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A inconstitucionalidade da Lei nº 10.842/2004 quanto à diferença na retribuição pelo exercício da chefia de cartório nas zonas eleitorais do interior

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Agenda 28/06/2011 às 10:22

5 A SÚMULA N.° 339 DO STF COMO MEIO DE IMPEDIR A SUPREMACIA E MÁXIMA EFICÁCIA DA CF/88.

A presente seção tem por finalidade analisar a Súmula STF n.º 339 denunciando-a como jurisprudência que impede a concretização da máxima efetividade das normas e princípios constitucionais.

Tem o enunciado sumular a seguinte redação:

Súmula STF n.º 339 - Não cabe ao poder judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia.

Primeiramente, insta ressaltar que tal verbete foi firmado sob o texto da Carta de 1946 não sendo recepcionada pela Carta de 1988 [06]. Ademais, os enunciados sumulares não são vinculativos aos juízes, exceto no caso de súmulas vinculantes que para serem aprovadas devem atender requisitos específicos. (SOUSA, 2008, p.129)

Este enunciado tem sido usado como fundamento de decisões judiciais conforme os três julgados a seguir:

Primeiro Julgado.

Origem: Tribunal Regional Federal - 5ª Região

Classe AC - Apelação Civel

Número do Processo: 0019256-64.2009.4.05.8300

Órgão Julgador: Terceira Turma

Relator: Des. Federal FREDERICO PINTO DE AZEVEDO (Substituto)

Data Julgamento: 24/03/2011

Documento n.º: 257712

Ementa. Administrativo. Militar. Enquadramento no Plano de Carreira dos Cargos de Tecnologia Militar. Impossibilidade. Percepção da GDATEM. Descabimento. Violação ao Princípio da Igualdade. Inocorrência.

1. Militar que busca o enquadramento na carreira de tecnologia militar e, por consequência, o direito à percepção da GDATEM.

2. Conforme Disposto na Lei N.º 11.355/2006 (Art. 127), o enquadramento no Plano de Carreiras dos Cargos de Tecnologia Militar requer que o cargo ocupado esteja relacionado no Anexo XXII, e, ainda, a lotação em uma das Organizações Militares Relacionadas no Anexo XXIV.

3. Não obstante o cargo ocupado pelo recorrente - Artífice de Estrutura de Obras e Metarlugia - esteja relacionado no Anexo XXII, sua lotação não corresponde a nenhuma das Organizações Militares, do Comando da Marinha, relacionadas no Anexo XXIV.

4. Ausência de pressuposto legal que inviabiliza o enquadramento do recorrente no Plano de Carreiras dos Cargos de Tecnologia Militar, e, por consequência, o direito à percepção da GDATEM.

5. Inexistência de afronta ao Princípio da Igualdade, consignado no art. 5º, da Magna Carta/1988. Inteligência da Súmula 339, do STF. Apelação Improvida. (Grifo Nosso)

Segundo Julgado

Origem: Tribunal Regional Federal - 5ª Região

Classe AC - Apelação Civel

Número do Processo: 0005278-18.2007.4.05.8000

Órgão Julgador: Primeira Turma

Relator: Des. Federal HÉLIO SÍLVIO OUREM CAMPOS (Substituto)

Data Julgamento: 17/02/2011

Documento n.º: 253681

Ementa. Administrativo. Servidor. Equiparação Salarial. Diretores de Unidades Acadêmicas. Isonomia. Descabimento. Súmula N.º 339 - STF.

1. Na Hipótese vertente, os postulantes, Servidores Públicos da UFAL ocupam Cargo de Direção, com nomeação pelo Conselho Universitário. Entretanto, as suas remunerações não correspondem à retribuição vencimental percebidas por outras 09 (Nove) Unidades, nas quais os órgãos de cúpula são classificados como Cargo de Direção CD-3 e CD-4. Já os Diretores das Unidades remanescentes passaram a figurar, tão somente com o Título de Função Gratificada Nível 1.

2. Incidência, no Caso, do enunciado N.º 339 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, verbis: Não Cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos, sob fundamento de isonomia.

3. Verba honorária sucumbencial fixada em R$ 1.000,00 (Mil Reais).

Apelação da UFAL e remessa obrigatória providas. (grifos nossos)

Terceiro Julgado

Origem: Tribunal Regional Federal - 5ª Região

Classe Ac - Apelação Civel

Número Do Processo:0001591-94.2007.4.05.8400

Órgão Julgador: Terceira Turma

Relator: Des. Federal Germana Moraes (Substituto)

Data Julgamento:24/09/2009

Documento Nº: 203113

Ementa. Administrativo. Gratificações Eleitorais. Base de Cálculo. Aplicação da Lei 10.842/04. Incompetência do Judiciário para legislar.

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1. A Lei 10.842/04 extinguiu as gratificações mensais decorrentes da prestação de serviços à Justiça Eleitoral e Chefe de Cartório de Zona Eleitoral, criando, em seu lugar, Funções Comissionadas que dispõe em seu Art. 1º, II e III.

2. Sistema remuneratório dos servidores públicos, fixa que deverão ser observados a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira (artigo 39, parágrafo 1º, I, CFR/88).

3. Tratamento legal diferenciado em face das especificidades e grau de responsabilidade existentes entre as zonas eleitorais da capital e interior, não havendo que se falar em qualquer ilegalidade ou afronta ao princípio da isonomia. (grifos nosso)

4. A concessão de vantagens pecuniárias só pode ser feita por lei. Não cabe ao poder judiciário aumentar vencimentos de servidores públicos sob o fundamento de isonomia, conforme entendimento firmado pelo Pretório Excelso na Súmula n.º 339. Apelação Improvida.

Atentando-se para o terceiro acórdão, um dos fundamentos da decisão do Egrégio TRF da 5ª Região, é "3. Tratamento legal diferenciado em face das especificidades e grau de responsabilidade existentes entre as zonas eleitorais da capital e interior não havendo que se falar em qualquer ilegalidade ou afronta ao princípio da isonomia", o que como já demonstrado não se coaduna com a verdade dos fatos.

Em adição, mesmo que o enunciado sumular tivesse sido recepcionado pela Constituição de 1988, seu conteúdo fala em "não cabe ao poder judiciário aumentar vencimentos de servidores públicos". Isto não é o que se discute.

O que se defende não é um provimento judicial que aumente os valores nominais dos vencimentos ou das Funções Comissionadas. Aduz-se apenas o reconhecimento da desigualdade de tratamento e, via de consequência, a retribuição equânime entre os chefes de cartório do interior e da capital.

Isto posto, urge se fazer 04 perguntas: a) há igualdade de requisitos para o exercício, atribuições, demanda e responsabilidade entre os chefes de cartório do interior e os das capitais? b) as normas e princípios constitucionais tem supremacia e devem ter a máxima eficácia?; c) Como garantir essa máxima eficácia? d) a quem cabe realizar esse papel?

A letra "a" se responde positivamente por tudo que foi demonstrado na seção anterior, ou seja, com base nas normas que definem as atribuições dos chefes de cartório, nos dados sobre o número de eleitores de zonas do interior que muitas vezes ultrapassa o das zonas das capitais, bem como as demais circunstâncias trazidas à lume, não há dúvida de que a igualdade é total, tanto formal quanto material.

Na pergunta "b", também se tem como resposta um estridente "SIM", pois conforme cediço na Ciência do Direito, a Constituição é a norma suprema de um país. Devem, portanto, suas normas ter o máximo de efetividade, servindo de fundamento e norte para o legislador ordinário, proibindo-o de editar leis que desrespeitem os preceitos constitucionais.

BARROSO(1999, p.107) ensina que:

A superioridade hierárquica é a nota mais essencial do processo de interpretação constitucional. É ela que confere à Lei Maior o caráter paradigmático e subordinante de todo o ordenamento, de forma tal que nenhum ato jurídico possa subsistir validamente no âmbito do Estado se contravier seu sentido. (grifos nossos)

Sobre o questionamento de letra "c", tem-se que o sistema brasileiro prevê mais de um momento e forma de se averiguar se uma norma respeita à ordem constitucional (controle prévio no legislativo e executivo; controle posterior pelo judiciário). Porém, para o cidadão que se vê lesado em um direito constitucional por uma lei infraconstitucional só há uma via: o controle difuso através do judiciário.

Ou seja, já respondendo letra "d", é ao judiciário que compete corrigir as inconstitucionalidades perpetradas pelo legislador.

Por isso reafirma-se que a Súmula STF n.º 339 não se coaduna com a atual Carta Magna já que, indiretamente, impede o controle judicial de constitucionalidade. Outrossim, fere também a garantia e princípio constante no artigo 5º, inciso XXXV da CF/88, de "acesso à justiça". (GRINOVER,2005,p.83)

Enfim, só serve o enunciado para legitimar, quando usada como fundamento da sentença, uma omissão do judiciário em realizar o controle difuso de constitucionalidade e cumprir a nobre missão de "dizer o direito".


6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do presente trabalho, trouxeram-se inúmeras definições técnicas e jurídicas sobre isonomia, proporcionalidade e supremacia da constituição federal.

Um estado deve ter alguns parâmetros para definir sua atuação.

O Brasil definiu-se, conforme artigo 1º de nossa Carta Maior, como um estado democrático de direito. Assim, todas as nossas instituições e poderes devem buscar a concretização desse conceito, submetendo-se as prescrições constitucionais.

Devem, portanto, pautar suas atuações pelos princípios da legalidade, igualdade, impessoalidade, moralidade, proporcionalidade, segurança jurídica, respeito aos direitos fundamentais do cidadão etc., sopesando-os sem deixar que nenhum deles funcione como ferramenta para promoção de injustiças.

Não se olvide o disposto no art. 2º da Carta de 1988, que prescreve serem três os poderes da União, independentes e harmônicos entre si, como fundamento deste Estado de Direito, sendo o Poder Judiciário a ultima ratio do cidadão contra os desrespeitos à Constituição promovidos pelos outros dois, Executivo e Legislativo.

Por isso, tem ele que ser independente.

Conquanto parte da doutrina sustente que:

[...]entre todas as autoridades estatais, o legislador ordinário é o primeiro concretizador da Constituição e, consequentemente, o órgão que possui o maior poder discricionário de tomada de decisões com critérios políticos, não podendo as demais autoridades estatais contrariar suas decisões por simples motivo de discordância ou inconveniência política [...] Aplicadas no controle de constitucionalidade das limitações de direitos fundamentais, essas considerações indicam a necessidade de evitar construções teóricas e decisões concretas que desrespeitam essa forma de divisão de tarefas. A necessidade de autocontentação do Poder Judiciário no exercício de suas competências corresponde à necessidade de respeitar o espaço político que foi concedido ao legislador pela própria constituição [...] O Judiciário nunca poderá, recorrendo a "ponderações", decidir de forma a contrariar a decisão do legislador, exceto quando isso fundamentar-se diretamente no texto constitucional (MARTINS, 2010, p.205) (grifos nossos)

a atuação do Judiciário em casos como o aqui tratado não afronta o princípio da separação dos poderes. A harmonia prevista no artigo 2º retro não pode servir de justificativa para legitimar inconstitucionalidades perpetradas pelo legislador.

Para um cidadão leigo em Direito, ler uma sentença que diz em suma que a norma que o rege traz em sua essência uma inconstitucionalidade, mas que o Judiciário, por causa da Súmula STF n.º 339, não pode corrigi-la, é o mesmo que afirmar que o cidadão deve se conformar com injustiças.

É dizer que o comando presente no art. 2º da CF/88 é, na verdade, uma separação de poderes "de fachada" que serve mais para legitimar a "legalidade inconstitucional" do que para proteger o cidadão comum.

É confirmar que o Judiciário não tem a independência preconizada para impor ao Estado o efetivo cumprimento da Constituição.

Em suma, é extirpar do cidadão o seu último suspiro contra a arbitrariedade estatal.

Isso, caríssimos leitores, não pode e nem deve ser aceito por juizes, advogados, membros do ministério público ou doutrinadores que laboram "pensando" o direito.


REFERÊNCIAS

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Notas

1.BRASIL. Tribunal de Contas da União. Relatório de Auditoria de Conformidade (Ata n.º 03/2011) referente ao Processo 014.770/2009 do Tribunal de Contas da União, publicado no DOU em 07/02/2011. Disponível em URL:http://contas.tcu.gov.br/pt/MostraDocumento?qn=1&doc=3&templ=default&p=0.

Acesso em 27 de abril de 2011.

2.SEMINÁRIO BRASILEIRO DE DIREITO ELEITORAL, 1., Porto Alegre. Anais do I Seminário. Porto Alegre: Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, 1990.

3.BRASIL. Coletânea de Leis da República Federativa do Brasil. Imprensa Nacional. v. 181. n.1.p.1 – 415. Brasília: jan. / fev. de 1989. . Lei n.º 7.719/1989.

4.MELO, Celso Antônio Bandeira. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 16-17.

5.Melo, Celso Antônio Bandeira de. op. cit.

6.MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Da não recepção da Súmula 339/STF após a promulgação da Constituição Federal-88. Disponível em URL: http://www.gomesdemattos.com.br/artigos/da_nao_recepcao_da_sumula_339.pdf. Acesso em 27de abril 2011.

Sobre o autor
Arlley Andrade de Sousa

Analista Judiciário - Área Administrativa do TRE/RN . Chefe de Cartório da 27ª Z.E - Jucurutu/RN. Bacharel em Direito pela UFRN e Especialista em Direito e Processo Eleitoral da UnP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUSA, Arlley Andrade. A inconstitucionalidade da Lei nº 10.842/2004 quanto à diferença na retribuição pelo exercício da chefia de cartório nas zonas eleitorais do interior. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2918, 28 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19434. Acesso em: 21 nov. 2024.

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