RESUMO
Trata-se o presente trabalho de um estudo sobre a reestruturação dos quadros de servidores da Justiça Eleitoral através da criação dos cargos de Analista e Técnico Judiciários para provimento das zonas eleitorais do país, a partir da Lei n.º 10.848 de 20 de fevereiro de 2004. Foca-se na diferenciação da gratificação paga aos chefes de cartórios das zonas do interior e a dos chefes de cartório das zonas das capitais. Com arrimo no princípio constitucional da isonomia associado ao da proporcionalidade, visa o artigo demonstrar a inconstitucionalidade de alguns dispositivos da lei supra referida. Por fim, faz-se uma crítica a súmula n.º 339 do STF que tem embasado decisões judiciais que impedem a efetivação do princípio da igualdade e da máxima efetividade das normas constitucionais.
Palavras-chave: Igualdade. Proporcionalidade. Máxima efetividade da CF/88.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho consistirá em uma análise sobre a constitucionalidade do artigo 1º, incisos II e III da Lei n.º 10.848 de 20 de fevereiro de 2004, que criou cargos e funções comissionadas na Justiça Eleitoral brasileira.
Prescreve o dispositivo legal:
Art. 1º Ficam criados, nos Quadros de Pessoal dos Tribunais Regionais Eleitorais, os cargos de provimento efetivo e as funções comissionadas indicados e quantificados no Anexo I, assim destinados:
I – 2 (dois) cargos efetivos, sendo 1 (um) de Técnico Judiciário e 1 (um) de Analista Judiciário, para cada Zona Eleitoral;
II – 1 (uma) função comissionada de Chefe de Cartório Eleitoral, nível FC-4, para as Zonas Eleitorais localizadas no Distrito Federal e nas Capitais dos Estados mencionados, não dotadas de idêntica função; e
III – 1 (uma) função comissionada de Chefe de Cartório Eleitoral, nível FC-1, para cada Zona Eleitoral localizada no interior dos Estados.(grifos nossos)
Primeiramente, quer-se atentar para qualificação do autor, a fim de se deixar claro o seu interesse sobre a matéria. Contudo, espera-se que tal qualificação não promova preconceitos sobre a isenção das teses trazidas na pesquisa.
Em virtude de seu interesse pessoal no desenrolar do assunto o autor debruçou-se com afinco no seu estudo, aceitando o desafio de se afastar da sua parcialidade para abordar o tormentoso tema de forma mais isenta, desde já estando aberto à comunidade jurídico/acadêmica para observações e questionamentos.
Abordar-se-á o tema a partir dos conceitos apreendidos nos primeiros períodos do Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, campus Caicó, que possui professores que não se limitam a fazer da Academia meros cursos preparatórios para concursos. Pelo contrário, tentam sempre criar nos alunos perguntas que os levem "a pensar" o Direito, algo a que nem todos atrai.
O que aqui se defenderá não se afasta das definições de Paulo Nader, Miguel Reale, José Afonso da Silva, Pedro Lenza, Sérgio Valladão Ferraz, Luis Roberto Barroso e outros doutrinadores constitucionalistas sobre o princípio da igualdade, proporcionalidade e máxima eficácia da constituição.
Além disso, tomando-se por base a doutrina administrativista de Hely Lopes, Maria Sylvia Zanella di Pietro e Celso Antônio Bandeira de Melo, verificar-se-á que as retribuições dos cargos e funções devem ser proporcionais aos requisitos para seu exercício(conjunto de atribuições, complexidade e responsabilidade) devidamente previstos em lei.
Os argumentos serão construídos numa sequência lógica e nas definições e conceitos consolidados no direito brasileiro visando demonstrar que o poder legislativo e executivo federal, quando da promulgação e sanção da Lei n.º 10.842/2004, desrespeitaram a Constituição vigente no que concerne ao direito fundamental à igualdade.
Espera-se que os leitores deste trabalho compreendam ao final da leitura, que as teses são resultado de reflexões sobre temas básicos para qualquer estudioso do direito constitucional e administrativo, cuja doutrina ensina que quando os poderes executivo e/ou legislativo ferem a Carta Magna, cabe ao poder judiciário trazer de volta a estabilidade do sistema, não devendo, pois, no controle difuso, aplicar súmulas que dão concretude a entendimentos afastados da supremacia e máxima eficácia das normas constitucionais.
A seguir, para devida contextualização, um breve histórico da Justiça Eleitoral no Brasil, com ênfase na grande mudança de paradigma ocorrida com a edição da Lei n.º 10.842/2004, que iniciou a profissionalização dos servidores em todas as zonas eleitorais do país.
2 A LEI N.º 10.842/2004 E O INÍCIO DA PROFISSIONALIZAÇÃO DA JUSTIÇA ELEITORAL
O Brasil, como Estado soberano, inicia sua história a partir da Constituição Imperial de 1824, porém só a partir de 1932, com a edição do primeiro Código Eleitoral, é que surge a Justiça Eleitoral como órgão específico do poder judiciário. Ou seja, é após a Proclamação da República que passa a existir uma justiça especializada para tratar das eleições, todavia prevista em norma infraconstitucional.
O status constitucional desse ramo do poder judiciário só foi alcançado com a promulgação da Constituição de 1934, mantendo-se daí em diante praticamente sem alteração quanto à sua estrutura (CERQUEIRA, 2008, p. 858), não fosse pela constituição do Estado Novo de 1937, que vedava ao poder judiciário conhecer de questões exclusivamente políticas (RAMAYANA, 2005, p. 10).
A Constituição Cidadã, em 5 de outubro de 1988, define as linhas mestras da organização da Justiça Eleitoral brasileira nos artigos 92, inciso V e 118 a 121.
Hodiernamente, como principal característica da Justiça Eleitoral tem-se o fato de que ela compõe-se não por um quadro próprio de magistrados, mas por juízes "emprestados" dos Tribunais de Justiça (TJ) dos estados, na primeira instância, por uma mistura de Desembargadores dos TJs, Juízes Federais e Juristas na segunda instância, e por ministros do STF, STJ e Juristas na instância superior. Há, ainda, as Juntas Eleitorais, órgãos judiciais de primeira instância, com presença de cidadãos de notória idoneidade.
Mas voltando ao foco do trabalho, no que atine à organização de seus servidores, até a publicação da Lei n.º 10.842/2004, a Justiça Eleitoral possuía quadro de servidores efetivos bastante reduzido, normalmente concentrados nas sedes dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), ficando as zonas eleitorais do interior sob a chefia de servidores requisitados de outros órgãos da Administração Pública.
Apesar do trabalho valoroso que os requisitados prestaram à Justiça Eleitoral por tanto tempo, o pequeno número de servidores efetivos no quadro dos TREs resultou no uso inadequado do instituto da requisição/cessão. Dentre as irregularidades mais frequentes constata-se a falta de impessoalidade na escolha dos requisitados/cedidos, indicados por prefeitos e políticos entre seus apadrinhados para funcionarem como seus olhos no cartório eleitoral e terem um aumento salarial devido ao recebimento da gratificação paga em retribuição pelo exercício da função, o excessivo tempo de requisição e a designação das chefias de cartórios para pessoas sem vínculo efetivo com a Administração Pública [01].
Além desses vícios, as requisições/cessões traziam outras dificuldades, como, por exemplo, a que fui aludida no I Seminário Brasileiro de Direito Eleitoral, realizado em 1990, sobre o problema do desperdício de investimentos no treinamento de funcionários cedidos/requisitados pela Justiça Eleitoral, quando estes regressavam aos órgãos de origem, in verbis:
"(...) todo investimento efetuado no treinamento de um funcionário se perde com o seu retorno à repartição de origem. Em outras palavras, quando o funcionário adquire os conhecimentos e experiência necessários ao desempenho da tarefa, deve deixar a Justiça Eleitoral". [02]
É nesse contexto que a Justiça Eleitoral iniciou a profissionalização de seus quadros com a contratação de servidores efetivos por meio de concursos públicos.
A primeira lei que criou cargos efetivos, no âmbito da Justiça Eleitoral, após a Carta Magna de 1988, foi a Lei n.º 7.719 de 1989. Esse diploma criou um total de 11 cargos efetivos de Inspetor de Segurança Judiciária, apenas para o TSE, determinando que o primeiro provimento se desse através de progressão funcional dos ocupantes do cargo de Agente de Segurança Judiciária [03].
Em seguida houve a Lei n.º 8.350 de 1991 que prescrevia no parágrafo único de seu artigo 2º que o exercício da escrivania eleitoral deveria ser retribuído, quando não fosse cargo ou função de confiança, com 20% do vencimento básico do Diretor Geral de cada TRE.
Por último, veio a Lei n.º 8.668 de 1994 que transformou, criou e extinguiu cargos no âmbito das Secretarias dos TSE e TREs, determinando ainda, a forma de retribuição para o exercício da escrivania e chefia de cartórios eleitorais. Nesta norma, definiam-se em seus artigos 9º e 10 os valores devidos ao escrivão e chefe de cartório eleitoral do interior, ipsis literis:
Art. 9º A gratificação mensal de que trata o parágrafo único do art. 2º da Lei n.º 8.350, de 28 de dezembro de 1991, devida aos escrivães eleitorais, passa a corresponder ao nível retributivo da função comissionada FC-3, de que trata o Anexo IV desta lei.
Art. 10. Fica instituída gratificação mensal devida aos Chefes de Cartório das Zonas Eleitorais do interior dos Estados, pela prestação de serviços à Justiça Eleitoral, correspondente ao nível retributivo da função comissionada FC-1, de que trata o Anexo IV desta lei. (grifos nossos)
Atente-se, por oportuno, que tais normas criaram cargos efetivos apenas nas Secretarias dos TREs, entenda-se, sedes dos tribunais. O trabalho das zonas do interior continuou a ser exercido por requisitados e cedidos.
Somente com o advento da Lei n.º 10.842/2004, criando cargos em todas as zonas eleitorais do Brasil, iniciou-se a profissionalização da mão de obra da Justiça Eleitoral, com servidores concursados, devolvendo-se grande parte dos servidores requisitados e cedidos aos órgãos de origem para minimizar o prejuízo que, principalmente, as repartições públicas dos municípios menores sofriam.
A Lei n.º 10.842/2004 foi, sem dúvida, um marco na organização estrutural da Justiça Eleitoral ao criar em seu art. 1º, inciso I, dois cargos efetivos, um de técnico e um de analista para cada zona eleitoral do Brasil. Todavia, nem tudo são flores, conforme se demonstrará a seguir.
3 OS PRÍNCÍPIOS DA IGUALDADE, LEGALIDADE E PROPORCIONALIDADE COMO NORMAS CONSTITUCIONAIS COGENTES PARA OS PODERES DA REPÚBLICA.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é norma que, nas lições de Kelsen apud Reale (2005, p. 193), "compõe o plano normativo supremo do qual se originam e recebem validade todas as demais expressões normativas".
O constitucionalista José Afonso da Silva trata da supremacia da Constituição Federal ensinando que:
Nossa Constituição é rígida. Em consequência, é a lei fundamental e suprema do Estado brasileiro. Toda autoridade só nela encontra fundamento e só ela confere poderes e competências governamentais. Nem o governo federal, nem os governos dos Estados, nem os dos Municípios ou do Distrito Federal são soberanos, porque todos são limitados, expressa ou implicitamente, pelas normas positivas daquela lei fundamental. (grifos nossos) (SILVA, 2008, p.46)
Considerando os comandos trazidos na Constituição Federal de 1988, mais precisamente os que preveem os direitos e garantias fundamentais, constantes do artigo 5º, tem-se em destaque o direito à igualdade, à legalidade e, implicitamente, à proporcionalidade.
O princípio da igualdade, nas palavras de Pedro Lenza, consiste no que está previsto "no artigo 5º, caput quando consagra serem todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza". E continua:
Deve-se, contudo, buscar não somente esta aparente igualdade formal (consagrada no liberalismo clássico), mas principalmente a igualdade material, na medida em que a lei deverá tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades. (LENZA, 2007, p.701).
Djalma Pinto também defende que existem duas formas de exteriorização da igualdade que se percebe no dia-a-dia: a formal e a real. (PINTO, 2005, p.130)
Em suma, a igualdade formal ou "igualdade perante a lei quer dizer: trate a todos como a lei mandou, independentemente se ela respeitou, ou não a igualdade no tratamento das pessoas. Este preceito é destinado, principalmente, ao legislador, para conformar a elaboração da lei aos preceitos da isonomia."(FERRAZ, 2006, p. 73)
Já a igualdade real ou material consiste em, a partir de critérios de proporcionalidade, criar uma discriminação de tratamento que decorre de uma particularidade acolhida como própria de um objeto(coisa, pessoa ou situação) em vista da correlação lógica entre elas(discriminação x particularidade) [04].
O princípio da legalidade, por sua vez, além da perspectiva presente no art. 5, II da Carta Maior que ensina "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei", possui também um prisma diferente, qual seja, a legalidade administrativa, que nas palavras de Hely Lopes Meirelles compreende:
A legalidade, como princípio da administração (CF, art37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.(MEIRELLES,2007, p.87)
Equilibrando os princípios explicitados acima, há o princípio da proporcionalidade, que apesar de não estar expresso, insere-se na estrutura normativa da Constituição junto com os demais princípios norteadores da hermenêutica constitucional.
Analisando-se de forma sistemática a Carta Cidadã percebe-se, sem esforço, que o princípio da proporcionalidade deve guiar o magistrado na interpretação e o legislador na elaboração das normas hierarquicamente inferiores.
Trata-se de um princípio que atua complementando o princípio da legalidade que rege toda atuação Estatal. O Poder Público submete-se à lei formal e esta deve ter como parâmetro a proporcionalidade, pois o legislador não está livre para elaborar leis que atentem contra direitos fundamentais.
Não se pode olvidar a lição de Paulo Nader (2006, p.200) quando afirma que:
Na vida do Direito os princípios são importantes em duas fases: na elaboração das leis e na aplicação do Direito, pelo preenchimento das lacunas da lei. [...] O fundamental tanto na vida como no Direito, são os princípios, porque deles tudo decorre. Se os princípios não forem justos, a obra legislativa não poderá ser justa. (grifos nossos)
Del Vecchio apud Nader ensina que "[...] o Direito só estabelece um requisito quanto ao que deve existir entre os princípios e as normas particulares do Direito: que entre uns e outros não haja nenhuma desarmonia ou incoerência...". (idem)
No que tange aos servidores públicos, mesmo tendo a Emenda Constitucional n.º 19/98 excluído do artigo 39 da CF/88 o princípio da isonomia de vencimentos entre cargos e funções, considerando que o direito à igualdade previsto no art. 5º da Carta Maior é direito fundamental e cláusula pétrea, nas palavras da professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro (1998, p. 366), "nada obsta que os servidores pleiteiem à isonomia com base naquele dispositivo".
Ademais, o texto magno no Capítulo VII "Da Administração Pública" prescreve em seu artigo 39, §1º incisos I, II e III que a fixação dos padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema remuneratório observará:
e complexidade dos cargos e componentes de cada carreira; os requisitos para investidura e as peculiaridades dos cargos.(grifos nossos)a natureza, o grau de responsabilidade
Tais requisitos trazidos pela EC n.º 19/98, como parâmetro de definição da remuneração dos cargos e funções são idênticos para os chefes da capital e do interior como se demonstrará na Seção 4.
4 DEMONSTRAÇÃO DA IGUALDADE FORMAL E MATERIAL ENTRE OS CHEFES DE CARTÓRIO DO INTERIOR E DA CAPITAL
Como já conceituado na seção anterior, o direito fundamental à igualdade não se efetiva apenas com a observância da igualdade formal.
A verdadeira igualdade se dá tratando os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual na medida de suas desigualdades. Além disso, é regra que toda desigualdade criada pelo legislador ordinário só se justifica se tiver como norte esse critério de igualdade material, que na verdade, nada mais é do que a efetivação do princípio da proporcionalidade.
A função de Chefe de Cartório Eleitoral tem suas atribuições definidas normalmente nos regimentos ou regulamentos das zonas eleitorais, editados pelos respectivos tribunais regionais no âmbito de sua autonomia administrativa e poder regulamentar.
É o caso do TRE/RN (Res. n.º 001/1995 - TRE-RN), do TRE/PB(Res. n.º 2/2011 - TRE-PB), do TRE/PE(Res. N.º 118/2009 – TRE-PE), TRE/RJ(Res. n.º 612/2004 - TRE-RJ), entre outros.
Tome-se, para ilustrar, o regimento das zonas eleitorais do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte, aprovado pela Resolução n.º 001/1995 - TRE-RN. Nesta norma vigem dispositivos que ainda tratam de atribuições do Escrivão Eleitoral, as quais com o advento do art. 4º da Lei n.º 10.842/2004 foram repassadas para os Chefes de Cartório.
É importante que se atente para o fato de que os requisitos previstos para o exercício da Chefia de Cartório são idênticos tanto para zonas do interior como para zonas da capital. Não bastasse isso, a nova lei determinou a acumulação das funções de Escrivão e Chefe de Cartório, excluindo contudo a retribuição devida aos escrivães que era no valor de uma FC-3, atribuindo mais responsabilidades aos Chefes de Cartório e retribuindo com uma gratificação menor do tipo FC-1.
Onde está a proporcionalidade? A lógica ensina que quando se aumentam as responsabilidades e atribuições, deve-se incrementar as retribuições. Mas não fez isso o legislador.
Outro ponto importante a ser destacado é que a natureza, responsabilidade e complexidade das funções de Chefe de Cartório de Interior e da Capital são idênticas, estando previstas no art. 18 da retro mencionada resolução, não havendo diferença quanto à formação e às competências de quem deva exercer tais funções. Ou seja, há igualdade formal de atribuições e requisitos para o exercício da chefia de cartórios do interior e das capitais.
Por último, para os que tentam justificar a diferenciação feita pelo legislador tomando por base as "peculiaridades do cargo", com vistas à efetivação da igualdade material a partir do argumento de que as zonas eleitorais do interior possuem menor demanda em virtude do menor número de eleitores, trago os dados extraídos do sítio da Internet do TRE/RN, referentes ao número de eleitores das zonas da capital do RN e de algumas zonas do interior do estado:
Zona Eleitoral |
Município (Capital) |
N.º de Eleitores – Eleições 2010 |
1ª Z.E |
Natal |
83.360 |
2ª Z.E |
Natal |
94.693 |
3ª Z.E |
Natal |
102.123 |
4ª Z.E |
Natal |
99.941 |
69ª Z.E |
Natal |
144.380 |
Zona Eleitoral |
Município (Interior) |
N.º de Eleitores – Eleições 2010 |
6ª Z.E |
Ceará-Mirim |
86.560 |
33ª Z.E |
Mossoró |
100.830 |
34ª Z.E |
Mossoró |
82.630 |
50ª Z.E |
Parnamirim |
96.406 |
Tabela 01 – Fonte – Sítio da Internet do TRE/RN: Dados obtidos em 18.04.2011
(URL: http://www.tre-rn.jus.br/portal/eleicoes/estatisticas/eleitorado/container.php?idRelatorio=1)
Pela tabela, percebe-se quão falha é a tese de que em zonas do interior há sempre menos eleitores e consequentemente menor demanda de serviços.
Conforme se pode extrair da tabela, tomando como exemplo apenas o RN, vê-se que em muitos casos, algumas zonas do interior possuem número de eleitores aproximado ou mesmo maior que as da capital, o que corrobora a assertiva de que esta discriminação quanto à retribuição da Chefia de Cartório para os que trabalham no interior não obedece critério de proporcionalidade ou igualdade material algum.
Se isso ocorre no RN, imagine-se para zonas do interior de um estado como São Paulo, Rio de Janeiro ou Minas Gerais, os quais possuem cidades interioranas com eleitorado maior que o de muitas capitais do Brasil.
Ademais, muitas zonas do interior compreendem mais de um município. Ou seja, o número de municípios compreendidos pela zona, será na verdade, um multiplicador do número de processos de registro de candidatura, registro de comitê financeiro, prestações de conta de candidatos e de partidos, etc. Isso não acontece nas capitais, já que cada capital engloba um único município.
Não fosse isso suficiente, por estarem mais distantes das sedes dos tribunais, locais onde se encontram as unidades responsáveis pela administração dos sistemas e material de informática, manutenção de equipamentos, enfim patrimônio em geral, as dificuldades das zonas do interior no que atine à gama de serviços é bem maior do que as das capitais.
Para visualizar esta realidade, basta pensar na ocorrência de um defeito em algum aparelho de uma zona do interior (computador, impressora ou condicionador de ar). A demora para solução de tal problema numa zona da capital tende a ser menor já que esta se encontra territorialmente mais próxima dos setores especializados dos TREs.
Outro problema que ainda pode ser detectado é que, diferentemente das zonas das capitais que normalmente possuem centros de atendimento a eleitores com funcionários dedicados exclusivamente a tarefa de alistamentos, transferências, revisões e 2ª vias, nas zonas do interior há apenas os dois servidores para acumulá-las.
Assim, o responsável pela chefia de cartório e escrivania, além de exercer o controle de patrimônio, a organização das pautas de audiências, os procedimentos de cargas nas urnas no período eleitoral, a organização e exposição de treinamentos para os mesários que trabalharão nas seções eleitorais, o assessoramento aos juízes eleitorais em processos de prestação de contas do partidos e candidatos, nos processos de registro de candidaturas em eleições municipais, nos processos de exclusão de eleitor por transferências fraudulentas, nas ação penais, nas AIJE’s, AIME’s e RCD’s, realiza, também, as atividades de atendimento ao público em geral.
Percebe-se, pois, que por mais que se busque alguma justificativa razoável para a existência de uma retribuição menor para os que exercem as chefias de cartório no interior, a nenhuma se consegue chegar.
Em suma, resta-se demonstrado que a Lei n.º 10.842/2004 em seu artigo 1°, incisos II e III, inseriu no ordenamento brasileiro uma diferenciação não justificada entre a retribuição a ser paga aos chefes de cartório eleitoral do interior e os da capital, não obedecendo, o legislador, critério algum de proporcionalidade ao criar esta discriminação e via de consequência, lesando o direito fundamental à igualdade.
O poder legislativo pátrio não atendeu aos critérios de diferenciação permitidos pela Constituição, tão bem explanados pelo professor Celso Antônio Bandeira de Melo [05], criando uma distinção sem correlação lógica entre o critério de discriminação e sua consequente desigualação, e por isso incompatível com os valores constitucionais.
Deveras, trata-se de mais um exemplo de inconstitucionalidade promovida pelo nosso legislador,e o pior, que tem sido protegida pela omissão do Poder Judiciário conforme se verá a seguir.