5. DA EVENTUAL CONCESSÃO DO DANO MORAL
Muito comum se observar que em casos de procedência da ação e condenação da empresas aéreas por danos morais, a maioria dos julgados concede alta verba indenizatória, passando ao largo dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Tais condenações muitas vezes ultrapassam os limites do próprio bom senso e possibilitam que o consumidor realize a mesma viagem várias vezes. E mantendo essa postura sem nenhum tipo de reflexão, obviamente a ‘indústria’ do dano moral só tende a crescer, pois as pessoas vêem em situações corriqueiras do dia-a-dia a possibilidade de auferir alta soma em dinheiro.
Para fins de condenação, o valor de uma eventual indenização deve ater-se a critérios razoáveis, pois se presta à reparação do prejuízo sofrido, não servindo de fonte de enriquecimento da outra parte. O grande problema é estabelecer o que seria esse critério razoável, pois não basta justificar a concessão com fincas em uma "ponderação das circunstâncias", mas efetivamente transformar essa ponderação em verba pecuniária dentro de parâmetros razoáveis.
Sempre oportuna a opinião do professor Sérgio Cavalieri Filho (2007, p. 81), o qual entende:
"Creio que na fixação do quantum debeatur da indenização, mormente tratando-se de lucro cessante e dano moral, deve o juiz ter em mente o princípio de que o dano não pode ser fonte de lucro. A indenização, não há dúvida, deve ser suficiente para reparar o dano, o mais completamente possível, e nada mais. Qualquer quantia a maior importará enriquecimento sem causa, ensejador de novo dano."
Nesse passo, o próprio artigo 944, parágrafo único, do Código Civil vigente recomenda prudência na fixação de eventual indenização, a qual deve ser moderada e eqüitativa às circunstâncias de cada caso, evitando que se converta a dor em instrumento de captação de vantagem, trazendo, ainda que de forma implícita, o princípio da razoabilidade na apuração.
Da mesma forma que na análise da existência, ou não, de situação grave o suficiente para gerar um dano moral indenizável, no momento de se arbitrar seu quantum, não basta apresentar belas e longas citações sobre o instituto do dano moral, o Estado Democrático de Direito, a função do Judiciário ou a importância de se respeitar os direitos dos consumidores. Ao revés, o magistrado deve justificar o motivo pelo qual entende ser aquela quantia suficiente e justa para ressarcir o consumidor pelo dano sofrido. E esse tipo de fundamentação legítima é muito raro nos julgados atuais.
6. CONCLUSÃO
Não existem mais dúvidas que o serviço de transporte aéreo de passageiros atualmente ultrapassou as antigas fronteiras que permeavam a atividade, de forma a permitir que qualquer pessoa possa adquirir, por preços razoáveis, passagem para praticamente qualquer lugar do mundo.
E obviamente com essa "popularização" aérea, o número de problemas e percalços aumentaram, gerando reflexos no número de pessoas que buscam o Judiciário para discutir fatos decorrentes do contrato de transporte aéreo firmado com as empresas do ramo, normalmente buscando reparações de cunho extra patrimonial, ou seja, o famoso dano moral.
Como dito, observa-se, pois, uma crescente interposição de processos voltados exclusivamente para a obtenção de verba pecuniária a título de danos morais em decorrência de atrasos de voos, normalmente sob o fundamento de que os eventuais atrasos na decolagem e aterrissagem da aeronave ocasionaram efetivos abalos à honra, moral e psique do homem médio.
Porém, infelizmente percebe-se que na maior parte dos julgados, os julgadores já orientaram-se a vincular o atraso de decolagem ou aterrisagem de um voo a um dano extra patrimonial passível de indenização. Sem analisar o caso em concreto ou as provas constantes nos autos, já se criou a máxima de que: atraso de voo é igual a indenização. O que varia é apenas o quantum arbitrado.
Ora, o dano moral não existe por si só ou pela simples ocorrência do atraso ou cancelamento. Cada caso concreto apresenta situações completamente distintas envolvendo pessoas diferentes, o que não pode ser simplesmente desconsiderado e proferida um decisão sem a mínima análise fática ou das provas dos autos. É preciso, acima de tudo, prova cabal e exauriente que em decorrência de eventuais atrasos na decolagem ou aterrisagem do voo, o mero aborrecimento foi ultrapassado e o inadimplemento contratual proporcionou efetivamente um aborrecimento sério e legítimo.
É também óbvio que o dano moral enseja direito a ressarcimento, contudo, não se pode levar essa regra a extremos, sob pena de trazer descrédito à tese, o que infelizmente vem ocorrendo.
O setor aéreo lida com situações extremamente complexas que não dependem tão somente da atuação da empresa, sendo que em decorrência de tal complexidade (autorizações de voos, liberações de pista de aterrissagem, condições climáticas etc), alguns retardos ou cancelamentos em horários previamente estabelecidos podem ocorrer. Mas, não se pode afirmar que a simples ocorrência de atraso ou cancelamento causa um dano moral passível de indenização. Não será qualquer situação desconfortável pela qual passe o indivíduo que se revelará capaz de ensejar o dano moral, mas tão somente aquela que venha a resultar em grave abalo psíquico, o que deve ser expressamente provado pelo passageiro, não bastando sua simples argumentação.
No mesmo sentido, caso entenda-se pela ocorrência do dano moral em decorrência de atraso ou cancelamento de voo, o julgador deve justificar o motivo pelo qual entende ser aquela quantia suficiente e justa para ressarcir o consumidor pelo dano sofrido. E, como dito, esse tipo de fundamentação é muito raro nos julgados atuais.
Desta forma, é imperativo ocorrer amplo debate e reflexão sobre esse assunto, pois a máxima de que um atraso ou cancelamento ocasiona automaticamente um dano moral merece ser urgentemente revista, devendo o julgador ponderar as nuances do caso, o tratamento ao consumidor e outra série de fatores que interferem (ou ao menos deveriam interferir) na análise da efetiva ocorrência de danos morais indenizáveis por cancelamento ou atraso de voo.
NOTAS
1. Disponível em http://www.anac.gov.br/imprensa/mensagembarat.asp
2. Disponível em http://www2.anac.gov.br/imprensa/AnacAmplia.asp
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