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Ativismo judicial

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Agenda 10/07/2011 às 16:59

7. ATIVISMO JUDICIAL NO BRASIL

Não obstante o fato de que o fenômeno ativismo judicial, como visto, tenha surgido no século passado; no Brasil, somente após a Constituição de 1988, a discussão sobre judicialização da política e, conseqüentemente sobre o ativismo judicial, tem sido abordada, tanto por cientistas políticos, como por operadores do direito. Atualmente este tema tem despertado interesse não só no meio acadêmico, que tem produzido vários artigos, teses e monografias abordando o tema, especialmente da problemática da judicialização da política, como também da mídia em geral.

Sem adentrar no mérito da linha editorial, do grupo de interesse ou orientação política que a mídia representa, fato é que atualmente grandes jornais de repercussão nacional têm contribuído no debate sobre o tema, através da opinião de jornalistas, intelectuais, analistas políticos e colunistas, notadamente naqueles casos de repercussão nacional.

Conforme apontado por Vanice Regina Lírio do Valle e outros autores no capítulo I, não é tarefa fácil definir uma decisão judicial como ativista, já que o parâmetro utilizado para caracterizar uma decisão como ativismo judicial reside numa controvertida posição sobre qual é a correta leitura de um determinado dispositivo constitucional. Ante o exposto neste capítulo, abordaremos algumas decisões judiciais apontadas pela doutrina como ativista.

No Brasil, detectamos todas as modalidades de ativismo judicial descrito por Luiz Machado Cunha e apontado no capítulo 1, notadamente pelo STF, ainda que os outros Tribunais também as pratiquem, como veremos adiante, tanto na Justiça Eleitoral, quanto na Justiça do Trabalho.

7.1. Ativismo jurisdicional

Conforme já mencionado, nesta modalidade de ativismo, o tribunal amplia seus limites jurisdicionais a fim de modificar, corrigir ou complementar leis e atos administrativos. É o que vem ocorrendo no STF, que saiu de uma posição conservadora, para, ampliando os limites de sua competência, mudar o entendimento da corte e ter uma jurisprudência mais ativa.

Na inauguração de nosso sistema de controle de constitucionalidade, nos albores da vigência da Carta de 1988, revelava o STF maior afinidade com os temas próprios do direito privado e ao processo, fator que contribuiu para formação de uma jurisprudência defensiva no que toca às potencialidades dos instrumentos de jurisdição constitucional então criado. Esse mesmo quadro não mais prospera, seja pelo crescimento da valorização das questões diretamente afetas ao Direito Constitucional seja pela mudança de composição da corte, que passou a receber magistrados originários de um ambiente acadêmico ou judiciário que já experimentava essa mesma valorização da Constituição. [90].

Antonio Moreira Maués e Alexandre Pinho Fadel, analisando as ações Diretas de Inconstitucionalidades, observam uma postura limitativa do Supremo Tribunal Federal após a promulgação da Constituição. "No entanto, nos primeiros anos após a promulgação da, o STF elaborou uma jurisprudência que limitou os canais pelos quais as decisões ou omissões do legislador poderiam ser por ele revistas" [91].

De fato, no ano de 1994 no Mandado de Injunção nº. 20, o STF reconheceu a mora do legislador quanto à regulamentação do direito de greve dos servidores públicos, todavia limitou-se a comunicar a mora ao Poder Legislativo, nos termos do artigo 103, inciso IX, §2º, da CRFB, inobstante, já, naquela época, os ministros Marco Aurélio de Melo e Carlos Veloso defenderem que o tribunal fixasse as bases para o regular exercício do direito de greve, tomando como parâmetro a lei 7783/89. Ressaltava o ministro Marco Aurélio que, ao Mandado de Injunção, não se poderiam emprestar contornos próprios à ação direta de inconstitucionalidade por omissão, sob pena de se reconhecer a dualidade de institutos com o mesmo objeto.

Transcorridos 19 anos da promulgação da Constituição e 13 anos da primeira decisão, reconhecendo a mora do Poder Legislativo, sem que este a suprisse, o STF, em 2007, no julgamento do MI 712 determinou a aplicação da Lei 7783/89 que regulamenta o direito de greve na iniciativa privada aos servidores públicos, tornando, in casu, um legislador positivo.

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Também no MI 721, o STF o julgou parcialmente procedente para reconhecer a mora do legislador na regulamentação do artigo 40, §4º, inciso III, da CRFB e determinou que se aplicasse a uma servidora pública o art. 57 [92] da Lei 8213/91, concedendo-lhe o direito à aposentadoria especial por exercer atividades em área insalubre.

Também verificamos essa ampliação de competência em relação às Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade por Omissão ADIO, notadamente, na ADIO 3.682, na qual o STF fixou prazo de 18 meses para que o Legislador purgasse a mora e editasse a lei reclamada. O Tribunal entendia que desencadeado o processo legislativo, não haveria mora [93], no entanto, neste julgamento, os ministros acompanharam o voto do relator Gilmar Mendes e reconheceram a inertia deliberandi, como causa de inconstitucionalidade por omissão.

7.2. Ativismo criativo

Nesta modalidade de ativismo, Luis Machado Cunha aponta como característica a utilização da hermenêutica como forma de criar novos direitos ou afirmação jurídica de direitos morais, enquanto que Luis Flávio Gomes o denomina ativismo revelador, vez que o juiz irá criar uma regra, um direito, com base em princípios constitucionais ou na interpretação de uma norma lacunosa. Podemos apontar esta modalidade de ativismo praticada pelo STF nos julgamentos a seguir:

7.2.1 Vedação do nepotismo nos três poderes (ADC 12, Rel. Min. Carlos Britto; e RE 579.951/RN Rel. min. Ricardo Lewandowski)

Nesta Ação Direta de Constitucionalidade, com base nos princípios da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade, o STF julgou procedente a referida ação, dando interpretação conforme a constituição, validando a resolução nº 7 do Conselho Nacional de Justiça que proibia o nepotismo no Poder Judiciário. Posteriormente, no julgamento do RE 579951, foi estendida a proibição aos demais poderes com base nos princípios elencados no artigo 37 da Constituição, inclusive, posteriormente foi editada a súmula vinculante nº. 13.

Interessante notar que, apesar de a súmula vinculante nº 13 ter sido baseada no julgamento da ADC 12 e do RE 579951, conforme proposta do Ministro Ricardo Lewandowsky, a Suma Vinculante não corresponde ao que foi decidido naquele RE, visto que o recurso foi julgado parcialmente procedente, exatamente porque o Ministro Ricardo Lewandowsky entendia que o provimento integral feria o princípio da separação dos poderes.

Não vejo como, todavia, dar provimento integral ao pedido do recorrente, em especial, a segunda parte do pedido formulado no recurso extraordinário, ou seja, "que o Município de Água Nova se abstenha de contratar ou nomear qualquer pessoa física que seja parente daquele ocupante de mandato eletivo ou cargo em comissão, estendendo-se, também às pessoas jurídicas, cujos sócios mantenham alguma relação de parentesco com as citadas pessoas"

Isto porque não cabe a esta corte, conforme pacífica jurisprudência, atuar como legislador positivo, sendo-lhe vedado inovar o sistema normativo, função reservada ao Poder Legislativo,

O provimento integral do RE, com efeito, revelaria flagrante extravasamento de competências, com ofensa ao princípio constitucional da separação dos poderes [94].

7.2.2. Fidelidade partidária

Este caso é interessante porque a jurisprudência do STF era pacífica sobre a inaplicabilidade do princípio da fidelidade partidária. O Tribunal somente veio a modificar seu entendimento, após uma decisão do TSE em resposta a uma consulta partidária. Após a modificação de seu entendimento, o Supremo remeteu ao TSE a competência para disciplinar a perda do cargo eletivo por infidelidade partidária, sendo editada a Resolução nº 22.610, a qual dispôs sobre direito material e processual, sendo inclusive alvo de ADI, mas teve seu texto julgado Constitucional até que o Congresso regulamente a matéria, ratificando o ativismo praticado pelo TSE.

Após a promulgação da CRFB de 1988, o STF foi provocado a se manifestar sobre a fidelidade partidária. Em 1989 no julgamento dos MS 20.916 e 20.927, o Tribunal, por maioria de votos, entendeu pela inaplicabilidade do princípio da fidelidade partidária.

Em 2007, o Partido da Frente Liberal (PFL), com base no art. 23, inc. XII, do Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65), formulou consulta ao TSE indagando se partidos e coligações tinham o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional, quando houvesse pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda. Em resposta, o TSE reconheceu o direito de os partidos e coligações preservarem as vagas obtidas pelo sistema eleitoral proporcional, quando, sem justificação, ocorra cancelamento de filiação ou de transferência de candidato eleito para outra legenda.

A partir de então, foram impetrados vários mandados de segurança perante o STF, a fim de que a Câmara dos Deputados cumprisse o entendimento do TSE e declarasse a vacância dos cargos daqueles deputados que abandonaram o partido.

O STF, reformulando sua jurisprudência, ratificou a Resolução do TSE e decidiu que o próprio TSE expediria resolução, disciplinando a perda do mandato, conferindo, assim, ao TSE a competência para legislar sobre o procedimento. OTSE então editou a Resolução 22.610 disciplinando a perda do mandato, inovando o ordenamento jurídico, pois além de criar norma de direito material, criou também norma de direito processual.

O Partido Social Cristão ingressou no Supremo Tribunal Federal com ADI 3999 contra a resolução, alegando usurpação de competência do Poder Legislativo e do Poder Executivo, pois regulamentou matéria reservada à Lei complementar, no entanto o STF julgou a ADI improcedente, confirmando a constitucionalidade da referida resolução, até que o Congresso disciplinasse a matéria. Neste julgamento, apenas os Ministros Marco Aurélio de Mello e Eros Roberto Grau votaram pela inconstitucionalidade da Resolução.

Veja parte do voto do Ministro Marco Aurélio de Melo:

Presidente, assentada a premissa – e fiquei vencido na matéria – segundo a qual o Tribunal Superior Eleitoral legislou, fez inserir no arcabouço normativo pátrio um ato abstrato autônomo, geral, obrigando a todos, devo, então, a partir dessa premissa em relação à qual continuo guardando reservas, proceder a exame da Resolução. Vejo que, já de início, no artigo 1º previu-se que é possível a Justiça Eleitoral, no caso de infidelidade partidária, decretar a perda do cargo eletivo.

O Tribunal Superior Eleitoral adentrou no campo do direito substancial para revelar situações concretas em que se teria o abandono do partido que capitaneou a eleição do candidato, o abandono pelo candidato eleito, como justificado, como legítimo. E aqui, realmente se trata de direito substancial.

Em preceito seguinte a Resolução versa processo, porque condição da ação diz respeito a processo e não a procedimento. A Resolução indica aqueles legitimados para adentrarem o campo jurisdicional e reclamarem a declaração em decisão constitutiva negativa, de perda de cargo (...)

(...) Em síntese, esse condicionamento, para mim, implica dizer que julgou, acabou julgando, não para o caso concreto, como ocorre quando a ação revela mandado de injunção, o Tribunal Superior Eleitoral acabou julgando implicitamente um mandado de injunção ante a lacuna legislativa, ante a inexistência de diploma que versasse todos os temas contidos na Resolução, ante a inércia do Congresso Nacional, e competente para julgar mandado de injunção, neste caso, e o Supremo Tribunal Federal e não o Tribunal Superior Eleitoral. [95]

7.2.3. Demarcação de terras indígenas na área conhecida como raposa/serra do sol (Pet. 3388/RR, Rel. Min. Carlos Britto)

Trata-se de Ação Popular proposta pelo Senador da República, Augusto Affonso, em face da União, impugnando a demarcação das Terras Indígenas conhecida como Raposa Terra do Sol, alegando vício na Portaria 534/2005 do Ministério da Justiça e do Decreto do Presidente da República que homologara a demarcação. Dentre outros argumentos, destacava-se que a demarcação contínua daquela área traria consequências desastrosas para o Estado de Roraima, notadamente, nos aspectos econômicos e sociais, assim como, comprometeria a segurança e soberania nacional.

O Tribunal julgou parcialmente procedente, declarando a legalidade e constitucionalidade da portaria, entretanto, impôs à Administração dezenove condições a serem observadas, residindo nestas imposições o ativismo judicial da corte por criar normas para regular situação não previstas em Lei.

7.2.4. Súmulas Vinculantes

Outro assunto que tem provocado intenso debate são as súmulas vinculantes editadas pelo STF. De acordo com o artigo 103A da CRFB, o STF poderá, de ofício, editar súmulas vinculantes as quais terão efeitos vinculantes em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. O Supremo até o momento já editou 31 súmulas vinculantes, dentre estas a súmula de nº 11, que restringe o uso de algemas.

Esta súmula recebeu críticas de diversos setores da sociedade, pois sua aprovação se deu em momento de grandes operações da polícia federal, resultando na prisão de pessoas de alto poder aquisitivo, inclusive, um banqueiro.

As críticas repousam na falta de pressupostos constitucionais para a sua edição, vez que a Constituição exige reiteradas decisões e tem por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas. No caso, não houve reiteradas decisões, pois a súmula se baseou apenas no julgamento de um habeas corpus.

Assim, teria o STF legislado e inovado:

Em suma, o STF inovou originariamente no ordenamento jurídico, ou seja, legislou mesmo. E isso fica mais evidente quando se observa a exigência feita pelos ministros de que a ordem de uso das algemas venha por escrito. No ordenamento jurídico há dois dispositivos que mencionam o uso de algemas: o art. 474 , , do CPP e o art. 234 , , do CPPM . Nenhum desses dois dispositivos exige ordem escrita da autoridade para determinar o uso de algemas. O STF, portanto, ao "interpretar" a norma, estabeleceu condições que nem a própria lei fez. Extrapolou os limites dela.. É situação semelhante ao que ocorre quando o Presidente da República regulamenta a lei através de decreto: se o decreto extrapola os limites da lei, fazendo exigências que ela não faz, ele é inconstitucional. [96]

7.2.5. Ativismo na Justiça do Trabalho

No início do ano de 2009, durante a crise econômica internacional a qual afetou as empresas brasileiras, o TRT/campinas 15ª região, concedeu liminar ao Sindicato dos Trabalhadores, proibindo a empresa de efetuar demissões de empregados até que se realizasse a audiência de conciliação entre as partes. Apesar de se ter cassado a liminar posteriormente, o dissídio coletivo foi julgado parcialmente procedente para impor algumas condições às demissões, inobstante a legislação trabalhista permitir aos empregadores a prerrogativa de efetuar as chamadas demissões imotivadas, ou seja, as demissões sem justa causa.

O TRT fundamentou sua decisão com base nos princípios da Constituição que enfatizam a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho:

COMPENSAÇÃO FINANCEIRA – PERTINÊNCIA. As demissões coletivas ou em massa relacionadas a uma causa objetiva da empresa, de ordem técnico-estrutural ou econômico-conjuntural, como a atual crise econômica internacional, não podem prescindir de um tratamento jurídico de proteção aos empregados (...)

(...)Na ausência de negociação prévia e diante do insucesso da conciliação, na fase judicial só resta a esta Eg. Corte, finalmente, decidir com fundamento no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil e no art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho. Assim, com base na orientação dos princípios constitucionais expressos e implícitos, no direito comparado, a partir dos ensinamentos de Robert Alexy e Ronald Dworkin, Paulo Bonavides e outros acerca da força normativa dos princípios jurídicos, é razoável que se reconheça a abusividade da demissão coletiva, por ausência de negociação. Finalmente, não sobrevivendo mais no ordenamento jurídico a estabilidade no emprego, exceto as garantias provisórias, é inarredável que se atribua, com fundamento no art. 422 do CC – boa-fé objetiva - o direito a uma compensação financeira para cada demitido. Dissídio coletivo que se julga parcialmente procedente.

Sobre o autor
Vicente Paulo de Almeida

Servidor Público

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Vicente Paulo. Ativismo judicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2930, 10 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19512. Acesso em: 23 dez. 2024.

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