena de se tornar totalmente inócua a previsão de sua participação na ação direta.

Entendemos, no mesmo sentido de Carlos Gustavo Rodrigues Del Prá [42], de que o prazo de 30 dias deve ter seu início a partir do deferimento do pedido de intervenção do amicus curiae:

Pensamos, portanto, que nada impede transpor à hipótese o prazo de 30 dias previsto no art. 6º, desde que, contudo, o dies a quo seja o do deferimento do pedido de manifestação do amicus curiae. Nada obsta, ademais, que o STF adote outro prazo para manifestação, mesmo menor, haja vista o silêncio da lei. O que não se pode admitir é que o veto ao § 1º imponha solução que torne ineficaz o § 2º do art. 7º, esvaziando quase que completamente seu conteúdo.

Corroborando esse entendimento, os ensinamentos de Mirella de Carvalho Aguiar [43]:

Em relação ao prazo destinado para manifestação do "colaborador da Corte", com o veto do § 1º do art. 7º (que previa idêntico prazo àquele para apresentação de informações), criou-se uma lacuna legal, que deverá ser integrada analógica e sistematicamente. Emboa existam posicionamentos contrários, o termo a quo do prazo certamente haverá de ser a data da publicação da decisão que admite a intervenção do amicus curiae.

3.4 Poderes

Dentre os poderes inerentes ao amicus curiae, o que decorre logicamente da leitura do § 2º do art. 7º é o de apresentar memoriais, manifestando-se por escrito.

Dúvida existia acerca da possibilidade de sustentação oral pelo amicus curiae.

Em um primeiro momento, o STF decidiu pelo não cabimento, na ADI 2.223/DF:

Submetida ao referendo do Plenário a decisão do Min. Marco Aurélio que, apreciando o pedido de medida liminar em ação direta ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores - PT no período de férias forenses (RISTF, art. 37, I), suspendera cautelarmente dispositivos da Lei 9.932/99, que dispõe sobre a transferência de atribuições do IRB - Brasil Resseguros S/A - IRB-BRASIL RE para a Superintendência de Seguros Privados - SUSEP. Inicialmente, o Tribunal, por maioria, resolvendo questão de ordem, entendeu não ser possível a sustentação oral de terceiros admitidos no processo de ação direta de inconstitucionalidade na qualidade de amicus curiae, cuja manifestação há de ser feita por escrito [Lei 9.868/99, art. 7º: "Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade. ... § 2º O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá por despacho irrecorrível, admitir (...) a manifestação de outros órgãos ou entidades."]. Salientou-se que a Lei 9.868/99 prevê expressamente que, no julgamento do pedido de medida cautelar, será facultada sustentação oral aos representantes judiciais do requerente e das autoridades ou órgãos responsáveis pela expedição do ato (§ 2º do art. 10). Vencidos os Ministros Nelson Jobim, Celso de Mello e Marco Aurélio, que assentavam o direito à sustentação oral. Em seguida, o julgamento foi suspenso.
ADInMC (QO) 2.223-DF, rel. Min. Marco Aurélio, 18.10.2001. (ADI-2223)

A doutrina, por outro lado, manifestou-se favoravelmente à sustentação oral do amicus curiae. Vejamos o pensamento de Fredie Didier Jr. [44]:

Em primeiro lugar, o § 2º do art. 7º da Lei federal 9.868/99, fonte normativa para a intervenção do "amigo", não estabelece forma para a sua manifestação. Não havendo previsão legal a respeito, o ato processual (manifestação) pode ser efetivado por qualquer forma (oral ou escrita), desde que atinja a finalidade (que, no caso, é a de ajudar o tribunal no julgamento). Vale, pois, a regra do art. 154 do CPC.

Em segundo lugar, a permissão de sustentação oral conferida aos representantes judiciais da requerente e das autoridades ou órgãos responsáveis pela expedição do ato (art. 10, § 2º, Lei federal n° 9.868/99) não pode servir como argumento de que, ipso facto, fica proibida a manifestação oral deste especial auxiliar do juízo. Parece que a sustentação oral é algo esdrúxulo, excepcional, que somente pode ser permitido em situações de absoluta necessidade. Estranho isso; notadamente quando se sabe que as decisões colegiadas normalmente dão ensejo a calorosos debates orais, cujas armas de convicção, certamente, não ficam restritas à palavra escrita, e cujo teor, quase sempre, não é reduzido a termo. Ora, é da própria natureza dos julgamentos colegiados o manejo da palavra falada.

Em terceiro lugar, também não se pode dizer que a concessão da palavra prejudicará a celeridade do julgamento. [...]

Se a sustentação oral serve ao esclarecimento dos magistrados; se o julgamento colegiado caracteriza-se pelos debates orais; se a participação do amicus curiae no processo é um fato de aprimoramento da tutela jurisdicional, pois atua como um auxiliar do juízo, não há nenhum sentido na proibição que esse auxílio se dê pela via da palavra falada.

Posteriormente, em 2003, o STF modificou seu posicionamento, para permitir a sustentação oral do amicus curiae, na ADI 2777/SP, constante do Informativo 331 do STF:

Preliminarmente, o Tribunal, por maioria, resolvendo questão de ordem suscitada no julgamento das ações diretas acima mencionadas, admitiu, excepcionalmente, a possibilidade de realização de sustentação oral por terceiros admitidos no processo abstrato de constitucionalidade, na qualidade de amicus curiae. Os Ministros Celso de Mello e Carlos Britto, em seus votos, ressaltaram que o § 2º do art. 7º da Lei 9.868/99, ao admitir a manifestação de terceiros no processo objetivo de constitucionalidade, não limita a atuação destes à mera apresentação de memoriais, mas abrange o exercício da sustentação oral, cuja relevância consiste na abertura do processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade; na garantia de maior efetividade e legitimidade às decisões da Corte, além de valorizar o sentido democrático dessa participação processual. O Min. Sepúlveda Pertence, de outra parte, considerando que a Lei 9.868/99 não regulou a questão relativa a sustentação oral pelos amici curiae, entendeu que compete ao Tribunal decidir a respeito, através de norma regimental, razão por que, excepcionalmente e apenas no caso concreto, admitiu a sustentação oral. Vencidos os Ministros Carlos Velloso e Ellen Gracie, que, salientando que a admissão da sustentação oral nessas hipóteses poderia implicar a inviabilidade de funcionamento da Corte, pelo eventual excesso de intervenções, entendiam possível apenas a manifestação escrita (Lei 9.868/99, art. 7º, § 2º: "Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade. ... § 2º O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá por despacho irrecorrível, admitir ... a manifestação de outros órgãos ou entidades."). ADI 2675/PE, rel. Min. Carlos Velloso e ADI 2777/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 26 e 27.11.2003. (ADI-2675) (ADI-2777)

Em virtude dessa decisão, o STF alterou seu Regimento Interno, acrescentando um novo § 2º ao art. 131, para possibilitar a sustentação oral de quaisquer terceiros, dentre os quais não há razão para excluir o amicus curiae, segundo entende Cássio Scarpinella Bueno [45].

Portanto, hoje é pacífica a possibilidade de sustentação oral do amicus curiae na ação direta de inconstitucionalidade.

Outra questão controvertida na doutrina e na jurisprudência, é sobre a possibilidade de o amicus curiae recorrer ou não.

O § 2º do art. 7º da Lei 9.868/99 dispõe que o relator, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, a manifestação do amicus curiae.

Ora, o que podemos extrair desse dispositivo, a contrario sensu, é que a decisão que não admite o ingresso do amicus curiae pode ser objeto de recurso por parte deste. O interesse recursal do "amigo da corte" surge do evidente prejuízo que este sofre com a decisão que indefere seu ingresso na ação direta.

A maioria da doutrina [46] defende esse entendimento.

Citamos, para ilustrar, as lições de Cássio Scarpinella Bueno [47]:

Para nós, o melhor entendimento é aquele que entende ser recorrível essa decisão, aplicando-se à hipótese a diretriz do sistema processual civil de que toda decisão monocrática proferida no âmbito dos tribunais é recorrível por intermédio do recurso de agravo, aqui na sua modalidade "interna". E nem poderia ser diferente, considerando o inegável prejuízo que a decisão que indefere o ingresso do amicus curiae tem aptidão para lhe causar, revelando-lhe, assim, seu interesse recursal.

Gustavo Binenbojm [48] defende a possibilidade de o amicus curiae recorrer das demais decisões – interlocutórias e final – proferidas nos autos da ação direta. Vejamos os fundamentos utilizados pelo autor para embasar sua posição:

O art. 499 do Código de Processo Civil assegura legitimidade recursal ao Ministério Público e ao terceiro prejudicado. Reconhecendo, hoje, a doutrina e a jurisprudência, a natureza jurídica de terceiro especial ao amicus curiae, não há como se lhe negar a legitimidade recursal para manifestar sua insurgência contras as decisões que não acolherem seus argumentos.

Ensina Sérgio Bermudes que a finalidade dos recursos é a de proporcionar o "aperfeiçoamento das decisões judiciais."Assim, não há motivo lógico para que ao amicus curiae seja assegurado o direito de apresentar seus argumentos,por escrito e oralmente, perante o Tribunal e, como desdobramento natural,não possa se insurgir contra as decisões que contrariem tais argumentos,por meio dos recursos cabíveis. É evidente que, em sede de controle de constitucionalidade, tal aperfeiçoamento se torna ainda mais desejável. De fato, diante do impacto e da repercussão política, econômica e social de uma decisão declaratória de inconstitucionalidade, é ainda maior o interesse do Estado-Jurisdição e da sociedade como um todo no sentido de que as decisões sejam submetidas ao mais rígido escrutínio.

[...]

A referência ao "terceiro" do art. 499 do Código de Processo Civil "designa o estranho ao processo, titular da relação jurídica atingida (ainda que por via reflexa) pela sentença". É evidente que as entidades e órgãos que eventualmente venham a figurar como amicus curiae, podem sofrer impactos diretos em razão da decisão em controle abstrato, podendo, até mesmo, perder direitos antes reconhecidos pela lei atacada. Dessa forma, o amicus curiae é titular de um direito passível de ser atingido – ao menos potencialmente – por acórdão declaratório de inconstitucionalidade, possuindo, assim, legitimidade recursal como terceiro interessado, aplicando-se, analogicamente, o art. 499 do CPC.

[...]

Está, assim, o amicus curiae legitimado a manejar o agravo regimental contra decisões interlocutórias do relator, bem como os embargos de declaração contra os acórdãos cautelares e de mérito. Ademais, no plano do controle abstrato estadual, além dos recursos já mencionados, poderá o amicus curiae valer-se dos recursos especial e extraordinário, conforme seja o caso de cabimento de um ou outro. Tal elenco recursal é, por óbvio, meramente exemplificativo, sendo lícito ao amicus curiae interpor qualquer recurso cabível, de acordo com a legislação processual.

No mesmo sentido da ampla possibilidade de valer-se, o amicus curiae, da utilização dos recursos, Cássio Scarpinella Bueno [49]:

Também entendemos ser lícito ao amicus curiae apresentar recurso da decisão final, que julga a ação direta de inconstitucionalidade ou de qualquer outra que possa interferir concretamente nos interesses que motivam o seu ingresso em juízo, assim, por exemplo, a concessão de liminar, providência tipicamente antecipatória nos casos de controle concentrado de constitucionalidade.

Há, ainda, aqueles que negam a legitimidade recursal ao amicus curiae em quaisquer casos, como Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery [50] e Fredie Didier Jr. [51] Para ilustrar, transcrevemos o posicionamento dos primeiros:

O ato do relato que admite ou não a manifestação do amicus curiae é decisão interlocutória (CPC 162, § 2º) e não despacho, como incorretamente menciona a norma comentada. A decisão, positiva ou negativa é irrecorrível.

O STF, em várias decisões [52], negou legitimidade recursal ao amicus curiae, sem ressalvas.

Sobre a autora
Michele Franco Rosa

Procuradora Federal em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Michele Franco. "Amicus curiae" e o controle concentrado de constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2905, 15 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19321. Acesso em: 22 nov. 2024.

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