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O novo panorama do divórcio no Brasil.

O fim da separação judicial (?)

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Agenda 11/07/2011 às 19:31

6.INTERPRETAÇÃO JURÍDICA DA EMENDA: A SEPARAÇÃO JUDICIAL PERMANECE EM VIGOR

Diante do quanto esposado no decorrer deste trabalho, percebe-se que as três correntes ora dominantes no Brasil encorajaram-se no sentido de dar a devida interpretação à nova Emenda, avocando, com este fim, fundamentos jurídicos diversos e até, algumas vezes, desprovidos da melhor técnica jurídica. De qualquer sorte, salienta Mario Delgado, em invejável síntese que:

"um problema que permeia essa discussão refere-se à maneira como o tema tem sido tratado. A maioria dos autores o tem abordado sob a ótica exclusiva do Direito de Família, quando, na verdade, o foro desse debate é a Teoria Geral do Direito, o Direito Constitucional e o Direito Intertemporal" [63]

Verifica-se, porém, que assiste razão à corrente eclética, uma vez que possui argumentos mais sólidos que as outras duas. A conclusão a que chega a essa corrente é muito simples e passa por uma série de filtragens, interpretando-se historicamente os aspectos da dissolubilidade matrimonial desde a primeira Carta da República até o atual momento.

Tais apontamentos, para fins didáticos, serão realizados ordenadamente (em tópicos separados), à medida que se descortina e se elide os argumentos elencados pelas outras correntes. Vejamos, então.

6.1.FIM DOS PRAZOS E CONSAGRAÇÃO DO SISTEMA DUALISTA OPTATIVO: OBSERVÂNCIA DA FORÇA NORMATIVA E DA MÁXIMA EFETIVIDADE CONSTITUCIONAL

Pretende-se demonstrar, inicialmente, que o novo texto constitucional não provocou a extinção do instituto da separação, uma vez que não colide com a sua existência no regramento infraconstitucional. Desta forma, constatar-se-á que, em verdade, a interpretação da Emenda nº66 acarretou o fim dos prazos para o pedido de divórcio, bem como, consagrou no país o denominado sistema dualista optativo, vigente em países como Portugal.

Durante mais de um século vigorou no Brasil o principio da indissolubilidade do casamento, que passou a fazer parte de todas as Constituições da República. A única solução era o desquite, previsto no Código Civil de 1916, que somente rompia a sociedade, não o vínculo.

Essa realidade só foi modificada em 1977 quando da aprovação da Emenda Constitucional nº 09/77, que alterou a Carta de 1967, prevendo que "O casamento somente poderá ser dissolvido, nos casos expressos em lei, desde que haja prévia separação judicial por mais de três anos".

A partir da análise desse texto, percebe-se que a Emenda de 1977 ainda não havia criado instituto algum, passando apenas a autorizar a dissolubilidade, que seria mais tarde concretizada infraconstitucionalmente, através da criação de institutos como a separação e o divórcio.

Surge a L. 6.515/77, regulamentando a separação e o divórcio que, por expressa regra Constitucional, tinha que aguardar um lapso de três anos para ser exercitado. Percebe-se, portanto, que a Constituição vigente autorizou a criação desses institutos pelo legislador ordinário, obrigando-o, contudo, a observar a condicionante prazal.

Por fim, promulga-se a Constituição de 1988, que passa a prever o Divórcio e a separação judicial – institutos criados pela L. 6.615/77 a partir da autorização da Constituição anterior –, exigindo-se para o exercício do divórcio o prazo de um ano da separação judicial ou de dois anos da separação de fato.

Em 2002, o novo Código Civil reproduz a regra Constitucional, que obrigava a observância dos citados prazos. Conclui-se, portanto, o seguinte: tanto os textos constitucionais de 1977 e 1988 não criaram a figura da separação judicial ou de fato, apenas as reconheceram como pré-requisito ao divórcio até então admitido.

A Emenda nº 66 de 2010, por sua vez, seguindo a mesma lógica, não fez desaparecer a figura da separação, apenas eliminou-a como condição ao divórcio, tornando desobrigatória, em patamar constitucional, a observância de qualquer prazo. Neste raciocínio, a Emenda não fez desaparecer a figura da separação, nem a tornou incompatível com a Constituição, apenas teve a poder de, ao se calar, vincular a legislação infraconstitucional no tocante aos prazos. Isso porque, conforme explica a doutrina:

o preceito legal cuidava, como ainda o faz, exclusivamente do divórcio, fixando prazo para o exercício do direito. Nenhuma palavra sobre o instituto da separação, salvo com relação, repita-se a prazos. (...) à evidência, desapareceu tão-só do dispositivo constitucional as exigências anteriores, relativas às formas do divórcio e os respectivos prazos, nada mais, nada menos. [64]

Com base nesta breve análise, torna-se cristalino o fato de que a separação judicial tem vida própria em sede infraconstitucional, e a EC 66/10 – com exceção aos prazos – em nada é incompatível com a sua existência. Nesta linha, torna-se descabido o argumento utilizado pelos abolicionistas ao invocar o art. 2º, §1º da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, que prescreve a revogação de norma pelo critério cronológico, uma vez que: 1) não houve declaração expressa; 2) não houve incompatibilidade; e 3) a emenda não regula inteiramente a matéria da separação. Assim, defende a doutrina que:

A supressão decorrente da EC 66 refere-se apenas aos requisitos para o divórcio (prévia separação judicial por mais de um ano ou comprovada separação de fato por mais de dois anos), e não à existência de um procedimento (judicial ou extrajudicial) para dissolução da sociedade conjugal. [65]

Na mesma linha, o ilustre processualista Elpídio Donizetti entende que o novo texto, ao afirmar que o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio, não traz qualquer novidade, concluindo que "o que ocorreu foi apenas a eliminação da necessidade da separação judicial prévia e dos prazos que estabelecia" [66], subsistindo a separação, que continua regulada pelo Código Civil.

Em sentido contrário, asseveram os abolicionistas [67] que o novo texto constitucional, ao não mais mencionar a separação, estaria provocando o fim do sistema dualista outrora previsto na Carta Maior, instituindo, de agora em diante, um regime monístico. Data vênia, tal entendimento revela-se deveras equivocado.

A ausência de tratamento da separação pelo Texto Superior não se traduz no fim do sistema dualista, mas, sim, no fim do sistema dualista obrigatório. Vale dizer, o sistema dualista se mantém, porém agora de forma opcional, previsto apenas em sede infraconstitucional. Este equívoco decorre da ausência de percepção destes juristas de que a separação, em verdade, nunca esteve prevista na Constituição!

Melhor dizendo, "as Constituições brasileiras jamais, em tempo algum, disciplinaram, albergaram, tutelaram expressamente, o processo de separação legal, que sempre foi matéria de lei ordinária". [68]

Conclui-se, dessa forma, que "Tanto as Constituições de 1967/1969, como a de 1988, mencionaram a separação apenas quando quiseram restringir ou dificultar o divórcio, elegendo-a como um requisito, como um pressuposto, um condicionante prévio". [69]

Conforme ventilado no item 5.2.1, outro argumento comumente utilizado para os defensores da tese abolicionista é o de que o seu não acolhimento implicaria na negativa da aplicação do princípio da força normativa da Constituição, ou até mesmo do princípio da máxima efetividade, sendo este um desdobramento daquele, aplicado aos direitos fundamentais. Todavia, ousamos discordar.

Os princípios supracitados são pressupostos que orientam o interprete na utilização dos métodos de interpretação constitucional. O intérprete, ao utilizar os diversos métodos interpretativos, deve se balizar a partir destes cânones, também chamados de princípios instrumentais, ou postulados normativos [70].

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Para Konrad Hesse, de acordo com o principio da força normativa, na interpretação Constitucional "deve ser dada preferência às soluções que, densificando suas normas, as tornem mais eficazes e permanentes, proporcionando-lhes uma força otimizadora". [71]

Com esta lição, não se vislumbra, in casu, qualquer ofensa à força normativa da Constituição, haja vista que não duvidamos que a Emenda teve, de fato, o poder de eliminar os prazos, tornando muito mais eficazes as normas relativas ao divórcio.

O postulado da máxima efetividade, por sua vez, decorre da força normativa, visando uma amplitude na interpretação e efetividade dos direitos fundamentais. Na visão de Friedrich Muller [72], está estreitamente relacionado ao enunciado in dubio pro libertate, que parte de uma presunção de liberdade a favor do cidadão.

Alinhada a este entendimento, afirma a doutrina que não há qualquer colisão de regras ou princípios que vinculem o fim da separação judicial, ao contrário, o direito de liberdade é garantido pelo dualismo optativo, a partir da concretização do princípio da dissolubilidade, que não mais permitirá que qualquer obstáculo (prazos, requisitos, etc.) prejudique a sua efetivação. Pertinente a seguinte lição:

A Constituição emendada reafirma o princípio da dissolubilidade do casamento pelo divórcio, expurgando, isso sim, qualquer óbice que se pudesse opor à máxima efetividade e optimização desse princípio. Mas esse princípio não colide com a manutenção de um sistema dualista que permita, por um lado, a dissolução do casamento pelo divórcio, sem delongas, sem empecilhos formais ou materiais; e, por outro, a dissolução apenas da sociedade conjugal, desde que tal procedimento não seja colocado como um requisito, uma barreira, um freio ou mesmo um redutor do princípio da dissolubilidade. [73]

Desta forma, ao se entender que a Emenda apenas afastou os prazos relativos ao divórcio, não se está rechaçando a aplicação do principio da máxima efetividade dos direitos fundamentais, muito pelo contrário, a idéia de liberdade está ínsita ao dualismo optativo surgido a partir do texto emendado.

Sucumbe, portanto, a tese da corrente abolicionista ao afirmar que seu entendimento se consubstancia através da aplicação dos princípios da força normativa e da máxima efetividade, posto que, ao contrário, a aplicação lógica e temperada de tais princípios refletem, em verdade, o surgimento de um sistema dualista opcional – despido de prazos –, ratificando, enfim, a liberdade de casar e manter-se casado.

Todavia, estender tais interpretações para alcançar a abolição do instituto da separação – desprezando a literalidade do texto da Emenda – denota impetuosa apelação aos cânones interpretativos Constitucionais, o que poderia nos proporcionar graves precedentes judiciais.

6.2.BREVES DIGRESSÕES ACERCA DA ANÁLISE DA CULPA

Conforme tem sido defendido até aqui, a recente alteração constitucional enaltece o direito fundamental de liberdade no âmbito nupcial, ocasionando o fim dos entraves outrora previstos ao fim do matrimônio. Isto posto, apesar de não ser objeto deste trabalho, não há como explorar a idéia de liberdade, alcançada com o advento da EC nº66, sem mencionar, ainda que sem maiores aprofundamentos, a vetusta questão da culpa pelo fim da relação, tendo em vista a sua imediata correlação com a liberdade conjugal.

Hodiernamente, doutrina e jurisprudência são praticamente unânimes em afirmar que a culpa não deve servir de obstáculo à decretação do divórcio ou separação, dependendo estes – a despeito dos requisitos prazais –, meramente, do desejo dos consortes em desfazer o laço afetivo. Todavia, discussão surge quanto à possibilidade de se imputar culpa a um dos cônjuges para que sobre ele recaia as conseqüências jurídicas da culpa.

Neste ponto, antes mesmo da Emenda nº 66, a maioria da doutrina já se inclinava para o fim da possibilidade de investigação da culpa, vez que "a ingerência determinada pela lei na vida dos cônjuges, obrigando um a revelar a intimidade do outro para que o juiz impusesse a pecha de culpa ao réu, era visivelmente inconstitucional" [74]

Em sentido diametralmente oposto – entendendo que a culpa permanece, ainda que a separação seja extinta –, afirma a doutrina que:

Ora, a interpretação de que a redação antiga já extinguiria a culpa do divórcio é um sofisma evidente. A questão das repercussões da culpa cabia circunstancialmente na separação judicial, que então era antecâmara necessária do divorcio. Por isso, esse tema talvez até aparecesse à primeira vista, não ser relativo ao divórcio, quando na verdade era parte dele, como mecanismo global. [75]

Em apertada síntese, a análise da culpa traz consigo dois efeitos de direito material básicos: a questão do impossibilidade de manutenção do sobrenome do cônjuge culpado, e a questão dos alimentos meramente voltados a subsistência.

Nesta Linha, o cônjuge culpado só terá direito a manutenção do sobrenome do cônjuge inocente se puder provar cabalmente algum prejuízo sofrido com a perda do sobrenome, conforme se infere dos incisos do art. 1.578 do Código Civil. [76]

Outro efeito importante do reconhecimento da culpa é o da mudança da natureza dos alimentos prestados em favor do cônjuge culpado. Nesse sentido, o parágrafo único do art. art.1.704 [77] faz distinção entre os alimentos civis (manutenção de vida digna) e alimentos naturais (direcionados a mera sobrevivência). Assim, pela redação do dispositivo, se o cônjuge for declarado culpado, somente terá direito aos alimentos meramente indispensáveis a sua sobrevivência.

Entretanto, esses efeitos da imputação da culpa são extremamente criticados pela doutrina majoritária, vez que entendem que tais conseqüências jurídicas violam frontalmente direitos da personalidade (quanto ao sobrenome) bem como o principio da solidariedade familiar (quanto aos alimentos).

O tema é deveras controverso e, não obstante se discorde parcialmente de tal posicionamento, não há, aqui, espaço para se posicionar em sentido contrário, sob pena de completo desvirtuamento do tema.

Destarte, malgrado não se pretenda digladiar tema tão cinzento e discutível, não há como desprezar o posicionamento da culpa dentro do novo sistema dualista optativo carreado pela EC nº66, que consagra, indubitavelmente, o direito fundamental à liberdade e a autonomia privada dos cônjuges.

Deve-se, portanto, delimitar que, sob o aspecto do principio da liberdade e da autonomia privada extraída dos cânones interpretativos da nova emenda, a questão da culpa só poderá ser tratada de duas formas: ou não mais se aplica a qualquer procedimento (divórcio ou separação), ou se aplica a ambos. Qualquer outra solução estorvaria a aplicabilidade do sistema dualista optativo, que, como visto, saúda a liberdade dos cônjuges.

O esforço aqui realizado, portanto, é de simplesmente realocar a culpa para que se alcance a máxima liberdade na opção pelo sistema dissolutório, acima tratado [78]. Expliquemos.

Partindo-se do pressuposto que a culpa permanece em vigor, se esta não puder ser analisada em sede de divórcio e ficar restrita ao procedimento de separação, a liberdade optativa dos cônjuges pelos meios procedimentais ficará completamente esvaziada, uma vez que o cônjuge que quiser debater a culpa será obrigado a utilizar a via da separação judicial, o que não se coaduna com o espírito libertador carreado pela Emenda. Corroborando este mesmo entendimento afirma, sabiamente, a doutrina que:

o cenário que o direito brasileiro merece, após a aprovação da Emenda Constitucional em tela, é o de que ao divórcio se apliquem as modalidades que antes existiam somente na separação judicial – com e sem culpa – de modo a facilitar o termino do casamento e continuar a oferecer liberdade de escolha da espécie dissolutória, pra que seja protegida a dignidade humana e dos membros da família. [79]

Nesta linha, inclusive, Caetano Lagrasta, Desembargador do TJSP, apesar de ser favorável ao fim da separação, também observa a possibilidade de apuração de culpa, inclusive no processo de divórcio, para fins de extinção do direito à pensão do culpado. [80]

O entendimento que parte do pressuposto de que a culpa foi definitivamente extirpada, também não viola qualquer fundamento do novo sistema optativo, vez que, a impossibilidade de discuti-la, não causaria qualquer óbice à liberdade, sendo indiferente se os cônjuges optaram pela separação ou pelo divorcio.

Observa-se, portanto, que, diante do novo panorama dissolutório, a culpa deve ser reposicionada: ou sendo discutida em ambos os procedimentos, ou deixando de ser tratada em quaisquer deles. Entendemos que, somente dessa forma, a liberdade dos cônjuges será devidamente prestigiada e o esforço do legislador não terá sido em vão.

Outro aspecto importante a ser tratado, diz respeito à não vinculação da imputação da culpa (ou qualquer outro pedido) à decretação do divórcio. Vale dizer, o divórcio, sendo direito potestativo, não depende de qualquer condição, merecendo ser decretado imediatamente, no início da lide [81].

Desta forma, ainda que em uma única ação se cumule diversos pedidos (divórcio, imputação de culpa, pensão, etc.), a decisão sobre o pedido do divórcio é parcela incontroversa de mérito, devendo ser proferida independentemente da avaliação dos outros pedidos, fazendo coisa julgada material, seja em espécie de resolução parcial e imediata do mérito [82], seja em capítulo de sentença [83].

A despeito das discussões processuais acerca da antecipação do mérito, entendemos que tal medida vem a calhar bem com a atual sistemática dissolutória, prestigiando a liberdade do cônjuge, que não mais precisaria aguardar desnecessariamente o desfecho dos outros pedidos – inclusive no que tange à culpa –, podendo ter seu divórcio imediatamente decretado, ficando livre para contrair novas núpcias.

6.3.DA EFICÁCIA IMEDIATA DA NORMA

No que tange à discussão sobre o plano de eficácia da norma contida na EC/66, não duvida a corrente eclética da autoexecutoriedade da mesma (eficácia plena). Sucede que essa imediata aplicação cingir-se-á aos requisitos constantes no Código Civil, por incompatibilidade constitucional (não-recepção), não alcançando a figura da separação, em si, como forma de extinção da sociedade conjugal. Nesse sentido,

o preceito constitucional é autoexecutável e sobrepõe-se ao regramento ordinário das formas de dissolução conjugal, de sorte que facilita a concessão de divórcio independente de conversão de prévia separação das partes ou de prazos certos previstos na lei. (...) o que não significa, porém, a revogação tácita de dispositivos outros, que não dizem respeito ao divórcio, mas, somente, à separação como forma de dissolução da sociedade conjugal. [84]

Aliás, neste aspecto reside o equivoco da corrente exegética-racionalista, uma vez que nega qualquer impacto advindo da nova Emenda, seja por ela ser meramente declaratória [85] e dependente de legislação infraconstitucional (Código Civil); seja por achar que ela tem eficácia mediata, ou tratar-se havendo mera desconstitucionalização da matéria [86]. Apesar do argumento interessante, não entendemos assim.

Como visto acima, o novo parágrafo 6º do art. 226 tem aplicabilidade imediata – no tocante aos prazos –, decorrente do reconhecimento do princípio da força normativa da Constituição. O silencio que emana da norma é eloqüente no sentido de vincular a sua observância pela legislação infraconstitucional. Negar tal entendimento, isso sim, desrespeitaria a própria força normativa da Constituição.

Ainda que a norma tivesse eficácia limitada, sabe-se que tais normas, "apesar de não possuírem, desde sua entrada em vigor, uma eficácia positiva, são dotadas de eficácia negativa, ab-rogando a legislação precedente que lhe for incompatível e impedindo que o legislador edite normas em sentido oposto ao assegurado pela Constituição". [87]

No caso, o CC/02 observava uma regra constitucional imposta pelo alterado art. 226, §6º da CF/88, que exigia a prévia separação para o alcance do divórcio. A partir do momento que surge um novo parâmetro de constitucionalidade e tal regra é extinta, o Código Civil inicia um processo de incompatibilidade com o novo ordenamento Constitucional.

6.4.DA SUPOSTA INUTILIDADE DO INSTITUTO DA SEPARAÇÃO

Retornando às críticas feitas à corrente abolicionista, percebe-se que esta alega, ainda, que a separação deve ser extirpada, por ser um instituto inútil, desnecessário e fadado ao fracasso. Em parte, concordamos, todavia, não há como concluir que a separação, de acordo com lei vigente, não tenha qualquer utilidade.

Nesta linha, o cônjuge, na dúvida, pode querer exercer o direito de não extinguir o vínculo, fazendo uso de uma medida menos abrangente, qual seja, "a dissolução da sociedade conjugal pela separação, com a possibilidade adicional de reconciliação e refazimento da mesma sociedade sem as dificuldades rituais de um novo casamento que essa "volta" exige nos casos do divórcio" [88]

Concordamos plenamente, tendo em vista que "dizer que a reconciliação é uma desvantagem, seria subestimar a capacidade civil plena das pessoas, ferindo um direito da personalidade quanto à escolha do estado civil na aferição familiar". [89]

Ainda que se aceite que a separação seja um instituto em desuso ou inútil, não se pode interpretar que esse posicionamento pudesse provocar a sua revogação tácita, o que implicaria num "erro grave de interpretação, posto que nosso sistema não sustenta a revogação da lei pelo desuso". [90]

Não há, portanto, qualquer razão jurídica de entender que a emenda teria eliminado tacitamente a separação, uma vez que somente retirou-lhe a função de antecâmara para o divórcio. Pensar ao contrário, causaria a crença de que a própria separação de fato também deixou de existir, o que, data vênia, é um contrassenso!

Absurdo seria pensar que a figura civil da "separação de fato" pudesse desaparecer por força da Emenda 66: "a separação de fato" continua existindo para incontáveis efeitos jurídicos em inúmeras searas do direito. O objetivo da Emenda 66 foi apenas o de fazer desaparecer em breve tempo a figura da "separação judicial" como pressuposto do divórcio. [91]

Na mesma linha, sustenta Mario Delgado que "o raciocínio contrário nos levaria à conclusão, surreal, de que também a ‘separação de fato’, ela própria, teria sido suprimida pela alteração constitucional, uma vez que era mencionada, com a separação legal, e agora não o é mais" [92]. Assim, se a separação de fato, ainda que sem regulamentação, continua existindo, com mais razão prevalece o entendimento de que a separação judicial também continuará, tendo em vista o seu regramento vigente na Legislação Civil.

6.5.CRÍTICAS AO USO DESMEDIDO DOS MÉTODOS INTERPRETATIVOS

Afastemos, neste momento, os argumentos coligidos pela corrente abolicionista na tentativa de justificar os efeitos do texto emendado a partir dos métodos interpretativos. Em geral, ao assumir a limitação literal oriunda do novo dispositivo, alegam a necessidade da observância de determinados métodos interpretativos, em especial a interpretação histórica e teleológica.

Inicialmente, cabe rechaçar o resultado que a primeira corrente chega através da interpretação teleológica (finalidade da norma). Desprezar a leitura da norma para acreditar que a sua finalidade seria causar o fim da separação desmerece qualquer amparo jurídico-interpretativo, uma vez que, justamente ao contrário, "a manutenção da separação judicial decorre de interpretação sistemática e teleológica, em razão da coerência do ordenamento e dos fins sociais a que a norma se destina" [93]

Nesse sentido, aduz o imortal Washington de Barros Monteiro (pela voz de Regina Tavares da Silva), que o direito à liberdade está evidentemente prestigiado através do fim do sistema dualista obrigatório, onde "a manutenção da espécie dissolutória culposa e da separação judicial em nosso ordenamento jurídico não esta atrelada ao mero debate entre divorcistas a antidivorcistas, ou entre católicos e não católicos, mas, sim, à preservação dos direitos fundamentais". [94]

Comungando do mesmo espírito interpretativo, entende Elpídio Donizetti que a separação, isoladamente considerada, e seu respectivo procedimento não têm o condão de embaraçar a liberdade de determinação afetiva dos cônjuges, concluindo que:

Somente restringem essa liberdade os acréscimos que a ela se atavam [...], que, contudo, podem ser removidos do instituto sem afetar-lhe a essência. A separação, em sua natureza, é meio de por fim a sociedade conjugal sem dissolver o vínculo matrimonial. Esta é a sua essência, não afetada pelo EC nº66/2010. [95]

Entretanto, o argumento principal utilizado pelos que defendem o fim da separação reside na técnica de interpretação histórica, consubstanciada na chamada vontade do legislador (mens legislatoris). Todavia, tal argumento carece da melhor técnica interpretativa, sendo esta extremamente criticada pela doutrina, desde os autores mais clássicos aos mais atuais.

Como se sabe, o legislador não é uma pessoa em si. Os textos normativos são produzidos por órgãos colegiados, agregando diversos ideais, vontades paradoxais e tendências políticas, de maneira que as exposições dos parlamentares nem sempre expressam os reais motivos de aprovação de uma lei, "pelo contrário, muitas vezes servem justamente para ocultar as reais intenções por trás de argumentos mais palatáveis para a opinião pública". [96] Nesta linha, vale destacar a confusão refletida na criação de uma lei:

Uns aprovam por concordarem com os objetivos, outros apenas para seguir a orientação do partido, outros ainda para não causar atritos com suas bases, com colegas que lhe poderão ajudar no futuro ou com certos grupos sociais relevantes. Alguns parlamentares rejeitam um projeto por concordar com seus fins e não com seus meios, outros apenas porque querem projetar na mídia uma determinada imagem: progressistas, corajosos, moralistas etc. Alguns votam para atender a pedidos dos financiadores da campanha, da esposa, dos amigos. [97] 

De acordo com Carlos Maximiliano, "como descobrir, naquele labirinto de idéias contraditórias e todas parcialmente vencedoras, a vontade, o pensamento, a intenção diretora e triunfante?" [98]

Trata-se, portanto, de recurso interpretativo deveras inseguro, que inclusive já fomentou supressão das liberdades civis, por conta de regimes autoritários, que utilizaram-se destas técnicas para fundamentar arbitrariedades, mitigando a possibilidade emancipatória criadora de outras instâncias do Direito.

Nesta linha, afirma Ferrara, em obra clássica, que "o intérprete deve apurar o conteúdo de vontade que alcançou expressão em forma constitucional, e não já as volições alhures manifestadas ou que não chegaram a sair do campo intencional. Pois que a lei não é o que o legislador quis ou não quis exprimir, mas tão-somente aquilo que ele exprimiu em forma de lei". [99] Concluem, da mesma forma, pensamentos mais modernos:

não há a possibilidade de se ultrapassar os limites da linguagem, sob pena de perder qualquer objetividade na interpretação e o perigo de não equilibrar subjetividade/objetividade é a possibilidade do arbítrio e da falta de controle e até mesmo em um excesso de voluntarismo que não pode mais ser aceito. É a linguagem do texto expresso na EC que deve nos dar a justa medida para a sua interpretação. [100]

No mesmo sentido, afirma o insigne constitucionalista Dirley da Cunha Jr. que a interpretação jurídica não se presta a investigar a vontade do legislador, prelecionando que:

A interpretação não pode ser reconduzida a uma atividade de reconstrução do pensamento do legislador, como defendiam os originalistas (ou subjetivistas) no direito norte-americano. O que se interpreta é o texto à luz do caso ao qual ele vai ser aplicado e concretizado; logo, o que se busca na interpretação é construir o sentido do texto da norma em relação à sua realidade (eis a norma, como resultado da interpretação), circunstancia que prestigia, não a vontade do legislador, mas a vontade da própria disposição normativa (a mens legis), que, ao fim de seu processo de positivação, adquire vida própria e autônoma, separando-se do legislador. [101]

Dessa forma, descarta-se, por conseguinte, os argumentos utilizados pelas outras teses, em especial, a abolicionista, que insiste no uso pouco rigoroso e indiscriminado das teorias interpretativas da ciência do Direito, como forma de alcançar o desiderato idealizado pelo IBDFAM, que massificou, através da mídia, a concepção de facilidade e de rapidez para atingir o divórcio, provocando o fim prematuro da separação.

Nesse sentido, não há como deixar de citar a brilhante lição de Kelsen, que defendia a idéia de que a ciência do Direito não poderia ser utilizada como campo de opiniões pessoais e tendências ideológicas, sob pena de gerar grave insegurança jurídica.

Para Kelsen, quando o intérprete, partindo de sua concepção axiológica pessoal, faz uma escolha entre muitas possíveis, não estaria problematizando a ciência do Direito, mas sim exercitando atividade de política jurídica. Assim, "eles procuram exercer influência sobre a criação do Direito. Isto não lhes pode, evidentemente, ser proibido. Mas não o podem fazer em nome da ciência jurídica, como freqüentemente fazem" [102].

Conclui-se, assim, esposando o entendimento da corrente eclética, que a Emenda nº 66/10 teve o condão de não mais permitir que o legislador infraconstitucional imputasse prazos ou requisitos para divórcio, não tendo havido, entrementes, a supressão do instituto da separação, seja judicial ou extrajudicial.

Sobre o autor
Adalberto Lima Borges Filho

Advogado, Conciliador do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, pós-graduando em Direito do Estado pelo JusPodivm, graduado em Direito pelo Centro Universitário Jorge Amado (UNIJORGE), graduado em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda pela Universidade Salvador (UNIFACS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES FILHO, Adalberto Lima. O novo panorama do divórcio no Brasil.: O fim da separação judicial (?). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2931, 11 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19528. Acesso em: 22 dez. 2024.

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